1 AS FADAS, DE CHARLES PERRAULT Kate Constantino Pinheiro de Andrade (FSLF) Rosana Batista Pereira (Pio X) CHARLES PERRAULT (Paris, 12 de janeiro de 1628 - Paris, 16 de maio de 1703) Charles Perrault foi um escritor e poeta francês do século XVII que estabeleceu as bases para um novo gênero literário, o conto de fadas, além de ter sido o primeiro a dar importância acadêmica a esse tipo de literatura, feito que lhe conferiu o título de Pai da Literatura Infantil. Suas histórias mais conhecidas são Le Petit Chaperon rouge (Chapeuzinho Vermelho), La Belle au bois dormant (A Bela Adormecida), Le Maître chat ou le Chat botté (O Gato de Botas), Cendrillon ou la petite pantoufle de verre (Cinderella), La Barbe bleue (Barba Azul) e Le Petit Poucet (O Pequeno Polegar) publicadas em 1697 sob o título Histórias ou contos do tempo passado com moralidades, embora tenha ficado conhecido por seu subtítulo: Contos da mamãe gansa. A maioria de suas histórias ainda hoje são editadas, traduzidas e distribuídas em divervsos meios de comunicação, e adaptadas para várias formas de expressões, como o teatro, o cinema e a televisão, tanto em formato de animação como de ação viva. Além dos contos citados, muitos outros fazem parte desta obra como o conto Les Fées (As Fadas) sobre o qual faremos algumas observações. Este trabalho tem por objetivo demonstrar como os Contos de Fadas podem influenciar positivamente a iniciação no mundo da leitura nas crianças e que esta influencia pode e é direcionada pela mensagem passada a cada nova história que se descobre nas linhas mágicas dos contos.
2 Contos são histórias curtas.os contos de Fadas são uma variação dos contos populares( Fábulas). A palavra Fada vem do latim FATUM e significa Destino, Fatalidade, Fado. No Brasil, surgiu no final do sec.xix nomeados como Contos da Carochinha. As fadas são originárias do Folclore europeu ocidental. Elas podem ser mulheres belas, dotadas de poderes mágicos (como a Fada madrinha de Cinderela) ou igualmente belas, porém, diabólicas (como as bruxas). Os contos de Fadas nem sempre evidenciam a presença de uma fada (como em Chapeuzinho vermelho) mas vêem-se elementos sobrenaturais que mudam o rumo dos acontecimentos. Há perigos ou obstáculos a vencer (no final da história). As temáticas giram em torno da vaidade, gula, inveja, hipocrisia ou avareza. Em suas origens, os contos de Fadas não visavam às crianças nem objetivavam transmitir ensinamentos morais. A partir de Perrault esse quadro começa a mudar e se consolida com os contos dos irmãos Grimm (sec.xix, Alemanha). Os contos de Fadas são histórias que foram repetidas ao longo do tempo e através de civilizações, são de autoria coletiva e passados de geração em geração, naturalmente, foram sofrendo alterações em sua estrutura original. Barba Azul, por exemplo, é um conto do sec.xvii que, em sua versão escrita, sofreu modificações devido à idéia de cristianização de seu público. Em Cinderela, na versão de Charles Perrault, existe um modelo de protagonista feminina( passiva), que não existia na oralidade. O Final Feliz que conhecemos de Chapeuzinho Vermelho (A aparição providencial do Herói lenhador) não existia na versão original, contada por Perrault e outros contistas. Quanto mais os Contos de Fadas passaram a ser destinados à infância, mais moralizadores se apresentavam. O que se vê, de forma geral, é o enaltecimento de valores cavalheirescos e camponeses, além de uma disseminação da moral
3 condicionante de comportamentos que são esperados pelo contexto espaço-temporal da história. Os contos orais de tradição popular (fonte dos contos de Fadas) perpassam um discurso literário cujo objetivo (A moral da história) era manter certos costumes, práticas e valores da época e, dessa forma, as crianças adaptam-se ao modelo de comunidade no qual estão inseridas. Na época de Perrault, por exemplo, a sociedade exigia da mulher uma atitude diferente da que temos no sec. XXI. Daí a adaptação de vários contos de fadas e a criação de novos paradigmas (como Sherek, Deu a louca na Chapeuzinho, etc). Para as meninas, a futura jovem mulher deveria demonstrar modéstia, humildade, perspicácia e virgindade, pois dessa forma provaria seu valor. Já os meninos tinham como arquétipo de homem a figura do jovem mais ativo (que a Demoiselle), forte, corajoso, sagaz, leal e que, no final, salva a mocinha indefesa. A perspectiva da narrativa dos contos de fadas, em suas origens, mescla a concepção de mundo paysan com o humanismo da burguesia ascendente. Os contos de fadas são importantes, pois demonstram (em suas diferenciadas versões) como os valores sociais são influenciados pela literatura (e vice -versa) e, consequentemente, constituem fator crucial na educação de uma criança. Muitas delas, quando lêem ou escutam um conto de fadas enxergam-se nos modelos propostos, desejam um final semelhante ao narrativa ou simplesmente encantam-se com a magia do mundo da leitura e passam a se tornarem, elas mesmas, leitores assíduos com um mundo infinito a descobrir. Os contos de fadas, na Literatura infantil, podem ser decisivos para a formação da criança, de suas concepções do mundo que a cerca. O dualismo que separa as personagens em boas/más, belas/feias, fortes/fracas facilita para a criança a compreensão de valores que a sociedade admite e espera delas. A criança acaba se identificando, consequentemente, com o herói/heroína que é bom/boa, bonito(a) e justo(a).
4 A linguagem fácil e metafórica desse tipo de narrativa é compatível com a estrutura do pensamento dessa faixa etária. Outro benefício dos contos de fadas é a apropriação da linguagem escrita pelas crianças, o que, futuramente, permitirá melhores condições de aceitação social e autonomia (nas sociedades letradas deste século). É exatamente a mensagem que os contos de fadas transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável,é parte intrínseca da existência humana-mas que se a pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos, e ao fim emergirá vitoriosa. (BETTELHEIM, 1991). Segunda ainda este autor, os contos de fadas baseiam-se em situações de estabilidade+problema+solução=estabilidade, que é justamente o esquema piagetiano da mente humana e, especificamente, da criança. Os contos, portanto, trabalhariam o psíquico infantil, resultando em equilíbrio e apresentando uma explicação do mundo que permitiria lidar com esses problemas (cuja solução já é prevista em um dado momento: O Felizes para Sempre ). AS FADAS CARACTERÍSTICAS Por se tratar de um conto de fadas, o seu núcleo é problemático em virtude de sua configuração existencial. Por conta disso, esse conto pode também ser estruturado como "uma jornada em quatro etapas, sendo cada etapa da jornada uma estação no caminho da autodescoberta" (Cashdan, 2000, p. 48). A primeira etapa pode ser definida como a TRAVESSIA na qual "leva o herói ou heroína a uma terra diferente, marcada por acontecimentos mágicos e criaturas
5 estranhas". No conto As fadas a travessia pode ser observada na passagem em que a heroina vai à fonte buscar água e lá encontra uma fada que lhe concede um dom: Entre outras coisas, a pobre criança precisava ir duas vezes por dia buscar água a uma boa meia-légua de casa, e trazer de lá uma bilha grande bem cheia. Certo dia, quando estava na fonte, chegou-se a ela uma pobre mulher rogando que lhe desse de beber. É claro, minha senhora, disse a linda moça; e, enxaguando imediatamente a bilha, apanhou água no melhor lugar da fonte e lhe ofereceu, sempre segurando a bilha para que bebesse mais facilmente. Depois de beber, a boa mulher lhe disse: Você é tão linda, tão boa e tão gentil que não posso deixar de lhe fazer um dom (pois era uma fada que tinha tomado a forma de uma pobre mulher de aldeia, para ver até onde iria a gentileza da jovem). Concedo-lhe o dom, prosseguiu a fada, de lhe sair da boca uma flor ou uma pedra preciosa a cada palavra que você disser. A segunda etapa é definida pelo ENCONTRO que é marcado "com uma presença diabólica uma madrasta malévola, um ogro assassino, um mago ameaçador ou outra figura com características de feiticeiro". Neste trecho, a presença diabólica pode ser representada tanto pela irmã da bela heroína como pela sua mãe que, além de maltratarem a bela moça, possuem uma má índole, observe: Quando a linda moça chegou em casa, sua mãe ralhou com ela por voltar tão tarde da fonte. Ai, Senhor, é que minha mãe me expulsou de casa. (Falando a fada à irmã da heroína): Você não é nada gentil, retrucou a fada (...). A terceira parte é a da CONQUISTA, no qual "o herói ou heroína mergulha numa luta de vida ou morte com a bruxa, que leva inevitavelmente à morte desta última". Neste conto não há uma luta explícita entre o bem (representado pela heroína) e o mal (representado pela mãe da heroína sua irmã). Há apenas o ataque do mal contra o bem, este se defende apenas fugindo das agressões: (Sobre a maldição concedida à irmã da heroína): Oh! Céus! Exclamou a mãe, que é isto? A culpa é da irmã,
6 ela vai me pagar; e em seguida correu para bater nela. A menina fugiu e foi se abrigar na floresta mais próxima. E a quarta e última parte é definida pela CELEBRAÇÃO na qual há geralmente "um casamento de gala ou uma reunião de família, em que a vitória sobre a bruxa é enaltecida e todos vivem felizes para sempre" como atesta o seguinte fragmento: O filho do rei, vendo sair de sua boca cinco ou seis pérolas, e outros tantos diamantes, pediu-lhe que dissesse de onde vinha aquilo. Ela lhe contou toda a sua aventura. O filho do rei apaixonou-se por ela, e considerando que um dom como aquele valia mais que tudo o que pudesse dar a outro casamento, levou-a para o palácio do rei, seu pai, onde a desposou. Quanto à sua irmã, se tornou tão odiosa que sua própria mãe a expulsou de casa; e a infeliz, depois de andar muito sem encontrar ninguém que a quisesse acolher, acabou morrendo só e desamparada. REFERÊNCIAS CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro:Campus, 2000. PERRAULT, Charles. Histoires ou contes du temps passés. La Bibliothèque Gallimard, France, 1999. Dictionnaire Encyclopédique Larousse 1998. BETTELHEIM, Bruno Psicanálise dos Contos de Fadas, Lisboa, Bertrand Editora, 1991.