São Paulo, 21 de janeiro de 2014.



Documentos relacionados
São Paulo, março de 2014.

Blumenau, 24 de junho de Ilustríssimo(a) Senhor(a) Vereador(a).

Projeto de Decreto. (Criar uma denominação/nome própria para o programa)

VIII JORNADA DE ESTÁGIO DE SERVIÇO SOCIAL

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

TRABALHO INFANTIL. Fabiana Barcellos Gomes

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Primo Schincariol Indústria de Cerveja e Refrigerantes S.A.

Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes

PROJETO DE LEI N o, DE 2012

FÓRUM ESTADUAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E REGULARIZAÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE -FEPETI-GO TERMO DE COOPERAÇÃO

O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS VOLTADAS PARA A DEFESA DE DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA EDUCAÇÃO

PENSE NISSO: Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um é capaz de começar agora e fazer um novo fim.


José Fernandes de Lima Membro da Câmara de Educação Básica do CNE

do Idoso Portaria 104/2011

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O sistema de garantia dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes: responsabilidades compartilhadas.

Projeto Político-Pedagógico Estudo técnico de seus pressupostos, paradigma e propostas

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 285, DE 2006

RESOLUÇÃO CNAS Nº 11, DE 23 DE SETEMBRO DE 2015.

Faculdade de Direito Ipatinga Núcleo de Investigação Científica e Extensão NICE Coordenadoria de Extensão. Identificação da Ação Proposta

Circular NPJ nº 01/2008:

RESPONSABILIDADE SOCIAL: a solidariedade humana para o desenvolvimento local

PÚBLICO-ALVO Assistentes sociais que trabalham na área da educação e estudantes do curso de Serviço Social.

Escola de Políticas Públicas

Desafios da EJA: flexibilidade, diversidade e profissionalização PNLD 2014

EDITAL COMPLEMENTAR Nº 010 DIVULGA JULGAMENTO DOS RECURSOS CONTRA A PROVA OBJETIVA

Escola Superior de Ciências Sociais ESCS

REGULAMENTO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DO CURSO DE PSICOLOGIA DA FACULDADE ANGLO-AMERICANO

DEMOCRÁTICA NO ENSINO PÚBLICO

VAMOS CUIDAR DO BRASIL COM AS ESCOLAS FORMANDO COM-VIDA CONSTRUINDO AGENDA 21AMBIENTAL NA ESCOLA

ORIENTAÇÃO PARA CONSTITUIÇÃO DE COOPERATIVAS

Movimento Nossa São Paulo Outra Cidade. Gestão Democrática

Art. 2º - São diretrizes da Política Municipal de Educação Alimentar e Combate à Obesidade:

Rompendo os muros escolares: ética, cidadania e comunidade 1

Duração: 8 meses Carga Horária: 360 horas. Os cursos de Pós-Graduação estão estruturados de acordo com as exigências da Resolução CNE/CES nº 01/2007.

PORTARIA NORMATIVA INTERMINISTERIAL Nº- 17, DE 24 DE ABRIL DE 2007

Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos Secretaria Executiva de Desenvolvimento e Assistência Social Gerência de Planejamento,

FORMAÇÃO DA CIDADANIA OBJETIVOS E METAS

Constituição Federal

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

Pedagogia Estácio FAMAP

NOTA DE REPÚDIO ou sob o regime de tempo parcial, a partir de quatorze anos

Roteiro de Diretrizes para Pré-Conferências Regionais de Políticas para as Mulheres. 1. Autonomia econômica, Trabalho e Desenvolvimento;

Bacharelado em Serviço Social

DECLARAÇÃO FINAL Quebec, 21 de setembro de 1997

MANUAL PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS. Junho, 2006 Anglo American Brasil

TERCEIRA IDADE - CONSTRUINDO SABERES SOBRE SEUS DIREITOS PARA UM ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

O que são Direitos Humanos?

A IMPORTÂNCIA DOS FUNCIONÁRIOS NO PROCESSO EDUCATIVO NAS ESCOLAS

DIREITOS HUMANOS, JUVENTUDE E SEGURANÇA HUMANA

FORMANDO AS LIDERANÇAS DO FUTURO

Marco Legal da Primeira Infância é um passo importante para o avanço nas políticas públicas de proteção à criança

ESTADO DO MARANHÃO MINISTÉRIO PÚBLICO PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE

Relatório da IES ENADE 2012 EXAME NACIONAL DE DESEMEPNHO DOS ESTUDANTES GOIÁS UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

EIXO IV QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO, PERMANÊNCIA, AVALIAÇÃO, CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO E APRENDIZAGEM

TERMO DE COMPROMISSO FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PELOS CANDIDATOS A PREFEITOS MUNICIPAIS DE BELÉM, NAS ELEIÇÕES 2012.

POLÍTICAS DE GESTÃO PROCESSO DE SUSTENTABILIDADE

Princípios, valores e iniciativas de mobilização comunitária. Território do Bem - Vitória/ES

TERMO DE INTEGRAÇÃO OPERACIONAL PARA INSTITUIR O FÓRUM PERMANENTE DE PREVENÇÃO À VENDA E AO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES

INVESTIMENTO SOCIAL. Agosto de 2014

PLANO ESTADUAL DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

A CULTURA DA VIOLENCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ESPAÇO DOMÉSTICO

Mestrado em Educação Superior Menção Docência Universitária

II Encontro MPSP/MEC/UNDIME-SP. Material das Palestras

REF: As pautas das crianças e adolescentes nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros/Departamentos de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)

DIRETRIZES CURRICULARES PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA UTFPR

EDITAL ONU MULHERES 2011

O sistema de garantias dos direitos da criança e do adolescente

O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

MANUAL DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES PARA O CURSO DE FISIOTERAPIA

ESTÁGIO DOCENTE DICIONÁRIO

FUNDAMENTOS LEGAIS, PRINCÍPIOS E ORIENTAÇÕES GERAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

e construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania como objetivo principal.

LEVANTAMENTO DOS CRESS SOBRE QUADRO DE ASSISTENTES SOCIAIS NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DOS ESTADOS

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

Proteção Infanto-Juvenil no campo: uma Colheita para o Futuro

REGULAMENTO DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO FACULDADE SUMARÉ

********** É uma instituição destinada ao atendimento de crianças de 0 a 3 anos e faz parte da Educação Infantil. Integra as funções de cuidar e

ESCOLA JUDICIAL DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO QUALIFICAR

DIREITOS DOS IDOSOS: REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

Resultados do Serviço Preparação para o Primeiro Emprego Ano 2012

A PROTEÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS DO IDOSO E A SUA DIGNIDADE

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS

11º GV - Vereador Floriano Pesaro PROJETO DE LEI Nº 128/2012

Regime Republicano e Estado Democrático de Direito art. 1º. Fundamento III dignidade da pessoa humana e IV livre iniciativa

Um forte elemento utilizado para evitar as tendências desagregadoras das sociedades modernas é:

O PETI e o Trabalho em Rede. Maria de Fátima Nassif Equipe Proteção Social Especial Coordenadoria de Ação Social Secretaria de Desenvolvimento Social

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº, DE 2010

REFORMA UNIVERSITÁRIA: contribuições da FENAJ, FNPJ e SBPJor. Brasília, outubro de 2004

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

QUANDO TODO MUNDO JOGA JUNTO, TODO MUNDO GANHA!

EIXO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

15 de junho: Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa

PROGRAMA ULBRASOL. Palavras-chave: assistência social, extensão, trabalho comunitário.

ESCLARECIMENTOS SOBRE OS CURSOS DE BACHARELADO E LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Transcrição:

São Paulo, 21 de janeiro de 2014. À Ordem dos Advogados do Brasil Comissão Nacional do Ensino Jurídico A/C: Sr. Dr. Eid Badr SAUS Quadra 5 Lote 1 Bloco M Brasília DF 70070 939 Ref.: Consulta Pública para Novo Marco Regulatório do Ensino do Direito no Brasil ECA como disciplina obrigatória e estágio com indivíduos em vulnerabilidade como prática jurídica obrigatória. Prezado Senhor Doutor Eid Badr, o Instituto Alana, no intuito de contribuir para a efetivação e proteção dos direitos da criança e do adolescente, vem, respeitosamente, por meio de seu projeto Prioridade Absoluta, apresentar à Consulta Pública para o novo Marco Regulatório do Ensino do Direito no Brasil a sugestão da inclusão na reforma da diretriz curricular (i) de uma disciplina de caráter obrigatório que trate especificamente do Estatuto da Criança e do Adolescente e (ii) da obrigatoriedade de uma experiência de prática jurídica (estágio) com indivíduos em vulnerabilidade.

I. Sobre o Instituto Alana. O Instituto Alana é uma organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades educacionais, culturais, de fomento à articulação social e de defesa dos direitos da criança no âmbito das relações de consumo e perante o consumismo ao qual são expostos [www.institutoalana.org.br]. No intuito de dar visibilidade e contribuir para a eficácia do artigo 227 da Constituição Federal que traz a obrigatoriedade de se colocar as crianças em primeiro lugar nos planos e preocupações da nação, criou o Prioridade Absoluta [www.prioridadeabsoluta.org.br]. Por meio do Prioridade Absoluta, o Instituto Alana procura disponibilizar instrumentos de apoio e informações para informar, sensibilizar e mobilizar as pessoas, especialmente operadores do direito, para que sejam defensoras e promotoras dos direitos das crianças nas suas comunidade, com prioridade absoluta. O Instituto Alana sonha e atua por um mundo em que o interesse superior da criança seja posto em primeiro lugar nas decisões, preocupações e atividades de toda a sociedade, do Estado e da família, pois tem certeza de que um mundo voltado à criança é um mundo melhor para todos.

II. Sugestão de inclusão de disciplina obrigatória que trate com especificidade o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. i) Crianças como absoluta prioridade A Constituição Federal de 1988, no Capítulo VII Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso art. 227, caput, dispõe sobre a doutrina da proteção integral às crianças: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O art. 227 definiu com clareza que todas as crianças devem ter seus direitos protegidos e satisfeitos de forma absolutamente prioritária. Esta proteção, entretanto, não é dever exclusivo da família, mas se configura hoje também como um dever social, no qual cada indivíduo ou instituição contribui para a eficácia do referido artigo. Sobre o assunto, o Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA ) é bastante claro quando expõe: Artigo 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade corresponde: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Constata-se que o legislador constitucional, seguido pelo federal, ao instituir no art. 227 a garantia da prioridade absoluta, conferiu à criança e ao adolescente um status único no âmbito de proteção dos direitos constitucionais, atribuindo-lhe a primazia no atendimento de suas necessidades e interesses de forma absoluta. Dessa maneira, o uso da qualificação absoluta confere a essa norma uma necessidade de aplicação invariável e incondicionada

em todos os casos em que os interesses da criança estiverem envolvidos, o que garante a essa norma a característica de regra em sua aplicação. A propósito, WILSON DONIZETE LIBERAT esclarece: Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e dos adolescentes. 1 Portanto, em qualquer situação em que a criança esteja envolvida, seja na elaboração de políticas públicas sociais e econômicas, seja na elaboração de leis ou até mesmo na atuação do Judiciário, o melhor interesse da criança deve ser atendido de forma absolutamente prioritária. Em vista da legislação supracitada, faz-se imprescindível que o conhecimento sobre esses direitos sejam tratados com prioridade também no ensino do Direito. Assim, o Instituto Alana propõe a esse ilustre Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB ) e ao Ministério da Educação que somem esforços no sentido de dar uma maior ênfase à efetivação do art. 227 da Constituição Brasileira por meio da inclusão do ensino do Direito da Criança e do Adolescente como matéria obrigatória em todas as Faculdades de Direito no Brasil. ii) O desconhecimento da população acerca da existência e do conteúdo do art. 227. Pesquisa nacional inédita Legislação sobre Direitos das Crianças, realizada pelo Datafolha no primeiro semestre deste ano, aponta que 81% dos brasileiros se consideram mais ou menos, pouco ou nada informados sobre os direitos das crianças previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 1 LIBERAT, Wilson Donizete (1998): Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, São Paulo: Malheiros, p. 21.

A partir dos dados recolhidos pelo Datafolha, verifica-se a urgência da divulgação e do ensino do Direito da Criança e do Adolescente previsto na Constituição e no ECA, tendo em vista que estes devem ser absoluta prioridade na sociedade para que obtenham uma maior eficácia. No que tange à OAB e ao Ministério da Educação, no contexto da consulta pública que está sendo realizada, cabe uma maior divulgação e promoção não somente desse dispositivo constitucional e do seu conteúdo, mas de todo o ECA no âmbito jurídico, especialmente no ensino do Direito. iii) O Direito da Criança e Adolescente no Ensino Jurídico. Em levantamento realizado pelo Instituto Alana, verificou-se que, dentre os dez melhores cursos de Direito, classificados pelo RUF 2013 (Ranking Universitário Folha) na categoria de melhor ensino 2, apenas um, o da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui como obrigatória a disciplina sobre o ECA. Seis deles Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Presbiteriana Mackenzie (MACKENZIE), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) possuem apenas uma disciplina eletiva que trata do assunto. 2 < http://ruf.folha.uol.com.br/2013/rankingdecursos/direito/>

Por fim, três deles Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (DIREITO GV) não possuem nenhuma disciplina específica sobre o tema. Visto que está prevista com absoluta prioridade a efetivação do Direito da Criança e do Adolescente, o ensino jurídico brasileiro, tomando como referência as principais instituições de ensino de Direito, ainda não incorporou com a devida importância no seu currículo a reflexão e o preparo dos futuros advogados para a defesa da criança e do adolescente. iv) A Proposta de Inclusão da Disciplina Direito da Criança e do Adolescente. Assim, o Instituto Alana, por meio do seu projeto Prioridade Absoluta, visando colaborar com a consulta pública da OAB e do Ministério da Educação a respeito do Novo Marco Regulatório do ensino do Direito, vem recomendar a incorporação de uma disciplina específica sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, de caráter obrigatório, dentro da nova diretriz do currículo do ensino jurídico. Ainda, visto que o ECA é uma legislação essencialmente interdisciplinar, faz-se necessário que seja ministrado por professores não somente da área jurídica, como também de outros cursos, como Assistência Social, Psicologia e Pedagogia. Dessa forma, os temas relacionados à infância, como desenvolvimento infantil, serão abordados de forma mais eficiente e profunda. Além disso, considerando sua extensão, é preciso que o tema seja ensinado nas Faculdades de Direito por tempo superior a dois semestres, para que possa ser contemplado de forma integral e detalhada. Para que o art. 227 da Constituição seja efetivado, é imprescindível que nas universidades o aprendizado sobre o Direito da Criança e do Adolescente seja obrigatório e realizado de maneira densa e específica.

III. Sugestão de inclusão de estágio obrigatório com população vulnerável. i) A importância do trabalho com populações vulneráveis. De acordo com dados da ONU-Habitat, apesar do grande desenvolvimento que o Brasil teve na última década, o país ainda apresenta altos níveis de desigualdade social 3. Mesmo com a Constituição Cidadã de 1988, ainda possui grande parcela da população cujos direitos não são respeitados, evidenciando o distanciamento entre o que é constitucionalmente previsto e o que é efetivado. A Constituição Federal prevê, dentre os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e como objetivos da nossa República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Por conta disso, verifica-se que os operadores do Direito tem papel relevante na garantia e promoção desses direitos, por terem maior facilidade em instrumentalizar as ferramentas jurídicas existentes, além da missão de efetivar as previsões da Constituição Federal. É fundamental, portanto, que se familiarizem com os problemas da realidade brasileira para que possam construir um cenário mais equitativo e justo. Portanto, faz-se necessário que, desde o processo de formação e educação jurídica, haja maior proximidade dos futuros advogados com grupos considerados vulneráveis 4. Isso trará, além de maior capacidade para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis, sensibilidade e empatia 3 WERNECK, Felipe. Brasil é 4º país mais desigual da América Latina. São Paulo. 2012. <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-e-o-4-pais-mais-desigual-da-america-latina-,919827,0.htm>. Acesso em 18 de dez. 2013. 4 Segundo Rossano Lopes Bastos (BASTOS, 2002), grupo vulnerável é o conjunto de pessoas pertencentes a uma minoria que por motivação diversa, tem acesso, participação e/ou oportunidade igualitária dificultada ou vetada, a bens e serviços universais disponíveis para a população.

por parte dos juristas para lidar com tais grupos e questões, de modo que possam contribuir para a construção de uma nação melhor, fortalecendo, assim, os valores da República e do Estado Democrático de Direito. Cabe ressaltar que o Código de Ética e Disciplina da OAB inclusive prevê em seu artigo 3º 5, dentre os deveres do advogado, a promoção da cidadania e mitigação das desigualdades. Nesse sentido, a atuação junto a grupos vulneráveis se revela fundamental para a internalização de tais valores. ii) Panorama atual dos Cursos de Direito no Brasil A disciplina dos cursos de Direito no Brasil é atualmente regulamentada pela Resolução nº 9 de 2004 do Conselho Nacional de Educação. Além de prever diretrizes divididas em três eixos, quais sejam, formação fundamental, profissional e prática; para consolidação deste terceiro eixo, prevê a instituição de estágio supervisionado, de modo a exercer atividades que favoreçam a integração entre teoria e prática; e fomentem a prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania. Assim, o art. 7º da referida resolução, ao regulamentar o estágio supervisionado como componente curricular obrigatório, prevê a instituição de núcleos de prática jurídica, que devem prestar serviços de assistência judiciária. É inegável que a fixação dessas diretrizes representa um avanço no ensino do Direito e já reconhece o valor de atuações desenvolvidas juntamente à comunidade. Ainda assim, permanece um relativo distanciamento entre as práticas proporcionadas pelos núcleos jurídicos e a formação humanística proposta pelas diretrizes. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, ao identificar um perfil do operador do Direito, destaca uma cultura normativista, técnico-burocrática 6, fundada na 5 Art. 3º: O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos. 6 Com a tentativa de eliminação de qualquer elemento extranormativo, as faculdades de direito acabaram criando uma cultura de extrema indiferença ou exterioridade do direito diante das mudanças experimentadas pela sociedade. Enquanto locais de circulação dos postulados da dogmática jurídica, têm estado distantes das preocupações sociais e têm servido, em regra, para a formação de profissionais sem um maior comprometimento com os problemas sociais. Esta cultura dominante, técnico-

ideia de autonomia do Direito, na concepção de que o Direito é um fenômeno diferente de todo o resto que acontece na sociedade e autônomo em relação a ela. Uma das formas de manifestação dessa cultura é o que ele chama de sociedade longe, em que o operador do Direito conhece bem o direito e sua relação com os autos, mas não conhece a relação dos autos com a realidade. Não sabe espremer os processos até que eles destilem a sociedade, as violações de direitos humanos, as pessoas a sofrerem, as vidas injustiçadas. Deve-se, portanto, estabelecer-se, durante a formação do operador de Direito, uma relação dialógica 7 entre a formação teórica e as lutas jurídicas e sociais pela cidadania e pelo reconhecimento de direitos. Nesse sentido: A prática jurídica deve ser espaço de integração e expansão, de fixação e criação. A prática jurídica deve ser o choque de vida necessário ao despertar daquele jurista que honre tal atributo subjetivo e que contribua, com o seu fazer, parara a consolidação dos pilares de uma sociedade humana, fraterna e justa. 8 Sendo assim, reformas no ensino jurídico, incluindo a realização de estágio junto a populações vulneráveis são, além de consonantes com os marcos político-pedagógicos já existentes, necessárias para o aprimoramento formação de operadores de direito. burocrática, tem uma grande continuidade histórica nos nossos países. Para a substituir por uma outra, técnico-democrática, em que a competência técnica e a independência judicial estejam a serviço dos imperativos constitucionais de construção de uma sociedade mais democrática e mais justa, é necessário começar por uma revolução nas faculdades de direito, in SANTOS, Boaventura de Sousa, Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 58. 7 SANTOS, Boaventura de Sousa, Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 59. 8 FINCANTO, Denise Pires. Estágio de docência, prática jurídica e distribuição da justiça. Revista DIREITO GV, São Paulo, v. 11, p. 35, Jan/Jun, 2010.

iii) A Proposta de Inclusão de Estágio Obrigatória com População Vulnerável durante a graduação em Direito Frente o exposto e identificando o protagonismo da Comissão de Ensino Jurídico da OAB e da Comissão de Especialistas de Ensino do Direito do Ministério da Educação no processo de reforma do ensino jurídico, o Instituto Alana propõe que somem esforços para enriquecê-lo com experiências que aproximem o estudante às noções de justiça e Direito, e sejam também capazes de melhorar a situação da população vulnerável. Por isso, o Instituto Alana sugere à OAB e ao Ministério da Educação que tornem, no Novo Marco Regulatório do Ensino do Direito, obrigatório a todos os estudantes de Direito, a realização de um estágio que permita a atuação junto a populações consideradas vulneráveis, e que traga aos futuros operadores do Direito uma experiência que os sensibilize frente ao significado de justiça.

IV) Conclusão e Pedido. Por todo o exposto, o Instituto Alana, por meio do seu projeto Prioridade Absoluta, visando colaborar com a consulta pública da OAB e do Ministério da Educação a respeito do Novo Marco Regulatório do Ensino do Direito, recomenda (i) a incorporação de uma disciplina específica sobre o Direito da Criança e do Adolescente, de caráter obrigatório, e (ii) a realização de uma prática jurídica (estágio) que permita a atuação junto a indivíduos e populações em situação de vulnerabilidade, e que traga aos futuros operadores do Direito uma experiência que os sensibilize frente ao significado de justiça. O Instituto Alana sonha com um mundo que honre as crianças em todas as esferas da vida em sociedade, e conta com a OAB e com o Ministério da Educação para que, por meio da Consulta Pública para o novo Marco Regulatório do Ensino do Direito no Brasil, dê a devida prioridade ao Direito da Criança e do Adolescente no ensino jurídico e reconheça a necessidade de um estágio com pessoas vulneráveis, para assim, criar uma nova geração de advogados que, por meio do exercício da efetivação desses direitos, tornem esse sonho realidade. Instituto Alana Projeto Prioridade Absoluta Isabella Henriques Pedro Affonso D. Hartung Diretora de Defesa e Futuro Advogado OAB/SP: 155.097 OAB/SP: 329.833 Shajar Goldwaser Acadêmico de Relações Internacionais Julia Fagundes Acadêmica de Relações Internacionais Thaís N. Dantas Acadêmica de Direito