A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 1 INTRODUÇÃO Com este estudo pretendemos dar um breve contributo para o esclarecimento de alguns aspectos relacionados com a articulação de ligação das actividades dos técnicos oficiais de contas (TOC) e dos revisores oficiais de contas (ROC), em prol de uma melhor clarificação do âmbito das respectivas actividades, necessariamente complementares, designadamente no que se prende com as suas competências em ordem à certificação das contas. Efectivamente, já em estudo anterior, sob o título Fiscalização das Sociedades por Quotas. Importância do art.º 262.º do CSC, publicado no nosso livro Contabilidade Fiscalidade Auditoria: Breves Reflexões (p. 41-2), sublinhámos: Sendo, porém, os técnicos de contas os principais responsáveis pela execução das DF, não se compreende que ainda haja alguns (felizmente poucos) que não atribuam o devido destaque àquele articulado do CSC, alertando os sócios e gerentes das empresas para o seu cumprimento efectivo 1. Na verdade, agora que se intensifica a discussão para a justificada regulamentação da profissão de técnico de contas, julgamos que não é com exemplos destes que ela se dignifica. É certo que alguns destes profissionais ainda vêem na profissão de ROC um directo competidor, o que só se pode justificar por ignorância. Com efeito, ambas as actividades, como muito bem foi sublinhado pelo Dr. Carlos Baptista da Costa 2, são complementares, dado que, como já referimos, ao técnico de contas compete a elaboração das DF e ao ROC a sua revisão em ordem à certificação legal das contas 3. 1 É óbvio que esta "exigência" não resulta directamente da lei. Contudo, a realidade diz-nos que, muitas vezes, os sócios e os gerentes têm de ser alertados pelos técnicos de contas para o cumprimento da lei. 2 Nas Jornadas de Contabilidade e Gestão da APOTEC, que decorreram nos dias 14 e 15 de Janeiro de 1994. 3 Julgamos até que a presença do ROC na empresa, além da valorização mútua, em resultado da troca de ideias, reforça o papel e a importância do técnico de contas na empresa. Em alguns países existe mesmo uma associação profissional comum.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 2 Nesta perspectiva, defendemos que a actividade do técnico de contas e a do ROC deverão ser desenvolvidas em "espírito de equipa", uma vez que ambos deverão pautar a sua actuação com o objectivo de criar uma "imagem verdadeira e apropriada" ("imagem fiel") da empresa, a fim de informar os diversos utilizadores/utentes das DF 4. Ambas as profissões só terão a ganhar com esta postura. Considerando que esse nosso estudo foi publicado antes (Janeiro de 1994) do Dec. Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, que aprovou o estatuto dos TOC, julgamos oportuno retomar estas questões, nomeadamente a relacionada com a certificação das contas. A ideia do título em epígrafe surgiu-nos em consequência da palestra do Exmo. Senhor Ministro das Finanças aquando da inauguração, em 4 de Setembro de 1998, da Sede da ATOC. Com efeito, Sousa Franco sublinhou o papel dos TOC no sentido da credibilização da contabilidade e do cumprimento das obrigações fiscais dos contribuintes, tendo usado insistentemente o termo certificação para se referir às suas competências. 4 Contrariamente aos países anglo-saxónicos (v.g., Reino Unido), em que as DF são elaboradas no sentido de potenciar futuros investidores, em Portugal continuam a privilegiar-se as intenções da Administração Fiscal. Na verdade, as contas das empresas estão, cada vez mais, influenciadas por regras fiscais em ordem à economia do imposto sobre o rendimento (IRC), o que prejudica o requisito da "imagem verdadeira e apropriada" e privilegia o interesse de um dos utentes das DF.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 3 CERTIFICAÇÃO POR QUEM? A questão que se nos colocou foi a de pensarmos que a certificação das contas é da competência dos ROC e não dos TOC. Efectivamente, face ao preceituado na alínea b), do n.º 1, do art.º 43.º, do Dec. Lei n.º 422-A/93, de 30 de Dezembro (Estatuto dos ROC), e ao art.º 451.º do CSC, o ROC deverá elaborar documento de certificação legal das contas 5. Neste documento, o ROC exprime a convicção de que os documentos de prestação de contas 6 apresentam ou não, de forma verdadeira e apropriada, a situação financeira da empresa ou de outra entidade, bem como os resultados das suas operações, relativamente à data e ao período a que os mesmos se referem 7. O órgão de gestão, i.e., a administração, a gerência ou a direcção, conforme a estrutura orgânica adoptada pela sociedade no âmbito do CSC, é o responsável pelas contas do exercício, como resulta, clara e inequivocamente, do preceituado no n.º 4, do art.º 65.º, do CSC, ao estabelecer que o relatório de gestão e as contas do exercício são elaborados e assinados pelos gerentes, administradores ou directores. Aos TOC compete-lhes a execução da contabilidade e aos ROC a revisão (auditoria de base legal) em ordem à mencionada certificação legal das contas. Veja-se em esquema: Execução TOC Contabilidade Revisão ROC 5 Apesar da certificação legal das contas constituir o documento mais importante, o ROC terá de elaborar, também, o relatório anual sobre a fiscalização efectuada, a remeter ao órgão de gestão e o relatório e parecer do conselho fiscal (conjuntamente com os outros membros) ou do fiscal único, caso exista, face ao previsto no art.º 43.º do Estatuto dos ROC e no Código das Sociedades Comerciais. Por outro lado, a importância da certificação legal das contas resulta também do facto de ser dotada de fé pública, só podendo ser impugnada por via judicial, quando arguida de falsidade (n.º 7, do art.º 37.º do Estatuto dos ROC). 6 Os documentos de prestação de contas englobam as demonstrações financeiras previstas no POC e nas Directrizes Contabilísticas, bem como o relatório de gestão. 7 N.º 2 do art.º 37.º do Estatuto dos ROC.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 4 Elaboração e Órgão de Gestão Assinatura No que concerne concretamente às funções do TOC, o n.º 1 do art.º 2.º do Dec. Lei n.º 265/95, estabelece: 1 São funções dos técnicos oficiais de contas assumir a responsabilidade pela regularidade fiscal das entidades sujeitas a imposto sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, devendo assinar, conjuntamente com aquelas entidades, as respectivas declarações fiscais. (sublinhado nosso). De acordo com a proposta de alterações daquele diploma, elaborado pelo grupo de trabalho nomeado pelo Despacho n.º 33/97 XIII do Exmo. Snr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquele articulado passará a ter a seguinte redacção: 8 1. São funções do técnico oficial de contas: a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades, abrangidas pelo disposto no n.º 1 do art.º 2.º, do Decreto-lei que aprovou o presente Estatuto, respeitando as normas legais e os princípios contabilísticos geralmente aceites, sem prejuízo do direito daquelas entidades à organização dos seus serviços; b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas nas alíneas a), assumindo conjuntamente com o representante legal dessas entidades as correspondentes demonstrações financeiras e seus anexos e as respectivas declarações fiscais, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos órgãos das entidades envolvidas. (sublinhado nosso). Da comparação dos dois clausulados, inferimos o seguinte: a) A actual redacção sublinha a responsabilidade pela regularidade fiscal, i.e., destaca o papel dos TOC na salvaguarda do cumprimento dos normativos fiscais pelos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento. Apesar de salientar as entidades que 8 Transcrevemos apenas as partes que nos interessam para este trabalho.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 5 possam ou devam possuir contabilidade organizada, não revela significativamente o papel da contabilidade; b) A proposta de alterações enfatiza prioritariamente, sem dúvida, o papel dos TOC no cumprimento das normas contabilísticas, sem prejuízo das suas responsabilidades fiscais; c) A alínea b) daquele articulado, ao referir sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos órgãos das entidades envolvidas, salienta a responsabilidade máxima do órgão gestionário da entidade. Face ao exposto, e tendo em conta o disposto no estatuto dos TOC, não existe, ao contrário do estipulado para a actividade do ROC, a obrigação do TOC emitir qualquer documento de certificação das contas. Não devemos, porém, entender a frase proferida pelo Senhor Ministro das Finanças de uma forma restritiva, pois, com certeza, não foi essa a sua intenção. Na verdade, certificar, de acordo com o dicionário 9, significa, nomeadamente, dar por certo, asseverar, atestar e convencer. Ora, o TOC, ao assinar as declarações fiscais, certifica, efectivamente, que os dados nela constantes estão de acordo com a contabilidade. Assim, com a aposição da sua assinatura nesses documentos, o TOC atesta ( certifica ) a veracidade da informação neles constantes. 9 COSTA, J. Almeida e MELO, A. Sampaio: Dicionário da Língua Portuguesa, 6.ª Edição, Porto Editora.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 6 A DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE Um outro documento importante que atesta as diversas responsabilidades atrás mencionadas em torno da certificação das contas é a declaração de responsabilidade ( representation letter ) que, nas empresas obrigadas à revisão legal nos termos da legislação em vigor 10, o ROC solicita ao órgão de gestão e que terá de ser assinado pelos seus representantes e pelo TOC. A declaração de responsabilidade é exigida pelas Normas Técnicas de Revisão/Auditoria 11 onde, no seu n.º 20, se estabelece: Sendo da responsabilidade do órgão de gestão a preparação de demonstrações financeiras que apresentem de forma verdadeira e apropriada a posição financeira 12, o resultado das operações 13 e os fluxos de caixa 14 da entidade, bem como a adopção de políticas e critérios contabilísticos adequados e a manutenção de um sistema de controlo interno apropriado, deve o revisor/auditor solicitar àquele órgão que subscreva uma declaração confirmando tal responsabilidade, as asserções 15 contidas nas demonstrações financeiras e as informações que prestou no decurso da revisão/auditoria.. (sublinhado nosso) 10 O Código das Sociedades Comerciais e o Estatuto dos ROC (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 422-A/93, de 30 de Dezembro). 11 Publicadas no D.R., III Série, n.º 295, de 23 de Dezembro de 1997. 12 Referência ao Balanço. 13 Referência à Demonstração dos Resultados. 14 Referência à Demonstração dos Fluxos de Caixa (Directriz Contabilística n.º 14). 15 De acordo com o Glossário de Termos das Normas e Recomendações Internacionais de Auditoria/Revisão, as asserções de demonstração financeira são as asserções feitas pela gerência, de forma explícita ou outra, que estão incorporadas nas demonstrações financeiras e que podem ser assim classificadas: Existência um activo ou passivo existe numa determinada data; Direitos e obrigações um activo ou um passivo diz respeito à entidade numa determinada data; Plenitude não existem activos, passivos ou transacções por registar ou elementos por divulgar; Ocorrência uma transacção ou acontecimento teve lugar e diz respeito à entidade durante o período; Valorização um activo ou um passivo é registado a um valor escriturado apropriado; Mensuração uma transacção ou acontecimento é registado pela quantia devida e o rédito ou o gasto é imputado ao período conveniente; Apresentação e divulgação um elemento é divulgado, classificado e descrito de acordo com a estrutura conceptual de relato financeiro aplicável.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 7 A Câmara dos ROC, através da Recomendação Técnica n.º 18, de Novembro de 1995, emanou algumas normas sobre a declaração de responsabilidade, as quais contêm um modelo desse documento, no qual o órgão de gestão e o responsável pela execução da contabilidade 16 confirmam diversas informações prestadas ao ROC, das quais destacamos: - Colocaram à disposição do ROC todos os registos contabilísticos e respectivos suportes documentais e outros, assim como toda a correspondência relevante e as actas de todas as reuniões dos accionistas/sócios e dos órgãos sociais e comissões; - As demonstrações financeiras não se encontram afectadas por erros ou omissões materialmente relevantes; - Inexistência de situações que possam pôr em causa a continuidade da empresa (v.g. encerramento ou alienação de linhas de produção); - Cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais; - Inexistência de irregularidades envolvendo o órgão de gestão ou os empregados. Como podemos verificar, esta declaração assume uma importância significativa para que o ROC assevere que as demonstrações financeiras representam a imagem verdadeira e apropriada da entidade. Porém, como é óbvio, o ROC terá de confirmar e justificar, pelo seu trabalho contínuo ao longo do exercício, que esse documento traduz, efectivamente, essa situação, pelo que não se deve eximir das suas responsabilidades de auditoria (revisão). Nesta conformidade, considerando que o TOC assina a declaração em conjunto com o órgão de gestão, torna-se evidente que o acto o responsabiliza pelas informações. Assim, a declaração de responsabilidade poderá também ser considerada como um documento em que o TOC certifica as contas da empresa. 16 O modelo não refere especificamente a figura do TOC mas a do Director Financeiro/Chefe da Contabilidade.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 8 CONCLUSÕES Considerando o significado da palavra certificar, podemos concluir que tanto o TOC como o ROC são responsáveis pela veracidade das contas das empresas, em torno do postulado da imagem verdadeira e apropriada que corporiza o cumprimento dos princípios contabilísticos geralmente aceites. Deste modo, nos termos das respectivas disposições estatutárias, ao TOC compete a execução da contabilidade da entidade, enquanto ao ROC é exigida responsabilidade pela revisão das contas (auditoria de base legal), em ordem à emissão de um parecer técnico independente e consubstanciado na certificação legal das contas. O órgão de gestão é, contudo, o responsável legal máximo pela elaboração das contas. A importância da certificação das contas pelo TOC, embora não assuma as características legais subjacentes ao parecer ( certificação legal das contas ) dos ROC, que é dotado de fé pública, é traduzida pela exigência legal de assinatura das declarações fiscais e, no caso das empresas obrigadas a revisão legal, da declaração de responsabilidade a remeter ao ROC pelo órgão de gestão da entidade.
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC 9
A CERTIFICAÇÃO DAS CONTAS PELOS TOC E ROC ÍNDICE INTRODUÇÃO... 1 CERTIFICAÇÃO POR QUEM?... 3 A DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE... 6 CONCLUSÕES... 8