LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA EM BOM JESUS, PIAUÍ, BRASIL: UM RELATO DE CASO AUTÓCTONE. Tairon Pannunzio Dias e Silva 1, Jamile Prado dos Santos 2

Documentos relacionados
11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

ASSOCIAÇÃO DA CARGA PARASITÁRIA NO EXAME CITOLÓGICO DE PUNÇÃO BIÓPSIA ASPIRATIVA DE LINFONODO COM O PERFIL CLÍNICO DE CÃES COM LEISHMANIOSE VISCERAL.

LEISHMANIOSE VISCERAL NO MUNICÍPIO DE BOM JESUS, PIAUÍ, BRASIL

Palavras- chave: Leishmaniose; qpcr; cães. Keywords: Leishmaniases; qpcr; dogs.

SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA LEISHMANIOSE VISCERAL NA PARAÍBA: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA

MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA

Leishmanioses. Zoonoses e Administração em Saúde Pública Universidade Federal de Pelotas. Prof. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

Nota Técnica nº 13 LEISHIMANIOSE VICERAL

INFECÇÃO SIMULTÂNEA POR Leishmania chagasi E Ehrlichia canis EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS EM SÃO LUÍS, MARANHÃO, BRASIL

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Leishmaniose visceral canina no município de São Vicente Férrer, Estado de Pernambuco, Brasil

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.

PERFIL DA POPULAÇÃO CANINA DOMICILIADA DO LOTEAMENTO JARDIM UNIVERSITÁRIO, MUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO, SERGIPE, BRASIL

Módulo: Nível Superior Dezembro/2014 GVDATA

SITUAÇÃO ATUAL DA LEISHMANIOSE VISCERAL NO ESTADO DO CEARÁ

TÍTULO: OCORRÊNCIA DE LEISHMANIA SP DETECTADA POR PCR EM LABORATÓRIO DE PATOLOGIA CLÍNICA PARTICULAR DE SP

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <

Audiência Pública 17/08/2015. Projeto de Lei 1.738/2011

DISTRIBUIÇÃO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA NA CIDADE DE PRESIDENTE PRUDENTE, ESTADO DE SÃO PAULO.

SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA LEISHMANIOSE EM CÃES ERRANTES NO MUNICÍPIO DE IJUÍ RIO GRANDE DO SUL 1

Estudo retrospectivo da epidemiologia da leishmaniose visceral no Rio Grande do Sul: revisão de literatura

LEISHMANIOSE VISCERAL REVISÃO DE LITERATURA VISCERAL LEISHMANIASIS REVIEW

26 a 29 de novembro de 2013 Campus de Palmas

Semi-Árido (UFERSA). 2 Farmacêutico bioquímico, Mestre em Ciência Animal. UFERSA 3

NOVO CONCEITO. Nova proposta para a prevenção da Leishmaniose Visceral Canina UMA DUPLA PROTEÇÃO PARA OS CÃES. CONTRA O VETOR E O PATÓGENO!

do Vale do Araguaia UNIVAR - LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA HUMANA NO MUNICÍPIO DE GENERAL CARNEIRO MATO GROSSO

INFORME TÉCNICO PARA MÉDICOS VETERINÁRIOS LEISHMANIOSE VISCERAL AMERICANA

Gênero Leishmania. século XIX a febre negra ou Kala-azar era temida na Índia. doença semelhante matava crianças no Mediterrâneo

Unir forças para não expandir

Perfil Epidemiológico da Leishmaniose Visceral no Estado de Roraima Visceral Leishmaniasis Epidemiologic Profile in Roraima State

ALERTA EPIDEMIOLÓGICO

Leishmaniose visceral: Complexidade na relação Homemanimal-vetor-ambiente

RESPONSABILIDADE NA CONDUTA TERAPÊUTICA EM CASOS DE LVC. Dra Liliane Carneiro Diretora do CENP/IEC/MS CRMV/PA Nº 1715

ANÁLISE ESPACIAL DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA (LVC) EM URUGUAIANA, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL ( ).

14/06/12. Esta palestra não poderá ser reproduzida sem a referência do autor

RAFAEL ANTONIO DO NASCIMENTO RAMOS

Ciclo. A Leishmaniose. Leevre. A Leishmaniose canina é causada, no Brasil, pela Leishmania infantum chagasi (L. chagasi), um protozoário intracelular

Agente etiológico. Leishmania brasiliensis

Palavras-chave: Leishmaniose, canino, sistema nervoso central.

Aprimorando em Medicina Veterinária, Fundação Educacional de Ituverava Faculdade Dr. Francisco Maeda (FAFRAM),

Palavras-chave: citologia, diagnóstico parasitológico, punção aspirativa. Keywords: cytology, parasitological diagnosis, puncture aspiration.

Eficiência da PCR convencional na detecção de Leishmania spp em sangue, pele e tecidos linfoides

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA NO MUNICÍPIO DE SELVÍRIA/MS DE 2011 A 2015

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE LEISHMANIOSE EM HUMANOS E CÃES NO MUNICÍPIO DE MINEIROS GOIÁS

ESTUDO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL NA REGIÃO NORDESTE

LEISHMANIOSE VISCERAL EM ANIMAIS E HUMANOS

Relações Parasitas e Hospedeiros. Aula 06 Profº Ricardo Dalla Zanna

AVALIAÇÃO EPIDEMIOLOGICA DA LEISHMANIOSE VISCERAL NA CIDADE DE IMPERATRIZ, MARANHÃO. Natã Silva dos Santos 1 Graduando em Enfermagem

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

Diário Oficial Imprensa Nacional Nº 52 DOU de 16/03/17 Seção 1 p.62 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL BRASÍLIA - DF MINISTÉRIO DA SAÚDE GABINETE DO MINIS

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Universidade de São Paulo -USP. Leishmanioses. Luciana Benevides. Ribeirão Preto- 2013

AVALIAÇÃO DA FREQUÊNCIA DE CASOS DE LESISHMANIOSE VISCERAL CANINA NA REGIÃO DE BEBEDOURO

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DOS CASOS DE LEISHMANIOSE VISCERAL NA MACRORREGIÃO DO CARIRI, CEARÁ

EPIDEMIOLOGIA DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA EM GURUPI-TO

Toxoplasma gondii em Tamanduá Bandeira (Myrmecophaga tridactyla, Linnaeus 1758) da região Noroeste do Estado de São Paulo

Complexo Leishmania donovani Forte tendência a visceralização (baço, fígado, medula óssea e órgãos linfóides).

COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS DOS MÉTODOS DE IMUNOFLUORESCÊNCIA INDIRETA E ELISA INDIRETO NO DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO DA LEISHMANIOSE FELINA

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL EM CÃES COM LEISHMANIOSE VISCERAL Cristiane Rodrigues Alves Araújo 1 ; Marlos Gonçalves Sousa 2

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

LEISHMANIOSE VISCERAL EM CÃES: RELATO DE CASO

PREVALÊNCIA ESPACIAL DE CASOS DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA (LVC) EM PRESIDENTE PRUDENTE SP, BRASIL

Análise dos casos de leishmaniose humana e sua relação com a eutanásia de animais recolhidos pelo centro de controle de zoonoses de Mossoró- RN.

Resumo. Introdução. Raquel Martins LUCIANO 1 Simone Baldini LUCHEIS 1 Marcella Zampoli TRONCARELLI 1 Daniela Martins LUCIANO 1 Hélio LANGONI 1

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA - UNIR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA EXPERIMENTAL - PGBIOEXP. [Autor] [Título]

LEISHMANIOSE CANINA (continuação...)

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

RESUMO. Palavras-chave: leishmaniose visceral, RIFI, ELISA, sorologia, cães.

Anais do 38º CBA, p.1478

LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA NA MESORREGIÃO DO SERTÃO PARAIBANO

Prevalência e epidemiologia da leishmaniose visceral em cães e humanos, na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, Brasil

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA MEDICINA VETERINÁRIA

LEISHMANIOSE HUMANA E CANINA

Leishmaniose. Família: Trypanosomatidae (da mesma família que o Trypanosoma cruzi, causador de Chagas).

RELATO DE UM CASO CLÍNICO DE LEISHMANIOSE EM UM FELINO NA CIDADE DE SOUSA, PARAÍBA - BRASIL

Levantamento de diagnóstico parasitológico de leishmaniose em cães com erliquiose no Distrito Federal

IDENTIFICAÇÃO DE Leishmania spp. PELO MÉTODO DE PAAF DE LINFONODOS DE CÃES POSITIVOS PARA LVC

Palavras-chave: Trypanosoma, Leishmania, citologia, cão, Barão de Melgaço.

Aplicações do SR no estudo de doenças transmitidas por insetos: o caso da leishmaniose visceral em Teresina, Piauí

Palavras-chave: canino, tripanossomíase, Doença de Chagas Key-words: canine, trypanosomiasis, chagas disease

RELAÇÃO ENTRE A LEISHMANIOSE CANINA E HUMANA NO ESTADO DO CEARÁ.

Vigilância da Leishmaniose Visceral. (calazar, esplenomegalia tropical, febre Dundun)

Artigo Científico/Scientific Article

Instruço es para a realizaça o do teste ra pido imunocromatogra ico Alere para diagno stico sorolo gico da leishmaniose visceral canina

BORRIFAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE CONTROLE DA LEISHMANIOSE VISCERAL: UM ESTUDO DE CASO EM PALMAS, TOCANTINS

Journal of Biology & Pharmacy and Agricultural Management

ACURÁCIA E CONFIABILIDADE DO ENSAIO IMUNOENZIMÁTICO PRODUZIDO POR BIO-MANGUINHOS PARA O DIAGNÓSTICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS EM CÃES POSITIVOS PARA LEISHMANIA spp. NA MICRORREGIÃO DE ARAGUAÍNA-TO.

Vigilância Epidemiológica das Doenças Negligenciadas e das Doenças relacionadas à pobreza 2017

Herica MAKINO 1, Karoline Silva CAMPIOLO 2, Karolina Gonçalves NUNES 2, Valéria Régia Franco SOUSA 3, Arleana do Bom Parto Ferreira de ALMEIDA 3

OFÍCIO CIRCULAR nº. 014/09. Goiânia, 11 de abril de Ilmo(a). Senhor(a) Supervisor(a) de Ações Básicas Administrações Regionais de Saúde

DÚVIDAS FREQUENTES: LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA

Inquérito domiciliar de basepopulacional. infecção pelo vírus do dengue em três áreas do Recife.

FAMÍLIA TRYPANOSOMATIDAE

Nélio Batista de Morais Presidente da Comissão Nacional de Saúde Publica Veterinária

SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE - DF HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA M CALAZAR GERMANO DA SILVA DE SOUZA R 2

REDUÇÃO DO RISCO DE DOENÇAS TRANSMITIDAS POR VETORES (CVBD*), EM CÃES JOVENS COM SISTEMA IMUNOLÓGICO EM DESENVOLVIMENTO

MORTALIDADE E LETALIDADE POR LEISHMANIOSE VISCERAL NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL

MALÁRIA. Agentes etiológicos (Protozoários) Plasmodium vivax Plasmodium falciparum Plasmodium malariae Plasmodium ovale

Correlação entre Leishmaniose Visceral e Indicadores Socioeconômicos. Correlation between Visceral Leishmaniasis and Socioeconomic Indicators

Transcrição:

LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA EM BOM JESUS, PIAUÍ, BRASIL: UM RELATO DE CASO AUTÓCTONE Tairon Pannunzio Dias e Silva 1, Jamile Prado dos Santos 2 1. Graduando em Medicina Veterinária (tairon.mvet@gmail.com) Universidade Federal do Piauí/CPCE- Brasil 2. Professora da Universidade Federal do Piauí/CPCE Departamento de Medicina Veterinária Data de recebimento: 07/10/2011 - Data de aprovação: 14/11/2011 RESUMO A leishmaniose visceral é uma zoonose causada por protozoários intracelulares obrigatórios do gênero Leishmania. No Brasil, essa patologia encontra-se registrada em quase todos os estados. O cão tem um papel importante dentro da epidemiologia da doença e é considerado como o principal reservatório para a transmissão ao homem em área urbana. O objetivo deste trabalho foi relatar o primeiro caso autóctone de LVC no município de Bom Jesus, Piauí. Um cão foi encaminhado ao laboratório de parasitologia da UFPI/CPCE, para avaliação, sendo verificado emagrecimento, alterações cutâneas, onicogrifose, linfadeno e esplenomegalia. Para diagnóstico definitivo foi realizado exame parasitológico, onde foram detectadas formas amastigotas de Leishmania no interior de macrófagos e, sorológico que se mostrou positivo para o teste ELISA, devendo-se adotar medidas a fim de impedir a infecção na população canina deste município. PALAVRAS-CHAVE: Leishmaniose visceral canina, Epidemiologia, Zoonose, Bom Jesus, Piauí. CANINE VISCERAL LEISHMANIASIS IN BOM JESUS, PIAUÍ, BRASIL: A REPORT OF AUTOCHTHONOUS CASE. ABSTRACT Visceral leishmaniasis is a zoonotic disease caused by obligate intracellular protozoa of the genus Leishmania. In Brazil, this pathology is recorded in almost all states. The dog has an important role in the epidemiology of the disease and it is considered the major reservoir for transmission to humans in urban areas. The aim of this study was to report the first indigenous case of CVL in Bom Jesus, Piauí. A dog was referred to the parasitology laboratory of UFPI / CPCE to be evaluated and weight loss, skin changes, onychogryphosis, lymphadenopathy and splenomegaly were observed. In order to have a definitive diagnosis, a cytological examination was done, detecting Leishmania amastigotes within macrophages, and the serum examination seemed to be positive as for ELISA test, making it necessary to adopt measures to prevent infection among the canine population of this city. KEYWORDS: Canine Visceral Leishmaniasis, Epidemiology, zoonosis, Bom Jesus, Piauí INTRODUÇÃO A leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose causada por protozoários intracelulares obrigatórios do gênero Leishmania (BARROUIN-MELO et al., 2004). Sendo considerada uma doença infecciosa grave, podendo apresentar, em áreas ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 709

endêmicas, alto índice de letalidade (DEREURE et al., 1999) atingindo mais de 500.000 pessoas com a forma visceral da doença (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). Nas Américas, Central e do Sul, a Leishmania (Leishmania) chagasi é transmitida ao homem e aos animais através da picada das fêmeas hematófagas dos insetos vetores dípteros psicodídeos do gênero Lutzomyia (TAFURI et al., 2001; GALATI, 2003), sendo frequentemente observado nas áreas peri e intradomiciliares (LAINSON & RANGEL, 2005). No Brasil, a Leishmaniose Visceral (LV) encontra-se registrada em quase todos os estados da federação, 19 das 27 unidades, com aproximadamente 1.600 municípios apresentando transmissão autóctone (BRASIL, 2006), apresentando diferentes perfis epidemiológicos, particularmente na região Nordeste, ora sendo uma doença rural, ora uma doença urbana (SANTA ROSA & OLIVEIRA 1997; ALVES et al., 1998). O cão tem um papel importante dentro da epidemiologia da doença, sendo considerado o principal reservatório para a transmissão ao homem em área urbana (ASHFORD, 2000; ALVAR et al., 2004), pois neles o agente infeccioso sobrevive e mantem-se no ambiente (ASHFORD, 2000), além desta espécie ser abundante e viver tempo suficiente que permita ciclos de transmissão da doença (SALIBA & OUMEISH, 1999). Inicialmente a LV era considerada como uma doença de ambiente rural. Mudanças nos padrões epidemiológicos da enfermidade tendenciam-na à urbanização e expansão geográfica, com incidência crescente em áreas onde não ocorria tradicionalmente (BEVILACQUA et al., 2001). Apesar das medidas de controle da infecção canina e humana já serem praticadas no Brasil há décadas, a ocorrência da LV tem aumentado gradualmente no país (LACERDA, 1994; BRASIL, 2003). A LVC é uma doença sistêmica severa e em alguns casos fatal, sendo considerada como doença imunomediada, ocasionando uma grande variedade de sinais clínicos (GARCÍA-ALONSO et al., 1996). Apenas uma parcela dos cães infectados desenvolve doença clínica, na dependência da competência imunológica desses animais (MORENO et al., 1999). Após a infecção, muitos cães apresentam doença crônica progressiva com exibição de inúmeros sinais clínicos, como alopecia, úlceras na pele, linfoadenopatia e caquexia (TAFURI et al., 2001). Porém, pode ser extremamente frequente não apresentarem nenhum sinal clínico, considerado por pesquisadores, o período de infecção silenciosa (FEITOSA et al., 2000). O diagnóstico definitivo na LVC é difícil, tendo como método mais seguro o exame parasitológico, através da detecção do parasito. Entretanto este método detém-se na falta de praticidade e baixa sensibilidade. Por outro lado, os métodos moleculares de diagnóstico, apesar de possuírem alta sensibilidade e especificidade, são normalmente utilizados apenas em instituições de pesquisa (BONATES, 2003; BARROUIN-MELO et al., 2004). Embora existam tratamentos preconizados para a doença, com anfotericina B ou alopurinol, eles geralmente não são recomendados devido a polêmicas em relação à eficácia, podendo os cães ficar sem sinais clínicos, mas ainda portadores e disseminadores do parasito (CAMARGO et al., 2007). No estado do Piauí há relatos dos primeiros casos em 1934. Em Teresina, há notificação de casos humanos a partir de 1971, mantendo seis casos/ano até ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 710

1980,caracterizando epidemia nos períodos compreendidos entre os anos de 81-86 e 89 95 (ARAÚJO, 1995). Segundo SILVA et al. (2009), avaliando a prevalência da LVC na cidade de Bom Jesus, estado do Piauí, o teste sorológico ELISA revelou a presença de anticorpos circulantes em 42,23% dos cães examinados. Os autores objetivaram relatar o primeiro caso autóctone de LVC no município de Bom Jesus, Piauí. RELATO DO CASO Um cão proveniente do bairro Centro, município de Bom Jesus, que se localiza no sul do estado do Piauí, a uma latitude 09º04'28" sul e a uma longitude 44º21'31" oeste, estando a uma altitude de 277 metros, e distante a 635 km da capital Teresina (AGUIAR, 2004), foi encaminhado ao laboratório de parasitologia da Universidade Federal do Piauí, Campus Professora Cinobelina Elvas para avaliação clínica e laboratorial. Canino, com três anos e meio de idade, fêmea, da raça Pit Bull, vacinada contra Raiva e que pesava 35 quilos. Durante a anamnese, o proprietário informou que o animal era nascido no bairro onde morava e nunca havia sido deslocado para outras cidades, sendo sua movimentação restrita ao quintal da residência. Apresentava apetite normal, com emagrecimento progressivo, hipodipsia e com feridas cutâneas. No exame clínico foi verificado que o animal apresentava emagrecimento, alterações cutâneas (alopecia, pêlo opaco, descamação, úlcera de ponta de orelha, no dorso e na ponta da cauda), oftalmopatias como úlcera de córnea e conjuntivite, onicogrifose, linfadenomegalia e esplenomegalia (FIGURA 1). Com base em toda a sintomatologia apresentada, suspeitou-se de LV, pois, é sabido que estes são sinais encontrados frequentemente em casos desta doença, mas, não são patognomônicos para a suspeita levantada, ou seja, são encontrados em diversas outras patologias sistêmicas. FIGURA 1: Canino proveniente do município de Bom Jesus, com leishmaniose visceral, apresentando oftalmopatias, alterações cutâneas, linfadenomegalia, onicogrifose e magreza pronunciada. Fonte: Jamile P. Santos (2009). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 711

Para confirmação da suspeita de LV foi realizado aspirado dos linfonodos e punção de medula óssea da crista ilíaca para exame parasitológico e coletado 5 ml de sangue através da venopunção da cefálica, com seringa 1 e agulha 2, e acondicionados em tubos de ensaio estéreis, sem anticoagulante para obtenção do soro, sendo mantidos inclinados até a completa retração do coágulo. O soro resultante foi centrifugado e armazenado em tubos de polipropileno 3 a 20 C até a realização do exame sorológico. Para o diagnóstico da LVC, o teste ELISA foi realizado através do kit ELISA/S7 4, tendo como base um peptídeo recombinante, segundo as instruções do fabricante. A leitura da reação foi realizada em um leitor de ELISA em densidade óptica de 450 nanômetros, no Laboratório de Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos da Universidade Federal Rural de Pernambuco. No parasitológico foram evidenciadas inúmeras formas amastigotas do protozoário no interior de macrófagos, sendo também sororeagente no teste ELISA. Confirmada a doença, foi realizada a eutanásia do paciente e a necropsia, que revelou, no exame macroscópico, rins com áreas pálidas, congesto e isquêmico, baço e fígado aumentado com bordas abauladas e aspecto moteado, linfonodos aumentados e edemaciados. Todos os procedimentos realizados foram aprovados no Comitê de Ética de Experimentação Animal da Universidade Federal do Piauí sob o número de cadastro 0089/2010. DISCUSSÃO A leishmaniose visceral canina ou calazar é uma enfermidade infecciosa causada pela Leishmania chagasi, que tem o cão como principal reservatório urbano. Esta enfermidade assume grande importância em saúde pública por sua natureza zoonótica e, atualmente, vem apresentando crescente disseminação nas diferentes regiões do Brasil (BRASIL, 2006; ALBUQUERQUE et al., 2007). Todos os sinais clínicos aliados aos testes parasitológico e sorológico confirmaram o primeiro caso autóctone de leishmaniose visceral canina no município de Bom Jesus, PI, expondo a fragilidade do município quanto ao controle do ciclo da doença, pois, há alto índice de cães errantes que atuam como reservatórios, presença do vetor Lutzomyia longipalpes, que realizam a infecção e, condições precárias em todos os bairros da cidade favorecendo a permanência deste em áreas peri e intradomiciliares (LAINSON & RANGEL, 2005). A metodologia empregada para diagnóstico corrobora com a literatura, que relata a linfoadenopatia, alterações dermatológicas, hepato e esplenomegalia, onicogrifose e oftalmopatias as alterações mais frequentemente observadas na LVC (TAFURI et al., 2001; RONDON et al., 2008) ressaltando ainda que, faz-se necessário o auxílio de outros métodos de diagnóstico, quer sejam parasitológicos, para detecção do parasita, quer sejam sorológicos, para a detecção de anticorpos anti-leishmania ou moleculares, para a amplificação do DNA do parasita, garantindo segura realização do diagnóstico (MATHIS & DEPLAZES, 1995; FERRER, 1999). No exame parasitológico através do aspirado de linfonodo foram evidenciados inúmeros macrófagos com intensa infecção por formas amastigotas 1 Seringas descartáveis 10 ml, Becton Dickson 2 Agulhas descartáveis 25x7mm, Becton Dickson 3 Tubos de propileno, Eppendorff, WWR 4 Kit para diagnóstico do Calazar canino ELISA/S7, Biogene Ind. e Com. Ltda, Recife/PE ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 712

intracitoplasmáticas (FIGURA 2), com morfologia típica compatível com parasitos do gênero Leishmania (LEVINE, 1983; BONATES, 2003), assim como no teste sorológico ELISA o animal foi positivo para LV. FIGURA 2: Presença de formas amastigotas de Leishmania spp. no interior de macrófago em aspirado de medula óssea vermelha do canino do município de Bom Jesus. Fonte: Luciana P. Machado (2009). Na necropsia puderam-se notar rins com alterações na coloração do tecido renal, notadamente congestão e isquemias nas áreas corticais e medulares além de nefrite intersticial, caracterizada pela presença de vários pontos esbranquiçados nos rins, corroborando com os dados da literatura descrevendo que, o aumento de celularidade dos glomérulos com proliferação endotelial e mesangial e deposição de imunocomplexos na membrana basal, têm sido responsáveis nos processos inflamatórios no tecido renal (JONES et al., 2000). Ainda na avaliação macroscópica foram observados fígado e baço aumentado com bordas abauladas e aspecto moteado, linfonodos aumentados e edemaciados (KEENAN et al., 1984; JONES et al., 2000). CONCLUSÃO A importância da descoberta de um caso autóctone de leishmaniose visceral canina na cidade de Bom Jesus é essencial, pois, poderá gerar alterações no comportamento dessa endemia, desde que órgãos responsáveis pela saúde pública atuem de forma criteriosa na qualificação dos profissionais, juntamente com os demais segmentos da sociedade, buscando o desenvolvimento de estratégias que permitam a rápida identificação quer seja dos vetores, quer seja dos reservatórios visando antecipar surtos dessa doença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, R. B. Projeto cadastro de fontes de abastecimento por água subterrânea, estado do Piauí: diagnóstico do município de Bom Jesus ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 713

/Organização do texto [por] Robério Bôto de Aguiar [e] José Roberto de Carvalho Gomes. Fortaleza: CPRM - Serviço Geológico do Brasil, 2004. ALBUQUERQUE, A. R., ARAGÃO, F. R., FAUSTINO, M. A. G., GOMES, Y. M., LIRA, R. A., NAKASAWA, M., ALVES, L. C. Aspectos clínicos de cães naturalmente infectados por Leishmania (Leishmania) chagasi na região metropolitana do Recife. Revista Clínica Veterinária. n. 71, p. 78-80. 2007. ALVAR, J., CAÑAVATE, C., MOLINA, R., MORENO, J., NIETO, J. Canine Leishmaniasis. Advances in Parasitology, v. 57, p. 1-88, 2004. ALVES, A. L., BEVILAQUA, C. M. L., MORAES, N. B., FRANCO, S. O. Epidemiological survey of visceral leishmaniasis in errant dogs of Fortaleza city, Ceará. Ciência Animal, Fortaleza, v. 8, n. 2, p. 63-67, 1998. ARAÚJO, A. S. S. Calazar: Relato e Análise dos Trabalhos de Controle da Epidemia em Teresina-PI, 1995 (Espec; Monog). ASHFORD, D. A. The leishmaniasis as emerging and reemerging zoonoses. 2000. International Journal for Parasitology, v. 30, n. 12-13, p. 1269-1281, 2000. BARROUIN-MELO, S. M., LARANJEIRA, D. F., TRIGO, J., AGUIAR, P. H. P., DOS- SANTOS, W. L. C., PONTES-DE-CARVALHO, L. Comparison between Splenic and Lymph Node Aspirations as Sampling Methods for the Parasitological Detection of Leishmania chagasi Infection in Dogs. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 99, n. 2, p. 195-197, 2004. BEVILACQUA, P. D., PAIXÃO, H. H., MODENA, C. M., CASTRO, M. C. P. S. Urbanização da leishmaniose visceral em Belo Horizonte. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 53, n. 1, p. 1-8, 2001. BONATES, A. Leishmaniose visceral (calazar). Veterinary News, ano 10, n. 61, p. 4-5, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de vigilância e controle da Leishmaniose Visceral. Brasília, 2003. 120p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Epidemiológica em Saúde, Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral. Brasília: Ed. MS, 2006. CAMARGO, J. B., TRONCARELLI, M. Z., RIBEIRO, M. G., LANGONI, H. Leishmaniose visceral canina: aspectos de saúde pública e controle. Clínica Veterinária. N. 71, p. 86-92, 2007. DEREURE, J., PRATLONG, F., DEDET, J. P. Geographical distribution and the identification of parasites causing canine leishmaniasis in the Mediterranean Basin. In: INTERNATIONAL CANINE LEISHMANIASIS FORUM, 1999, Barcelona. Proceedings Barcelona: R. Killick-Kendrick, 1999. p. 18-25. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 714

FEITOSA, M. M., IKEDA, F. A., LUVIZOTTO, M. C. R. Aspectos clínicos de cães com leishmaniose visceral no município de Araçatuba, São Paulo (Brasil). Clínica Veterinária. n. 28, p. 36-44. 2000. FERRER, L. Clinical aspects of canine Leishmaniasis. In: INTERNATIONAL CANINE LEISHMANIASIS FORUM, 1999, Barcelona. Proceedings... Barcelona, 1999. p. 6-10. GALATI, E. A. B. Classificação de Phlebotominae. In: RANGEL, E.F.; LAINSON, R. Flebotomíneos do Brasil, Rio de Janeiro, Fiocruz, 2003. p. 23-52. GARCÍA-ALONSO, A., BLANCO, D., REINA, F. J., SERRANO, C., ALONSO, C. G. Immunopathology of the uveitis in canine leishmaniasis. Parasite Imunology, New York, v. 18, p. 617-623, 1996. JONES, T. C., HUNT, R. D., KING, N. W. Patologia Veterinária. 6. ed. São Paulo: Manole, p. 1131-1168.2000. KEENAN, C. M., HENDRICKS, L. D., LIGHTNER, L., WEBSTER, H. K., JOHNSON, A. J. Visceral leishmaniasis in the German Shepherd dog. I. Infection, clinical disease and clinical pathology. Veterinary Pathology. v. 21, n. 1, p. 74-79, 1984. LACERDA, M. M. The Brazilian leishmaniasis control program. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 8, n. 3, p. 489-495, 1994. LAINSON, R., RANGEL, E. F. Lutzomyia longipalpis and the eco-epidemiology of American visceral leishmaniasis, with particular reference to Brazil: a review. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 100, p. 811-827, 2005. LEVINE, N. D. Tratado de parasitologia veterinária. Zaragoza: Editorial Acribia, 1983. 271 p. MATHIS, A., DEPLAZES, P. PCR and in vitro cultivation for detection of Leishmania spp. in diagnostic samples from humans and dogs. Journal of Clinical Microbiology, Washington, USA, v. 33, n. 5, p. 1145 1149, 1995. MORENO, J., NIETO, J., CHAMIZO, C. The immune response and PBMC subsets in canine visceral leishmaniasis before and after chemotherapy. Veterinary Immunology Immunopathology, Amsterdam, v. 71, n. 3/4, p. 181-195, 1999. RONDON, F. C. M., BEVILAQUA, C. M. L., FRANKE, C. R., BARROS, R. S., OLIVEIRA, F. R., ALCÂNTARA, A. C., DINIZ, A. T. Cross-sectional serological study of canine Leishmania infection in Fortaleza, Ceará state, Brazil. Veterinary Parasitology, n. 155, p. 24 31, 2008. SALIBA, E. K., OUMEISH, O. Y., Reservoir hosts of cutaneous leishmaniasis. Clinical Dermatology, v. 17, n. 3, p. 275-277, 1999. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 715

SANTA ROSA, I. C. A., OLIVEIRA, I. C. S. Leismaniose visceral: breve revisão sobre uma zoonose reermegente. Clínica Veterinária, São Paulo, ano 2, n. 11, p. 24-28, 1997. SILVA, T. P. D., VIEIRA, O. L. E., LIMA, D. W. G., SOUSA, L. L., SOUSA, D. C., SOARES, M. R. A., ALVES, L. C., SANTOS, K. R., SANTOS, J. P. Aspectos epidemiológicos, clínicos e imunológicos de cães (Canis familiaris) (LINNAEUS, 1758) com infecção por Leishmania (leishmania) chagasi (CUNHA & CHAGAS, 1937) provenientes da zona urbana do município de Bom Jesus, estado do Piauí, Brasil. In: XVIII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFPI., 2009, Teresina. Anais... Teresina: XVIII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFPI, 2009. TAFURI, W. L., OLIVEIRA, M. R., MELO, M. N., TAFURI, W. L. Canine visceral leishmaniosis: a remarkable histopathological picture of one case reported from Brazil. Veterinary Parasitology, Amsterdam, v. 96, p. 203-212, 2001. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Urbanization: an increasing risk factor for leishmaniasis. Weekly Epidemiological Record. Geneva, v. 77, n. 44, p. 365-372, 2002. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 716