A Aerodinâmica da Bola de Futebol



Documentos relacionados
A Aerodinâmica da Bola de Futebol

Aerodinâmica da Bola de Futebol: da Copa de 70 à Jabulani

Dinâmica de uma Bola: a outra Crise do Futebol

Forças aerodinâmicas no Futebol. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

Mecânica dos Fluidos Aplicado MFA - AULA 07 Arrasto e Sustentação

DINÂMICA DE UMA BOLA: A OUTRA CRISE DO FUTEBOL

A unidade de freqüência é chamada hertz e simbolizada por Hz: 1 Hz = 1 / s.

RESPOSTA: C. a) só a I. b) só a II. c) só a III. d) mais de uma. e) N.d.a. RESPOSTA: C

Exercícios de Física Análise Dimensional

Equações Constitutivas para Fluidos Newtonianos - Eqs. de Navier- Stokes (cont.):

XXVII CPRA LISTA DE EXERCÍCIOS FÍSICA (CINEMÁTICA)

Turbina eólica: conceitos

Fenómenos de Transferência I

a) o módulo da aceleração do carrinho; (a c = 0,50 m/s) b) o módulo da aceleração do sistema constituído por A e B; (a = 4,0 m/s 2 )

Escola Secundária Dom Manuel Martins

Ponto de Separação e Esteira

Equação de Bernoulli. Vamos considerar um fluido com densidade ρ constante, em escoamento estacionário em uma tubulação sem derivações (Fig.18).

Para cada partícula num pequeno intervalo de tempo t a percorre um arco s i dado por. s i = v i t

FÍSICA - 1 o ANO MÓDULO 27 TRABALHO, POTÊNCIA E ENERGIA REVISÃO

considerações a priori

Física 2 - Termodinâmica

Introdução ao Projeto de Aeronaves. Aula 9 Análise Aerodinâmica da Asa


Vestibular Nacional Unicamp ª Fase - 13 de Janeiro de Física

Desafio em Física 2015 PUC-Rio 03/10/2015

Escoamentos externos. PME2230 Mecânica dos Fluidos I

Suponha que a velocidade de propagação v de uma onda sonora dependa somente da pressão P e da massa específica do meio µ, de acordo com a expressão:

Aula 1 Óptica geométrica, propagação retilínea e refração da luz

Seja a função: y = x 2 2x 3. O vértice V e o conjunto imagem da função são dados, respectivamente, por: d) V = (1, 4), Im = {y y 4}.

LEIS DE NEWTON. a) Qual é a tensão no fio? b) Qual é a velocidade angular da massa? Se for necessário, use: sen 60 = 0,87, cos 60 = 0,5.

1ª lei de Newton (Lei da Inércia)

Disciplina: Camada Limite Fluidodinâmica

Posição Angular. Dado um corpo rígido executando um movimento circular em torno de um eixo fixo: Unidades: [θ]=rad. πrad=180.

Capítulo 13. Quantidade de movimento e impulso

FÍSICA. Adote a aceleração da gravidade g = 10 m/s 2.

Caro (a) Aluno (a): Este texto apresenta uma revisão sobre movimento circular uniforme MCU. Bom estudo e Boa Sorte!

Física Legal.NET O seu site de Física na Internet

Apostila de Física 31 Hidrostática

LISTA DE EXERCÍCIOS DE FÍSICA

Laboratório de Física I. Experiência 3 Determinação do coeficiente de viscosidade de líquidos. 26 de janeiro de 2016

Exercícios Selecionados de Física

PROPRIEDADES DOS FLUÍDOS

Sempre que há movimento relativo entre um corpo sólido e fluido, o sólido sofre a ação de uma força devido a ação do fluido.

Experimento I - Estudo de queda de corpos: Viscosidade II

GUSTAVO MOTTA RUBINI A DINÂMICA DA BOLA DE FUTEBOL

Transferência de energia sob a forma de calor

Convecção Forçada Externa

Escoamentos Externos

Aula de Exercícios Recuperação Paralela (Leis de Newton)

A atmofera em movimento: força e vento. Capítulo 9 - Ahrens

Mecânica Geral. Aula 04 Carregamento, Vínculo e Momento de uma força

Fenômenos de Transporte

Mecânica Geral. Aula 05 - Equilíbrio e Reação de Apoio

A aerodinâmica da bola de futebol (Aerodynamics of the soccer ball)

Lista de Exercícios - Aula 02 Aplicações das Leis de Newton

IF/UFRJ Introdução às Ciências Físicas 1 1 o Semestre de 2011 AP3 de ICF1 e ICF1Q

Viscosidade Viscosidade

v = velocidade média, m/s; a = aceleração média do corpo, m/s 2 ;

Mecânica Geral. Apostila 1: Momento Linear. Professor Renan Faria

Se a força de tração de cálculo for 110 kn, a área do tirante, em cm 2 é A) 5,0. B) 4,5. C) 3,0. D) 2,5. E) 7,5.

ESTE Aula 1- Introdução à convecção. A camada limite da convecção

Física 2 - Termodinâmica

VIII Olimpiada Iberoamericana de Física - Prova Teórica - 22 Setembro 2003

Conceitos Fundamentais. Viscosidade e Escoamentos

Adaptado de Serway & Jewett Marília Peres Marília Peres

FÍSICA - 1 o ANO MÓDULO 30 QUANTIDADE DE MOVIMENTO E IMPULSÃO REVISÃO

1 02 Fl F u l i u d i os o,, At A m t os o fe f ra r,, E scoa o ment n o t Prof. Diego Pablo

aplicada no outro bloco exceder o valor calculado na alínea 4.1? R: 16 N; 2 ms -2 ; 1 ms -2

Lista Extra de Física ºano Professora Eliane Korn. Dilatação, Temperatura, Impulso e Quantidade de movimento

FISICA NOS JOGOS DE FUTEBOL

a) N B > N A > N C. b) N B > N C > N A. c) N C > N B > N A. d) N A > N B > N C. e) N A = N C = N B.

Física II Ondas, Fluidos e Termodinâmica USP Prof. Antônio Roque Aula 14

1 05 Voo o Ho H r o i r z i o z n o t n al, l, Voo o Pla l na n do, o, Voo o As A cend n ent n e Prof. Diego Pablo

17 A figura representa uma demonstração simples que costuma ser usada para ilustrar a primeira lei de Newton.

Apostila 1 Física. Capítulo 3. A Natureza das Ondas. Página 302. Gnomo

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Departamento de Física - ICE/UFJF Laboratório de Física II

DETERMINAÇÃO EXPERIMENTAL DA VISCOSIDADE CINEMÁTICA E DINÂMICA ATRAVÉS DO VISCOSÍMETRO DE STOKES

FENÔMENOS DE TRANSPORTE

-

MECÂNICA - DINÂMICA APLICAÇÃO DAS LEIS DE NEWTON BLOCOS

Tubo de Pitot. Usado para medir a vazão; Vantagem: Menor interferência no fluxo; Empregados sem a necessidade de parada;

LISTA DE EXERCÍCIOS FENÔMENOS DE TRANSPORTE - ESTÁTICA DOS FLUIDOS -

Modelo para nadar: os segredos da pele de tubarão

Professora Florence. 2. (G1 - utfpr 2012) Associe a Coluna I (Afirmação) com a Coluna II (Lei Física).

Folga Axial Diâmetro do fuso (mm) ɸ14,0 ~ ɸ28,0 ɸ30 ~ ɸ32,0 ɸ36 ~ ɸ45,0 ɸ50 Folga axial máxima (mm) 0,10 0,14 0,17 0,20

Relatório Preliminar Experimento 6.2 Reologia

Disciplina Física 1. Prof. Rudson R. Alves Bacharel em Física pela UFES Mestrado IFGW UNICAMP. Prof. da UVV desde 1998 Engenharias desde 2000

Sumário. Da Terra à Lua. Movimentos no espaço 02/11/2015

1.3.1 Princípios Gerais.

MARINHA DO BRASIL DIRETORIA DE ENSINO DA MARINHA (CONCURSO PUBLICO PARA INGRESSO NO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA / CP-CEM/2016)

LISTA 03. Trabalho, energia cinética e potencial, conservação da energia

AULA A 1 INTRODUÇÃ INTR O ODUÇÃ E PERDA D A DE CARGA Profa Pr. C e C cília cília de de Castr o Castr o Bolina.

1ª Aula do Cap. 08. Energia Potencial e Conservação de Energia

Física Experimental - Mecânica - Conjunto para mecânica com painel multiuso - EQ032G.

1º ANO 18 FÍSICA 1º Lista

A FÍSICA ONTEM E HOJE JUNHO DE 2014

Capítulo 3. Introdução ao Movimento dos Fluidos

Resistência dos Materiais

IMPULSO E QUANTIDADE DE MOVIMENTO

Transcrição:

A Aerodinâmica da Bola de Futebol Carlos Eduardo Aguiar Instituto de Física Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo Motivação Resistência do ar A crise aerodinâmica Força de Magnus O gol que Pelé não fez Futebol no computador Comentários finais C.E.A. e Gustavo Rubini, A aerodinâmica da bola de futebol Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 297 (2004) C.E.A. e Gustavo Rubini, A crise da velocidade terminal Anais do XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (2005)

Porque estudar a física da bola de futebol? A física dos esportes atrai muitos estudantes (e professores) e tem um potencial pedagógico ainda pouco explorado. As forças aerodinâmicas que agem sobre a bola têm origem em fenômenos que são encontrados em um grande número de situações práticas.

A força de arrasto arrasto F a velocidade V F a = 1 2 C a ρ A V 2 ρ = densidade do meio A = área frontal C a = coeficiente de arrasto

O coeficiente de arrasto ρav 2 tem dimensão de força C a = F a / (½ ρav 2 ) é adimensional C a só pode depender de quantidades sem dimensão Em um fluido incompressível (V<<Vsom) a única quantidade adimensional é o número de Reynolds: Re ρ = DV η C a = f (Re) D = dimensão característica (diâmetro da bola), η = viscosidade do meio

Coeficiente de arrasto de uma esfera viscosidade domina Stokes inércia domina crise

Primeiras medidas e idéias sobre o arrasto curva experimental moderna medidas de Newton Principia, livro 2 água ar teoria de Newton G.E. Smith, Newton s Study of Fluid Mechanics, International Journal of Engineering Science 36 (1998) 1377-1390

Coeficiente de arrasto de uma esfera Re << 1 C a = 24/Re F a = (3πηD) V atrito linear Re = 0.16 (cilindro)

Coeficiente de arrasto de uma esfera 10 3 < Re < 10 5 C a 0,4-0,5 F a 0,2 ρav 2

Coeficiente de arrasto da bola de futebol Ar densidade: ρ 1,2 kg/m 3 viscosidade: η 1,8 10-5 kg m -1 s -1 Bola de futebol diâmetro: D = 0,22 m V bola = (6,7 10-5 m/s) Re resistência proporcional à velocidade (Re < 1) V bola < 0,1 mm/s atrito linear irrelevante!

Coeficiente de arrasto da bola de futebol V bola 0,1 m/s V bola 20 m/s CRISE Esfera lisa Na crise o coeficiente de arrasto diminui ~80%

A crise do arrasto 4 3 F A (N) 2 1 bola de futebol (lisa) 0 0 10 20 30 40 50 V (m/s)

Para entender a crise: Camada limite Separação da camada limite Turbulência na camada limite

A camada limite O fluido adere à superfície da bola. A viscosidade transmite parcialmente esta adesão, criando uma camada que tende a mover-se com a superfície. camada limite laminar camada limite turbulenta

Separação da camada limite H. Werlé

Separação da camada limite S. Taneda

A camada limite e a crise do arrasto Antes da crise Depois da crise camada limite laminar camada limite turbulenta

Rugosidade da bola A crise do arrasto ocorre mais cedo para esferas de superfície irregular. A rugosidade precipita a turbulência na camada limite. bola de golfe bola de futebol rugosa

O descolamento da camada limite e a força de arrasto Por que não é o lado afiado da asa que corta o ar?

O descolamento da camada limite e a força de arrasto

O descolamento da camada limite e a força de arrasto

O descolamento da camada limite e a força de arrasto

Alguns coeficientes de arrasto Carro esporte Carro de passeio Avião subsônico Paraquedista Homem ereto Cabos e fios Torre Eiffel 0.3 0.4 0.4 0.5 0.12 1.0-1.4 1.0 1.3 1.0 1.3 1.8 2.0 http://aerodyn.org/drag/

O efeito Magnus bola sem rotação rotação no sentido horário A rotação muda os pontos de descolamento da camada limite.

A força de Magnus F M 1 F M = CM ρ A rw 2 V C M = coeficiente de Magnus w = velocidade angular r = raio da bola C M ~ 1 (grande incerteza) ver por ex. K.I. Borg et al. Physics of Fluids 15 (2003) 736

Vórtices e Sustentação

O gol que Pelé não fez Brasil x Tchecoslováquia, Copa de 70 E, por um fio, não entra o mais fantástico gol de todas as Copas passadas, presentes e futuras. Os tchecos parados, os brasileiros parados, os mexicanos parados viram a bola tirar o maior fino da trave. Foi um cínico e deslavado milagre não ter se consumado esse gol tão merecido. Aquele foi, sim, um momento de eternidade do futebol. Nelson Rodrigues, À Sombra das Chuteiras Imortais

O gol que Pelé não fez Vídeo digitalizado e separado em quadros. A posição da bola foi determinada em cada quadro. Início e final da trajetória T [s] (X Y Z) [m] (Vx Vy Vz) [m/s] V [m/s] Θ [graus] Início 0,00 (-5,2-2,9 0,0) (27,8-0,4 8,8) 29,1 17,6 Final 3,20 (54,3 3,7 0,0) (15, 2-0,2-8,9) 17,6-30,2

O gol que Pelé não fez Z (m) 10 8 6 4 2 Pontos: dados extraídos do vídeo. Linha: cálculo com o modelo abaixo. 0 C C A M -10 0 10 20 30 40 50 60 Modelo: 0,5 V < V = 0,1 V > V = 1,0 X (m) crise crise Parâmetros ajustados: V crise = 23,8 m/s f = ω y /2π= - 6,84 Hz

Futebol no computador Simulação do chute de Pelé (o ponto marca o local da crise) O que ocorreria sem a crise do arrasto (V crise = ) O que ocorreria sem o efeito Magnus (f = 0)

Futebol no computador Sem a resistência do ar e o efeito Magnus (se o chute de Pelé fosse no vácuo)

Bolas de Efeito Trajetórias de bolas chutadas do mesmo ponto e com a mesma velocidade, mas com diferentes rotações em torno do eixo vertical.

A Folha Seca A folha seca (segundo Leroy*): Bola com eixo de rotação na mesma direção da velocidade inicial. * B. Leroy, O Efeito Folha Seca, Rev.Bras.Física 7, 693-709 (1977).

Geometria da bola de futebol Telstar 1970 32 gomos Teamgeist 2006 14 gomos Jabulani 2010 8 gomos

Teamgeist vs. Jabulani Teamgeist Jabulani

Comentários Finais A crise do arrasto e o efeito Magnus desempenham um papel importante na dinâmica da bola de futebol. Muitos fenômenos curiosos podem ser investigados com esses efeitos: a folha seca de Didi, por exemplo. Outros esportes com bola (vôlei, tênis) podem ser tratados de forma semelhante. Potencial pedagógico: Física do cotidiano Fenômenos importantes em outros contextos Motivação para o estudo de dinâmica de fluidos

Extras:

Deformação da bola e duração do chute 0 ms 4 ms 10 ms T. Asai

Deformação da bola...

Vórtices e Sustentação