UNIVERSITÉ PARIS 8 Département d Études des Pays de Langue Portugaise Textes des quatre conférences données à l Université PARIS 8 par M. Agostinho Matias GOENHA, professeur à l Université Pédagogique du Mozambique juin 2010 1
Au nom des étudiants et des enseignants-chercheurs de l Université Paris 8, je me réjouis de la qualité et de la richesse des échanges entre notre université et l Université Pédagogique du Mozambique, dont les textes des conférences données à l Université Paris 8 par le professeur Agostinho Matias Goenha témoignent. Maria Helena Araujo Carreira Professeur au Département d Etudes des Pays de Langue Portugaise Université Paris 8 2
M. Agostinho Matias GOENHA est enseignant-chercheur de langue portugaise et de littératures africaines d expression portugaise à l Université Pédagogique du Mozambique. Il est titulaire d un doctorat en Études Portugaises, spécialité Littératures africaines d expression portugaise, obtenu en 2006 à l Université Nouvelle de Lisbonne. Pendant le mois de juin 2010, M. Agostinho Matias GOENHA a été accueilli à l Université PARIS 8, comme professeur invité par le Département d études des pays de langue portugaise, avec le soutien du Service des Relations Internationales. À l occasion de son séjour, M. Agostinho Matias GOENHA a donné à l Université PARIS 8 quatre conférences en langue portugaise sur les thèmes suivants : - Panorama de la littérature mozambicaine depuis l'indépendance (mercredi 2 juin 2010) - Littératures africaines de langue portugaise et littérature portugaise : l'exemple mozambicain (jeudi 10 juin 2010) - Littératures nationales africaines de langue portugaise et littérature portugaise coloniale : problématique de la définition d'une mozambicanité littéraire (jeudi 10 juin 2010) - La situation linguistique au Mozambique et l'enseignement du portugais (vendredi 11 juin 2010) Cette brochure reproduit les textes de ces quatre conférences. 3
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE PORTUGUÊS MAPUTO-MOÇAMBIQUE MOÇAMBIQUE Junho de 2010 4
Aspectos Gerais sobre a Cultura de Moçambique A cultura Moçambicana, como a cultura africana em geral, continua a ser apenas associada à arte tradicional, entretanto, há produções interessantes que importa também valorizar ao nível dos criadores e intérpretes contemporâneos. Moçambique é reconhecido, por exemplo, pelos seus artistas plásticos: escultores (principalmente da etnia Maconde) e pintores (inclusive em tecido e técnica batik). Esta escultura dos macondes, no norte de Moçambique é uma das artes tradicionais mais conhecidas. Oa macondes são de origem ética bantu e habitam uma vasta região da África Oriental. O vale do Rio Rovuma corta o planalto maconde que se estende do norte de Moçambique ao sul da Tanzânia. Os macondes são agricultores instalados numa região árida. Os seus escultores trabalham a madeira desde tempos remotos. O ébano é o material mais utilizado. A música vocal moçambicana também impressiona os visitantes. Em 2005, a UNESCO reconheceu a timbila chope como um instrumento do património da humanidade. A timbila é um instrumento de percussão utilizado pela etnia chope, da província de Gaza, sul de Moçambique e que combina a música e a dança. Neste sentido julgo que ninguém fica indiferente a estas manifestações culturais, na sua relação com a arte da escrita que, bastas vezes, busca inspiração e voz nessas manifestações. 5
O País Moçambique Maiores Elevações Monte Binga (Manica) 2436 Montes Namule (Zambézia) 2419 Serra Zuira (Manica) 2277 Messurussero (Manica) 2176 Massasse (Manica) 2134 Monte Domue (Tete) 2095 Serra Mácua (Zambézia) 2077 Serra Chiperone (Zambézia) 2054 Elevação em metros Principais Rios Zambeze 820 Rovuma 650 Lúrio 605 Messalo 530 Licungo 336 Save 330 Pungue 322 Buzi 320 Maputo 150 6
População Projectada Total e por Província, 2007 População 2007 Total 20.226.296 Homens 9.734.678 Mulheres 10.491.618 Províncias Niassa 1.169.837 Cabo Delgado 1.605.649 Nampula 3.985.285 Zambézia 3.848.274 Tete 1.783.967 Extensão em kms Manica 1.412.029 Sofala 1.642.636 Inhambane 1.252.479 Gaza 1.226.272 Maputo Província 1.205.553 Maputo Cidade 1.094.315 Fonte: Instituto Nacional de Estatística (Moçambique) Extensão Territorial Total 799 380 Terra Firme 786 380 Águas Interiores 13 000 território em km 2 Línguas Maternas Bantu Ekoti Shimakonde Elomwe Echuwabo Shona Cisena Lolo Ciniyungwe Cindau Ciwutewe Cimanika Xitshwa Xichanga Gitonga Txitxopi Xironga 7
Pintura de Malangata tornou-se, a partir dos anos 60, um nome de projecção internacional. É dos mais reconhecidos artistas moçambicanos e já experimentou várias áreas, como pintura, desenho, aguarela, gravura, cerâmica, tapeçaria, escultura, mural. A este artista, juntam-se pintores como Naguib, Chichorro, Bertina Lopes, entre muitos outros. Bertina Lopes já expôs na Fundação Gulbenkian, em Portugal, no Luxemburgo, Espanha, Moçambique, Angola e Cabo Verde. 8
TEMA A: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e Literatura Portuguesa: o exemplo moçambicano O papel da imprensa no surgimento da Literatura em Moçambique Antes de nos debruçarmos sobre este tema, importa referir, de forma sintética e para efeitos de contextuliação, que nas ex-colónias portuguesas o surgimento da literatura tem raízes sobretudo na actividade jornalística. De um modo geral, são consideradas três condições prévias que contribuiram para o surgimento das literaturas africanas em língua portuguesa, a saber, (i) a abolição do tráfico de escravos; (ii) a criação de uma rede escolar e (iii) a introdução da Tipografia, consequentemente, da Imprensa. Neste sentido, pode-se constatar que a evolução da literatura escrita em Moçambique tem necessariamente uma ligação directa com o surgimento da Imprensa. Como anotou Margarido, a imprensa da época «aborda os problemas da burguesia do momento, a qual ( ) se vê muito depressa ultrapassada pelo aparecimento de fenómenos económicos consecutivos à exploração intensiva do país ( ). A imprensa colocará, então, o problema da colonização de Moçambique ( ). Em torno do Jornal Brado Africano, reunir-se-ão com esse objectivo negros, mestiços, às vezes indianos e mesmo, embora raramente, brancos.» (Alfredo MARGARIDO, 1980: 67) Alguns estudiosos consideram que o primeiro escritor de língua portuguesa nascido em Moçambique era, sobretudo, poeta e que tal facto prenunciava o que viria a acontecer e a caracterizar as primeiras manifestações da Literatura em Moçambique: terra de poetas, sobretudo no período de emergência; chamava-se José Pedro da Silva CAMPOS OLIVEIRA. Campos Oliveira nasceu numa localidade fronteira à Ilha de Moçambique (Cabaceira) em 1847. Era filho de gente abastada. Tornou-se 9
funcionário público, primeiro, na Índia e depois em Moçambique. Breve historial sobre a primeira capital de Moçambique Até ao século XIX, a primeira capital de Moçambique estava sedeada no Norte do país, concretamente, na Ilha de Moçambique, na actual província de Nampula. A base de desenvolvimento económico da ilha era o comércio de escravos, principalmente para o Brasil. Em termos de administrativos, a Ilha estabelecia uma forte dependia com a Índia, particularmente através de Goa, por delegação da Coroa portuguesa. Todos os funcionários, ou quase todos, eram goeses. No ano de 1810, esta Ilha passou a ter o estatuto de cidade. Por esse período (sensivelmente, nos finais do século XVIII) chega à então capital (Ilha), degredado para Moçambique, Tomás António Gonzaga, preso em 1789 no seu país, acusado de conspiração por ter participado no movimento reivindicativo da Inconfidência Mineira (ocasionada pelo aumento de impostos sobre os minérios por parte de Portugal). Esse aumento originou uma grande insatisfação geral. Importa recordar que a Inconfidência Mineira foi perpetrada, basicamente, por um pequeno grupo de letrados, muitos deles exestudantes da Universidade de Coimbra. Tomás Antônio Gonzaga, nascido em 1744, em Miragaia, Porto (Portugal), morreu na Ilha de Moçambique, em 1810. O seu nome árcade é Dirceu; foi um jurista, poeta e activista político luso-brasileiro. É considerado o mais proeminente dos poetas árcades e neoclássicos. Cumpriu a sua pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Em 1792, a pena é comutada em degredo e o poeta 10
é enviado à costa oriental de África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez anos. Como referimos acima, o comércio de escravos era a actividades básica e em franco desenvolvimento na Ilha; entretanto, com a Independência do Brasil em 1822, a 7 de Setembro, esse comércio ficou ameaçado, na medida em que o Brasil era um dos destinos desses escravos. Neste sentido, no que diz respeito a esse comércio de escravos, houve uma mudança de estratégia: os escravos foram transferidos para as plantações. Em 1888, José Campos de Oliveira regressa à Ilha, vindo de Goa, onde esteve a estudar e, mais tarde, a trabalhar como funcionário público. Destacou-se como pessoa interessada pela vida cultural da Ilha e, em particular, pela actividade literária. Um dos documentos oficiais que circulou nas colónias foi o Boletim Oficial. Na Ilha de Moçambique foi publicado em 1854. Campos Oliveira colaborou também no Almanaque de Lembranças de larga circulação na época nas colónias portuguesas. Convém recordar que, após a abolição do comércio de escravos, foram criados alguns jornais que eram pertença do Estado, que legitimavam obviamente o poder dos senhores Proprietários: Em 1868 surge o primeiro Jornal O Progresso e em 1875 surge o Jornal O África Oriental. Em termos de vivência humana, a Ilha de Moçambique era heterogénea, pois transitaram por ela portugueses, árabes, goeses, brasileiros e outros. Paralelamente à actividade jornalística, a Ilha apresentava igualmente uma dinâmica cultural característica, por exemplo, realizavam-se alguns saraus culturais à volta das autoridades portuguesas. Havia também um clube literário recreativo; mais tarde, estas actividades culturais e literárias faliram, entretanto, supõe-se que terá sido precisamente nesses saraus que Campos Oliveira foi 11
conhecido pela elite da época, na ilha. Em 1881 Campos Oliveira cria a primeira Revista Literária designada Revista Africana tornando-se simultaneamente seu director e autor. Profissionalmente desempenhou também as funções de Director dos Correios da Ilha de Moçambique. Crê-se que Campos Oliveira tenha reivindicado nessa revista alguns versos do já aludido poeta brasileiro Tomás António Gonzaga de quem tinha grande admiração. Importa salientar ainda que Campos de Oliveira dedicou-se também ao jornalismo e era uma espécie de crítico social, contudo, esse facto não parece ter influenciado, de forma marcada, a sua escrita literária, ou seja, não se terá reflecido, eventualmente, na sua poesia. Influência do Ultraromantismo português em Campos Oliveira Importa antes recordar que o Romantismo marca uma ruptura com a sociedade feudal e tem a sua base na Revolução Francesa. Esta defendia direitos iguais entre os Homens e o seu lema era: Igualdade, Fraternidade e Liberdade. Observa-se ainda, ao nível da visão do mundo, que o centro do universo já não é a terra, pois Galileu tinha descoberto que esta gira à volta do sol. Coloca-se o Homem como o centro do universo, com imaginação, criatividade, etc. O Romantismo nega os princípios de seguidismo das regras instituídas pelos Clássicos, ou seja, recusa o dogma, nega a rima e a métrica tal como eram concebidos por estes e cria a imagística (verso livre ou branco); quebram-se as imagens mitológicas, de magia, da Antiguidade Clássica. O poeta romântico centra-se no culto do EU, nos sonhos, na morte, no álcool, etc. A escrita literária de Campos Oliveira sofre uma forte influência do Romantismo Português, concretamente do Terceiro Romantismo (Ultra-Romantismo) e a sua manifestação na Ilha de Moçambique realiza-se com um certo atraso em relação aos 12
autores portugueses. Para esta elucidação, o poema mais representativo é Uma Visão, de Campos de Oliveira: Uma Visão Ao meu amigo A. do Rozario Alvares Cismando na gentil, donosa virgem, Que amo na terra com ardor imenso Eu adormecera uma vez tranquilo!... Alta noite, sonhei-a triste, pálida, Desfigurada, sem vida, já morta!!! Vi o seu corpo esbelto, donairoso, Imóvel e, como a neve, gelado! Aqueles olhos meigos, fascinantes, Já despidos do seu fulgor divino! Os lábios mudos, sem a cor carmínea! Desbotadas de todo, as róseas faces!... Rodeava-lhe a fronte imaculada D alvas, virgínias rosas uma coroa Da sua própria mãe pelas mãos posta! E jazia a donzela num esquife Vestido de negro, do qual em roda Gente imensa reunida a contemplava! Em todos os semblantes eu bem via Profundos sinais de profunda mágoa; Da mãe os prantos, os ais, descrevê-los Não posso eu por certo; expressões me faltam, 13
E eu contemplava-a mudo, triste atónito. Com os olhos de lágrimas banhados, Até que enfim já vê-la não podendo Por mais tempo, naquele triste estado Afastei-me dali mui pesaroso. Momentos após, quis ainda lançar-lhe Mais um olhar, só um, o derradeiro Mas não achei ninguém. Do campanário Uns tristes sons, funéreos, compassados Ouvir supus; ao longe, bem ao longe Vozes confusas, trémulas, plangentes! Entendi que a donzela conduziam Ao asilo final da humanidade! Gritei doido, varrido, e presuroso Ao cemitério encaminhei meus passos! Que cena pavorosa, Deus Eterno! Sacerdotes inúmeros eu via Por entr as sepulturas, cabisbaixos, Co acesas tochas dextra, entoando Cânticos dolorosos, que ecoavam Majestosos pela amplidão enorme Da soturna morada; e povo imenso, De luto revestido, silencioso, Escutava magoado as tristes vozes!... Sepultaram, afim, a linda virgem! Oh! Não sei que senti n`esse momento! Parecia-me já que a alma ia arrancar-se Do corpo, que tremia soluçante!... 14
Sumiu-se a gente toda! E sozinho, Sozinho me achei na tétrica estância! Oh! Que horror me infundiam as caveiras Alvacentas, mirradas e disformes Que em roda de mim eu via espalhadas! Que medonhos fantasmas pareciam Quietos divagar ante meus olhos! E além ouvia do mocho agoureiro, Dos cemitérios o nocturno socio, Os horríssonos pios vagarosos Cortando da noite a mudez profunda! Vencendo o susto em que submerso estava Estas palavras disse, o céu olhando: «Ó meu Deus! Primaveras só catorze «contava a desgraçada, e tão depressa «era para morrer?! Morreu?! Ai tudo «Para mim acabou-se neste mundo! «Nunca jamais verei aqueles olhos «Repletos de pudor e de inocência «Oh! Jamais hei-de vê-la! Triste sina!... «E tu agora, pobre, triste lira, «Que tantas vezes a cantaste, tantas «Emudeceste! Não terás mais cantos, Que a inspiração caiu-te para sempre! Nada me resta mais o mundo, nada. «Somente a esperança de que bem depressa «Irei vê-la no céu, onde repousa «Confundida entre os anjos, junto ao trono «Do ser Eterno! Irei, sim, vê-la em breve, «Pois que muito viver não pode aquele «Aquém já falta da vida metade!...» Isto disse, e convulso, lacrimoso, 15
Ajoelhei sobre a gélida lage, Que eu vira encerrar a virgem; eis súbito O meu nome bradar sinto. Desperto! Desperto! O coração me palpitava Co stranho palpitar, suor gelado Inundava-me a fronte toda! Ergui-me E meditei no sonho que tivera No sonho tão horrível, pavoroso E caiu-me dos olhos uma lágrima!... (Campos Oliveira) Este poema pode ser comparado, ao nível formal e temático a «O noivado do sepúlcro», do português ultra-romântico Soares de Passos. Tecendo breves comentários em torno deste poema de Campos Oliveira, pode-se constatar que se apresenta como dedicatória ao amigo A.do Rosário Alves, iconicamente está organizado em treze estrofes, com versos livres ou brancos. O sujeito lírico reporta o acontecimento vivido por ele no sonho de amor (por uma amada) tido (o sonho) numa noite; o alvo desse sonho é a morta amada : (...) eu adormecera uma vez tranquilo!... Alta noite sonhei-a...triste, pálida, Desfigurada, sem vida, já morta!!! o seu corpo esbelto, donairoso (...) olhos meigos, fascinantes (...) O sujeito poético descreve essa amada euforicamente, recordando o seu estado físico, quando viva; caracterizando-a como inanimada: (olhos) já despidos do seu fulgor divino/ os lábios mudos, sem a cor carnínea. A descrição da amada penetra no interior do 16
esquife, onde ela jaz e, por sua vez, o sujeito poético apresenta-se como um ser vivo que se recorda eufórica e disforicamente da donosa virgem ; faz menção ao ambiente fúnebre vivido no momento do enterro: a presença da multidão no acto, destacando-se a mãe da defunta, cujos prantos, os ais, não conseguiu descrevê-los por falta de palavras. Ainda no enterro, o sujeito poético continuou a sonhar,sem estar a dormir, imaginando o quão são tristes, funéreos, compassados os passos e deduziu tratar-se da comitiva fúnebre que conduzia a donzela ao asilo final da humanidade, pois ao anoitecer (e) além ouvia do mocho agoureiro. O sujeito poético procura estabecer igualmente um monólogo «dirigido» à recém-morta, clamando pela sua morte prematura e desgostando-se da vida: Óh meu Deus, primaveras só catorze ; exprimindo os seus tristes sentimentos, as suas incontroladas emoções; perde o gosto pela vida e evade-se na morte: (...) Morreu! Ai tudo Para mim acabou-se neste mundo!...nada me resta mais no mundo, nada, Somente a esp rança de que bem depressa Irei vê-la no cêu, onde repousa (...). Irei vê-la no mundo (...). Terminado o sonho, ainda na sepultura da donosa virgem, ajoelhado, desperta do sonho, voltando-se para si, ao ouvir uma voz que chama por si. O sujeito poético recorda-se do sonho tido na véspera com mágoa e tristeza: Desperto (...) ; caiu-me dos olhos uma lágrima. De forma sintética, é de destacar neste poema de Campos Oliveira: a evocação da amada morta; o sonho como meio de evocação; o 17
cemitério como cenário; o mocho indicador de um certo presságio; o apelo às cenas naturais a comitiva fúnebre; o gosto pelas horas mortas da vida; o recurso a alguns vocábulos apelativos do romântico, como cismando, donosa, ardor, desfigurada, donairosa, fulgor, carmínea, roseas, imaculada, d alvas virgíneas, esquife, prantos, pesaroso, campanáreo, funéreos, plangentes, donzela, doído, dextra, alvacentes, agoureiro, horríssonos, etc. Conclui-se, desta breve análise, que o texto tem aspectos característicos da época do ultra-romantismo português; vejam-se alguns: a evocação da morte; o cemitério como cenário; o mocho como indicador de certo presságio; o gosto pelas horas mortas; o prazer pelo luar; o amor decepcionado. Basicamente, a morte, o cemitério e a tristeza constituem o epicentro deste poema. Não obstante o facto de a primeira manifestação literária se ter feito sentir na Ilha de Moçambique, também em Quelimane houve manifestações sobretudo de imprensa, através dos seguintes jornais: 1872 O Vigilante, 1877 O Africano, 1892 O Amor Africano. A dinâmica cultural na cidade de Lourenço Marques: O Africano e O Brado Africano. Por razões económicas, no século XVIII, a capital da cólonia transfere-se do Norte (Ilha de Moçambique) para o Sul (ex-lourenço Marques actual Maputo), mas oficialmente, só nos finais do século XIX, a 10 de Novembro de 1887 é que se torna capital. Aqui a imprensa vai desempenhar um papel preponderante de crítica ao regime colonial e teve um forte carácter interventivo; era um factor dinamizador da arte, particularmente, da literatura; um meio difusor da opinião pública; era independente, liberal e progressista e constituia-se como um meio de realização dos propósitos intelectuais da classe média africana. Esta dinâmica cultural em Moçambique, isto é, as transformacões sociais, foram grandemente favorecidas pela instauração do sistema 18
republicano na então Metrópole, que destituira a Monarquia. Grande papel desempenharam os jornais surgidos, que tiveram igualmente como vectores do seu dinamismo (i) a fundação das Companhias de Manica, Sofala e Niassa, (ii) a necessidade de propaganda republicana e a luta política relativa à implementação da República em Portugal, (iii) o eclodir e o fim da 1ª Guerra Mundial, entre outras. A imprensa surge em Lourença Marques em 1888, também como consequência da importância da ligação ferroviária com o Transvaal (África do Sul). Com a implantação da República em Portugal, em 1910, assiste-se em Moçambique a uma fervilhante actividade jornalística por parte de operários portugueses que na maioria tinham ido (vindo) para Moçambique por motivos políticos (como degredados). Em apenas 10 anos surgiram 20 novos jornais, alguns com número único, mas todos caracterizados pela sua adesão à Repúlica; são eles: O Gráfico, Os Simples, Jornal Operário, O Proletariado, Germinal, Os Emancipados, etc. Curioso é notar que, em todos, os problemas da classe operária em Moçambique estão relacionados normalmente com o homem branco. Nunca o homem negro é referido em termos de igualdade com o branco na exploração a que, enquanto operários, ambos estavam sujeitos. É neste contexto que se demarca em primeiro lugar o jornl O Africano, fundado em 1908, por iniciativa dos irmãos Albasini e mais tarde, O Brado Africano, que lhe sucede em 1918, também sob orientação de José Albasini e João Albasini e outros. Importa salientar ainda que em Lorenço Marques havia grupos de assimilados que se reuniam em torno de duas importantes 19
organizações, O Grémio Africano e A Associação Africana. O Grémio Africano congregava personalidades-chave da vida social, cultural e intelectual de Lourenço Marques, algumas delas tinham profissões liberais, tais são os casos dos irmõs Albasini, de Joaquim Stewart, de Karell Pott, de Guilherme Bruhein, entre outros. Ainda a propósito do jornal O Africano: para além dos Albasini, fundaram-no também Guilherme Bruhein e Joaquim Stewart. Fazia propaganda a favor da instrução escolar; era dirigido às populações locais; foi o primeiro jornal que se tornou bilingue: Ronga e Português. De qualquer modo, o seu discurso não deixou de ser fragmentário e contraditório (dado o seu estatuto social e administrativo ambíguo), apesar de nacionalista, como se nota deste artigo jornalístico: «Por este território já muito preto sabe ler: mas sabe ler o quê/ Landim!! Somos, portanto, obrigados a escrever landim para sermos compreendidos. Aqui temos outro mal que pretendemos combater: os dialectos cafres. Pode parecer uma parvoice (...) mas compreendemos muito bem que não é landim que nós precisamos saber queremos falar e escrever Português o melhor que pode ser. Somos portugueses. A ideia desta escola pode dizer-se que é um pretexto à orientação seguida ultimamente pelos (...) pais da pátria. Apesar de todo o seu empenho, com o Arcebispo de Sienne à frente, o resultado é de que os missionários só falam Landim (...). Para opôr uma forte barreira à tolice pretendemos pois fundar uma escola para o ensino de Português e pensamos que dentro da nossa escola não se falará outra língua». In O Africano nº 1, 25 de 12 de 1908. Os fundadores deste jornal já tinham, de certo modo, ligações com o Pan-Africanismo (mais adiante referimo-nos a este movimento). Este movimento, nos anos 40 torna-se mais organizado após a realização, em Londres, da sua 1ª conferência. Também tiveram ligações com a ideologia trazida pela Revolução Francesa e com a Massonaria. 20
É à volta desta publicação que homens como Bandeira de Castro, Estácio Dias, Rui de Noronha, etc, passam a desenvolver uma intensa actividade que se caracteriza pela defesa dos interesses do homem negro, pela denúncia das arbitrariedades cometidas sobre as populações nativas e pela defesa da prevenção de certos valores da cultura moçambicana. Massonaria Ideias: fraternidade universal, liberdade religiosa (laicidade), liberalismo (sistema político defendido), socialismo e humanismo. Baseia-se nos Símbolos de construção. É uma sociedade secreta de inspiração iluminista, defensora dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. O jornal O Brado Africano, para além de ser um semanário bilingue (Ronga/Português), apresentava três vectores de conflitos: com a igreja, com o governo e dentro do próprio jornal, o que contribuiu, de certa forma, para o seu fim. Esta geração é literária ou política? Percurso Protagonistas Actividade política Actividade literária 21
João Albasini (1876-1922) 1908-1922 14 anos O livro da dor [1925] José Albasini (? - 1935) 1908 1935 27 anos Estácio Dias (? - 937) 1908 1937 29 anos Karrel Pott (?) 1932 1937 5 anos Rui de Noronha (1909-1943) Augusto Conrado (1904-?) 1926 1941 15 anos 1928 1941 13 anos Sonetos [1946] A perjura ou a mulher de duplo amor [1935] Versos [1935](V) 22
Divagações [1938](VI) Anotações suplementares referentes ao quadro : O livro da dor - Livro de cartas, Diário, às raparigas Publicaçào póstuma, tem fortes marcas de influência do romantismo português. Os Sonetos de Rui de Noronha, de publicação póstuma, em 1946, reflectem também uma forte influência do romantismo português. O caso mais ilustrativo é o da intertextualidade entre o poema de Antero de Quental (A um poeta) e o de Rui de Noronha (Surge et ambula). Este poema, para além de ser uma dedicatória ao poeta português, estabece um interxto com a Bíblia e é uma glosa à epígrafe do soneto de Antero de Quental a que nos referimos, como se pode constatar abaixo: A um poeta Surge et ambula! Tu, que dormes, espírito sereno Posto à sombra dos cedros seculares, Como um levita à sombra dos altares, Longe da luta e do fragor terreno, Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno, Afugentou as larvas tumulares... Para surgir do seio desses mares, Surge et ambula Dormes! E o mundo marcha, ó pátria do mistério. Dormes! E o mundo avança, o tempo vai seguindo... O progresso caminha ao alto de um um hemisfério E no outro tu dormes o sono teu infindo... A selva faz de ti sinistro eremitério, 23
Um mundo novo espera só um aceno... Escuta! É a grande voz das multidões! São teus irmãos, que se erguem! São canções... Mas de guerra... e são vozes de rebate! Ergue-te pois, soldado do futuro, E dos raios de luz do sonho puro, Sonhador, faz espada de combate! Antero de Quental (Portuga Onde sozinha, à noite, a fera anda rugindo. A terra e a escuridão têm aqui o seu império E tu, ao tempo alheio, Ó África, dormindo... Desperta. Já no alto adejam negros corvos Ansiosos de agir e de beber aos sorvos Teu sangue ainda quente, em carne de sonâmbula... Desperta. O teu dormir já foi mais que terreno... Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno Que a mão te estende e diz «África, surge et ambula» Rui de Noronha (Moçambique) Propostas temáticas que corporizam a poesia da época e correntes de pensamento influnciadoras A causa africana, a raça e o progresso são os temas que predominam nos discursos jornalístico e poético desta geração. Aflora-se 24
também a junção destes elementos Em relação à causa africana, era evidente e intencional a denúncia das condições de vida e de trabalho; a denúncia dos abusos de autoridade; a reivindicação do direito a ser educado (à instrução) e a ser civilizado. Ao discurso adoptado, que designamos por fragmentário, contraditório e descontínuo, Mário de Andrade designa-o de protonacionalista. O Memorial por eles escrito no Brado Africano na época é notável e elucidativo, nesse aspecto: Memorial Nesse memorial é posta em causa a portaria 317 de 9 de Janeiro de 1917 (Boletim Oficial Nº 2 1ª série de 13 de Janeiro de 1917) conhecida como a portaria dos assimilados. Como é que se distingue um assimilado de um selvagem? A pergunta parecerá néscia, mas é sobre ela que infelizmente temos que queimar a girândola dos nossos pensamentos. Naturalmente ninguém deixará de distinguir um homem culto de um inculto. E se esse lamentável desastre se desse alguma vez com uma autoridade sertaneja, se houvesse um fncionário administrativo que, pelo aspecto, pela conversação, pelo porte não distinguisse um homem dentro dos moldes da colonização portuguesa (compatível com a estonteadora difusão da instrução que Portugal tem espalhado nesta colónia) essa autoridade deveria ser imediatamente substituida por um muleque que, certamente, sempre saberá distinguir quem se senta com propósito e à vontade numa mesa. V.Exª., pode, querendo, solucionar esta horrenda questão determinando simplesmente o que o código civil exige e a lei do recenseamento preceitua. É cidadão português aquele que for eleitor e elegível. Isto é que a lei geral e não irritará ninguém (...porque o lado melindroso desta abominável portaria está justamente no facto indecoroso e ailtante de se distinguir ums determinados cidadãos para serem marcados, para andarem munidos de um papel o tal alvará. Porquê? Não é preciso andar com alvarás alvitantes para mostrar a padeiros analfabetos que são brancos, mas que, brancos como são, ou por culpa sua ou dos pais ou do Estado não lêem o papel. É agradecer pouco, é uma flagrante injustiça. Exmº. Sr. Retribuir o gigantesco esforço que meia dúzia de nativos fez e fez para sair da chata rotina, marcar-se-lhe com uma ignomínia a vontade, a dedicação e a coragem de aprender à sua custa a língua estranha escrever e ilustrar-se pelo seu único esforço. Assinaram: João Albasini, José Albasini, Vicente Xavier Lobo, Joaquim Swart, Guilherme Bruhein. 25
Alguns conceitos contextualizadores: Ideologia do protonacionalismo: impõe-se como tema a questão do negro, desde a dimensão sócio-económica, com o pedido de não aplicação da lei de excepção, à racial. Exige-se a reabilitação do negro e do seu passado. Surge a ideia de que não há raças inferiores e que o negro tem um papel na história aqui surge a ligação com o Pan-africanismo. Progresso há a ideia de que o progresso vem da Europa e que a solução para o negro é adquirir o ensino baseado em ideologias europeias; daí esta Associação de negros aceitar o Governo Português para a instrução e consequente progresso. Esta é uma atitude contraditória em relação à anterior posição de reivindicação da africanidade por eles defendida. Neste discurso não há ainda a ideia de povo e de nação. (Só o discurso nacionalista - posterior - é que põe em causa a soberania portuguesa e propõe as noções de país e de nação). É nesta controvérsia que surge a questão da língua: Moçambique tinha, e ainda tem, uma cultura de oralidade. O desenvolvimento da cultura de uma sociedade depende do seu desenvolvimento científico e tecnológico. A cultura europeia é letrada e por isso apodera-se de alguns conceitos filosóficos e científicos, pois tem um registo. A dicotomia línguas nativas/língua portuguesa torna-se relevante, na medida em que alguns dos integrantes desta geração em referência defendem que as línguas africanas são incapazes de veicular conceitos científicos. 26