FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA



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Transcrição:

0 FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE JOÃO PESSOA 2010

1 FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Ms. Jossano Mendes de Amorim, da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba. Área de Concentração: Direito Constitucional JOÃO PESSOA 2010

2 FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Data de aprovação: BANCA EXAMINADORA Prof. Ms. Jossano Mendes de Amorim Orientador Examinador Examinador

3 AGRADECIMENTOS A Deus, por tudo que tenho na vida. Aos meus pais, Aurivan e Niedge, por estarem ao meu lado em todos os momentos e me ensinarem o verdadeiro valor da vida. A minha irmã, Camila, amiga de todas as horas. A minha filha, Appia, fonte de amor e dedicação. A minha namorada, Maria, pela dedicação e compreensão diárias. Ao meu orientador, Jossano Mendes de Amorim, pelo empenho na orientação do presente trabalho. Ao amigo Felipe Ribeiro Coutinho, pelos ensinamentos referentes à dinâmica da prática jurídica. A todos os meus professores, por fazerem brotar a semente do conhecimento jurídico. A todos os amigos que estiveram ao meu lado durante a formação acadêmica.

4 RESUMO A tutela dos direitos subjetivos pressupõe, em última análise, a existência de instrumento apto a garantir a aplicação prática dos diplomas normativos substantivos. Para tal, o ordenamento jurídico pátrio outorgou ao instituto do processo a tarefa de cumprir esse papel instrumental, concretizador dos direitos materiais assegurados aos jurisdicionados. Mutatis mutandis, afirma-se que a eficácia e efetividade dos preceitos constitucionais estão indissociavelmente ligadas à existência de mecanismos idôneos a assegurar a aplicação prática dos ditames insertos na Lei Fundamental. Nessa senda, observa-se que grande parte dos países serve-se da jurisdição constitucional como forma de garantir a supremacia das normas fundamentais em detrimento dos atos editados pelos agentes do poder. Assim, tem-se que a fiscalização jurisdicional acerca da compatibilidade dos atos infraconstitucionais em face dos ditames insertos na Carta Política realizar-se-á por meio do processo judicial, em cujo panorama a Corte Constitucional proclamará a existência (ou não) do vício de inconstitucionalidade que eventualmente repouse sob os atos estatais, por considerá-los contrários à moldura esculpida pelo legislador constituinte. Por se tratar de instrumento destinado a assegurar a supremacia do Texto Maior, o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem características que o distingue do processo judicial ordinário, notadamente no que tange aos efeitos da decisão proferida em seu âmbito, a qual ostenta o caráter vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Nesse diapasão, e com as atenções voltadas à teoria processual clássica, sempre se sustentou que o aludido efeito vinculante restringia-se à parte dispositiva do decisum, responsável pela veiculação do comando judicial. No entanto, o estudo da estrutura da decisão judicial e da teoria do precedente judicial permite concluir que os fundamentos das decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade traz em seu bojo uma norma jurídica geral que deve ser obrigatoriamente observada na solução de casos concretos que possuam o mesmo substrato fático-jurídico, tendo em vista o caráter vinculante inerente às decisões proferidas nessa espécie de fiscalização judicial. Trata-se, portanto, de atribuir-se efeito vinculante não só ao dispositivo, mas também aos fundamentos determinantes do julgado. Eis, em síntese, a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Palavras-chave: Controle concentrado de constitucionalidade. Efeito vinculante. Transcendência dos fundamentos determinantes.

5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 8 CAPÍTULO 1 - O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO... 11 1.1 A jurisdição constitucional no contexto da evolução histórica do constitucionalismo... 11 1.2 O surgimento da jurisdição constitucional... 13 1.3 Argumentos contrários da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de Direito... 16 1.3.1 A duvidosa legitimidade democrática da jurisdição constitucional... 16 1.3.2 A ausência de eleição e responsabilização popular dos juízes constitucionais... 17 1.3.3 A dimensão criativa da interpretação em face da normatização dos princípios... 18 1.4 Argumentos favoráveis da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de Direito... 21 1.4.1 A jurisdição constitucional como instrumento garantidor dos direitos e garantias constitucionais... 21 1.4.2 A independência dos juízes constitucionais... 22 1.4.3 A legitimidade das decisões judiciais e a metodologia para o exercício da jurisdição constitucional... 24 1.4.3.1 Emprego de metogologia racional... 24 1.4.3.2 A democratização do exercício da jurisdição constitucional... 25 1.4.3.3 A jurisdição constitucional como instrumento de realização dos direitos da minoria. A dificuldade contra-majoritária... 26 1.5 A jurisdição constitucional é imprescindível à democracia?... 27 CAPÍTULO 2 - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL. 30 2.1 Aspectos gerais do controle de constitucionalidade... 30 2.2 Classificações das espécies de inconstitucionalidade... 31 2.2.1 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material... 31 2.2.2 Inconstitucionalidade por ação e por omissão... 32 2.3 Modelos de controle judicial de constitucionalidade... 33 2.3.1 Modelo americano controle difuso... 33

6 2.3.2 Modelo austríaco ou europeu controle concentrado... 34 2.3.3 Modelo brasileiro controle misto... 35 2.4 Controle difuso de constitucionalidade... 35 2.5 Instrumentos de provocação do controle abstrato de constitucionalidade... 37 2.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI... 38 2.5.1.1 Considerações gerais... 38 2.5.1.2 Legitimidade... 38 2.5.1.3 Competência... 40 2.5.1.4 Objeto... 41 2.5.1.5 Efeitos da decisão... 43 2.5.2 Ação Declaratória de Constitucionalidade ADC... 46 2.5.2.1 Considerações gerais... 46 2.5.2.2 Legitimidade e Competência... 46 2.5.2.3 Efeitos da decisão... 47 2.5.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADI por omissão... 48 2.5.3.1 Considerações gerais... 48 2.5.3.2 Legitimidade e competência... 48 2.5.3.3 Objeto... 49 2.5.3.4 Efeitos da decisão... 50 2.5.4 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF... 53 2.5.4.1 Considerações gerais... 53 2.5.4.2 Legitimidade... 55 2.5.4.3 Competência... 55 2.5.4.4 Objeto... 55 2.5.4.5 Efeitos da decisão... 56 CAPÍTULO 3 - A TEORIA DOS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES... 58 3.1 A estrutura da decisão judicial... 58 3.1.1 Relatório... 58 3.1.2 Fundamentação... 59 3.1.2.1 A vinculação dos motivos determinantes das decisões do STF em sede de controle concentrado... 61 3.1.3 Dispositivo... 65

7 3.2 Precedentes jurisprudenciais... 65 3.2.1 Reclamação 2986 MC/SE - Sergipe... 65 3.2.2 Reclamação 2363 PA - Pará... 67 CONCLUSÃO... 70 REFERÊNCIAS... 72

8 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico tem por objeto o estudo do controle judicial da constitucionalidade das leis e demais atos normativos do Poder Público, notadamente no que tange aos efeitos decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal neste panorama, bem como a possibilidade de atribuição de efeitos transcendentes aos motivos determinantes dos pronunciamentos judiciais proferidos no âmbito do controle em questão. A análise da evolução histórica do constitucionalismo permite concluir que a tarefa originariamente outorgada às Cartas Políticas regulamentação das estruturas fundamentais do Estado e do processo legiferante se mostrou insuficiente para a proteção dos cidadãos frente os agentes do poder, dada a inclinação natural destes últimos em desdenhar os escritos constitucionais. Destarte, e tendo em vista a premente necessidade de instituir um instrumento idôneo a fulminar o massacre político patrocinado pelos regimes autoritários, as vozes da dogmática constitucional passaram a defender a tese de que a incumbência das Cartas Constitucionais ultrapassaria a simples afirmação dos pilares fundamentais do Estado e do processo de criação das normas jurídicas, abrangendo, por conseguinte, a declaração dos direitos fundamentais do cidadão núcleo individual intangível. Tem-se, portanto, o marco histórico daquilo que se pode denominar de projeto de limitação do poder estatal. Prospera que o aludido projeto não se mostrou eficiente, uma vez que o desrespeito das normas constitucionais por parte dos agentes políticos, os quais ocupavam o vértice superior da hierarquia do Estado, não lhes acarretaria maiores prejuízos efetivos. Ademais, impende destacar que a incompatibilidade constitucional dos atos estatais também era visualizada no âmbito do Poder Legislativo, responsável pela edição de atos normativos nitidamente contrários aos ditames insertos na Lei Maior. À luz do acima exposto, verificou-se que o êxito do projeto de limitação do poder estatal pressupunha a existência de um mecanismo de controle capaz de fazer valer na realidade social a supremacia constitucional, não obstante a constatação de que as normas descritas na Carta Política nem sempre ostentaram efetiva posição hierárquica superior às regras infraconstitucionais. Nessa senda, convém destacar que a operacionalização do referido controle pode ser visualizada sob dois ângulos. De um lado, observa-se a fiscalização da compatibilidade dos atos positivos estatais em face da Constituição e, em caso de contraste, a primazia desta última tem o condão de expungir do ordenamento jurídico os atos que lhes forem contrários.

9 Por outro lado, tem-se que o controle das omissões estatais que configuram afronta aos preceitos constitucionais representa instrumento de realização prática dos valores e princípios preconizados pelo Constituinte. Eis, em breve síntese, o surgimento do controle de constitucionalidade dos atos e omissões do Poder Público. Assim sendo, salta aos olhos a importância do tema ora focalizado para toda a comunidade jurídica, porquanto representa o estudo acerca do instituto destinado a fiscalizar a compatibilidade das condutas estatais em face da moldura traçada na Lei Fundamental. Para alcançar os fins do presente trabalho monográfico, analisar-se-á, inicialmente, a jurisdição constitucional no contexto da evolução histórica do constitucionalismo, com ênfase nos argumentos teóricos firmados acerca da compatibilidade democrática desse instrumento de controle do Poder Estatal. Em continuidade, será realizado um estudo descritivo sobre a origem histórica do controle de constitucionalidade, o seu fundamento teórico, conceito, bem como a evolução deste no ordenamento jurídico pátrio. Firmadas as premissas iniciais, e com as atenções voltadas aos aspectos gerais da supremacia constitucional, serão observadas as modalidades de efetivação do controle judicial de constitucionalidade, quais sejam, o controle difuso e o controle concentrado, debruçandose especificamente sobre os seus conceitos, legitimados, competência, características, decisão e seus efeitos. A esse respeito, convém destacar que, no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade modalidade sobre a qual repousa o objeto central do presente trabalho, os efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal têm o toque da vinculação em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, consoante adiante se demonstrará. No entanto, do ponto de vista processual, o referido efeito alcança tão-somente a parte dispositiva da decisão judicial. Trilhando para o cerne do presente trabalho, serão analisadas a estrutura da decisão judicial e a teoria do precedente judicial, com o fito de se observar a legitimidade da corrente doutrinária que se pretende sustentar. Após o estabelecimento das premissas teóricas, indaga-se: é possível atribuir efeitos vinculantes aos motivos determinantes fundamentação das decisões da Corte Constitucional em sede de controle concentrado de constitucionalidade? Em arremate de conclusão, será analisada, à luz da atual sistemática jurídicoprocessual e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de atribuição de efeitos vinculantes aos motivos determinantes das decisões da referida Corte em sede de

10 controle concentrado de constitucionalidade, equiparando-os aos efeitos outorgados à parte dispositiva do julgado. No que tange ao método de abordagem, será utilizada a pesquisa qualitativa, porque será feita uma análise interpretativa do controle judicial de constitucionalidade, da estrutura da decisão judicial e da teoria do precedente judicial, sem serem enfocados dados estatísticos. Concomitantemente, o método dedutivo, pois serão analisadas, propedeuticamente, a decisão judicial e o controle concentrado de constitucionalidade. Por fim, realizar-se-á a correlação dos institutos acima mencionados, verificando a possibilidade de se atribuir, com lastro nas teorias em questão, efeitos transcendentes aos fundamentos determinantes das decisões tomadas pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Quanto aos métodos de procedimento, será empregado o método histórico para demonstrar a origem do controle judicial de constitucionalidade, objetivando a compreensão dos fundamentos teóricos do tema em questão, para a solução eficaz da problemática enfocada. Finalmente, no que diz respeito às técnicas de pesquisa, serão realizadas pesquisas doutrinárias, legislativas e jurisprudencial.

11 CAPÍTULO 1 O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1.1 A jurisdição constitucional no contexto da evolução histórica do constitucionalismo Em linha de princípio, e objetivando analisar o papel da jurisdição constitucional no âmbito do Estado Democrático de Direito, cumpre realizar uma digressão histórica acerca do fenômeno constitucional, uma vez que a atividade dos juízes constitucionais consiste, basicamente, na interpretação e aplicação das normas constitucionais. Nesse diapasão, à exceção do regime político norte-americano em que a Carta Fundamental tinha feição marcadamente normativa observa-se que, até meados do séc. XX, os demais países do mundo apresentavam a idéia de Constituição como uma proclamação política importante, de tal sorte que as prescrições constitucionais não ostentavam caráter normativo, destinando-se tão-somente a regular o processo de criação do Direito e as estruturas orgânicas fundamentais do Estado (SARMENTO: 2006, p. 86). Ocorre que, diante dos valores e tarefas atribuídas à Constituição (regulação do processo legislativo e definição da estrutura orgânica do Estado), visualizava-se a existência de governos autoritários que desdenhavam deliberadamente dos direitos mínimos do cidadão, tendo em vista a inexistência de limites materiais ao exercício do poder. O quadro acima descrito permaneceu inalterado até a segunda metade do século XVIII, período de surgimento do constitucionalismo moderno com a promulgação das Constituições dos Estados Unidos da América (1787) e da França (1791), as quais se revestiram de duas características fundamentais: a) regulação da organização do Estado; b) instituição de limitação ao poder estatal, mediante a declaração expressa de direitos e garantias fundamentais (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 31/32). Em conformidade com as lições do constitucionalista Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 32): O constitucionalismo moderno, portanto, deve ser visto como uma aspiração a uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de Poderes e os direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio das primeiras formas de Estado. Destarte, cumpre salientar que o grande mérito do constitucionalismo moderno foi a atribuição de força normativa aos dispositivos constitucionais, os quais eram, conforme afirmado em linhas anteriores, meras proclamações políticas destinadas aos agentes do Poder.

12 No entanto, a evolução histórica demonstrou que o só reconhecimento de direitos fundamentais não seria suficiente para garantir a supremacia material do texto constitucional, evidenciando a necessidade de instituição de mecanismo de controle dos atos estatais. Tratava-se, a bem da verdade, de uma supremacia meramente formal do texto constitucional, o qual não se fazia presente na realidade da vida social, seja porque os agentes estatais não cumpriam as suas determinações, seja porque os cidadãos não podiam invocar os seus preceitos para a tutela de direitos individuais subjetivos. A análise da dogmática política nos mostra que o polo de tensão da sociedade modificou-se a depender do modelo constitucional adotado. Nessa senda, verifica-se que no constitucionalismo liberal este polo de tensão encontrava-se no Poder Legislativo, uma vez que o Estado tinha a incumbência precípua de garantir as liberdades individuais e a segurança nacional. Por seu turno, o constitucionalismo social tem como nota essencial a preponderância dos Poderes Legislativo e Executivo, dada a confiança da sociedade na justeza dos diplomas legais. Finalmente, com o implemento do pós-positivismo, tem-se que o polo de tensão da sociedade passa a residir, conjuntamente, no Poderes Judiciário e Executivo, com sensível relevância em favor do primeiro, como se demonstrará nas linhas seguintes do presente trabalho monográfico. Assim, não se deve perder de vista que as normas fundamentais do texto constitucional são direcionadas, em grande parte, aos agentes e órgãos estatais que ocupam o vértice superior da hierarquia do Estado, razão pela qual a probabilidade de descumprimento do comando constitucional revela-se acentuada, tendo em vista que as disposições da Carta Fundamental não ostentavam o caráter de normas materialmente supremas. Ademais, impende destacar a necessidade de instituição de um órgão jurisdicional de cúpula, responsável pela efetivação da proteção dos ditames constitucionais e pelo controle da constitucionalidade dos atos e omissões do Poder Público. Em outras palavras, não obstante o reconhecimento do caráter normativo das disposições constitucionais, forçoso concluir que a Constituição, por si só, não era capaz de assegurar o cumprimento de seus dispositivos e valores por seus destinatários. Eis o surgimento do mecanismo de controle da compatibilidade dos atos estatais em face das premissas constitucionais.

13 1.2 O surgimento da jurisdição constitucional A análise da jurisdição constitucional nos remonta ao célebre caso Marbury vs. Madison, julgado pela Suprema Corte Norte-Americana em 1803, no qual o Chief Justice John Marshall declarou a inconstitucionalidade de lei ordinária que atribuía a Suprema Corte competência não fixada originariamente pela Constituição Norte-Americana. Nesse diapasão, são extraídas da decisão proferida pelo Chief Justice John Marshall as seguintes premissas fundamentais: a) a ideia da supremacia constitucional; b) a legitimidade do Poder Judiciário para, fazendo valer o disposto na constituição expressão maior da soberania popular declarar a inconstitucionalidade dos atos praticados pelos agentes estatais que eventualmente afrontem o Texto Maior (MENDONÇA: 2009, p. 213). Com vista no acima exposto, constata-se, em um primeiro momento, que a jurisdição constitucional consubstancia um instrumento democrático, uma vez que possibilita o controle dos atos estatais que atentem contra os princípios, regras e valores constitucionais. N outro dizer, na medida em que a constituição é a expressão maior da soberania popular, a jurisdição constitucional constitui o instrumento de efetivação desta mesma soberania, afastando os atos estatais que desrespeitem ou inobservem os valores consagrados pela Lei Maior. A propósito do tema, convém trazer à colação a seguinte lição de Dieter Grimm (2006, p. 7): Tendo em vista essa particular fraqueza da norma constitucional, quando o povo providencia um órgão específico cuja atribuição é determinar o sentido e o alcance da constituição em casos de conflito; conhecer ações envolvendo conflitos de competência; avaliar atos governamentais tendo em vista a sua conformidade com a constituição, a existência desse órgão e o exercício do poder que lhe foi atribuído não podem ser considerados antidemocráticos. Desta forma, a existência de um órgão estatal cuja incumbência precípua repousa no controle da constitucionalidade dos atos dos poderes legislativo e executivo representa instrumento eficaz de garantir a supremacia do texto constitucional. Mas não é só. A importância da instituição de mecanismo com a fisionomia e competência indicadas no parágrafo anterior é mais bem visualizada com o crescimento e destaque do próprio papel que as cartas constitucionais passam a assumir. Nesse contexto, cumpre atentar que as Constituições, que antes tratavam apenas os aspectos políticos fundamentais do Estado ou, quando muito, traziam em seu corpo um elenco de direitos individuais do cidadão, passam a disciplinar outros assuntos que estavam sob a

14 égide do Poder Legislativo, notadamente os aspectos relacionados à economia, relações trabalhistas, saúde, educação etc. Sobre o tema, escreve Daniel Sarmento (2006, p. 89): [...] Contudo, a partir das Constituições do México de 1917, e de Weimar de 1919, este modelo vai se alterar. A maioria das constituições editadas posteriormente agregará ao seu temário vários outros assuntos, como economia, relações de trabalho, proteção à família, cultura etc. Muitas delas vão também garantir, além dos clássicos direitos individuais, direitos sociais e econômicos, que demandam prestações positivas do Estado, viabilizadas através de políticas públicas onerosas: direitos à educação, à saúde, à previdência, à moradia etc. Diante da constatação acima descrita, questiona-se: a regulamentação constitucional de determinadas matérias outrora disciplinadas pelo legislador ordinário, retirando-as do âmbito de apreciação do parlamento órgão popular por excelência não constituiria uma decisão contra-majoritária e, por conseguinte, antidemocrática? Assim, em decorrência dessa universalização material da Constituição, constata-se que os princípios e normas constitucionais passam a influenciar na leitura e aplicação dos demais ramos do direito, cujos institutos são interpretados à luz do modelo constitucional (filtragem constitucional), caracterizando o que Daniel Sarmento denominou de Ubiquidade Constitucional (2006, p. 83). No mesmo norte de exposição, o tema ora focalizado é tratado por Luís Roberto Barroso com as seguintes palavras (2006, p. 30): A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Cotejando o acima exposto com a realidade constitucional pátria, observa-se que os institutos do direito administrativo sofreram sensível modificação diante da necessária observância da filtragem constitucional do direito, salientando-se, a título de exemplo, o hodierno entendimento acerca da legitimidade do controle judicial do mérito dos atos administrativos discricionários, com base em princípios constitucionais, tais como o da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e eficiência. Por outro lado, cumpre observar que a relevância prática do papel das Constituições é expressivamente acentuada ao se observar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a aplicabilidade dos valores, garantias e direitos fundamentais também às relações privadas.

15 No mesmo norte, urge salientar a importância e complexidade do papel desempenhado pela jurisdição constitucional no âmbito de uma constituição tida como dirigente, tal como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Trata-se de modelo constitucional que traça expressa e pontualmente metas de governo a serem alcançadas por meio de políticas públicas de caráter positivo. Segundo Daniel Sarmento (2006, p. 94): [...] Essas metas e diretrizes, estabelecidas em regra através de normas programáticas, não devem ser vistas como meras proclamações retóricas. Elas são normas jurídicas, que de alguma maneira vinculam os poderes políticos, estabelecendo balizas para o exercício das respectivas competências. Ante as razões expendidas, e com as atenções voltadas ao fato de que a constituição é, indubitavelmente, dotada de caráter normativo, indaga-se: até que ponto é legitima a atribuição de competência a um órgão judicial - composto por membros que não são escolhidos diretamente pelo povo -, a pretexto de estar garantindo a efetividade das normas constitucionais, para fixar e compelir os agentes políticos a adotarem determinada política pública, sobretudo levando-se em consideração a dimensão criativa inerente à interpretação em geral e a interpretação constitucional em especial? (2006, p. 99): Acerca da dimensão criativa da jurisdição constitucional, leciona Daniel Sarmento Ademais, há o problema semântico. Boa parte das prescrições constitucionais está expressa em linguagem muito vaga: dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade social, moralidade administrativa etc. Pessoas razoáveis podem discordar e de fato frequentemente discordam sobre o que significa aplicar uma norma com esta estrutura num determinado caso. No mesmo esteio, eis a lição de Eduardo Mendonça (2009, p. 220): [...] A positivação constitucional de princípios vinculados à ideia de justiça ou o tratamento de tais princípios como normas pelo Tribunal Constitucional poderia introduzir um deslocamento de poder indesejável, das maiorias para os tribunais. Assim, a utilização de conceitos vagos no texto constitucional não representaria uma ampliação indevida e desproporcional do âmbito decisório da jurisdição constitucional, a qual poderá imiscuir-se em matérias de políticas públicas reservadas ordinariamente aos Poderes Legislativo e Executivo? Afinal, a jurisdição constitucional é compatível com os princípios do Estado Democrático de Direito?

16 No que tange ao tema em debate, uma observação preliminar se faz necessária: as respostas às indagações acima formuladas têm por premissa a realidade politicoconstitucional brasileira, sem embargo das posições teóricas edificadas sob a égide de outros regimes políticos, reclamando, antes de fixar-se a mais acertada posição sobre o tema, a análise dos argumentos favoráveis e contrários acerca da compatibilidade da jurisdição constitucional no âmbito do Estado Democrático de Direito. É o que se passa a fazer. 1.3 Argumentos contrários da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de Direito 1.3.1 A duvidosa legitimidade democrática da jurisdição constitucional Em linha de princípio, cabe destacar que a jurisdição constitucional representa mecanismo destinado a tutelar a intangibilidade dos direitos da minoria, mediante a fiscalização da compatibilidade dos atos estatais em face dos ditames consagrados na Lei Maior. Com as atenções voltadas à referida destinação da jurisdição constitucional, qual seja, a proteção da inviolabilidade dos direitos da minoria, pode-se vislumbrar, como efetivamente se observa nos entendimentos doutrinários, a inexistência de legitimidade democrática para o exercício da jurisdição constitucional, conforme se analisará nas linhas seguintes do presente tópico (GRIMM: 2006, p. 13). Surge, por conseguinte, o problema relacionado à legitimidade democrática da jurisdição constitucional, neste passo encarado como um aspecto negativo desta para o Estado Democrático de Direito. Em síntese, a relação entre democracia e jurisdição constitucional pode ser visualizada nas seguintes linhas extraídas das palavras de Dieter Grimm (2006, p. 6): [...] Alguns teóricos temem que o jogo democrático seja paralisado por uma camisade-força constitucional. Outros temem que o dique constitucional possa ser rompido por uma inundação democrática. [...] Destarte, o efeito contra-majoritário da jurisdição constitucional, a impulsionar a tese de ilegitimidade democrática deste mecanismo de controle, é ressaltado também diante do papel exercido pela constituição no âmbito de determinado regime político. Saliente-se, por oportuno, que a suposta ilegitimidade democrática decorrente do efeito contra-majoritário

17 reside no fato de que a jurisdição constitucional poderá transitar na contramão do que seria a vontade popular de determinado momento. Ora, conforme apontado em momento anterior do presente trabalho, os textos fundamentais contemporâneos, notadamente o brasileiro de 1988, têm alçado ao patamar da constitucionalidade matérias e temas anteriormente disciplinados pelo legislador ordinário (relação de trabalho, saúde, educação etc.). Acrescente-se, além disso, o fenômeno da constitucionalização do direito (filtragem constitucional). Tal evolução constitucional irá desaguar na subtração de parcela do direito-dever de conformação do Poder Legislativo, o qual possui a legitimidade democrática por excelência, dada a representatividade popular de seus membros. Em face das razões expendidas, constata-se que a excessiva constitucionalização do Direito e das matérias outrora disciplinadas pelo legislador ordinário, bem como a atribuição de competência a órgão judiciário para garantir a efetividade e respeito constitucionais poderá traduzir uma contrariedade à vontade majoritária externada por meio de atos normativos editados pelo parlamento. Trata-se do que a doutrina constitucionalista convencionou chamar de dificuldade contra-majoritária da jurisdição constitucional. Logo, analisada a questão sob esse enfoque, posicionamento que não se deve endossar, a jurisdição constitucional careceria de legitimidade democrática. 1.3.2 A ausência de eleição e responsabilização popular dos juízes constitucionais Outro aspecto negativo da jurisdição constitucional, que também não deve prevalecer, refere-se à ausência de eleição popular das autoridades judiciais responsáveis pela efetivação do controle da compatibilidade entre os atos estatais e os comandos constitucionais. Nesse diapasão, na medida em que os juízes constitucionais não são eleitos pelo voto da maioria, não lhes seria legítimo substituir-se à atuação conformadora do parlamento, sob pena de irreversível violação ao princípio majoritário do regime democrático. No mesmo norte, convém observar que a ausência de responsabilização política dos juízes perante a sociedade civil também representa, para parte da doutrina constitucionalista, aspecto negativo da jurisdição constitucional. Isso porque, consoante as palavras de Dieter Grimm, [...] o judiciário pode afastar a vontade dos representantes do povo eleitos sem gozar de legitimidade democrática e sem ser igualmente responsável perante o povo. Isso é verdade mesmo nos países onde os juízes são eleitos e não indicados. (2006, p. 13).

18 Em que pese a repetição de ideias, cumpre mencionar que tal argumento também não merece prosperar, conforme adiante se demonstrará. Em razão da ausência de controle democrático da jurisdição constitucional, anote-se que a Suprema Corte Norte-Americana, no julgamento do case United States vs. Carolene Products Co., em 1938, deixou assentado que a adoção de uma postura ativista seria necessária quando se estivesse diante de proteger a funcionalidade do processo político, adotando-se um controle mais restrito diante da legislação econômica (MENDONÇA: 2009, p. 216). Nesse diapasão, percebe-se que o entendimento ora focalizado inclina-se no sentido de defender o ativismo judicial constitucional apenas nos casos de garantir a funcionalidade do processo democrático, ao passo que, no controle exercido nas demais áreas em que o parlamento se faz mais presente no desiderato de conformar os destinos da sociedade a jurisdição constitucional assumiria uma feição mais restrita. Com base nas lições de Carl Schmitt, citado por Eduardo Mendonça (2009, p. 221), [...] o controle de constitucionalidade só seria legítimo quando o conteúdo da norma constitucional envolvida fosse inequívoco e incompatível com o conteúdo de lei em tese aplicável. Diante do confronto, caberia ao juiz, no exercício de sua atividade típica, realizar a subsunção do fato à norma da Constituição, deixando de aplicar a norma inferior. Da exegese do excerto acima transcrito, conclui-se que Carl Schmitt adota uma posição restritiva da jurisdição constitucional, inadmitindo o exercício desta para compelir os agentes políticos a adotarem determinada política pública com base em valores expressos no texto maior. 1.3.3 A dimensão criativa da interpretação em face da normatização dos princípios Outro potencial aspecto negativo da jurisdição constitucional consiste na já mencionada dimensão criativa da atividade interpretativa. Aliás, a aludida dimensão criativa deve ser analisada, para os fins do presente trabalho, sob o enfoque da normatização dos princípios. Como cediço, a fase intitulada de pós-positivismo é marcada pela atribuição de força normativa aos princípios constitucionais, cuja aplicação se faz imperiosa diante dos casos concretos submetidos à apreciação do Poder Judiciário. Tem-se, portanto, de um lado, a norma-princípio e, de outro, a norma-regra.

19 Por outro lado, não se desconhece que os princípios são marcados por uma acentuada abertura semântica, o que enseja a possibilidade de elaboração de exegeses das mais variadas. A título ilustrativo, observe-se que uma infinidade de questões pode ser fundamentada, em posições diametralmente opostas, com lastro no princípio-matriz da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, cumpre lembrar que as posições antagônicas acerca da constitucionalidade da utilização de células tronco-embrionárias para fins de pesquisa, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2009, fundamentavam-se justamente na dignidade da pessoa humana. A observação acima realizada quanto à dimensão criativa da interpretação e a abertura semântica dos princípios tenciona trazer à baila a discussão acerca do fenômeno denominado por Daniel Sarmento de carnavalização constitucional (2006, p. 112). Sobre o tema, analisemos as palavras do referido autor (2006, p. 113/114): [...] Esta euforia com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras varinhas de condão : com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Veja-se, por oportuno, a clássica definição de princípio proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 747): [...] princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome de sistema jurídico positivo. Nesse diapasão, na medida em que o art. 196 da Carta Constitucional pátria de 1988 assenta que a saúde é direito de todos e dever do estado, facilmente se percebe que qualquer cidadão poderá bater às portas do judiciário pleiteando prestação estatal ativa no sentido de garantir-lhe os meios necessários à manutenção da saúde (realização de procedimentos médico-cirúrgicos, fornecimento de medicamentos, dentre outros). De outro lado, o órgão jurisdicional, alheio às questões concernentes à disponibilidade orçamentária, poderá, lastreando-se em normas-princípios, determinar ao ente público a prestação da atividade pleiteada, evidenciando uma suposta substituição do administrador público pelo juiz constitucional de plantão.