USO DOMÉSTICO DA MACERAÇÃO E SEU EFEITO NO VALOR NUTRITIVO DO FEIJÃO-COMUM (Phaseolus vulgaris, L.) 1

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Transcrição:

MACERAÇÃO E VALOR NURIIVO DE FEIJÃO 191 NOA CIENÍFICA USO DOMÉSICO DA MACERAÇÃO E SEU EFEIO NO VALOR NURIIVO DO FEIJÃO-COMUM (Phaseolus vulgaris, L.) 1 SOAKING DOMESIC PROCEDURE AND IS EFFEC ON NURIIVE VALUE OF COMMON BEAN (Phaseolus vulgaris, L.) Admar Costa de OLIVEIRA 2 Soely Maria Pissini Machado REIS 3 Eliete de Carvalho LEIE 3 Elke Simoni Dias VILELA 4 Eloisa Amaral PÁDUA 4 Erika Maria Marcondes ASSI 4 Florencia CÚNEO 4 Helaine Beatriz JACOBUCCI 4 Joelma PEREIRA 4 Nádia Fátima Gibrim Pereira DIAS 4 Norka Beatriz Barrueto GONZALEZ 4 Patrícia Ferreira ZINSLY 4 O feijão-comum (Phaseolus vulgaris) é a principal fonte protéica dentre a família das leguminosas, consumida pela população brasileira, tomando-se em conta os alimentos isolados. A produção de grãos no ano de 1995 foi de 2 946 267 toneladas no Brasil, sendo 229 740 toneladas no Estado de São Paulo (Instituto..., 1991). Os grãos possuem de 20 a 35% de proteína, dependendo do cultivo e do cultivar. al teor protéico, assim como a produção, são altos, porém o valor nutritivo da proteína não é satisfatório. As proteínas do feijão apresentam teores baixos de alguns aminoácidos essenciais limitantes, mais particularmente os sulfurados, metionina, cisteína e cistina, além do triptofano (Sgarbieri, 1996). Por outro lado apresentam baixa digestibilidade, quando comparadas às proteínas de origem animal (Yañes et al., 1995; Sgarbieri, 1996). Além disso, o feijão apresenta substâncias de natureza antinutricional, como inibidores de proteases, de amilases, lectinas, taninos, fitatos, oligossacarídeos tipo rafinose, estaquiose e verbascose, que possuem ligações alfagalactosídicas, que não são digeridas pelo ser humano, ocasionando meteorismo e flatulência, devido à produção de dióxido de carbono, hidrogênio e metano, que são produtos de fermentação pelas bactérias do trato intestinal (Iyer et al., 1980; Silva & Braga, 1982; Vidal-Valverde et al., 1993). No processamento doméstico do feijão-comum, a maceração dos grãos crus em água por 12 a 16 horas, durante a noite é prática corrente e, apesar deste procedimento ser secular, está baseado apenas na experiência, sem caráter científico, sendo portanto empírico. al empirismo reflete-se na diferença de processamento doméstico do feijão-comum (1) Parte desta Nota Científica foi comunicada na 50ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Natal, julho 1998. Resumos, p.191. (2) Departamento de Planejamento Alimentar e Nutrição, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, Caixa Postal 6121, 13083-970, Campinas, SP. (3) écnicos de apoio, Departamento de Planejamento Alimentar e Nutrição, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas. (4) Curso de Pós-Graduação em Ciência da Nutrição, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas.

192 A.C. OLIVEIRA et al. freqüentemente observada na vida prática onde, em determinadas famílias, a maceração não é utilizada, enquanto outras a utilizam, por vezes descartando a água de maceração e outras vezes utilizando essa água para o cozimento do feijão. Jood et al. (1989) constataram que a digestibilidade in vitro da proteína de leguminosas cozidas era maior quando os grãos sofriam maceração o que também foi constatado por Barampama & Simard (1994), em estudo realizado com feijão-carioca (Phaseolus vulgaris). Outros fatores que vêm sendo pesquisados em relação à maceração, são os fitatos, taninos e carboidratos do feijão. Nesse sentido, Lathia et al. (1987) não encontraram alteração significativa no conteúdo de ácido fítico de feijões após maceração por 12 horas a 25 C. Sharma & Sehgal (1992) mostraram que a maceração por 12 horas reduzia o teor de taninos de 42 e 51%, respectivamente, em duas variedades indianas de Vicia faba. Com relação aos carboidratos, Kataria & Chauhan (1988) demonstraram que a maceração do feijão-guandu (Cajanus cajan) diminuía o teor de açúcares solúveis totais, açúcares redutores, açúcares não redutores e de amido, que tinha sua digestibilidade aumentada. Com relação aos oligossacarídeos tipo rafinose, demonstrou- -se que houve uma importante diminuição em feijão macerado cozido e feijão fermentado macerado cozido (Barampama & Simard, 1994, 1995). No tocante ao valor nutritivo protéico, Goycoolea et al. (1990) verificaram que a maceração per se, ou através de suas interações com o tipo de cozimento, não mostrou efeito significativo sobre o quociente de eficiência protéica (PER) de feijão-comum. Em relação à eliminação ou não da água de maceração, pouca literatura pôde-se ter às mãos. Sgarbieri et al. (1983) demonstraram que utilizando o cultivar Carioca 80 (Phaseolus vulgaris), para os grãos macerados por 12 horas e cozidos com água de maceração, a digestibilidade da proteína caiu de 72 para 70% e o valor biológico de 81 para 72%, em relação ao feijão macerado cuja água de maceração foi eliminada. Ao estudarem as alterações na composição de carboidrato de legumes, dentre os quais o feijão-comum, após a maceração e cozimento, Vidal-Valverde et al. (1993) verificaram uma redução considerável de monossacarídeos e oligossacarídeos tipo rafinose após a maceração e o cozimento, especialmente quando a água de maceração e cozimento era drenada. Por outro lado, embora a literatura existente trate especialmente da eliminação de fatores antinutricionais e fatores de meteorismo e flatulência existentes no feijão-comum e seus efeitos sobre o valor nutritivo, há também que se considerar que o processo de maceração causa a perda por lixiviação de importantes nutrientes solúveis, como proteínas, vitaminas e minerais (Kataria et al., 1992; Barampama & Simard, 1995). Os feijões utilizados como fontes protéicas na elaboração das dietas experimentais foram preparados da seguinte maneira: 1 ) 800 g de feijão foram cozidos em 3200 ml de água por 60 minutos; 2 ) 800 g de feijão foram macerados por 16 horas à temperatura ambiente (aproximadamente 25 C em 2 400 ml de água e cozidos com a adição de mais 800 ml de água por 30 minutos e 3 ) 800 g de feijão foram macerados por 16 horas em 2 400 ml de água, a água de maceração foi descartada e foram acrescentados 800 ml de água para o cozimento destes grãos por 30 minutos. Para todos os tratamentos foi utilizada panela de pressão com fluxo contínuo de pressão de 1 atm e temperatura de 116 C. Após o cozimento, os grãos de feijão foram liofilizados em equipamento Sokers Freezer Dryer, com 2 pol Hg de pressão a 15,6 C, moídos com sistema de refrigeração, peneirados (30 mesh) e homogeneizados em aparelho Walita-mix. Ato contínuo, foram determinados os teores de proteína (Association..., 1995), lipídeos (Bligh & Dyer, 1959) e de umidade (Instituto..., 1976). As dietas foram preparadas segundo a formulação preconizada pelo American Institute of Nutrition (Reeves et al., 1993) para a dieta AIN 93G, com modificação no conteúdo de proteína bruta (N x 5,4), que era de 12% (Pellet & Young, 1980). As dietas experimentais ficaram assim constituídas: dieta aprotéica (A); dietas cujas fontes protéicas foram os feijões preparados, a saber, dieta de feijão cozido sem maceração (SM), dieta de feijão macerado cozido com a água de maceração (MCA), dieta de feijão macerado cozido sem a água de maceração (MSA), dieta de caseína-controle (C). As dietas contendo proteína eram isocalóricas (382,8 ± 2,9 kcal/100g) e isoprotéicas (12,2 ± 0,4%). O cultivar utilizado de feijão foi o IAC-Carioca, proveniente do Instituto Agronômico de Campinas e a caseína utilizada foi a caseína comercial da marca M. Cassab 649-7. Nas dietas contendo feijão, o conteúdo de lipídeos e fibra foram ajustados com óleo de soja e celulose (grau farmacêutico, Blanver), de acordo com

MACERAÇÃO E VALOR NURIIVO DE FEIJÃO 193 os teores presentes nos grãos. Os teores de proteína, lipídeos e umidade foram também determinados nas dietas. Na determinação do Quociente de Conversão Alimentar (QCA) e do Quociente de Eficiência Líquida da Proteína (NPR) (Pellet & Young, 1980), foram utilizados 35 ratos machos da linhagem Wistar, recém-desmamados, com 21 dias e peso médio 44 g, fornecidos pelo Centro de Bioterismo da Universidade Estadual de Campinas. Os ratos foram inicialmente pesados e separados em 5 grupos com a mesma média de peso corporal e com 7 ratos cada grupo. Foram colocados em gaiolas de crescimento individuais, contendo as dietas experimentais e água à vontade, sendo a temperatura do Laboratório de Ensaios Biológicos controlada (23,0 ± 1,0 C) e ciclo claro/ escuro de 12 horas. O período total do ensaio foi de 14 dias, sendo os primeiros 4 dias de adaptação e os 10 dias seguintes utilizados para o cálculo dos índices nutricionais. O controle de peso dos ratos foi feito no primeiro, no quarto e no último dia do experimento. Com relação ao tratamento estatístico, os dados foram submetidos à análise de variância e, quando adequado, foi aplicado o teste de Duncan (Bender et al., 1982). Após os 4 dias de adaptação, os animais foram pesados, encontrando-se as seguintes médias de peso, com os respectivos desvios-padrão entre parênteses: dieta SM 52,2 (0,7)g; dieta MCA 50,7 (1,1)g; dieta MSA 52,1 (1,5)g; dieta C 60,3 (2,3)g; dieta A, 43,8 (2,2)g. Após 10 dias de experimento, os animais foram novamente pesados e calculados os consumos de dieta. As médias de peso encontradas no final do experimento foram: dieta SM 80,4 (1,7)g; dieta MCA 74,3 (1,7)g; dieta MSA 81,9 (3,0)g; dieta C 109,0 (3,1)g; dieta A 37,5 (1,3)g. A média da perda de peso dos ratos em dieta aprotéica (dieta A) foi de 7,1 (1,5)g. Os consumos médios de dieta foram: dieta SM 108,3 (3,5)g; dieta MCA 109,4 (5,8)g; dieta MSA 120,1 (4,9)g; dieta C 154,8 (4,8)g; dieta A 54,8 (2,5)g. Os resultados dos índices de qualidade NPR e QCA estão dispostos nas Figuras 1 e 2, respectivamente. 3,0 N P R 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 Q C A 0,40 0,35 0,30 0,25 0,20 0,15 0,10 0,05 0,00 * 0,0 C SM MCA MSA Dieta C SM MCA MSA Dieta NPR: Quociente de eficiência líquida da proteína; C: Caseína-controle; SM: Sem maceração; MCA: Macerado cozido com água; MSA: Macerado cozido sem água. Figura 1. Valores médios de NPR das dietas C, SM, MCA e MSA. QCA: Quociente de conversão alimentar; C: Caseína controle; SM: Sem maceração; MCA: Macerado cozido com água; MSA: Macerado cozido sem água. Figura 2. Valores médios de QCA das dietas C, SM, MCA e MSA. * p< 0,05 A análise das Figuras 1 e 2 demonstra que o valor nutritivo das dietas contendo feijão-comum como fonte protéica, não foi afetado pela utilização ou não da maceração, ou mesmo, quando da utilização da maceração, da eliminação ou não da água de maceração. Assim, os valores de NPR não diferiram entre tais dietas, inclusive da dieta controle de caseína (p > 0,05). No caso do índice QCA, as dietas contendo feijão não diferiram entre si, e a dieta de caseína destacou-se, mostrando um valor significativamente maior (p < 0,05). Apesar do exposto, não deve ser descartada a possibilidade de ter ocorrido uma compensação entre a redução dos fatores antinutricionais, bem como aqueles causadores de

194 A.C. OLIVEIRA et al. meteorismo e flatulência existentes no feijão, e os componentes químicos nutritivos, que também foram lixiviados com a água de maceração eliminada. AGRADECIMENOS Ao Instituto Agronômico de Campinas, pelo fornecimento do cultivar puro de feijão-comum, e ao Instituto de ecnologia de Alimentos de Campinas, pela utilização do liofilizador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAION OF OFFICIAL ANALYICAL CHEMISS. Official methods of analysis. 16. ed. Washington DC, 1995. 110p. BARAMPAMA, Z., SIMARD, R.E. Oligosaccharides, antinutritional factors and protein digestibility of dry beans as affected by processing. Journal of Food Science, Chicago, v.59, n.4, p.833-838, 1994. BARAMPAMA, Z., SIMARD, R.E. Effects of soaking, cooking and fermentation on composition, in vitro starch digestibility and nutritive value of common beans. Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.48, n.4, p.349-365, 1995. BENDER, F.E., DOUGLAS, L.W., KRAMER, A. Statistical methods for food agriculture. Westport : AVI, 1982. p.91-94. BLIGH, E.G., DYER, W.J. A rapid method of total lipid extraction and purification. Canadian Journal of Biochemistry and Physiology, Ottawa, v.37, n.8, p.911-917, 1959. GOYCOOLEA, F., GONZALEZ-de-MEJIA, E., BARRON, J.M., VALENCIA, M.E. Efecto de los tratamientos caseros en la preparación de frijol pinto (Phaseolus vulgaris, L.) sobre el contenido de tanino y valor nutritivo de las proteinas. Archivos Latinoamericanos de Nutrición, Guatemala, v.40, n.2, p.263-274, 1990. INSIUO ADOLFO LUZ. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz: métodos químicos e físicos para análises de alimentos. São Paulo, 1976. v.1, p.19-20. INSIUO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESAÍSICA. Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, 1996. v.56, p.3-53: produção vegetal. IYER, V., SALUNKHE, D.K., SAHE, S.K., ROCKLAND, L.B. Quickcooking beans (Phaseolus vulgaris, L.): II. Phytates, oligosacharides and antienzymes. Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.30, n.1, p.45-52, 1980. JOOD, S., CHAUHAN, B.M., KAPOOR, A.C. Protein digestibility (in vitro) of chickpea and blackgram seeds as affected by domestic processing and cooking. Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.39, n.2, p.149-154, 1989. KAARIA, A., CHAUHAN, B.M. Contents and digestibility of carbohidrates of mung beans (Vigna radiata, L.) as affected by domestic processing and cooking. Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.38, n.1, p.51-59, 1988. KAARIA, A., CHAUHAN, B.M., PUNIA, D. Digestibility of proteins and starch in vitro of amphidiploids (black gram x mung bean) as affected by domestic processing and cooking. Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.42, n.2, p.117-125, 1992. LAHIA, D., HOCH, G., KIEVERNAGEL, Y. Influence of phytate on in vitro digestibility of casein under physiological conditions. Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.37, n.3, p.229-235, 1987. PELLE, P.L., YOUNG, V.R. Nutritional evaluation of protein foods. okyo : he United Nations University, 1980. 154p. REEVES, P.G., NIELSEN, F.H., FAHEY Jr., G.C. AIN- -93 purified diets for laboratory rodents; final report of the American Institute of Nutrition ad hoc writing commitee ond the reformulation of the AIN-76A rodent diet. Journal of Nutrition, Philadelphia, v.123, n.11, p.1939-1951, 1993. SGARBIERI, V.C., EZOO, S., OLIVEIRA, A.C. Estudo da composição e do valor nutritivo de uma nova cultivar de feijão. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA E ECNOLOGIA DE ALIMENOS, 6., 1983, Brasília. Resumos. Brasília : CBCA, 1983. p.85-86. SGARBIERI, V.C. Proteínas em alimentos protéicos: propriedades, degradações, modificações. São Paulo : Varela, 1996. p.184-229. SHARMA, A., SEHGAL, S. Effect of domestic processing, cooking and germination on trypsin inhibitor activity and tannin content of faba bean (Vicia faba). Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, v.42, n.2, p.127-133, 1992. SILVA, H.C., BRAGA, G.L. Effect of soaking and cooking on the oligosacharide content of dry beans (Phaseolus

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