Relações Críticas no Ensino de Sistemas CAD



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Transcrição:

Relações Críticas no Ensino de Sistemas CAD Critic Relations in Teaching CAD Systems Douglas Lopes de Souza Universidade Federal de Viçosa Brasil douglas@ufv.br ABSTRACT The present work part of the questioning about teaching models of CAD within an experimental didactic activity where questions emerge about possible formalism produced by direct application of technology in the generative processes of architectural objects. In this sense suggests a docent position in guiding the student as one who no longer plays in the formalization process geometries, but a builder of a critical process that requires attention to issues beyond form that assist the consolidation of a social actor. 312 KEYWORDS: ensino; arquitetura; urbanismo; crítica; digital Technology is the answer... but what was the question? (Cedric Price, 1970) Graças à inovação tecnológica produzida pelos meios técnicos dentro das profissões durante a presente era digital essas mudanças se tornaram mais perceptíveis em menos tempo dentro de uma espécie de corrida pela inovação. Obviamente encontram-se nesta situação o design, a arquitetura, o urbanismo e as engenharias de produção da construção, todos se apropriando das possibilidades técnicas em diferentes objetivos, desde o mais abstrato ao mais pragmático. Durante o percurso de alguns cursos de graduação na inserção de técnicas digitais desde as duas últimas décadas do século passado ocorreram diversas propostas metodológicas, mas uma delas merece atenção neste estágio atual quando nos referimos ao aprendizado de ferramentas digitais dentro do currículo de graduação que é aquela estruturada para fornecer ao aluno uma instrumentalização de projeto. No ensino de disciplinas dentro do âmbito universitário, a simples instrumentalização tende a obrigar o aluno à repetição de modelos de trabalho dentro de uma lógica apresentada pelo professor. Essas disciplinas normalmente apresentam softwares CAD de modo semelhante a cursos encontrados pelo mercado em diversos módulos de conteúdos. O que este artigo traz é um questionamento sobre a eficiência destes métodos de ensino em rede pública e a visão sobre uma proposta menos hermética. Experimento didático Na busca da construção de uma base teórico-crítica para ensino de técnicas CAD aplicadas à arquitetura e urbanismo, definiu-se uma proposta didática dentro da disciplina Sistemas CAD baseando-se em modelos assimilados nestes últimos anos de convivência acadêmica pessoal e observação de artigos publicados em diferentes mídias. Na proposta didática, são oferecidas três aulas iniciais para apresentação da disciplina e introdução da temática digital contemporânea com exposição de exemplos das novas tecnologias e processos: modelagem paramétrica, gerativa, baseada em agentes, prototipagem e fabricação digitais e BIM. Logo em seguida os trabalhos

são direcionados para a parte teórico-prática que ficou dividida em dois temas principais: o desenho digital e o projeto digital. O processo de desenho digital é executado na plataforma CAD e direcionado à produção de desenhos técnicos em diversos temas arquitetônicos usando o software AutoCAD 2009. Nesta temática tradicional, repete-se o modelo de ensino encontrado no mercado dos cursos de software, mas com significativas alterações quanto à apresentação dos dados e das justificativas dos procedimentos adotados na lógica projetiva empregada no mercado. São introduzidos os conceitos de processo de produção como a manutenção de padrões de controle de qualidade em nomenclaturas, tratamento com informações dos arquivos, interação entre o software e outros programas gráficos e maximização da eficiência do processo de projeto dentro das possibilidades de interface apresentadas pelo programa. Já o segundo tema da disciplina segue uma linha didática distinta do primeiro, mas possui a mesma carga horária e teve como objetivo a apresentação do software Rhinocerous 3D preocupando-se com qualidades do objeto dentro da proposta de modelagem e construção de uma maquete na temática apresentada - um receptáculo que abrigasse atividades humanas públicas a partir do conceito de evento (Nota 1), mas em uma visão desvinculada da ordem mercadológica como ocorreu no primeiro tema. Elaborou-se uma oficina como objetivo a produção de um mobiliário escala 1:1 a partir do uso de papelão kraft como material de construção levando em consideração questões ergonômicas que previam o uso real do protótipo. Foram levadas em consideração prioritariamente as questões físicas do material que resultaram em possibilidades estéticas percebidas por cada um dos grupos. de programação experimentada no momento de definição das conexões entre placas de papelão. Neste momento houve o esclarecimento da necessidade de apreensão desta possibilidade quando foi usado o script CutMyOwnRibsV3_en.rvb (Nota 2) que gerou o recorte em cada interseção de chapa economizando consideravelmente o tempo na execução destas conexões. Fig. 3 - Mobiliário produzido durante oficina. De modo comparativo ocorreu na proposta executiva uma percepção sobre a motivação dos alunos no uso de instrumentos digitais fato que não ocorria na repetição de um modelo conforme apresentado na primeira experiência didática, além do que apesar da presença docente, ocorre a interação entre alunos em um aprendizado coletivo do software onde surgem questionamentos sobre as capacidades do software, do material e sobre as possíveis soluções na execução e elaboração da forma dentro do ambiente digital além de problemas executivos que ocorreram durante a construção física do protótipo alimentando o processo de geração digital por meio de feedbacks entre alunos. 313 Fig. 1 e 2 - Mobiliário produzido a partir de secções verticais no modelo. Foi determinado como objetivo a produção de uma peça real passível de experimentação pelos alunos. Além da experiência na produção da inovação material sobre um objeto foi possível apresentar algumas questões tratadas no início da disciplina quanto aos processos contemporâneos de geração da forma, principalmente quanto ao uso de linguagem Enquanto a segunda proposta apresentou um resultado físico, facilmente reconhecido pelos alunos, houve pouca assimilação do conteúdo do programa se compararmos a primeira proposta didática. No segundo trabalho houve discussão sobre o projeto do objeto dentro e fora do âmbito digital, enquanto no primeiro caso ocorreu apenas a exposição da linguagem direcionada do software no sentido de expor aos alunos o máximo de seu conteúdo dentro dos desenhos realizados. Apesar do uso de projetos desenhados pelos alunos no desenho digital, o projeto ainda se mostra mais motivador no segundo caso, mesmo que a quantidade de conteúdo exposto tenha sido reduzida. Esta percepção durante o desenvolvimento da disciplina abre questões estruturais sobre o ensino de CAD nas DIDÁTICA E CURRICULUM

314 Instituições Públicas de Ensino Superior: como ensinar tecnologia instrumental a alunos de graduação dentro de um curso de arquitetura e urbanismo que visa à formação de indivíduos em uma ciência social aplicada? Do ensino de CAD em ateliês. Uma possibilidade de trabalho com tecnologias de modelagem é no estudo da forma, análise de suas possibilidades estruturais e exploração das dimensões geométricas até o limite da topologia. Esses trabalhos estão amplamente representados dentro da produção internacional das escolas de design e arquitetura e apresentados em diversas publicações como o design de estrutura (structural design). Neste tipo de proposta existe alguma questão inicial que orienta o processo, mas o foco por vezes cai na especulação formal elaborada segundo os potenciais dos softwares e das simulações (climáticas e estruturais em FEM). Em alguns destes projetos podemos presenciar uma operação do instrumento digital reduzindo a arquitetura a objeto ou peça de design, ou seja, um móvel que pode ser inserido em qualquer circunstância. Um produto a ser anunciado por fotos em uma pirotecnia visual. Essa relação também é percebida por BERKEL e BOS: Our critique is that while architecture is subject to many constraints, today s techniques do not acknowledge most of these limitations, but instead present an idea of design as semi-automatic result of the interplay on an arbitrary selection of (not always appropriate) parameters, often leading to amorphous, academic results that do not translate into feasible constructions. (BERKEL e BOS, 2006, pp. 10) A palavra/conceito de ordem é design computacional (computational design) que remete à geração de materiais e edifícios produzidos a partir de seu desempenho com agentes externos, normalmente os naturais ventos, luz solar, iluminação, calor, acústica, etc. Seguir com o raciocínio da arquitetura como objeto tecnológico derivado de uma pesquisa pragmática vai direcionar a produção de perfeitos modelos BIM onde tudo está integrado e sustentável; um edifício completo em si mesmo. Esse é o problema que já foi identificado no modernismo: um meta-objeto que discursa hermeticamente sobre si, a forma justificada pela programação, enfim, projetos que ARGAN definiria pertencentes a cidades que precipitam nas entranhas da terra ou elevam-se vertiginosamente (ARGAN, 1992, pp. 215). Qual o papel do docente neste caso? Como foi mostrado na experiência didática apresentada, o professor não pode desenvolver uma disciplina tecnológica na graduação como um curso expositivo, mas, talvez, ser um orientador do processo que alimenta a atitude científica, não transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção (FREIRE, 2003, pp. 47). Uma atitude científica não perpassa necessariamente por um produto físico ou racionalizável em aplicação direta da tecnologia. Deve-se despertar no aluno de arquitetura e urbanismo não o raciocínio de formador de edifícios, mas o desejo de se construir como ator social, fomentador de possibilidades dentro do ambiente urbano. De tentar resgatar a técnica como instrumento que contribui para a realização de uma ideologia no espaço. Diferente de uma pesquisa universitária, em muitos momentos os alunos não terão recursos para desenvolvimento do projeto, o que causará a necessidade de improvisar ou transgredir o que está estabelecido. Seja um script, um novo plugin ou utilização de maquetes de massa de modelar, enfim, a linguagem deve ser adequada para o discurso proposto. O projeto passa a ter a essência da pesquisa formando-se em uma estrutura com um objetivo definido: alterar uma dada condição a partir de proposições estabelecidas em um estágio inicial de análise. Um projeto não é um ato criativo, mas fruto de uma estruturação de raciocínio e proposição de instrumentos no sentido de racionalizar um espaço dentro de uma lógica proposta (conceito). Desta forma, um instrumento parametrizável deixa de ser uma ferramenta, um mero instrumento que permita algo, mas passa a ser uma máquina que move as variáveis dentro do processo. Ora, se posso inserir um algoritmo que vincule uma geometria a uma matriz numérica, é possível vincular essa geometria a praticamente qualquer evento redutível a números. Então seria possível vincular o fluxo de pessoas com disposição de elementos no piso e a este fluxo seria possível definir um parâmetro na superfície do percurso que também responda à qualidade do material empregado aumentando o atrito estou habilitado a gerar uma inclinação maior no piso. Enfim, estamos coordenando um processo topológico. Eis a necessidade de estabelecer a fundamentação crítica nos alunos: apenas operar os instrumentos de projeto e manter-se atualizado é reduzir-se a uma lógica hermética cruel que definha a capacidade intelectual de um estudante universitário. Em uma universidade que se propõe à formação de profissionais para uma demanda socioeconômica, deve-se trazer o exercício da ética que perpassa pela fundação da crítica. Sem a crítica o aluno vira reprodutor de interações entre comandos o que tente a leva-lo á máxima exploração dos softwares no sentido de criar uma novidade espetacular. Tal como uma tese que não é nova apenas por tratar da mais nova bibliografia, mas porque estabelece novas relações a partir de um conjunto epistemológico que

revê estruturas anteriores. Esta deveria ser a essência da potência da tecnologia definida aqui como aplicação de conhecimento científico às tarefas práticas. Sem a fundamentação teórica que define uma postura crítica, temos duas possibilidades no desenvolvimento de projetos: reduzir a arquitetura apenas à resolução de problemas racionais como um quebra-cabeça entre legislação e espaço disponível ou a então exploração da arquitetura como um ato de bom-gosto dentro de uma estética fetichista. De qualquer forma os reais problemas da arquitetura não são tocados em ambos os casos. A questão é orientar a inserção das técnicas dentro de um fundamento arquitetônico - uso, questões sociais, econômicas, etc. Elaborar forma e decidir como construí-la é parte do todo que deve estar vinculado a questões sociais reais assim como na expressão do sujeito no sentido de sua construção dentro de uma disciplina social aplicada. De outro modo o aluno será tratado como solucionador problemas imediatos e não como aquele que tem capacidade crítica de projeção, planejamento e exploração, ou seja, nada mais é do que um artifício mecânico (não maquínico), um aplicador de regras que valoriza apenas o saber verificável ou o saber prático. A técnica deve voltar a ser o suporte para o evento e não ele por si. O ter poder deixa de ser novidade e é suplantado pelo modo de usar o poder. É necessária a compreensão crítica de que os softwares são gerados por equipes de pessoas o que define como a consolidação de uma ideologia. Eles são destinados a um tipo de uso relativamente específico. Um usuário deve ter a capacidade de poder escolher entre as ferramentas disponíveis, cada uma aplicável de modo mais eficiente em uma circunstância específica. Não existe software universal do mesmo modo que não existe o pensamento único. Devemos lembrar que a arquitetura é um ato estético, artístico e, portanto, político. Do mesmo modo é a atitude hacker que consiste em explorar um instrumento transgredindo ou subvertendo sua função original na busca pela sua reinvenção.podemos observar as tecnologias deste modo, com mais liberdade de proposição sobre elas. One task of criticism, then, is to disrupt the consensus that supports all forms of humorless earnestness and mawkish sanctimony, as these tendencies endeavor to put design (or choice) beyond dispute, beyond argument, and therefore mark the end of a plastic or political discipline of architecture. (SOMOL, 2009, pp. 33) De modo a exemplificar este raciocínio elencamos o software desenvolvido em 2010 pela pesquisadora Flávia Feitosa no estudo da expansão urbana da cidade de São José dos Campos a partir do uso da linguagem LOGO. O software MASUS, construído dentro da plataforma NETLOGO, simula o crescimento da cidade durante os anos de 1990 e 2000. Ela desenvolveu algoritmos que foram escolhidos para simular uma dinâmica de valorização e desvalorização imobiliária no ambiente urbano a partir da análise de agentes dentro de um processo emergente (FEITOSA, VLEK, LE, 2011). Um exemplo de experimento que utiliza as tecnologias de modo próximo foi o projeto apresentado por BILORIA (2011) dentro do programa de mestrado do Hyperbody, grupo de pesquisa que atua dentro da Faculdade de Arquitetura da Delft University of Technology, na Holanda. Com fundamentos especulativos, o grupo dirigido por Kas OOsterhuis se propôs a desenvolver um processo de estudo espacial e construção dos componentes de uma estrutura que fosse inserida naquela localidade. Além destes, existem muitos outros exemplos de possíveis de apropriação da tecnologia com olhar crítico sobre a problemática. Podemos citar Digital Favela de RESSEL, Guilherme, trabalho produzido na Dessau Institute of Architecture e foi desenvolvido a partir de gramáticas da forma (shape grammars), a Moebius House (1993) e IFCCA Competition (1997) do escritório UNStudio, o projeto do Plano Diretor de Yokohama (1992) proposto pelo escritório OMA. Todos estes projetos são resultantes de processos experimentais, mas sempre preocupadas por uma coerência na proposição dos objetos segundo hipóteses lançadas no início. A tecnologia é usada de diferentes modos, mas o conceito que guia a formação dos projetos não é estruturado sobre a forma, mas na problemática apresentada nas hipóteses (projetos). A complexidade do mundo, abraçada desde os fins da era moderna da arquitetura não tem fundamento em sua exploração dentro da elaboração formal do objeto. Existe um potencial criativo permitido pelas tecnologias CAD em modelagem tridimensional tradicional e aquelas também relacionadas dentro do paradigma gerativo que têm interagido de modo extremamente frutífero no processo paper-less design. Os limites na geração de formas neste setor não existem, mas além das formas elaboradas por operações topológicas, existe o potencial de relacionar as novas técnicas em paradigmas do conhecimento. Relacionar dois entes através de um parâmetro numérico extraído de uma matriz de pontos, que por sua vez tem uma relação com uma forma natural (arquitetura biomimética), aleatória ou de acordo com uma definição inicial à escolha do projetista, antes de ser uma forma inovadora e exuberante, é uma alteração do método de projeto que passa a se estruturar em um pensamento paramétrico, relacional ou sistêmico em sua plenitude. A morfogênese digital permite relacionar a forma de um objeto com um modelo externo (natural, artificial, estático ou dinâmico) e isso deve ser valorizado 315 DIDÁTICA E CURRICULUM

no momento que isso representa o modelo de mundo destes arquitetos já que este processo é a essência de tais produtos. Before we can generate buildings themselves, we must model the decision-making processes that give rise to them. (LEACH, 2009, pp. 55) Notas 1. Neste sentido foram oferecidos textos de apoio locados em um ambiente digital (PVANet) destinado a dar suporte às disciplinas na instituição. 2. Script escrito por Dimitrie Stefanescu e Manuel A. e disponível sob a licença da Creative Commons. Bibliografia ARGAN, Giulio Carlo. 2005. Historia da arte como historia da cidade. São Paulo: Martins Fontes. BILORIA, Nimish. 2011. InfoMatters, a multi-agent systems approach for generating performative architectural formations. In International Journal of Architectural Computing. 9(3). 205-222. 316 FEITOSA, Flávia F.; LE, Quang Bao ; VLEK, Paul L.G. 2011. Multi-agent simulator for urban segregation (MASUS): A tool to explore alternatives for promoting inclusive cities. In Computers, Environment and Urban Systems, 35(2), 104 115. FREIRE, Paulo. 2003. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra. KOLAREVIC, Branko. 2003. Information Maser Builders. In Architecture in the Digital Age: Design and Manufacturing. New York: Spon Press, 88-97. LEACH, Neil. 2009. The Limits of Urban Simulation. In Architectural Design, 79(4), 50-55. SOMOL, R. E. 2009. Poli-Fi. In Journal of Architectural Education. 62(3), 32 33. VAN BERKEL, B. BOS, C. 2006. UNStudio: Design Models. New York, Rizzoli.