1808: A EUROPEIZAÇÃO CARIOCA E O PAPEL DE DISTINÇÃO SOCIAL DA INDUMENTÁRIA FEMININA

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1808: A EUROPEIZAÇÃO CARIOCA E O PAPEL DE DISTINÇÃO SOCIAL DA INDUMENTÁRIA FEMININA Alexandre, Luisa Cavalcanti; Graduação Design-Habilitação: Moda; Senai/Cetiqt lu_castanha@yahoo.com.br Carvalho, Ana Paula Lima; Mestre em Design PUC-RJ; Docente Senai/Cetiqt aplcarvalho@gmail.com Resumo Este projeto de Iniciação Científica visa resgatar a memória do Rio de Janeiro, as mudanças sociais provindas da europeização a partir da chegada da Corte portuguesa, mostrando as alterações dos costumes, através da indumentária como fator de distinção das cariocas na primeira metade do século XIX. Palavras Chave: Indumentária feminina; Corte portuguesa; Design de moda carioca. Introdução A vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, definiu alterações na cidade do Rio de Janeiro: culturais, urbanísticas inclusão de espaços para a vida pública e, principalmente, dos costumes de seus moradores. O estudo da história e da sociedade do Rio de Janeiro no início do século XIX permite identificar características sociais que sustentaram uma alteração definitiva na moda do período. Philippe Perrot afirma que o estudo da moda deve ir além da descrição do vestuário e seu julgamento estético, sendo importante abordar o terreno dos gestos, da anatomia, da sexualidade, da higiene, da economia, do signo, dos ritos, da religião, da moral ou do direito (1981 apud Rainho, 2002).

Desta forma, este projeto de Iniciação Científica visa resgatar a memória e a cultura do Rio de Janeiro reconhecendo as principais alterações sociais provindas da chegada da Corte portuguesa, para mostrar as alterações dos costumes e da indumentária feminina na aristocracia e na burguesia carioca ao longo da primeira metade do século XIX. Este resgate provirá também inspiração para o desenvolvimento de uma coleção de moda feminina contemporânea (Fig. 1). Pelos estudos bibliográficos preliminares é possível reconhecer a relevância do período analisado, pois remonta a primeira alteração social e urbanística que permitiria a existência da posterior sede da Monarquia brasileira. Pode-se perceber, então, a moda como um agente social transformador da sociedade colonial para a sociedade monárquica estrutura decisiva para o atual resgate da memória e da cultura carioca. Metodologia Visando reconhecer o processo de europeização, ou seja, abandono dos costumes coloniais, a memória da sociedade carioca será resgatada através de levantamento bibliográfico e iconográfico. Serão realizadas pesquisas de campo (visitações a exposições e museus), investigativas e qualitativas interpretação das referências da indumentária feminina e do comportamento social da primeira metade do século XIX no Rio de Janeiro. Discussão preliminar Ao buscar a memória cultural e dos costumes do Rio de Janeiro colonial pode-se perceber influências orientais. Com o processo de europeização, as ruelas e becos com estrutura oriental foram transformados em amplas ruas, típicas do ocidente, e, a troca dos mantos e mantilhas de influencia oriental por véus transparentes (Freyre, 2003). Assim, a rusticidade colonial que permitia às mulheres burguesas cariocas comerem com as mãos e sentadas em esteiras

no chão à moda oriental (Freyre, 2004) foi banida pelos novos costumes europeus (Fig. 2). A abertura dos portos do Brasil, iniciada em 1808 e estendida em 1822, permitiu a intensificação do comércio (Gomes, 2007). Esse processo não se deve apenas à maior oferta de produtos e informações importados, mas a uma disseminação de ideias de civilização. Alguns pesquisadores como Maria Rainho denomina de processo civilizador a europeização dos costumes e dos trajes, resultado da elevação da moda e da boa conduta a insígnias de poder social. Com a incorporação de hábitos da Corte portuguesa, as antigas insígnias de classe, como capital, propriedades e escravos, não eram suficientes. Outros modos e modas foram inseridos como higiene, adequação do vestir, requinte e sofisticação do gosto, a fim de identificar-se à aristocracia europeia (Rainho, 2002). Freyre descreve em linhas gerais que a indumentária das mulheres do período colonial como semelhante à de suas escravas. Após a instalação da Corte, as cariocas passaram a utilizar seus trajes e sua etiqueta como principais formas de distinção de classe. Os camisolões sobre as saias e as chinelas para ficar em casa, e, o manto enorme e pesado, cobrindo todo o corpo, para sair às ruas, foram abandonados em contrapartida da adesão da moda da cintura empire, das fitas de seda e dos transparentes véus franceses (Edmundo, 1950; Freyre, 2003) (Fig. 3). Neste momento da pesquisa temos a conceituação do processo civilizador como elemento que permitiu o surgimento de um novo papel para o traje no Rio de Janeiro: a distinção social feminina. Referências EDMUNDO, L. O Rio de Janeiro do meu tempo. Niterói: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2009., L. A corte de D. João VI no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Conquista, 1957.

, L. Recordações do Rio antigo. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1950. FREYRE, G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2004., G. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento urbano. São Paulo: Global, 2003. GOMES, L. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. RAINHO, M. do C. T. A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções - Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Universidade de Brasília, 2002.

Figura 1 - Croqui preliminar para a elaboração da coleção Afrancesando os Trópicos em design de moda.

Figura 2 - (A) Mulher jantando a mesa, Lê dîner, J. B. Debret, 1816-1831; (B) Abandono do habito de sentar no chão, porém há permanência de esteiras, Une dame brésilienne dans son intérieur, J. B. Debret, 1816-1831. Figura 3 - Mulheres utilizando a moda da cintura empire e véus transparentes de renda. (A) Marchand de fleurs à la porte d une église, J. B. Debret, 1816-1831; (B) Le vieillard convalescent, J. B. Debret, 1816-1831.