Iluminismo e administração colonial Angola vista por brasileiros no século XVIII



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Transcrição:

Patrícia Bertolini Gonçalves* Iluminismo e administração colonial Angola vista por brasileiros no século XVIII Resumo Na intenção de realizar reformas nas possessões ultramarinas e, ao mesmo tempo, frear as tentativas de sublevação nas colônias, ao final do século XVIII, a coroa portuguesa buscou cooptar as elites coloniais, empreendendo um processo de co-gestão do império, integrando-as e engajando-as num projeto modernização política e econômica típicas do iluminismo. Assim, houve um significativo afluxo de luso-brasileiros que se estabeleceram nas cidades angolanas de Luanda e Benguela à serviço da coroa. Entre eles, o militar baiano Elias Alexandre da Silva Correia, o advogado Rafael José de Souza Correa Melo e o naturalista Joaquim José da Silva, que estiveram na África nas últimas décadas do século XVIII e deixaram relatos sobre suas trajetórias no continente. Característica intrínseca da produção literária ou iconográfica é, sem dúvida a carga de subjetividade, influenciada pelas bagagens culturais e pelo contexto vivido, que cada autor impõe à sua obra, bem como a intencionalidade de sua construção. Através da análise de três dessas memórias, o presente trabalho tem por intenção apreender as representações construídas por esses autores sobre o espaço e as pessoas com quem mantiveram contato. Palavras- chave: Iluminismo, administração colonial Abstract In the intention of accomplishing reforms in the foreign possessions and at the same time, to brake the rebellion attempts in the colonies, at the end of the century XVIII, the Portuguese crown undertook a process of coadministration of the empire, co-opted the colonial elites, integrating them and engaging them in a project political and economical modernization typical of the Enlightenment. Like this, there was a significant affluence of Luso-Brazilian that you/they settled down in the Angolan cities of Luanda and Benguela to service of the crown. Among them, the military baiano Elias Alexandre of Silva Correia, Souza Corrêa Melo lawyer Rafael José and the naturalist Joaquim José of Silva, that were in Africa in the last decades of the century XVIII and they left reports on their paths in the continent. Intrinsic characteristic of the literary production or iconographie is, without a doubt the subjectivity load, influenced by the cultural luggages and for the lived context, that each author imposes to his work, as well as your purpose of his construction. Through the analysis of three of those memoirs, present work has for intention to apprehend the representations built by those authors on the space and the people with whom maintained contact. Key-words: Enlightenment, Colonial administration Aluna do curso de graduação em História da UFPR. Integrante do CEDOPE Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses UFPr. 481

Iluminismo e administração colonial Angola vista por brasileiros no século XVIII Patrícia Bertolini Gonçalves A o final do século XVII, o desenvolvimento das doutrinas racionalistas propiciou um grande progresso das ciências e da filosofia, ensejando no século seguinte, a explosão e a disseminação do movimento Iluminista em toda a Europa, em uma época de transformações da sociedade e de marcada crítica à igreja, obstáculo no progresso do conhecimento, uma vez que pregava a imutabilidade da natureza e era o principal sustentáculo do Antigo Regime, legitimando as autoridades instituídas por Deus. Se o início do século XVIII, assiste a uma intensificação do colecionismo 1, logo se formam círculos de discussão, experimentação e valorização do caráter científico e, num sentido mais amplo uma rede de trocas de informações, com expoentes de diversos países, o que Paul Hazard chama de "república ideal (ou internacional, segundo Urrich Imhof) dos sábios" 2, onde os filósofos apresentavam seus trabalhos para discussão dos círculos científicos. O conhecimento é constantemente re-elaborado, posto que cada nova descoberta comprovada pode derrubar uma noção anteriormente estabelecida. Cresce a competição pela importância das diferentes expressões da ciência, a exemplo da matemática e da geometria, musas do racionalismo cartesiano do século anterior, que sofriam críticas, por parte dos filósofos da época, de não contribuírem para o progresso do conhecimento, posto que, "se contentava em desenvolver, por dedução, princípios já determinados, e que, conseqüentemente, nada apreendia do real", versus a física newtoniana que as utilizava como meios de comprovação de suas teorias, produzidas a partir de observações de fenômenos reais, testados empiricamente. 3 A seguinte citação de Buffon ilustra essa atitude: "Em matemática supõe-se; em física, verifica-se e estabelece-se. Ali temos definições, aqui factos. Nas ciências abstractas vai-se de definição em definição; nas ciências reais caminha-se de observação em observação. Nas primeiras chega-se à evidência, nas últimas à certeza." 4 Nesse sentido as ciências da natureza tornam-se a ponta de lança do empreendimento. Na biologia, os sistemas classificatórios como os de Lineau ou Buffon, pretendiam dar ordem aos diferentes espécimes constantemente revelados, seja pelos descobrimentos ou pelas técnicas de observação microscópicas, então desenvolvidas. Através da descoberta de novos espécimes vivos ou fossilizados, da observação, de cruzamentos, da constatação de modificações ocorridas em climas diversos ao europeu, pouco a pouco se iniciou a queda dos dogmas da imutabilidade das espécies. 5 Esta transição, no entanto, não se deu sem calorosas discussões intelectuais e ponderações teológicas, das quais os filósofos ainda não se encontravam inteiramente distanciados. Franklin L. Baumer discute a dubiedade dos estudos publicados por Voltair e Lineu e o crescimento do materialismo, influenciado pelo sentimento anti-religioso que buscava eliminar a atuação divina dos estudos científicos, cujos expoentes foram Diderot e Holbach. Urrich Imhof descreve as obras do período como "ainda firmemente ancorada(s) no mundo teológico, mas procurando harmonizar a verdade bíblica com as descobertas científicas." 6 O século XVIII vê, portanto, o embate do racionalismo e do método experimental. Baumer afirma que, para filósofos como Diderot, o progresso das ciências se encontrava até então estagnado em virtude da relevância dada, pelos estudiosos, às ciências abstratas, aproximadas demais dos princípios metafísicos; "Os factos observáveis seleccionados a partir da experiência, constituiriam a verdadeira riqueza da filosofia". 7 Esse conhecimento começa então, gradualmente a estender-se a outras camadas da população, não se restringindo mais ao clero e às classes superiores, através do grande número de publicações então produzidas e difundidas entre a burguesia e os camponeses. Segundo Imhof, a apreensão desse conhecimento literário, prescindiu, entretanto, de uma melhora na educação, "um elemento fundamental, seja para transmitir valores tradicionais ou para rasgar novos caminhos". O que se pretendia era a inclusão de toda a população no acesso ao conhecimento teórico e prático, posto que apenas as classes mais abastadas o possuíam, daí a preocupação pedagógica típica da época. "No universo mental iluminista, a educação era vista como uma força transformadora de poderes quase mágicos. As preocupações com a renovação da pedagogia estavam diretamente relacionadas com a possibilidade das novas gerações assimilarem os avanços científicos do século". 8 482

Irahof salienta o fato de o Iluminismo ter recebido uma "herança da Reforma e da Contra-Reforma", no sentido de que o hábito da leitura e da interpretação dos textos bíblicos, exigido pelos protestantes criou raízes, sendo responsável pela difusão da escolarização. No caso da igreja católica, os catecismos, onde "aprendia-se a ler, a memorizar e a recitar" cumpriram, de certa forma essa função. O sistemático ataque ao analfabetismo e a criação de escolas para as camadas mais baixas da população buscavam criar as bases necessárias aos iluministas, como Loke, Rousseau e Pestalozzi, para empreender a reforma na escolarização, inclusive nas universidades, modificando um sistema "inerte e acanhado". O que não ocorreu, contudo, sem resistências nos próprios círculos universitários. 9 A noção da superioridade da observação e do pensamento aliados à experiência e, a crítica à aceitação sem contestação do conhecimento pré-estabelecido, baseado apenas na filosofia racional foi, segundo Hazard, um legado de Bacon, o "gênio experimental em pessoa", precursor dessa nova atitude intelectual voltada para um melhor entendimento da natureza para conseqüentemente, segundo Baumer, melhor submetê-la às necessidades humanas: "... natureza como útil ao homem, como campo para a exploração pelo homem." 10 Operou-se assim, a transição entre a ciência produzida apenas como forma de conhecimento diletante e aquela a serviço do desenvolvimento das técnicas úteis ao homem, pois, ao final do XVII e início do XVIII, as descobertas tinham ainda uma "função lúdica." 11 Inaugura-se, portanto, uma visão utilitarista da ciência a serviço da humanidade. Embora tenha nascido nos círculos intelectuais, rapidamente, a febre iluminista se espalha, constituindo uma marca de distinção participar de reuniões de discussões científicas, como o círculo dos Ericeira. Ao mesmo tempo, intensifica-se a prática de colecionar gêneros da história natural. O investigador das ciências da natureza é descrito por Urrich Imhof, como sendo "oriundo de boas famílias da classe média, tendo atrás de si toda uma geração de conselheiros" 12.Os governantes, além de procurarem pessoalmente assumir uma atitude ilustrada, abraçam a causa, apadrinhando cientistas e promovendo pesquisas e estudos. Lorelay Koury, citando Chartier, chama a atenção para a ligação entre o iluminismo e o racionalismo do estado: "O Iluminismo não foi apenas um movimento no campo da idéias e da filosofia, mas um conjunto de transformações na esfera das sociabilidades e da circulação de textos impressos, bem como uma reunião de práticas administrativas, executadas, em geral pelo Estado e visando racionalizar o funcionamento da sociedade, conhecer e controlar as populações, a produção, os fluxos e os usos das mercadorias". 13 É recorrente a utilização do termo "pragmatismo", para explicar o tipo de atuação que norteou as atitudes portuguesas, em diversos períodos, a ponto de esta parecer uma explicação simplista. Entretanto, não há como negar uma clara orientação das medidas adotadas, no sentido de encaminhar as práticas científicas para fins administrativos bem específicos, em todos os níveis, nos diferentes períodos da trajetória portuguesa, desde a época da expansão e no período colonial. No início do século XVIII, Portugal já havia perdido, há muito, a posição de primazia cultural e econômica, gerada pela expansão marítima e pelos descobrimentos do quinhentos. Encontrava-se, na verdade, em marcada defasagem em relação ao resto da Europa, centro da explosão científica ensejada pela efervescência iluminista. "Na Europa do século XVIII, a natureza tornou-se objeto de empreendimentos múltiplos, ponto de partida e de chegada de reflexões sobre economia, política, filosofia, moral e teologia." 14 Apesar dos esforços empreendidos pelos movimentos academicistas 15 e por D. João V, para diminuir este distanciamento, esforços estes em grande parte barrados por uma trava escolástica bem mais forte e duradoura em Portugal do que em outros países europeus, foi somente no reinado de D José I, sob a égide de Pombal que efetivamente formularam-se as linhas mestras para corrigir essa defasagem, traçando metas e empreendendo ações que possibilitassem um melhor aproveitamento das potencialidades das possessões que ainda restavam a Portugal, na América, África e Ásia. Exíguos remanescentes do "Poderoso Império" formado durante os dois séculos precedentes, nas quais era preciso a todo custo, controlar as ideias revolucionárias. Como apontou Kury, citando Michele Douchet: "colonialismo e Iluminismo fazem parte do mesmo movimento histórico". 16 Portugal se inseriu, então, num tipo de ação que já vinha sendo empreendida pela Inglaterra e pela França em suas colônias, na busca de reverter o conhecimento produzido para uma melhor administração. Segundo Ana Lúcia Rocha Barbalho Cruz: "À semelhança do que acontecia no resto da Europa, o avanço do conhecimento científico foi visto, também em Portugal, como a ponta de lança que iria alavancar o progresso material e propiciar o bem estar social. No clima de reformas e de superação das antigas estruturas, a ciência foi posta a serviço do Estado, na confiança de que o conhecimento científico, fundado no método experimental, respondesse às necessidades de uma sociedade que se pretendia em 483

mudança". 17 A mesma autora demonstrou como a modernização do ensino universitário, empreendido por Pombal no século XVIII em Portugal, visava objetivos específicos de produzir profissionais habilitados nos conhecimentos técnicos e científicos. A meta era empreender reformas nas possessões ultramarinas que revertessem em lucros significativos para o reino e, ao mesmo tempo, frear as tentativas de sublevação nas colônias, cooptando suas elites, integrando seus súditos em um projeto patriótico de modernização do reino, engajando-os num projeto de gestão do império, numa ação política e econômica para o engrandecimento da nação. Cruz, aponta uma "mudança de perspectiva do olhar sobre o outro" nesse período. A preocupação em coletar informações sobre as colonias e seus habitantes, que sempre esteve presente, passa a ser emprendida na intensão de integrá-los em um projeto maior de modernização e controle social, apropriando-se melhor das possibilidades económicas e naturais disponíveis. "Nesse contexto, a Universidade se insere como parte do aparelho de Estado, responsável pela formação das novas mentalidades que iriam colocar o reino nas sendas do progresso e do bem geral." 18 A segunda metade do século XVIII foi, segundo Almiro Jorge Lourenço Lobo, uma época orientada para a revalorização do Ultramar, na qual operou-se uma mudança nas práticas expansionistas portuguesas, passando da descoberta para a efetiva ocupação. Preparam-se viagens para o interior das possessões africanas na busca de alargar a soberania portuguesa e de incentivar a economia em franca decadência. Nesse sentido, a busca de conhecimentos em todos os níveis se fez imprescindível e foi uma das facetas do projeto governativo. "A eficácia da organização administrativa e das instituições da coroa portuguesa começam a apoiar-se, cada vez mais na versatilidade da escrita, não dispensa a solidez e a perenidade do grafismo." Todos os tipos de roteiros, mapas, cartas constituíam informação valiosa e sua produção foi incentivada. 19 A importância da geografia e das ciências naturais para representar e definir territórios é apontada por Mary Louise Pratt. Desde o início da expansão portuguesa, a literatura de viagens esteve presente. A seu cargo, ficou, já nesse primeiro momento, o papel de construção do projeto expansionista na imaginação européia, através das formas de compreensão e estruturação ideológica que propiciou. Para essa autora, as práticas de descrições físicas do globo, empreendidas ao final do século XVIII, estão intimamente ligadas ao projeto global de expansão política e comercial europeu, o que a autora chama de "formas simbólicas de apropriação planetária". Segundo a mesma autora, a produção de textos sobre o mundo não europeu, representada pela literatura de viagens, encontrava-se, em 1790, dividida. Por um lado, apresentam-se as produções de cunho científico - história natural e taxionômica - e, por outro, o sentimental, representado por produções românticas de narrações de viagens, como novelas e poesias. As duas formas, aparentemente antagônicas, revelam-se complementares. 20 Gradualmente, para Ronald Ramineli, essas produções foram adquirindo racionalidade e cientificismo de acordo com o pragmatismo inerente a cada época, até o ponto de poder apresentar como características das viagens da segunda metade do século XVIII o guiar-se "por políticas estatais e científicas, além de receberem financiamentos e instruções de viagem." Dinâmica essa que adquire maior ênfase com a introdução das teorias econômicas inglesas e dos fisiocratas franceses. 21 No período, Brasil e Angola constituíam dois pontos chave do Império Português. As relações ensejadas pelo comércio em geral e pelo tráfico de escravos, entre a colônia escravista americana e Angola, a fornecedora dessa mão-de-obra, sob a proteção das políticas econômicas e administrativas portuguesas, não se restringiram à circulação de produtos. Da mesma forma, entre os dois continentes nota-se um significativo afluxo de luso-brasileiros que se estabeleciam em cidades africanas, como Luanda e Benguela, aplicando-se às mais diversas atividades. Embora separadas geograficamente, estas colônias constituíam um sistema de exploração colonial conjunto. Neste contexto de complementaridade existente entre estes dois pontos dos domínios portugueses, muitos brasileiros com formação científica na metrópole, notadamente na universidade de Coimbra, recentemente reformada, assumiram postos no funcionalismo régio e foram mandados para as possessões ultramarinas. A permanência deles em Angola, como em qualquer outra região africana, era cheia de dificuldades. Além do estranhamento próprio de um contato com uma realidade diferente da que até então tinham vivenciado: Súditos do rei, nascidos na principal colônia portuguesa, arregimentados no projeto de cogestão do império, que lhes propiciou uma formação iluminista na universidade metropolitana, e / ou uma 484

integração na governação das colônias 22, ainda tiveram que enfrentar as intrigas ensejadas pela hierarquia administrativa, as doenças, o clima e a falta de recursos. Como atestou Elias Alexandre da Silva Correia. "O desterro d'angola, q tanto se fás sensível, quanto he mais extenso, me tem fustigado com hum flagelo, q mudamente devo sofrêllo; sem contudo, experimentar os cruéis golpes do clima, (...) Rastejando o meu destino pela ventura de outros q contavão Africas d'angola, me esqueci de analyzar o triste emmudecimento de muitas vidas sacrificadas à sua pestilência". 23 Além das atribuições exigidas por seus cargos, muitos desses homens deixaram registros escritos de suas experiências, que fornecem valiosas informações de fundo econômico e administrativo, sobre o espaço físico, os costumes e as pessoas com as quais tiveram contato, fossem administradores, colonos ou naturais e, o fizeram sempre de uma forma crítica, pesando as possibilidades que cada elemento poderia render à coroa apontando inclusive sugestões sobre o melhor aproveitamento desses recursos. E certo que, na elaboração de seus discursos, foram influenciados por suas bagagens culturais e por seus próprios interesses. Por exemplo, no contato com os naturais - os cafres do sertão - que quase nunca se deu de forma inteiramente pacífica, suas formações intelectuais e o tempo em que viveram na metrópole, ensejaram uma forma de ver os costumes africanos como exemplos de barbárie. Na ação de documentar e comunicar o vivido discursivamente, o escritor interpreta o real circundante e, ao mesmo tempo, o produz "enquanto transcrição do que teria sido percebido pelos sentidos", posto que o que ele descreve é sua leitura da realidade decodificando os "diferentes signos" com os quais se depara. O que não pressupõe uma atitude neutra já que o observador está sujeito aos conceitos e valores dos quais está imbuída sua cultura. 24 Carlos J. D. Almeida, aponta esta dificuldade. A investigação dessa "realidade" descrita, exige uma postura mais cuidadosa, a observação dos silêncios mais do que das afirmações propriamente ditas seria de mais valia para a análise: "Na sua retórica, nos seus silêncios, no que mostram e no que ocultam, no que valorizam e no que desprezam, (...) revelam um aparelho mental que observou e registrou essa operação num texto que se constrói como um discurso que apresenta essa realidade." 25 Para José da Silva Horta, essa produção escrita ou relatada por terceiros, veicula os conceitos e idéias correntes sobre esses espaços, dos meios culturais de quem a produziu, ficando longe de uma transposição objetiva da realidade. Constitui-se numa "construção do objeto, segundo as condições culturais e mentais do observador, isto é: uma imagem ou representação." 26 Nesse sentido, a presente comunicação tem o objetivo de demonstrar a visão que três desses brasileiros construíram da região e da população autóctone sob a influência de seus filtros culturais e mentais, através da apresentação de suas obras onde são perceptíveis elementos como os tipos de relações que se desenvolveram em virtude da dominação portuguesa à região, da tensão ensejada pela presença estrangeira, pela diferenciação social, pela frágil economia e pela extrema pobreza. O médico baiano, Joaquim José da Silva foi enviado a Angola em 1783, onde acumulou as funções de naturalista da coroa e o cargo burocrático de secretário de estado daquela colônia 27. Integrou uma das diversas expedições filosóficas, chefiadas por brasileiros, enviadas aos quatro cantos do império por Martinho de Mello e Castro (1769-1796), Ministro do Ultramar, com o objetivo de produzir um amplo levantamento das riquezas naturais e humanas das colônias. 28 Simultaneamente a ele, partiram Alexandre Rodrigues Ferreira para a Amazônia, João da Silva Feijó para Cabo Verde e Manuel Galvão da Silva para Goa e, depois, Moçambique. Este funcionário da coroa escreveu diversos relatos sobre suas viagens no interior de Angola. A exemplo de seus colegas enviados às outras colônias, envolveu-se em discórdias com a administração local. 29 A maior parte dos textos elaborados pelo naturalista desapareceu, sobrando apenas o Extrato das viagens que fez ao sertão de Benguella no ano de 1785, publicado no jornal O Patriota 30, em 1834. Joaquim José da Silva não mais saiu de Angola e ali morreu em 1813. Seus relatos, a exemplo dos de outros naturalistas são voltados para as questões físicas do espaço em questão, referências às formações geográficas e à possibilidade de aproveitamento dos produtos geológicos, da flora e da fauna local, bem como ao comércio ali desenvolvido. Entretanto, em grande parte desses extratos, figuram observações pessoais sobre o elemento humano, demonstrando assim uma curiosidade etnográfica não muito comum entre seus pares. Silva inicia seu relato antes de entrar propriamente no sertão de Benguela, constatando que muitos naturais vassalos de alguns Sovas da região, trabalhavam nas obras reais percebendo salários. Ele observa a força física desses naturais e desgosta de sua aparência, embora tenha reconhecido sua docilidade. 485

Sobre o ambiente físico das povoações, destaca o rústico das casas e sua disposição feita no intuito de conseguir uma melhor proteção contra o ataque das feras e dos ladrões, posto que, próximo dali, detectou um outro povo não assim tão dócil, descrito como antropófago que vivia da rapina sobre seus vizinhos e dos naufrágios da costa. A pilhagem é descrita como comum na região, a ponto de uma certa generalização. Segundo o autor, eram práticas que "costumão fazer huns aos outros todos os povos deste Continente. E são alguns destes tào destros nesta parte, que roubão ás vezes curraes inteiros, sem se lhe poder dar remedio". O sertão de Benguela seria, então constituído de povoações, sob a governação direta dos Sovas, as quais eram sujeitas às rivalidades ou alianças possíveis entre eles, o que pressupõe uma divisão de poder entre estes governantes. Silva descreveu a hierarquia interna desses governos, a estrutura de poder, a vulnerabilidade dos Sovas e os processos sucessórios, nos quais estranhou o fato de não haver uma sucessão hereditária patrilinear, como também a posição inferior ocupada pelos filhos do governante, "Daqui he, que os filhos do Sôva não tem direito algum ao Sovado, e são ainda excluídos do Lombe, vivendo como qualquer miserável em vida abjecta, guardando gado, etc.", mas observou que esta condição era vantajosa, pois se demonstrassem quaisquer aspirações ao poder seriam imediatamente eliminados ou perderiam a liberdade. No que concerne ao modo de vida pessoal dos governantes, apenas lhe chamou a atenção a boa vida dessas figuras, para ele, totalmente distantes da realidade dos outros mortais, atendidos nos seus menores desejos, vivendo uma vida de suntuosidade e bajulação. Assim, é interessante notar como um relato, que por sua natureza deveria ser pretensamente objetivo, assume ao longo do extrato atribuições e juízos de valor: "tive tempo de notar, perguntar, e saber muitas cousas pertencentes á Religião. Governo, Costumes, e Ritos destes barbaros, que em parte não deixão de ter alguma cousa de curioso, pela extravagância, que mettem em quasi todos estes objectos nas suas Sociedades." As atitudes dos naturais foram vistas com desconfiança pelo brasileiro. Em seu modo de ver, em quase tudo se manifestava o intuito de auferir algum lucro. Causou impressão ao naturalista, por exemplo, a questão do adultério, descrito como uma lucrativa industria de prostituição. Seria uma forma de captação de recursos, a ponto de serem mais bem consideradas, entre os naturais, aquelas esposas que pudessem enriquecer o marido através da escolha de amantes mais abastados. A prática seria, portanto, incentivada. A religião e os ritos a ela correlatos foram retratados como um conjunto de absurdas práticas supersticiosas, creditando-as a pouca inteligência que os naturais possuíam, chegou a compará-los com animais irracionais. Disso também decorria, em seu modo de ver, o grande poder que atribuíam aos adivinhadores, que para o naturalista não passavam de charlatães e manipuladores. Estes eram consultados nas mais diferentes situações, como para propiciar melhores colheitas, ou tornar os guerreiros invencíveis em caso de guerras. 31 Os "sagazes Zambuladores", chegavam a se imiscuir até mesmo nas decisões de litígios ou nas investigações das mortes; "porque entre estes barbaros, todo o bem que lhes succede, lhes vem dos seus Sandes amigos; e todo o mal, ou dos seus Sandes inimigos, em cujo caso pagão os parentes dos Sandes contrários, ou dos feiticeiros". As causas das mortes, mesmo quando naturais, eram sempre atribuídas a algum responsável que, para isso, se valia de meios sobrenaturais. Segundo Silva, já que o acusado devia invariavelmente pagar uma quantia ao acusador, "desta tramóia se serve hum Sôva, para lançar mão dos bens de qualquer rico, ou da pessoa de qualquer suspeita sobre o Estado". A tal costume, o autor creditaria a falta de interesse, por parte dos naturais, no acumulo de riquezas: "e dquei talvez he que procede o pouco amor ás riquezas entre esta pobre gente, em hum tal governo, e sujeitos a humas barbaras leis, que conduzem qualquer particular a perder a vida, liberdade e bens, sem lhe aproveitar para escapar a este triste destino a mais exacta observancia do justo e do licito". A descrição do Intambi, ou dos funerais de um Sova, é rica e detalhada, seja pela suntuosidade ou pelo grotesco que lhe pareceu. O mais impressionante aos seus olhos era a lamentação da morte, a quantidade bebida alcoólica e comida consumidas nessas ocasiões foram retratadas com espanto e ironia constituindo uma mostra de suntuosidade. A apresentação do novo Sova, causou-lhe igual hilaridade. Todavia, ele não a viu como um possível processo de legitimação do governo, através de uma aceitação do povo, o que lhe ficou foi apenas o extravagante da cerimônia: "he este approvado pelo povo, e applausiso com palmadas, assobios, e grita horrível." Silva deu lugar em seu relato, como é normal, maior ênfase àquilo que lhe pareceu estranho, àquilo 486

que não era comum em sua cultura sem, no entanto, procurar entender seus significados. Nesse sentido, encerrou seu relato tomando o todo pela partes, o que lhe valeu constatar o quão imersos na superstição e no fanatismo encontravam-se aqueles povos. "Em fim, concluirei a minha digressão, reflectindo, que a maior parte desta gente he antropófaga, e que dos captivos na guerra tirão as victimas, que sacrificão á gula e á superstição." Os outros dois brasileiros em cujos relatos nos deteremos não fizeram parte das expedições filosóficas. Entretanto, estão inscritos no mesmo processo de formação intelectual, a julgar pela forma de expressão de seus textos e pelos cargos que ocuparam no oficialato régio. O militar baiano Elias Alexandre da Silva Correia, radicou-se e prestou serviço em Santa Catarina. Posteriormente segue para Lisboa, onde viveu quatro anos, até conseguir transferência para Angola. Era sua pretensão atingir um cargo militar mais elevado 32, o que efetivamente consegue em 1782, quando assume o posto de Ajudante do Regimento de Infantaria da cidade de São Paulo de Assumpção, atual Luanda. Já de início, Correia reconhece a primeira de suas frustrações ao constatar a realidade da praça aonde veio servir; "Quantas vezes entre as meditações do meu estado, exclamei, depois que a prática me instruio: Que estimação! Que caracter! Que illuzão! Capitão entre um punhado de facinerozos enfermos, & de negros sórdidos, & indigentes! Taes são os indivíduos q formão a benemérita, & honroza corporação militar." 33 Durante os anos em que permaneceu na África, além das funções militares que desempenhou, como a participação na tentativa de tomada de Cabinda, produziu a sua Historia de Angola 34, concluída por volta de 1792. 35 O militar morreu na Vila de Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, sem contudo conseguir a almejada projeção de sua carreira. Apesar de seu empenho em adulações aos seus superiores, estas apenas renderam-lhe elogios e recomendações enviadas a Lisboa. 36 Sua obra constitui um misto de memórias e apreciações pessoais sobre diversos aspectos econômicos e administrativos de Angola. Nas palavras de Magnus R. M. Pereira, Correa era um consumado "carreirista" 37, tendo portanto seu texto, pretensamente rebuscado, muito de bajulação e da intenção de elevação de sua pessoa aos olhos ao governo central. Contudo, este militar teria detectado a decadência em que se encontrava a colônia, pretendendo enunciar os principais motivos dessa situação, que, em resumo, seriam a licenciosidade da má administração e a ganância dos comerciantes, principalmente daqueles que lidavam com o trato negreiro. A riqueza de temas abordados oferece, em suas entrelinhas, pontos interessantes para o reconhecimento da "realidade" angolana, muito embora ele exagere o enaltecimento da presença portuguesa na região, usando o recurso de diminuir a importância das instituições locais; "Omitindo alguns insignificantes detalhes, nomes dos cafres Potentados; e outros fragmentos menos preciosos á instrucção do objeto relativo, que quando muito interessarão somente aos naturaes do paiz". 38 Acaba por demonstrar a vulnerabilidade desse estabelecimento, quando por exemplo se refere às invasões a que estão sujeitas as fortificações, a precariedade dos exércitos e a importância da existência do corpo militar naquela localidade, em sua opinião, mais do que em qualquer parte do império, "Nenhum conthinente será mais sugeito a revoluçoens, soblevaçoens, assassinatos do gentio, e roubos nas estradas. Nenhum mais sugeito a desobediências dos Potentados Nascionaes, q. unidos ao vinculo da Vassalagem, fasem mais triste, e aflictiva a sua Sorte." 39 Os naturais foram retratados como grandes beberrões, preguiçosos "nutridos de mornura de gênio, de languidez, e de indigência heredítaria", astuciosos ladrões seguros da impunidade que não hesitavam em aplicar grosseiros golpes, falsificando pesos no comércio com os brancos. Embora não tenha descuidado da importância de alguns deles que serviram no exército ou no trabalho desenvolvido nos Arimos 40, constituindo elemento imprescindível, posto que os proprietários ou capatazes brancos não duravam muito tempo, em virtude sobretudo das doenças, sendo comum a prática do absenteísmo. Nesse sentido descreveu o clima de liberdade em que viviam os negros nessas Quintas já que a presença dos donos ou administradores era, portanto, restrita. A sensualidade e a violência propiciadas "pela ardência do clima", pelo agreste do meio e pelo afastamento da religião também foram alvo de suas observações. Segundo Correa, ligações fora dos matrimônios eram práticas correntes, resultando num grande número de bastardos nascidos de escravas e na brutalidade de certas atitudes com relação ao nativo. Para ele, o baixo preço de um escravo o tornava um objeto descartável; "lhe permite desfazer-se delles por qualquer crime q o irrite.", inclusive com requintes de crueldade, " se resolvem tirar-lhes a vida Lentamente." 41 Além disto, na sede de lucros, os comerciantes descuidavam de tratar os feridos ou doentes, reservando menos cuidados às crianças pequenas. A morte dos escravos durante a travessia oceânica é encarada quase que como uma vingança que eles conseguem impor aos seus algozes. "Quem dissera q. hum vil escravo, atropellado em vida de incessantes 487

disgraças, gosa, em morrendo na viagem, desta posthuma vingança contra hum humano ímpio, que se regozija de pôr em venda a sua Liberdade!" 42 Dos três brasileiros estudados, Silva Correa é aquele mais se detém na descrição da realidade urbana e, por conseguinte, na vida dos colonos. Muitas páginas são dedicadas à descrição da pobreza em que se encontram os moradores, do ambiente pútrido da cidade, cuja arquitetura precária da maioria das casas não contribuía para uma melhor salubridade do que a prática da venda de gêneros perecíveis a céu aberto, o tráfego livre de animais, ou o acumulo de monturos. Os costumes dos moradores são igualmente abordados. Tudo, desde roupas, transporte e idiomas, até cerimônias, religião e todos os ritos a ela concernentes, constituiriam uma curiosa miscelânea de elementos locais e europeus, adotados até mesmo pelos brancos, essa atitude tenderia a se intensificar quanto mais se adentrasse o sertão. Nosso último informante é o advogado Rafael José de Souza Correa Melo, cuja biografia é praticamente desconhecida. Ele foi enviado a Angola como ouvidor e juiz de fora da Capitania de Benguela e ali produziu sua Memória 43, que até hoje permanece inédita. Segundo o que ele mesmo escreve na introdução de seu texto, à data de produção da obra, novembro de 1786, já assistia no Presídio de Benguela há dois anos. Sabe-se que retornou ao Brasil no início do século XIX. 44 Todavia, a própria Coroa portuguesa perdeu seu rastro, e em uma correspondência questionava seu paradeiro. Melo dá mostras de larga erudição em sua Memória, na qual podemos encontrar referências de sua formação intelectual acurada. O tom de sua narrativa é ao contrário da de Elias A.S. Correia, francamente o de um pedido de auxilio, ao encontrar na região, uma realidade diferente da que esperava e contra qual se bate desesperadamente, na intenção de reverter a desvantagem em que se encontra. Retratou a escassez das posses de sua guarnição e dos efetivos para defender um presídio que não possuía fortaleza, onde os soldados sempre doentes não possuíam conhecimento nem recursos suficientes para efetuar a manutenção das armas, ao passo que os nativos, ao contrário, as obtinham em larga escala, vindas do Reino, do Brasil e também introduzidas por franceses, além de serem hábeis em sua manutenção e produção de munição, tornando-se assim temíveis em suas investidas. A partir desses sucessos os negros adquiriram, em sua opinião, consciência de que não eram inferiores aos brancos, muito pelo contrário. O principal foco de suas atenções é, portanto a venda indiscriminada de pólvora e armas de fogo aos naturais, e a necessidade imperativa de reprimir tal prática. O autor pretende denunciar o uso abusivo dessas moedas de troca no comercio efetuado com os nativos a longos anos, embora este comércio estivesse em interdito naquela época, o confisco dos gêneros não impedia o seu contrabando. Assim como Correia, o ouvidor creditava muitos dos problemas da colônia à ganância dos comerciantes. Embora muitos conquistadores e administradores por ele relacionados, viessem de boa vontade servir o rei, prestando assim bons serviços às Conquistas, outros tantos não possuíam as mesmas desinteressadas intenções. Várias perdas sofridas nas diferentes partes do império teriam decorrido das ações de súditos que agindo em interesse próprio, empreenderam o armamento do inimigo, da mesma forma como então ocorria na colônia africana. Assim, descreve o comércio empreendido em Benguela, onde em sua opinião, por serem a maioria dos comerciantes de má índole, muitas vezes proscritos, não davam prioridade aos interesses do reino e sim aos seus, o que causava grandes prejuízos. Como é comum em muitas memórias, Melo fez observações pessoais, através de comparações com experiências em colônias de outras nações, de como deveriam ser regidas as práticas comerciais, para que se pudesse tirar melhor proveito da conquista insistindo na reformulação de certas leis e na mudança do trato com os naturais. Nesse sentido, relacionou suas idéias sobre a atitude que devia ser tomada com relação ao povo autóctone, para a preservação da conquista sem que se criassem hostilidades, "Porque não ha verdadeira paz, onde não ha justiça..." Sua posição com relação ao nativo variou. Ora este era visto como bárbaro e inimigo, ora ele tentava entender as suas motivações. Por vezes, os negros eram caracterizados como vivendo em uma "feliz estupidez", que dispensava os luxos e os conhecimentos filosóficos europeus vivendo na frugalidade e melhor acostumados ao clima dos trópicos. Apesar desta "estupidez" ele reconheceu que eles souberam bem aproveitar a força que as armas e a pólvora podiam oferecer, preferindo sempre adquiri-las em seu comércio com os brancos. Ao mesmo tempo, Correia Melo admite que a violência dos ataques contra os colonos não era inteiramente gratuita e constatou a intenção crescente na comunidade de reprimir as investidas dos naturais. Em sua opinião, o crescimento da agressividade entre colonos e naturais, era diretamente proporcional ao nível de opressão imposto pela presença portuguesa e pela atitude dos comerciantes. "As hostilidades 488

furiozas comque repentinamente nos acomette o Gentio são o único barometro do grão da sua oppressão publica." Os textos dos três brasileiros, tratados aqui separadamente, foram escritos quase na mesma época e possuem diversos pontos em comum. Embora tenham tido mais ou menos a mesma formação, as aspirações de seus autores eram diferentes. Isto possibilita uma prática comparativa bem interessante na apuração das diferenças e semelhanças culturais relatadas em seus discursos sobre o outro. Se buscarmos entender a construção de Angola e do angolano no imaginário desses luso-brasileiros, enquanto representações pessoais e portanto, baseadas e influenciadas em suas bagagens mentais e culturais, veremos que elas partem de escolhas e juízos de valor que nortearam essas apreciações. Ao mesmo tempo é perceptível o impacto entre as pré-concepções e a realidade vivenciada, ao ponto dessas experiências terem o poder de, sutilmente, mudar alguns conceitos. Correia por exemplo, chega em certas ocasiões, a se posicionar contra o tráfico de escravos, inferindo que seria mais proveitosa à colônia a cooptação pacífica dos naturais, através do ensino da religião e dos valores portugueses para; "sulcar o Ocenao em Liberd.e para em Liberd.e aplicar os seus braços nos mesmos trab.os e manufaturas, q. a industria tem estabelecido em outros climas." 45 Melo, que também se posiciona em relação a necessidade de regular as práticas comerciais e o tráfico, baseado nos insucessos e nas dificuldades de seu precário estabelecimento, admite com frustração a inexistência da superioridade branca: "Os Brancos não são mais os deputados da Divindade, os Filhos do Ceo: elles são vulneráveis, e até mortaes (...) Os Negros tem reconhecido que a obra simples da modificação dos rayos da Luz, sobre a côr differente da sua pele, não constitue com efeito inferioridade alguma, nem de musculos, nem de animo." Enquanto Silva acaba abrindo um importante espaço em seu texto para algo além das descrições físicas as quais foi incumbido, o que não era comum na época e na natureza de sua missão. Apesar de a "Africa corruptora" 46 ser constantemente abordada e esses autores não parecerem se dar conta de o quanto esta região foi antes corrompida pela presença estrangeira, da qual eles são representantes, surge inconscientemente uma sutil mudança de posição. Embora inscritos, por opção, num processo administrativo a serviço da metrópole, com todas as atribuições que seus cargos requerem e imbuídos da cultura estrangeira, em suas atitudes e em seus discursos é possível detectar o quanto a africanização não se detém na adoção de alguns costumes, eles acabam por assumir uma identificação com a colônia na qual se encontram, defendendo-a dos abusos dos colonos e da dominação metropolitana através de suas sugestões, atitude que igualmente pode ser uma maneira de conciliar suas duplas e, talvez incomodas, posições de colonos e colonizados. Notas 1 Ana L. R. B. Cruz utiliza o termo quando se refere ao gosto barroco, corrente em toda a Europa, de acumular exemplares da História Natural, sem dar importância aos seus aspectos científicos, apenas título de curiosidade e pelo exótico que proporcionam. CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho. Verdades por mim vistas e observadas Oxalá foram fábulas sonhadas. Cientistas brasileiros do setecentos uma leitura auto-etnográfica. Tese de doutorado. Curitiba/UFPR. 2004, pp 55 a 57. 2 HAZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVlll. Lisboa: Ed. Presença, 1989, p. 131; e IMHOF, Urrich. A Europa no século das luzes. Lisboa: Ed. Presença, 1995, p. 182 3 HAZARD, Op. Cit., p. 127 4 Citação de Buffon. Do modo de tratar a história natural, em HAZARD, Op. Cit., p. 136 5 BAUMER. Franklin L O pensamento europeu moderno Séculos XVI! e XVIII. V. 1 Lisboa: Ed. 70, 1990, p.232; e HAZARD, Op. Cit., pp. 130, 133, 134 e 137 Cit., p 182 6 BAUMER, Op. Cit., p.231-243; IMHOF, Op. Cit., p 182 7 BAUMER, Op. Cit., p. 233 8 CRUZ, Op. Cit., p. 67 9 IMHOF, Op. Cit., pp. 188, 189 e 190 '"HAZARD, Op. Cit., p 128; BAUMER, Op. Cit, p. 243 11 IMHOF, Op. Cit., p. 186 12 Essa descrição é feita com referência a Johann Jakob Scheuchzer, que é segundo o autor, o típico investigador da época. IMHOF, Op. 13 KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). FIISTÓRIA, CIÊNCIAS, SAÚDE. V. 11, Manguinhos, 2004. p. 110 14 CRUZ, Op. Cit.. p. 60 15 O termo academicista é utilizado por Ana L.R.B. Cruz, quando se refere a um conjunto de reuniões de cunho pretensamente cientifico que se realizavam nos círculos aristocráticos portugueses no início do século XVIII. CRUZ, Op. Cit. pp. 69 e 66. A mesma autora trata dos esforços 489

joaninios e os obstáculos gerados pela inquisição, CRUZ, Op. Cit., pp 46 a 50 16 KURY, Op. Cit., p. 111 17 CRUZ, Op. Cit.. p. 179 18 CRUZ, Op. Cit.. pp. 99, 100, 107 e 124 19 LOBO, Almiro Jorge Lourenço. A emergência do literário na "Relação do estado presente de Moçambique, Sena, Sofala, Inhambane, e todo o continente de África Oriental" de Ignácio Caetano Xavier (1785). Moçambique: Navegações, comércio e técnicas, p. 213, 214, 231. Sobre o interesse da Coroa portuguesa em enviar profissionais às colônias no intuito intensificar a coleta de informações para incrementar a economia imperial e sobre a grande presença de luso-brasileiros enviados a esse serviço ver: CRUZ, Op. Cit. 20 PRATT, Mary Louise. Humbolt e a reinvenção da América. ESTUDOS HISTÓRICOS, Rio de Janeiro, V. 4, n.8, 1991, pp. 152,a 155. Nesse sentido a autora faz referência ao trabalho de DEFERT, Daniel. La Collecte du monde: pour itm étude dês récits de voyages dit XVI au XVIllème siècle. Neuchatel: Musée d'ethnographie. (Colllections Passion), 1982 21 RAMINELLI, Ronald. Viagens e inventários, tipologia para o período colonial. HISTÓRIA QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 32 p. 27-46, jan/jun., 2000. Ed. UFPR, pp. 27 e 34. 22 O sentido de pertencimento e as questões da identidade desses brasileiros são abordadas por CRUZ, op. cit.; e, CRUZ, Ana L. B. R. As viagens são os viajantes : dimensões identitárias dos viajantes naturalistas brasileiros do século XVIII. HISTÓRIA QUESTÕES E DEBATES (Império português: ciência, poder e sociedade), n. 36. Curitiba, 2002. p.61-98. I, p 13 23 CORREA, Elias Alexandre da Silva. História de Angola. Lisboa: Coleção Clássicos da Expansão Portuguesa no Mundo, s/ ed: 1937, Vis. 24 LOBO, Op. Cit., pp. 210 e 216. 25 ALMEIDA, Carlos José Duarte. A representação do Africano na literatura Missionária sobre o reino do Kongo e Angola : meados do século XVI a meados do século XVII. Lisboa: Universidade de Lisboa. 1997, p iii 26 HORTA, José da Silva. O Africano : produção textual e representações (séculos XV-XVI1). In: CRISTOVÃO, Fernando (Coord.). Condicionantes culturais da literatura de viagens : estudos e bibliografias. Lisboa: Cosmos. 1999, pp. 263 e 265 27 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO (AHU), cx. 65 - doc. 102 e cx.66 - doe. 40 28 Ver SIMON, Joel William. Scientific expéditions in the portuguese overseas territories; 1783-1808. Lisboa: Instituto de Investigação Tropical, 1983; e, CRUZ, 29 AHU - cx 68-doe. 41 Verdades... 30 SILVA, Joaquim José da. Extrato das viagens que fez ao sertão de Benguella no ano de 1785. Texto transcrito pelo CEDOPE, da publicação original do periódico O Patriota. 31 Silva afirma que, na guerra, eles não possuiriam noção alguma de ordem, disciplina militar ou tática de combate em seus exércitos. Também observou que as leis que regem a diplomacia militar seriam igualmente inexistentes. 32 Segundo ofício de 05 de agosto 1782. AHU - cx 65 - doc.38 e 58 33 CORREA, Op. Cit. p. 14 34 CORREA, Op. Cit. 35 Segundo VENÂNCIO, José Carlos. A Economia de Luanda e Hinterland no século XVIII, um estudo de Sociologia Histórica. Lisboa: Editorial Estampa. 1996. 36 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Um Brasil imperfeito ou como a África foi vista por brasileiros em fins do século XVIII. ANAIS DA V JORNADA SETECENTISTA, Curitiba, 2003. Editora UFPR; CEDOPE, p. 360; PEREIRA, M. R. de Mello. Elias Alexandre da Silva Correia e sua História de Angola : entre a história regional militante e a trajetória do indivíduo. VIII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA. Ponta Grossa: Contexto, 2002, p. 51 37 PEREIRA, Elias Alexandre..., p. 51 38 CORREA, Op. Cit., p. 16 39 CORREA, Op. Cit., p. 69 40 "Pedaço de terra com cultura agrícola em Angola perto das casas, ou das povoações." MAIA Jr, Raul, PASTOR, Nelson. (Coord.). Magno dicionário brasileiro de língua portuguesa. S. Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1995., p. 154 41 CORREA, Op. Cit., p. 95 42 CORREA, Op. Cit., p. 48 43 MELO, Rafael Joze de Souza Correa. Memória. 1786. Texto manuscrito, microfilme retirado do AHU, Cx. 71. Doe. 60. 44 Segundo o Catálogo do Projeto de Resgate de Minas Gerais ele exerceu a função de Juiz de Fora de Mariana em 1801. 45 CORREA, Op. Cit., p. 27 46 A expressão foi utilizada, com referência á transformação de estrangeiros, que em contato com os africanos, assumiam atitudes violentas; "O clima e o contato com a barbárie nativa consumiam os homens, diga-se civilizados, e seus corações cristãos, transformando-os também em bárbaros e gentios. Todavia, muitas vezes sem se aperceber, o que eles nos mostram é uma África consumida e pervertida nesse contato muito peculiar entre duas civilizações: o tráfico de escravos" PEREIRA, Um Brasil imperfeito..., p. 367. 490