LUZ, CÂMERA, HITLER! CINEMA E PROPAGANDA A SERVIÇO DO NAZISMO



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Transcrição:

LUZ, CÂMERA, HITLER! CINEMA E PROPAGANDA A SERVIÇO DO NAZISMO Valéria Cristiane Moura dos Santos * A arte da propaganda reside justamente na compreensão da mentalidade e dos sentimentos da grande massa. Ela encontra, por forma psicologicamente certa, o caminho para a atenção e para o coração do povo. 1 (Adolf Hitler, Mein Kampf 1927). Passados mais de oitenta anos desde a ascensão de Adolf Hitler e a consolidação do partido nazista, questionam-se o uso de estratégias utilizadas pelos nazistas na propaganda política e quanto dessas revolucionárias técnicas criadas por Goebbels são utilizadas até hoje. Os nazistas foram os primeiros a usar o cinema como instrumento de propaganda ideológica, pois o cinema era uma forma eficiente para a divulgação de imagens, distraindo a atenção para qualquer possível derrota do exército alemão. Foram inúmeros filmes e documentários, cujo objetivo principal era inventar e vender Hitler * Graduada em Licenciatura Plena em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru-FAFICA (2011). Tem experiência na área de História com ênfase em História Social e História Cultural. Os seus interesses de estudos voltam-se para temáticas que discutem as relações entre a história e as fontes audiovisuais. Atua como professora no PREVUPE, curso pré-vestibular da Universidade de Pernambuco-UPE.

e as idéias nazistas como a de que os judeus eram culpados pela decadência econômica alemã. O uso da propaganda como um dos responsáveis pela glória dos ideais nazistas influenciava através da estética que apresentava. Estética que fazia o imaginário das massas, levando-as a crer na existência de um mundo perfeito, completamente diferente da realidade daquela época. O nazismo como movimento totalitário domina a todos com a política do medo, transformando os próprios componentes do partido nazista em seres sem capacidade de pensamento individual, apenas focalizando os interesses do partido. PUBLICIDADE E PROPAGANDA Mesmo sendo usados como sinônimos por alguns, publicidade e propaganda não têm o mesmo significado. Publicidade é um meio de comunicação de massa, uma forma de tornar conhecido um determinado produto, economicamente falando, cujo objetivo é despertar no consumidor o desejo pelo produto anunciado. A publicidade é uma técnica de comunicação de massa, paga com a finalidade precípua de fornecer informações, desenvolver atitudes e provocar ações benéficas para os anunciantes, geralmente para vender produtos ou serviços. 1 2 Propaganda é a propagação de princípios e teorias, compreendendo a idéia de implantar uma crença na mente de um determinado público de forma abrangente, incluindo objetos ideológicos e políticos. Muitas vezes, a propaganda está voltada especialmente para os interesses de quem vende o produto, visa sugestionar, convencer, persuadir. Durante certo tempo a publicidade e a propaganda estavam interligadas. A propaganda tem inspirações no êxito e estilo da publicidade, visando agradar o público. A propaganda confunde-se com a publicidade porque procura criar ou transformar opiniões, diferenciando-se por não visar objetivos comerciais e sim apenas políticos. A publicidade visa às necessidades e preferências por um determinado 1 SANT ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica, prática. São Paulo, SP: Pioneira, 1998, p. 76.

produto, a propaganda impõe crenças filosóficas, religiosas ou políticas influenciando diretamente nas atitudes humanas. Surgindo no século XX, sem a propaganda política, fatos marcantes da história não seriam tão impactantes. Ao longo do tempo, ela transformou-se em um dos grandes fenômenos dominantes do século que passou, servindo para a implantação de doutrinas totalitárias 2, como o fascismo e o nazismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, a propaganda ocupou um papel de destaque, influenciando a consolidação do imaginário nazista. A propaganda permitiu a anexação da Áustria e da Tchecoslováquia à Alemanha sem combate, representando o principal mecanismo de poder do totalitarismo moderno. PERSUASÃO A persuasão está ligada à submissão, levando o outro a aceitar a idéia dada. De acordo com Citelli (2004), aquele que persuade nem sempre trabalha a verdade, mas com algo que possa se aproximar da veracidade de que se anuncia. Entretanto, nem sempre a persuasão está relacionada a algo negativo, ou à mentira. Pode-se usar uma linguagem persuasiva para obter um resultado positivo. Por exemplo, uma campanha para o uso de preservativos tem como linguagem persuasiva a preocupação com a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, em especial a AIDS, e uma gravidez indesejada, resultando assim, em uma diminuição dos grupos de risco e controle das doenças. 3 O autor nos mostra o que a publicidade e a propaganda usam para convencer quem a recebe: I O uso de estereótipos; II A criação de inimigos; III O apelo à autoridade; IV Afirmação e repetição. 2 Termo doutrinas totalitárias parte da teoria de Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo. Antissemitismo. Imperialismo. Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

É válido ressaltar que a propaganda utiliza-se de signos para persuadir as massas, já que os signos possuem caráter ideológico e tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo fora de si mesmo. São estreitas as relações entre os signos, a ideologia e o discurso de caráter persuasivo, sem a presença de signos, não há ideologia. Os nazistas se utilizaram desses signos para atrair a atenção da sociedade alemã. Um dos signos mais utilizados pelos nazistas era a suástica, uma espécie de cruz gamada utilizada por povos antigos, cuja significação era a pureza. No nazismo, ela representava a superioridade da raça ariana entre todos os outros povos. Valendo-se desses signos ideológicos e da situação caótica em que se encontrava a Alemanha economicamente, no período entre a Primeira Guerra Mundial e a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, o nazismo convenceu uma nação de que somente a dizimação de outras raças, como os judeus, e políticas, como o comunismo devolveriam à nação ariana seu orgulho e supremacia. A técnica persuasiva dos nazistas permitiu que a propaganda tivesse êxito e influência direta em toda uma sociedade. 4 A seguir, veremos a origem do partido nazista e como a linguagem persuasiva teve influência na ascensão do mesmo, cujo objetivo era destituir a República de Weimar. ORIGEM DO PARTIDO NAZISTA Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha junto com a Áustria, teve seu território reduzido, surgindo nações como Polônia e Tchecoslováquia, porém, nem todos comemoravam essa redução. Havia um desejo de reunificar a Alemanha, no qual se criou então, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), mais conhecido como Partido Nazista, que liderado por Hitler tentou dar um golpe na República de Weimar, golpe esse que falhou levando seu líder à prisão, onde Hitler escreveu Mein Kampf. A Alemanha de Weimar prosperou até a queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, fazendo de Adolf Hitler o combustível que deixou o país pronto para uma explosão, devido ao alto índice de desemprego entre a população alemã e às determinações do Tratado de Versalhes que reduziu seu exército. Pessoas

perderam milhões, e isso fez com que políticos extremistas como Hitler, prometessem mudar a situação caótica que vivia a Alemanha. O chefe do partido nazista, por meio propaganda divulgou suas idéias sobre a superioridade ariana para incitar as massas no resgate do orgulho da nação através de desfiles, comícios, passeatas, cartazes, jornais, cinema e rádio, tudo simbolizando superioridade e poder. Em Mein Kampf, a bíblia do nazismo, Hitler enfatizou que a propaganda estimulava as idéias do coletivo e essas idéias chegariam à vitória mediante a intensidade da veiculação da propaganda aliada à organização da mesma, não importando o seu grau de verdade, mas o poder de convencer. Em cada grande movimento, destinado a revolucionar o mundo, a propaganda primeiramente terá de divulgar a idéia do mesmo. Incessantemente terá de esclarecer as massas sobre novas idéias, atraílas para as suas fileiras, ou pelo menos, abalar as crenças em voga (HITLER, Mein Kampf, segunda parte, p. 247). Com a propaganda, o governo nazista transformava a fome em desafio ao trabalho, as derrotas em movimentos que antecedem as vitórias, os erros em aprendizados. A propaganda nazista tudo explicava, tudo justificava, e tudo conseguia provar. Sua tática era trucidar e encobrir massacres mostrando algo tão irracional quanto à guerra como fonte de justiça e amor. A propaganda nazista estava baseada em poucos princípios que deveriam ser repetidos à exaustão. 5 Continuamente apresentados em linguagem popular, tais princípios eram elaborados de modo a criar uma versão apocalíptica da Alemanha. Estruturada pela construção positiva da imagem alemã diante de um mundo degenerado e decadente, a propaganda criava estereótipos sobre os inimigos e sobre a bravura dos verdadeiros alemães. A propaganda nazista, através do órgão de propaganda do partido, Der Angriff (O Ataque), coordenada pelo ministro da Propaganda e Conscientização Pública, Paul Joseph Goebbels, produziu diversos filmes de caráter propagandístico e nacionalista. O cinema era a forma mais eficiente para a divulgação de imagens, pois distraía a atenção para qualquer possível derrota do exército alemão. O objetivo principal era vender Hitler e as idéias nazistas, como a de que os judeus eram os verdadeiros culpados pela decadência econômica alemã, eram vistos

como subumanos perigosos para a saúde pública. Bauman ressalta que a Noite dos Cristais foi um alerta propagandístico do que estava por vir, entretanto não teve tanto êxito por não ter a participação efetiva das massas, em vista que a Kristall-Nacht aconteceu por meio de militares nazistas à paisana. 3 Os nazistas foram um dos primeiros a usar o cinema como instrumento de propaganda ideológica. Goebbels acreditava que os filmes de entretenimento tinham uma intenção política, pois os mesmos afastavam todos das preocupações domésticas e familiares, por isso ordenou que todos os filmes que fossem produzidos não se concentrassem em informações e sim nas emoções, retratando Hitler como um homem que se sacrificou por uma nação. O NSDAP decidiu celebrar entre os dias 30 de agosto e 03 de setembro de 1933, na cidade de Nuremberg, seu 5º congresso, que foi filmado a pedido do partido por Leni Riefenstahl, famosa cineasta alemã que realizou importantes trabalhos por trás das câmeras, chamando a atenção de Adolf Hitler e Joseph Goebbels. A Vitória da Fé foi o primeiro documentário, produzido pelo Ministério da Propaganda, serviu de teste para Leni, surgindo outros convites para documentários, tendo como o mais importante O Triunfo da Vontade. 6 No início do filme, Adolf Hitler sobrevoa a cidade de Nuremberg, onde a mesma é filmada por todos os ângulos, em seguida, ao descer do avião, ele é assustadoramente ovacionado como um deus por uma multidão que o aguardava durante um congresso do Partido Nacional Socialista na mesma cidade, filme este que rendeu um prêmio no Festival de Veneza em 1936 pela grandiosidade com a qual Hitler é absurdamente idolatrado. Por sua natureza ideológica, manipuladora, a propaganda nazista preparava o espírito do povo alemão na amenização de qualquer culpa ao matar e eliminar qualquer elemento que não pertencesse à raça ariana. Os nazistas investiram toda sua artilharia na propaganda, até mesmo no aprisionamento dos judeus no campo de concentração de Auschwitz, onde na entrada do mesmo, lia-se a frase: Arbeit macht frei, O trabalho liberta. Uma forma de persuadir os judeus ao trabalho pesado na fabricação de armamentos, em busca da liberdade. Goebbels levava a sério a questão do 3 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 215.

imaginário e isso fez com que revelasse o poder que os meios de comunicação exerciam sobre a sociedade. Responsável pelo mito do Fuhrer e brilhante orador que movia multidões, Goebbels à frente do Ministério da Conscientização Pública e Propaganda, com suas técnicas de propaganda produziu uma significativa quantidade de filmes exaltando o racismo e o ódio a estrangeiros, mais especificamente, os judeus, a quem denominava culpados pela degradação da Alemanha. Um dos filmes produzidos pelo ministério de Goebbels foi O Judeu Eterno (1940), dirigido por Fritz Hipple a pedido do ministro, mostrando os judeus como parasitas da sociedade germânica, a fim de provocar nos alemães sentimentos como a repulsa pelos mesmos, facilitando assim, o holocausto. O objetivo principal desses filmes longa metragens, documentários, era enaltecer a imagem de Hitler como um herói da nação ariana, onde Berlim seria a cidade redentora de uma raça pura, um mundo sem imperfeições, onde ciganos, homossexuais, deficientes, doentes mentais, negros, estrangeiros e especificamente judeus não teriam um lugar, pois, para os nazistas, os judeus eram tratados como uma questão de saúde pública. O conceito de identidade trabalhado por Stuart Hall em A identidade cultural na pós-modernidade mostra a necessidade de achar um inimigo para que as massas identificassem e se unissem para destruí-lo. 7 Os nazistas encontraram nos judeus e nos comunistas esses inimigos por sofrerem preconceitos ao longo do tempo. O reagrupamento dos judeus nos campos de concentração com o apoio dos governos locais só foi possível, segundo Bauman, graças ao aparato burocrático eficiente que buscava pessoas que se mostrassem como inimigos do III Reich, depois na expulsão dos mesmos do território alemão. Através da política do medo, não somente por parte dos que foram perseguidos, mas também da própria população alemã, Hitler põe seu deturpado conceito de identidade alemã levando para o mundo os horrores de um conflito provocado pela modernidade.

BELEZA E PROPAGANDA Goebbels cuidava para que cada detalhe não passasse despercebido, toda manifestação era cuidadosamente preparada. Do rufar dos tambores que acompanhavam Hitler nos congressos do partido, aos jogos de luz, dos elaborados discursos de Hitler, a repetição incansável da suástica, das convenções nazistas, aos comícios e desfiles, verdadeiros espetáculos de ordem e organização, tudo tinha uma razão de ser: vender um pacote de idéias nazistas. O projeto de Goebbels foi grandioso e revolucionário, pois fez de um chefe de Estado um ilustre e inesquecível personagem de cinema, pensando nas aparições, aparência e encenações. Hitler foi um ator dirigido por Goebbels, que comandou ações que marcaram para sempre a propaganda política do século XX. Uma Alemanha muito mais forte e bonita, essa era a aspiração do III Reich. No documentário Arquitetura da Destruição é possível observar que padrão estético é o principal objetivo da propaganda nazista. Hitler mostra sua frustração com o mundo, sua vontade de mudá-lo, pois para ele, somente a arte clássica poderia ser considerada arte, excluindo assim, tudo o que não fosse clássico como arte. Artistas judeus foram banidos por retratarem, para os nazistas uma arte que mostrasse o feio e o degenerado. 8 A partir daí, Hitler estabeleceu o que seria belo e feio, limpo e sujo, associando essas características aos povos alemães e doentes mentais, miscigenados entre eles, o povo judeu. O uso da propaganda foi sem dúvida o principal responsável pela glória dos ideais nazistas através da influência estética que apresentava. Obcecado pelo maestro, compositor e diretor de teatro alemão Richard Wagner, Hitler absorveu como princípio político o antissemitismo e a superioridade de um sangue puro. Hitler e Wagner tinham ideias em comum, pois ambos criticavam a contemporaneidade, defendendo a criação de uma identidade capaz de formar uma nova sociedade. Wagner denunciava a judaização na arte moderna exaltando o antissemitismo. Hitler utilizava a ópera Rienzi na abertura dos congressos do partido nazista, nas escolas alemãs e até mesmo nos campos de concentração. Virilidade, força, beleza e saúde eram palavras de ordem nos discursos propagandísticos do nazismo.

O maior princípio da beleza é a saúde. Acreditando piamente nisso, o extermínio de doentes mentais e deficientes físicos seria justificado através da propagação da idéia de que essas pessoas denegriam a imagem da nação alemã diante do mundo. A partir disso, o Fuhrer assumiu uma postura messiânica de um artistapolítico que mudaria um mundo. Essas indagações sobre uma Alemanha esteticamente melhor não se restringiam apenas aos judeus. É certo que eles foram os mais perseguidos, entretanto, o holocausto nos diz Bauman (1998 p.12), faz parte da história judaica, mas não é uma questão judaica. Doentes mentais e pessoas com deficiência física foram os primeiros a serem sacrificados pelos nazistas, que justificavam suas mortes como um alívio econômico para o Estado. Elaborou-se no presente estudo um panorama da Alemanha nazista e a utilização da comunicação como arma propagandística. As idéias aqui lançadas mostram a estética na propaganda política como fonte de poder para conseguir a adesão de indivíduos a uma determinada causa nacional, tal como na Alemanha nazista. 9 As imagens utilizadas com o apoio do discurso, repetidamente implantadas através dos meios de comunicação como o cinema, tornaram-se persuasivas e convincentes na união de uma nação por um padrão estético. Ideologias de Estados totalitários como a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini têm na comunicação caráter persuasivo para a implantação na sociedade de ideais que favoreçam os interesses do próprio Estado. A globalização atrelada à cultura do medo, a qual se aproxima do método de propaganda utilizado por Hitler, revela os valores políticos colocados acima da vontade dos cidadãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 16. ed. São Paulo: Ática, 2004. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HITLER, Adolf. Mein Kampf. Alemanha: Eher Verlag, 1925. SANT ANNA, Armando. Propaganda, teoria, técnica, prática. 7. ed. São Paulo: Pioneira, 1998. FONTES ICONOGRÁFICAS O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens) Leni Rienfenstahl, Nuremberg, Alemanha,1934. Arquitetura da Destruição (Undergangens Arkitektur) Peter Cohen, Suécia, 1989. 10