O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A PROPORCIONALIDADE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE AND THE PROPORTIONALITY Ildelisa Cabral Mestre; Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida; Unifae; Advogada; Professora universitária; Unifeob; rua General Osório, 433, centro, 13.870-040, São João da Boa Vista SP, Brasil; (19) 3634-3329; ildelisa@adv.oabsp.org.br; 2015. RESUMO O novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, trouxe várias inovações, dentre estas, de forma expressa, a proporcionalidade como um dos primeiros princípios a serem observados pelo juiz ao aplicar o ordenamento jurídico. Este artigo objetiva avançar na compreensão didática acerca do tema. Na introdução, apresenta-se o conceito de argumentação e de princípio, posteriormente, a origem e a finalidade do princípio da proporcionalidade e finalmente, a importância da proporcionalidade no novo Código de Processo Civil. Conclui-se que o legislador brasileiro escolheu este caminho, como uma das maneiras de se melhor garantir valores, especialmente a justiça. Palavras-chave: Proporcionalidade; Princípios; Código de Processo Civil; Hermenêutica. ABSTRACT The new Civil Procedure Code, Law nº 13.105, of March 16, 2015, brought several innovations, among them, expressly, proportionality as one of the first principles to be observed by the judge to apply the law. This article aims to advance the understanding of teaching the subject. In the introduction, it presents the concept of argument and principle, then, the origin and the purpose of the principle of proportionality and finally, the importance of proportionality in the new Civil Procedure Code. It concludes that the Brazilian legislator has chosen this path as one of the ways to ensure better values especially fairness. Keywords: Proportionality; Principles; Code of Civil Procedure; Hermeneutics.
INTRODUÇÃO As normas jurídicas oriundas do processo legislativo não solucionam todos os problemas sociais, sendo que inúmeras vezes não conseguem determinar de forma completa a decisão jurídica, por isso, necessária a introdução racional de formas e regras especiais de argumentação jurídica (ALEXY, 2011). Para Alexy (2011) a argumentação jurídica é vista como uma forma especial de argumentação prática geral e depende, entre outras, quanto à sua estrutura, de princípios gerais. Por princípios deve-se entender aqui proposições normativas de um alto nível de generalidade [...] (ALEXY, 2011, p. 240). Segundo este autor, em razão do alto nível de generalidade, os princípios não fundamentam diretamente uma decisão, vez que são necessárias premissas normativas adicionais. Para Barroso (2010), em razão das especificidades das normas constitucionais, foram desenvolvidas categorias doutrinárias próprias: princípios instrumentais de interpretação constitucional. O emprego do termo princípio, nesse contexto, prende-se à proeminência e à precedência desses mandamentos dirigidos ao intérprete, e não propriamente ao seu conteúdo, à sua estrutura ou à sua aplicação mediante ponderação. Os princípios instrumentais de interpretação constitucional constituem premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta. Nenhum deles encontra-se expresso no texto da Constituição, mas são reconhecidos pacificamente pela doutrina e pela jurisprudência (BARROSO, 2010, p. 299). Barroso (2010) identifica os seguintes princípios instrumentais de interpretação constitucional: princípio da supremacia da Constituição; princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público; princípio da interpretação conforme a Constituição; princípio da unidade da Constituição; princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade; princípio da efetividade.
Este artigo se propõe a avançar na compreensão, com fins didáticos, do princípio da proporcionalidade, contido expressamente no artigo 8º do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE A origem do princípio da proporcionalidade data dos séculos XII e XVIII, na Inglaterra, com as teorias jusnaturalistas (SOARES, 2010). O jusnaturalismo identifica uma corrente filosófica cuja ideia básica reconhece na sociedade um conjunto de valores não decorrentes de normas jurídicas emanadas pelo Estado (BARROSO, 2010). A crença de que o homem possui direitos naturais, vale dizer, um espaço de integridade e de liberdade a ser obrigatoriamente preservado e respeitado pelo próprio Estado [...] (BARROSO, 2010, p. 237). Conforme Barroso (2010) o princípio da proporcionalidade é proveniente, em nosso país, de dois sistemas jurídicos, o norte-americano e o alemão. Nos Estados Unidos, este princípio constitucional servia de parâmetro para o controle da constitucionalidade, ao passo que, na Alemanha, servia como mecanismo de controle dos atos do Executivo. Em nossa Constituição Federal, o princípio da proporcionalidade não está expresso, porém sua fundamentação principal é a própria ideia de justiça (BARROSO, 2010; SOARES, 2010). Para Soares (2010), o princípio da proporcionalidade propõe harmonizar os direitos fundamentais que possibilitam uma vida digna, possibilitando proteger a dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro, pois consta expressamente no inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. [...] A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. (BARROSO, 2010, p. 252).
No âmbito da dignidade humana se inclui a proteção do mínimo existencial, ou seja, o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral (BARROSO, 2010). Proteger o mínimo existencial é preservar a dignidade da pessoa humana, princípio e direito que não podem faltar a nenhum ser humano (PARADELA, 2011). Logo, os preceitos referentes à dignidade da pessoa humana não podem ser pensados apenas do ponto de vista individual, enquanto posições jurídicas dos cidadãos diante do Estado, mas também devem ser vislumbrados numa perspectiva comunitária, como valores e fins superiores da ordem jurídica que reclamam a ingerência ou a abstenção dos órgãos estatais (SOARES, 2010, p. 139). A partir do momento em que é possível identificar a existência de uma proteção ao mínimo existencial de um direito, surge para o Estado, através da Administração Pública, o dever de agir para garantir esse patamar mínimo (PARADELA, 2011). A título exemplificativo, analisando a jurisprudência pátria, verifica-se a tendência a dar efetividade às normas de direito fundamental social à saúde, superandose a omissão do Estado a partir da via judicial (KEINERT, 2009). O dilema da implementação do direito à saúde no Brasil por meio do cumprimento de decisões judiciais tem suscitado discussões das mais diversas, dentre as quais se destaca o confronto direto de dois princípios: de um lado aquele que afirma ser dever do Estado garantir aos indivíduos um núcleo mínimo de direitos, sem os quais não há falar-se em vida digna [princípio do mínimo existencial]; de outro, o princípio [da reserva do possível] que estabelece que a atuação do Estado é limitada diante da indisponibilidade de recursos financeiros para atender e efetivar todos os direitos fundamentais sociais (GANDINI et al., 2007, p. 12). Deste confronto dos princípios, do mínimo existencial e da reserva do possível, deverá ser utilizado o princípio da proporcionalidade de acordo com cada caso concreto, ou seja, a ponderação de interesses, para que a saúde ou a integridade do paciente seja protegida (GANDINI et al., 2007). O princípio da proporcionalidade é utilizado, também, com frequência, como instrumento de ponderação entre valores constitucionais contrapostos, aí incluídas as colisões de direitos fundamentais e as colisões entre estes e interesses coletivos (BARROSO, 2010, p. 260).
Para tanto, três critérios devem estar presentes: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, a fim de definir as atuações proporcionais do Estado e dos particulares, visando à salvaguarda da dignidade da pessoa humana (SOARES, 2010). Em resumo, o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade permite ao judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: (a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual (vedação do excesso); (c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (BARROSO, 2010, p. 261). O princípio da proporcionalidade é de suma importância para orientar a atividade de equilíbrio de valores do intérprete do Direito (SOARES, 2010). Descortina-se, portanto, como alternativa hermenêutica para a colisão entre os direitos fundamentais dos cidadãos, vetores que norteiam uma vida digna, modulando a interpretação e a posterior tomada de uma decisão, perante casos difíceis (SOARES, 2010, p. 149). A PROPORCIONALIDADE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Com a publicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o novo Código de Processo Civil, verifica-se a inserção de novas regras, não existentes no Código de Processo Civil ainda em vigor. Dentre estas regras, temos o Capítulo I, intitulado Das Normas Fundamentais do Processo Civil, cujo artigo 8º dispõe expressamente sobre a proporcionalidade: Art. 8.º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Verifica-se a importância da proporcionalidade, haja vista que deve ser a primeira a ser observada na aplicação do ordenamento jurídico pelo juiz, objetivando atender aos
fins sociais e às exigências do bem comum, bem como à proteção e à promoção da dignidade da pessoa humana. O ordenamento jurídico, para Reale (2002, p. 190) [...] é, pois, o sistema das normas em sua concreta realização, abrangendo tanto as regras explícitas como as elaboradas para suprir as lacunas do sistema [...]. Desta forma, pode-se depreender que quando o juiz for cumprir a função estatal de solucionar os conflitos, necessariamente deverá observar [...] uma noção de proporção, adequação, medida justa, prudente e apropriada à necessidade exigida pelo caso presente (SOARES, 2010, p. 146). Esta disposição fundamental processual de observância à proporcionalidade, contida no artigo 8º do novo Código de Processo Civil, remete à própria definição do Direito: O Direito não é uma relação qualquer entre os homens, mas sim aquela relação que implica uma proporcionalidade, cuja medida é o homem mesmo (REALE, 2002, p. 60. (Grifo nosso). CONCLUSÃO Pelo exposto, pode-se dizer que, os aplicadores, intérpretes e estudiosos do Direito já vêm há muito tempo fazendo uso da proporcionalidade, a fim de solucionar os conflitos de interesse. Esta inserção expressa da proporcionalidade no novo Código de Processo Civil, inovação substancial, demonstra a preocupação legislativa em direcionar a aplicação do Direito para, cada vez mais, realizar o fim último do Direito, ou seja, a justiça. Logicamente, não é possível elaborar qualquer juízo de valor quanto à aplicação do artigo 8º do novo Código de Processo Civil, haja vista que ainda entrará em vigor no próximo ano; de qualquer forma, entende-se como de grande valia e um grande passo para o dinamismo do Direito. Assim, conclui-se que, embora tardiamente, ao introduzir a proporcionalidade como uma das normas fundamentais, o processo civil pátrio sinaliza para uma era em que
a preocupação será cada vez mais evidente com a instrumentalização para a proteção dos valores fundamentais. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Zilda Hutchinson Schild Silva (trad.). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 17 maio 2015. GANDINI, João Agnaldo Donizete; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial critérios e experiências. BDJur (Biblioteca Digital Jurídica STJ). [Brasília], dez. 2007. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16694. Acesso em: 01 nov. 2011. KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo. Direitos fundamentais, direito à saúde e papel do Executivo, Legislativo e Judiciário: fundamentos de direito constitucional e administrativo. In: KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo; PAULA, Silvia Helena Bastos de; BONFIM, José Ruben de Alcântara (org.). As ações judiciais no SUS e a promoção do direito à saúde. São Paulo: Instituto da Saúde, 2009. PARADELA, Valesca Athayde de Souza. Judicialização da saúde. R. Proc.-Geral Mun. Juiz de Fora RPGMJF. Belo Horizonte, 1(1), 153-66, jan./dez. 2011. Disponível em: http://www.pjf.mg.gov.br/pgm/documentos/revista2011/artigo8.pdf. Acesso em: 21 fev. 2013. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. SOARES, Ricardo Maurício Freire Soares. Hermenêutica e interpretação jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.