BuscaLegis.ccj.ufsc.br Crime militar de insubmissão. ausência de tipificação - matrícula em tiro-de-guerra. ilegalidade Eliane De Azevedo Vale Ferreira* Insubmissão (CPM, art.183) Art.183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação. (grifo nosso). Pena- impedimento, de três meses a um ano. O tema sob comento tem sido, de há muito, controvertido, pelos respeitáveis entendimentos jurisprudenciais e doutrinários- estes muito raros encontrados apenas em pareceres da douta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Militar - surgida em 1993, com a Lei Complementar 75/93. E, ainda, em esparsos estudos a respeito. Crime propriamente militar, da espécie crime militar próprio, caracterizado por sua instantaneidade, de mera conduta, é um crime sui generis como, dentr outros, nos alerta o saudoso jurista e Ministro da Superior Corte Castrense, JOSÉ ALBERTO ROMEIRO. Trata-se, pois, de crime do maior interesse para a Justiça Militar, e que mereceu, por interpretação teleológica ou lógica, tratamento especial do legislador constituinte, ao redigir o inciso LXI, art.5º, da CF.
Por isto, insere-se entre os que tutelam o bem jurídico a ser protegido: O SERVIÇO MILITAR E O DEVER MILITAR - Título III, Livro I, Parte Especial do vigente Código Penal. Sua singularidade e importância, como se dá com o de deserção, é de tal ordem, que não admite liberdade provisória, (CPPM, art.464, 3º, com as ressalvas legais), ou sursis (CPM, art.88,ii,b e CPPM, art.617,ii,a). Pratica-o o civil convocado à incorporação. O agente a ele responde, após sua inclusão ( 2º, art.464, CPPM). A Constituição Federal, no referido inciso LXI, art.5º, recepcionou o disposto na parte final do 1º, art.463 do CPPM, o que vale dizer, sua captura independe de ordem judicial, podendo ser efetuada pela autoridade militar competente, de posse do TERMO DE INSUBMISSÃO - documento que compõe o IPI ( Instrução Provisória de Insubmissão ). INCORPORAÇÃO E MATRÍCULA O texto da lei repressiva castrense e os conceitos e definições da LEI DO SERVIÇO MILITAR - Lei n.4375, de 17.AGO.64 Norma que, conforme seu art.81, somente passou a viger aos 20.Jan..66 e seu DECRETO REGULAMENTAR (Dec.n.57.654, de 20.Jan.66), com a alterações que lhe deram os Doc. n.627, de 07.AGO.92 e Dec.n.57.654, de 20.JAN.94. Eis o ponto nodal a ser analisado e, concessa venia, esclarecido.
Para tanto, indispensável é o conhecimento técnico e/ou legal do que sejam: convocação à incorporação ou matrícula; convocação à incorporação; convocado, no caso de mobilização total ou parcial; matrícula, em suas diversas acepções. - O Decreto n.57.654, de 20.01.66, em seu art.3º, oferece os conceitos e definições dos institutos acima, numa própria interpretação autêntica. E a definição de Serviço Militar, constante do art.1º da Lei n.4375, é a mesma dada pelo Decreto 57.654, em seu art.4º. TIRO-DE-GUERRA, órgão criado por Ministro Militar, é assim definido por AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA, em seu Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Ed., Editora Nova Fronteira, l986: TIRO-DE-GUERRA - s.m., Bras. Centro de Instrução Militar e formação de reservistas do Exército, destinados aos cidadãos, que por qualquer motivo, não se incorporam às unidades e subunidades regulares(f.red:tiro.pi:tiros-de-guerra). (grifo nosso). O art.20 da LSM assim define INCORPORAÇÃO: Art.20.Incorporação, é o ato de inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa das Forças Armadas. O Decreto Regulamentar, em seu art.3º, n.21, diz ser o ato de inclusão do convocado ou voluntário em Organização Militar da Ativa, bem como em certos Órgãos de Formação da Reserva.(grifos nossos) Aqui o legislador começa a ensejar confusão. Em verdade os Órgãos de Formação da Reserva, nada mais são do que Organizações Militares da Ativa, regularmente previstas nas Forças Armadas.
A definição de MATRÍCULA, dada pelo art.22, da LSM é clara: refere-se a estabelecimento de ensino militar da ativa ou da reserva. No 1º, quando se refere a convocados que estejam cursando o 3º grau, ou o último ano do 2º grau, deixa induvidoso que o cidadão pode estar apenas matriculado, ou, matriculado - incorporado. O caos legislativo se acentua, com a definição de MATRÍCULA, no Decreto Regulamentar no art.3º, n.25, pela péssima redação do preceito. Aqui, embora de forma confusa, o legislador quer dizer que a matrícula pode ser de dupla espécie. A PRIMEIRA é aquela em que o convocado ou voluntário é designado para um Órgão de Formação da Reserva, ao qual fique vinculado (não incorporado) para prestar serviços de forma descontínua, em horários limitados, também limitados os seus encargos àqueles necessários à sua formação, ficando, diz o Decreto, incluído no referido Órgão e matriculado, sem contudo ser incorporado. Os arts. 85 e 86 do Decreto, bem a definem. Ex.: Alunos do CPOR, EFORM, etc. A SEGUNDA espécie de matrícula, é a descrita no final do n.25, art.3 º do Decreto:...será incluído o incorporado à referida Escola, Centro, Curso, ou Órgão. Nesta hipótese, o convocado ou voluntário fica vinculado de forma permanente, independente de horário, e com os encargos inerentes às Organizações Militares da Ativa. Aqui, pois, não há, como na primeira espécie, encargos limitados, nem horários, nem períodos descontínuos. Portanto, o art.25 da LSM e o n. 7, art.3º do Decreto n.57.654, somente podem estar se dirigindo ao matriculado - convocado.
Ex.: Aspirantes a Guarda - Marinha e (EN) Cadetes das Escolas de Formação de Oficiais da Ativa (AMAN E AFA), etc. É, na 1ª hipótese, portanto, que se enquadra o TIRO-DE-GUERRA. Reiterando, a definição do n.7, art.3º, do cit. Decreto, ao se referir à convocação à incorporação ou matrícula, dirige-se à forma de recrutamento, denominada aqui de matrícula, é a segunda espécie que vimos de analisar. Ad conclusam, será insubmisso, apenas o incorporado (seja ou não por admissão, via matrícula) 2ª espécie, supra, como é de se interpretar a dicção do art.3º, em seu n.21 - interpretação restritiva. Todavia, como dissemos ao iniciar esta análise, buscando nos servir da melhor Hermenêutica, para bem Interpretarmos e postularmos,então, a boa e escorreita Aplicação da Lei, em razão da esdrúxula, repetitiva e pois, atécnica, redação das normas sub examine, até há pouco encontramos decisões judiciais e entendimentos opostos ao que aqui vimos expor, o qual passou a ser o predominante. Assim, era muito comum alguns entenderem que a LSM ou seu Decreto Regulamentar, diante, precípua e respectivamente, do art.25 e seu parágrafo único do art.3º, n.22, teriam o condão de integrar ao termo insubmisso, constante do tipo penal do art. 183, CPM. É de ficar registrado que, tal, destruiria Princípios Hermenêuticos induvidosos. Para que um tipo penal possa ser modificado, exige o Princípio da Legalidade e o da Reserva Legal, oriundos de Feuerbach e amplamente defendido e divulgado pelo jovem - maduro e corajoso Marquês de Beccaria, que lei penal expressamente assim o faça. O que inexiste, in casu.
Tais Princípios, presentes em todos os Códigos Penais Modernos dos Estados Democráticos e de Direito, são intocáveis, salvo em benefício do réu- como é de sabençapelo quanto a todos ele garante contra o abuso de autoridade, o absoluto autoritarismo, a violenta arbitrariedade da autoridade maior. Inobstante, mesmo em países assim constituídos, vê-se Chefes de Estado e de Governo a agirem, ou tentarem agir como se fossem Monarcas - Imperadores, Reis Absolutos! Outra hipótese, ao caso também não aplicável, é quando estamos diante de uma norma penal em branco - aquele que carece de ato normativo que a venha integarar. Ex.: CPM, art.290:... ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Em NORMAS INCRIMINADORAS, somente é admissível a interpretação analógica, (não analogia), quando o próprio tipo assim o diz- Ex.: CPM, art.291:...ou para quaisquer fins.... Voltando, pois, ao tipo penal do art.183, não há menção expressa à matrícula e sim, e, apenas, à INCORPORAÇÃO. Cabe, como já explicitado, admitir-se a matrícula, desde que o convocado seja incorporado. O delito de insubmissão refere-se à incorporação, que é o ato de inclusão do convocado em Organização Militar da Ativa, bem como à matrícula na 2ª espécie, suso referida. O TIRO-DE-GUERRA, grife-se, prevê a hipótese de matrícula - admissão em Órgão de Formação da Reserva. A LEI DO SERVIÇO MILITAR, em diversos dispositivos nos coloca bem a distinção entre incorporação e matrícula, cabendo ressaltar mais três dispositivos que vem reforçar a tese aqui defendida.
1º) art.23 - Os convocados de que tratam os parágrafos do artigo anterior, embora não incorporados, ficam sujeitos, durante a prestação do Serviço Militar, às atividades correlatas à manutenção da ordem interna. 2º) art.30 - São dispensados em Órgãos de incorporação os brasileiros da classe convocada: c) matriculados em Órgãos de Formação de Reserva.... 3º) art.59 - Os Órgãos de Formação de (vetado)reserva, Subunidades-quadros, TIROS-DE-GUERRA e outros se destinam, também, a atender à instrução militar dos convocados não incorporados em organizações militares da ativa das Forças Armadas... (destaque é nosso). Portanto, o matriculado em TIRO-DE-GUERRA não está descrito na conduta prevista no art.183 do CPM/69, sendo atípico seu comportamento. Não se pode, em razão do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, usar da analogia para punir alguém por um fato não previsto em lei, por ser este semelhante a outro por ela definido. Tal entendimento é a máxima expressão do caráter democrático do Direito Penal Moderno. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE tem uma de suas mais importantes aplicações na TEORIA DA TIPICIDADE. Os tipos são legais, isto é, somente o legislador pode criar, suprimir e modificar. Nossa ordem jurídica participa, naturalmente, deste sistema de tipos legais. A melhor fundamentar o estudo a que vimos de proceder sobre o crime de insubmissão, passamos a transcrever o mais recente entendimento da CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR, de n.548/98, de 27.NOV.98, com orientação idêntica a que vem sendo dada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
Ementa: MATRÍCULA em Tiro-de-Guerra é instituto diferenciado da incorporação, por ser esta ato de inclusão em Organização Militar da ativa, enquanto a Matrícula é ato de admissão em Órgão de Formação da Reserva. Atirador que presta serviço militar em Tiro-de-Guerra submete-se à disciplina militar mediante o vínculo de sua matrícula e não incorpora em tropa regular do Exército, consequentemente, não incide na tipificação do crime de insubmissão. (grifos nosso). Por derradeiro, ficam aqui alguns PRECEDENTES do EXCELSO PRETÓRIO, no mesmo sentido:.rhc n.77290/mg, decisão unânime- Relator, Ministro Octávio Gallotti, 1 Turma- publ. DJ 23.09.98 unânime; RHC n.77272/mg-relator, Ministro Sepúlveda Pertence, 1 Turma, publ. Aos 6.11.98 unânime; RHC n.77271/mg. Relator Ministro Maurício Corrêa- 2 Turma- publ. No DJ, de 13.11.98 - unânime. * Promotora da Justiça Militar, oficiando na 11ª PJM- Professora Universitária de Direito Público. Disponível em:< http://www.cesdim.org.br/temp.aspx?paginaid=129> Acesso em.: 01 out 2007