PODER JUDICIÁRIO FEDERAL JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO Gabinete Juiz Convocado 6 Avenida Presidente Antonio Carlos, 251, 6º andar - Gab 54 Castelo Rio de Janeiro 20020-010 RJ PROCESSO: 0069600-92.2001.5.01.0302 - AP Acórdão 3ª Turma DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL. FRAUDE CONTRA CREDORES. CARACTERIZAÇÃO. Não restando configurada a fraude contra credores, perfeitamente válida a doação do imóvel realizada. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de agravo de petição, em que são partes SILOÉ ESTEVES AMORIM, como agravante e ENGETHERM SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO S/C LTDA., MANOEL LEONARDO NETO e INA MARQUES DOS SANTOS LEONARDO, como agravados. Inconformado com a r. decisão de fl. 273, proferida pelo MM. Juiz Claudio José Montesso, da 2ª Vara do Trabalho de Petrópolis, que indeferiu o seu requerimento, recorre o autor, via agravo de petição, segundo as razões de fls. 281/287. Aduz que restou demonstrada nos autos a fraude contra credores, evidenciada na doação de imóvel por parte dos sócios da ré, em favor de seus filhos e com usufruto vitalício, devendo ser declarada, incidentalmente, nula tal doação, na forma dos artigos 158 e 159 do Código Civil. Contraminuta dos sócios da Ré, às fls. 297/298. O processo não foi submetido ao Ministério Público do Trabalho por não se tratar de matéria de interesse público, na forma do art. 83, II, da LC 75/93. É o relatório. VOTO CONHECIMENTO Representação regular do agravante (fl. 07), inexigibilidade de garantia do juízo, na forma da lei, sendo o recurso tempestivo. Conheço do agravo de petição interposto pelo autor por preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. 5163 1
MÉRITO Insurge-se o agravante contra a r. decisão de fl. 273, defendendo a tese da existência, na hipótese vertente, da figura da fraude contra credores, pois comprovada a presença dos seus dois elementos configuradores: o eventus damni (dano no patrimônio do devedor de modo a prejudicar a satisfação integral das suas dívidas, tornando-o insolvente) e o consilium fraudi (intuito do devedor em furtar-se do pagamento de suas obrigações, traduzido no conluio entre o devedor e o terceiro a fim de prejudicar credor). Após o trânsito em julgado da r. sentença proferida às fls. 157/158, as partes foram devidamente intimadas a apresentarem seus artigos de liquidação, sendo homologados os cálculos do autor. Em seguida, o contador do juízo procedeu à atualização e o cômputo dos juros da mora, restando fixado o quantum debeatur, à época (25/04/2003), não incluídos os honorários advocatícios, em R$8.980,52, equivalentes a 852.181,61994 TR's pro-rata. Expediu-se, em maio/2003, carta Precatória executória, não logrando êxito o Juízo deprecado em localizar a executada. Mandado de citação, penhora e avaliação expedido com novo endereço da ré, citada na pessoa do sócio Manoel Leonardo Neto. Segundo informação do sr. oficial de justiça, a empresa executada não estava estabelecida no local da diligência, sendo apenas residência do sócio, não havendo ali bens da referida empresa. Petição do autor, às fls. 192/193, requerendo a expedição de ofício ao Ministério da Fazenda, a fim de enviar cópias das declarações de imposto de renda dos últimos 5(cinco) anos da ré e de seus sócios. Requereu, ainda, a expedição de ofício ao DETRAN local para que fosse informada a existência de veículos em nome da ré e de seus sócios. Expedidos os mencionados ofícios, às fls. 194 e 195, com resposta negativa do DETRAN e positiva da Receita Federal, sendo enviadas as declarações da empresa Ré, relativas aos exercícios 2000, 2001 e 2002, dos sócios Manoel Leonardo Neto, relativas aos exercícios de 1999 a 2003, e Iná Marques dos Santos Leonardo, relativa a 2001, sendo que nos exercícios de 1999, 2000, 2002 e 2003, os referidos sócios declararam em conjunto. À fl. 208, o Juízo a quo desconsidera a personalidade jurídica da empresa ré, em virtude das infrutíferas tentativas de execução forçada em face dela. 5163 2
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO Gabinete Juiz Convocado 6 Avenida Presidente Antonio Carlos, 251, 6º andar - Gab 54 Castelo Rio de Janeiro 20020-010 RJ PROCESSO: 0069600-92.2001.5.01.0302 - AP De posse dos CPF's dos sócios da Ré, fornecidos pelo Autor, à fl. 214, determinou o Juízo a quo a penhora eletrônica, através do sistema BacenJud, nas suas contas bancárias, que resultou no bloqueio e solicitação de transferência dos seguintes valores: R$184,85 e R$18,52. A partir do petitório de fl. 219, diversos ofícios foram expedidos ao DETRAN, no intervalo de quase 2 (dois) anos, solicitando informações acerca da titularidade do veículo apontado, bem como dos registros de transferências havidas a partir de janeiro/2000, restando infrutíferos. Reiteração da penhora on line, via sistema BacenJud, com a atualização prévia do montante devido, em março/2009, encontrando-se o valor correspondente a R$11.275,12 ou 937.398,63000 TR s (com a inclusão dos honorários advocatícios), valor este inserido na ordem judicial de bloqueio de valores de fls.237/239, que não logrou êxito. Às fls. 241/242, peticionou o autor requerendo novamente a expedição de ofício ao Ministério da Fazenda, solicitando o envio de cópias das declarações de imposto de renda da ré e de seus sócios, dos últimos 5 (cinco) anos, o que foi feito. Em cumprimento ao ofício expedido à fl. 244, foram enviadas as declarações dos sócios Manoel Leonardo Neto, relativas aos exercícios de 2007,2008 e 2009, e Iná Marques dos Santos Leonardo, relativas a 2004 (em conjunto com o outro sócio) e 2005/ 2006 (como seu dependente). Manifestou-se o autor, às fls. 247/260, apresentando documento comprobatório da doação de um bem imóvel de propriedade do sócio da ré, sr. Manoel Leonardo Neto, oriundo do 11º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Petropólis. Nova tentativa de bloqueio on line na conta corrente dos sócios, assim como pesquisa pelo sistema RENAJUD, como requerido pelo autor, sem nenhuma resposta positiva. Intimado o autor, à fl. 271, a fornecer meios ao prosseguimento da execução, reportou-se o mesmo aos termos e pedidos expendidos na sua petição de fls. 247/260, não apreciada. O Juízo recorrido decidiu, nos seguintes termos, a questão referente à 5163 3
doação do imóvel, verbis: Indefiro o requerido às fls. 247/260. A doação do imóvel fora efetuada no ano de 1997 e a presente demanda fora distribuída em 2001. O ato da doação, por si só, não permite ao Juízo reconhecer a fraude contra credores alegada pelo rte.; necessários outros elementos para tanto. que: Após este resumido relato, entendo que não cabe razão ao Agravante. Acerca da fraude contra credores, o art. 158 do Código Civil dispõe Ltr, 44ª ed., pg. 100 : Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. 1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. 2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles. Segundo Eduardo Gabriel Saad, em sua obra CLT Comentada, Ed. Configura-se a fraude contra credores quando o devedor, já insolvente, transfere a terceiro, gratuitamente, seus bens ou simula dívidas. O ato gratuito mais comum é o da doação, retendo o usufruto o doador, caso dos autos, ato este passível de anulação, desde que, segundo melhor doutrina pátria, estejam presentes ambos os elementos tipificadores da fraude contra credores: o eventus damni (resultado do dano) e o consilium fraudis (combinação com terceiro para prejudicar os credores). A respeito dos elementos constitutivos da fraude contra credores, auspiciosa a citação feita pelo mestre Francisco Antonio de Oliveira, in 'Execução na Justiça do Trabalho ', Ed. Revista dos Tribunais, 6ª ed., pg. 352: Preleciona J. M. Carvalho Santos que 'existem dois 5163 4
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO Gabinete Juiz Convocado 6 Avenida Presidente Antonio Carlos, 251, 6º andar - Gab 54 Castelo Rio de Janeiro 20020-010 RJ PROCESSO: 0069600-92.2001.5.01.0302 - AP elementos constitutivos. Elemento objetivo da fraude. É o eventus damni, que só se verifica quando o ato do devedor lhe determinou ou agravou o estado de insolvência. Elemento subjetivo da fraude. É o consilium fraudis, ou seja, a má-fé, que se presume algumas vezes, por parte do devedor; vale dizer, a intenção do devedor de prejudicar os seus credores. Consequência da fraude contra credores. A fraude contra credores torna o ato anulável, podendo, pois, o credor usar da ação própria para obter este resultado'. Dessa forma, quanto à caracterização dos atos de transmissão gratuita de bens, passíveis de anulação, basta provar-se que o negócio foi praticado em dano dos credores, sem precisar pesquisar-se se o beneficiário tinha, ou não, conhecimento da insolvência do devedor ou da sua verdadeira intenção, levando-se em conta o fato de que somente os credores, que já o eram ao tempo desses negócios, poderão pleitear a anulação deles, como expressamente estabelecido pelo art. 158, 2º, do Código Civil. In casu, porém, o ora agravante, à época da mencionada doação do imóvel de propriedade do sócio da ré, Sr. Manoel Leonardo Neto, datada de 20/03/97, como atestado pelo documento colacionado à fl. 260, ainda laborava na empresa executada, só vindo a ser demitido em 31/12/99, conforme declarado na exordial, inviabilizando a sua caracterização retroativa como credor da empresa executada, bem como dos seus sócios. Portanto, não restando configurada, na hipótese presente, a alegada fraude contra credores, perfeitamente válida a doação do imóvel realizada. Nesse sentido, cabe aqui transcrever dois arestos regionais que respaldam o caso vertente, mesmo tratando-se de hipótese contrária: Doação de bens. A fraude contra credores, a teor do art. 9º da CLT, não merece a tutela do julgador. A doação dos bens da devedora constitui autêntico atentado contra o bom desenvolvimento da prestação jurisdicional em andamento, porque lhe retira o bem sobre o qual a execução deverá incidir. A lei impede que, pendente o processo, a executada altere sua posição patrimonial, para menor, impedindo a realização da atividade jurisdicional. (TRT-MG 438/86, rel. 5163 5
Nego provimento. Dárcio Guimarães de Andrade, Synthesis 4-87, p. 210) Fraude contra credores. O direito material assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens. No entanto, a norma processual o obriga a conservar em seu patrimônio bens em número ou valor bastante para atender ao cumprimento de suas obrigações, sob pena de incidência em fraude contra credores, que se caracteriza pela existência de dois fatos simultâneos: à época da alienação ou oneração dos bens existia contra o devedor demanda judicial e que esta demanda seja capaz de levá-lo à insolvência. In casu, à época da alienação do bem já existiam débitos trabalhistas que tornavam indisponíveis os bens da executada, por não possuir esta outros bens que pudessem garantir o pagamento, e, desta forma, a alienação efetuada é ineficaz, vez que presentes os dois fatos necessários à caracterização da fraude contra credores. (TRT-17ª R., Proc. 960.2000.191.17.00-5, Ac. 1162/2002, rel. Juiz Marcello Maciel Mancilha, DOES 08.02.2002) ANTE O EXPOSTO, conheço do agravo de petição interposto pelo autor e, no mérito, nego-lhe provimento, na forma da fundamentação supra. ACORDAM os Desembargadores da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do Agravo de Petição interposto pelo Autor e, no mérito, negar-lhe provimento, na forma da fundamentação do voto da Exmª. Relatora. Rio de Janeiro, 23 de julho de 2012. LF Juíza do Trabalho Convocada Patrícia Pellegrini Baptista da Silva Relatora 5163 6