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Perguntas e Respostas sobre Mudanças Climáticas Belém - Pará - Brasil - 2002-3
Autores 1 Georgia Carvalho 2, Marcio Santilli 2, Paulo Moutinho 2 e Yabanex Batista 3 Capa e ilustrações Maclei Souza e Fabricio Piani Diagramação eletrônica Fabricio Piani Impressão MGM Gráfica e Editora Agradecimentos Os autores agradecem à Flavia Frangetto, Liana Rodrigues e ao Marco Bueno pelos comentários e sugestões ao manuscrito. Apoio Fundação Ford, Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) 1 Lista de autores em ordem alfabética. 2 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia IPAM e The Woods Hole Research Center. 3 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia IPAM. 4
Perguntas e Respostas sobre Mudanças Climáticas Apresentação OOs termos mudanças climáticas e aquecimento global já começam a fazer parte do vocabulário diário da sociedade brasileira. Nas escolas e através da imprensa estamos sendo bombardeados constantemente com informações relacionadas a estes temas. Ouvimos falar em como a temperatura do planeta está aumentando e das conseqüências catastróficas deste aumento para a vida de todos nós. Somos informados sobre tratados e conferências internacionais que procuram uma solução para a questão climática e sobre o papel do governo brasileiro neste âmbito. Contudo, tais informações geralmente chegam até nós sem uma seqüência lógica que nos permita realmente compreender como se dá o processo de mudança climática e quais os seus efeitos. Não sabemos ao certo o que está sendo feito para enfrentar o problema, deixando sem resposta inúmeras perguntas relacionadas a este tão importante assunto. Neste sentido, esta cartilha, elaborada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), tem como objetivo oferecer ao público em geral as informações básicas sobre os aspectos científicos e políticos relacionados à questão das mudanças climáticas de uma maneira simples e interessante. Organizada em forma de perguntas e respostas, esta cartilha contém esclarecimentos quanto às dúvidas mais freqüentes sobre o assunto e sua relevância para o Brasil e seu povo. Esperamos que esta seja uma contribuição para o melhor entendimento das alterações climáticas que o planeta enfrenta e sirva de instrumento de sensibilização da opinião pública para que esta se engaje definitivamente na discussão da questão. 5
1. O que é o efeito estufa? A atmosfera, a camada de ar que envolve o planeta Terra, é constituída por vários gases. Os principais são o Nitrogênio (N 2 ) e o Oxigênio (O 2 ) que, juntos, compõem cerca de 99% da atmosfera. Alguns outros gases encontram-se presentes em pequenas quantidades, incluindo os conhecidos como gases de efeito estufa. Dentre estes gases, estão o dióxido de carbono (CO 2 ), o metano (CH 4 ), o óxido nitroso (N 2 O) e também o vapor d água. Esses gases são denominados gases de efeito estufa por terem a capacidade de reter o calor na atmosfera, do mesmo modo que o revestimento de uma estufa para cultivo de plantas. O efeito estufa é um fenômeno natural. O vapor d água e o dióxido de carbono têm a propriedade de permitir que as ondas eletromagnéticas que chegam do Sol atravessem a atmosfera e aqueçam a superfície terrestre. Contudo, esta mesma camada dificulta a saída da radiação infravermelha emitida pela Terra. Isso impede que ocorra uma perda demasiada de calor irradiado para o espaço, especialmente à noite, mantendo, assim, a Terra aquecida. Esse fenômeno acontece há milhões de anos e é necessário, pois sem ele a temperatura média da Terra seria 33ºC mais baixa e a vida no planeta, tal como a conhecemos, não seria possível. 6
2. O que é mudança climática global ou aquecimento global? Quando falamos em mudança climática e em aquecimento global, estamos nos referindo ao incremento, além do nível normal, da capacidade da atmosfera em reter calor. Isso vem acontecendo devido a um progressivo aumento na concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera nos últimos 100 anos. Tal aumento tem sido provocado pelas atividades do homem que produzem emissões excessivas destes gases. Esse aumento no efeito estufa poderá ter conseqüências sérias para a vida na Terra no futuro próximo, como veremos adiante. Entre os gases do efeito estufa que estão aumentando de concentração, o dióxido de carbono (CO 2 ), o metano e o óxido nitroso são os mais importantes. Devido à quantidade com que é emitido, o CO 2 é o gás que tem maior contribuição para o aquecimento global. Suas emissões representam aproximadamente 55% do total das emissões mundiais de gases do efeito estufa. O tempo de sua permanência na atmosfera é, no mínimo, de cem anos. Isto significa que as emissões de hoje têm efeitos de longa duração, podendo resultar em impactos no regime climático ao longo de séculos. Por sua vez, a quantidade de metano emitida para atmosfera é bem menor, mas seu poder estufa (potencial de aquecimento) é vinte vezes superior ao do CO 2. No caso do óxido nitroso e dos clorofluorocarbonos, suas concentrações na atmosfera são ainda menores. No entanto, o poder estufa desses gases é 310 e 6200-7100 vezes maior do que aquele do CO 2, respectivamente. Como visto acima, todos os gases de efeito estufa são importantes no processo de aquecimento da terra, mas nesta cartilha a ênfase será dada ao CO 2, por ser este o gás emitido em maior quantidade para a atmosfera. 7
O carbono é um elemento básico na composição dos organismos, tornando-o indispensável para a vida no planeta. Este elemento é estocado na atmosfera, nos oceanos, solos, rochas sedimentares e está presente nos combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural). Contudo, o carbono não fica fixo em nenhum desses estoques. Existe uma série de interações por meio das quais ocorre a transferência de carbono de um estoque para outro (fluxos), como mostra a figura abaixo. Muitos organismos nos ecossistemas terrestres e nos oceanos, como as plantas, absorvem o carbono encontrado na atmosfera na forma de dióxido de carbono (CO 2 ). Esta O Ciclo de Carbono absorção se dá através do processo de fotossíntese. Por outro lado, os vários organismos, tanto plantas como animais, liberam carbono para a atmosfera mediante o processo de respiração. Existe ainda o intercâmbio de carbono entre os oceanos e a atmosfera por meio da difusão. A liberação de carbono via queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra (desmatamentos e queimadas, principalmente) impostas pelo homem constituem outro fluxo entre os estoques de carbono e tem um papel fundamental na mudança do clima do planeta. O aumento anual líquido de carbono oriundo das atividades humanas é de aproximadamente 3 bilhões de toneladas. Fonte: adaptado de Houghton, R.A. e Woodwell, G.M. 1989. Global Climatic Change. Scientific American, 260 (4) 36-44 8
3. Quais são as principais fontes de gases de efeito estufa decorrentes das atividades humanas? O excesso de dióxido de carbono que atualmente é lançado para a atmosfera resulta da queima de combustíveis fósseis (gás natural, carvão mineral e, especialmente, petróleo) principalmente pelo setor industrial e de transporte. Além disso, reservatórios naturais de carbono e os sumidouros (ecossistemas com a capacidade de absorver CO 2 ) também estão sendo afetados por ações antrópicas. No caso das florestas, um estoque natural de carbono, o desmatamento e as queimadas estão contribuindo para o efeito estufa, uma vez que liberam principalmente CO 2 para a atmosfera A concentração de CO 2 na atmosfera começou a aumentar no final do século XVIII, quando ocorreu a revolução industrial, a qual demandou a utilização de grandes quantidades de carvão mineral e petróleo como fontes de energia. Desde então, a concentração de CO 2 passou de 280 ppm (partes por milhão) no ano de 1750, para os 368 ppm atuais, representando um incremento de aproximadamente 30%. Este acréscimo na concentração de CO 2 implica no aumento da capacidade da atmosfera em reter calor e, consequentemente, da temperatura do planeta. As emissões de CO 2 continuam a crescer e, provavelmente, a concentração deste gás poderá alcançar 550 ppm por volta do ano 2100. Entre as fontes de outros gases de efeito estufa podemos citar os fertilizantes utilizados na agricultura que liberam óxido nitroso (N 2 O), a produção e transporte de gás e petróleo, arrozais e os processos digestivos de ruminantes que emitem metano (CH 4 ) e os condicionadores de ar e refrigeradores que emitem clorofluorcarbonos (CFCs). Emissões globais de carbono para a atmosfera 75% Queima de combustível 25% Mudança de uso de solo Fonte: UNFCCC 9
4. Quais são as projeções de aquecimento para o futuro? Como resultado do aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, a temperatura média global deverá aumentar, tomando como base o ano de 1990, entre 1,4 e 5,8 C até o ano de 2100, o que representa um aumento maior e mais rápido do que inicialmente projetado pelos primeiros modelos climatológicos (1,5 a 3,5 C). Segundo o modelo do Centro de Estudos de Hadley, na Inglaterra, o Brasil sofreria um aumento médio de 2 a 3 C, o que traria graves conseqüências para os seus ecossistemas, com perda de habitats e espécies. O nível do mar também subiria, afetando a vida costeira. Fonte: HadCM2 Is92a ( Hadley Centre for Climate Prediction and Research, IPCC ) 10
5. O aquecimento global já começou? A evidência científica indica que sim, pois já se observa o aumento de temperatura do planeta. Nos últimos cem anos, a temperatura média aumentou entre 0,4 e 0,8 C, e as décadas de 80 e 90 foram as mais quentes do século XX. Apesar do clima variar naturalmente, resultados de pesquisas e modelos de simulação mostram que este aumento é devido, em grande parte, às atividades humanas. Ainda existe alguma incerteza científica sobre de que modo a mudança climática global vai afetar a vida na Terra, mas há um consenso cada vez mais forte entre cientistas de que estas alterações climáticas já estão ocorrendo. Fonte: UCAR & NOAA. Outono 1997. Reports to the Nation on Our Changing Climate 11
Concentração de CO 2 na atmosfera terrestre Fonte: adaptado de www.grid.no 6. Quais serão os impactos prováveis destas mudanças a nível global? AAlém do aumento da temperatura no planeta, veja abaixo alguns dos impactos previstos como conseqüência das mudanças climáticas: eventos climáticos extremos: deverá ocorrer um aumento na freqüência e intensidade de eventos climáticos extremos, tais como enchentes, tempestades, furacões e secas. Ainda o El Niño, um evento climático que ocorre regularmente a cada 5 a 7 anos, poderá se tornar mais intenso e freqüente, provocando seca severa no norte e nordeste e chuvas torrenciais no sudeste do Brasil oceanos e áreas litorâneas: o nível do mar deverá subir entre aproximadamente 10 e 90cm até o ano 2100, o que implicaria no desaparecimento de muitas ilhas (em alguns casos países inteiros) e várias áreas costeiras, além de causar enchentes e erosão. recursos hídricos: ocorrerá mudanças no regime das chuvas, onde áreas áridas poderão se tornar ainda mais secas. Poderá ocorrer também o avanço de água salgada nas áreas de foz de rios, além de escassez de água potável. No nordeste brasileiro por exemplo, as chuvas poderão diminuir em até 25%. 12
diversidade biológica e função ecológica de ecossistemas: a composição e a distribuição de espécies poderá ser alterada com prejuízos diretos para a biodiversidade e muitos ecossistemas terão dificuldades de adaptação às novas condições climáticas, resultando em alterações drásticas no modo como funcionam e estão estruturados. Ainda poderão ocorrer uma diminuição da criosfera (áreas com neve e geleiras permanentes) e impactos negativos em ecossistemas como os desertos, áreas pantanosas, florestas, montanhas e marinhos. O ártico já perdeu 6% de sua superfície de gelo entre 1978 e 1996. Algumas espécies de borboletas estão migrando, e, em alguns casos, já estão em áreas 95 km ao norte da área que ocupavam há 100 anos. agricultura: nas regiões subtropicais e tropicais a mudança nas condições climáticas poderá modificar significativamente a vocação agrícola de uma região; na medida em que a temperatura mudar, algumas culturas e zonas agrícolas migrarão para regiões com clima mais temperado, ou com maior nível de umidade no solo. Por exemplo, existem estudos que prevêem uma diminuição considerável da área de cultivo de café no estado de São Paulo, como mostra a figura abaixo. Fonte: Folha de São Paulo, página F1, 22/01/2002 saúde e bem-estar da população humana: deverá haver aumento na freqüência de doenças relacionadas ao calor (e.g., insolação), e naquelas que são transmitidas por mosquitos (e.g.,. malária, dengue). Acrescenta-se a isso a possibilidade de ocorrer o deslocamento da população humana em função das alterações no clima. Acredita-se que as classes mais empobrecidas e vulneráveis dos países em desenvolvimento seriam as mais afetadas, uma vez que teriam recursos limitados para se adaptar às mudanças climáticas. 13
7. Quem são os grandes emissores de gases de efeito estufa? Historicamente, os países industrializados têm sido responsáveis pela maior parte das emissões globais de gases de efeito estufa. Contudo, na atualidade, vários países em desenvolvimento, entre eles China, Índia e Brasil, também se encontram entre os grandes emissores. No entanto, numa base per capita, os países em desenvolvimento continuam tendo emissões consideravelmente mais baixas do que os países industrializados. Na fonte da emissão também pode se observar um padrão global. Enquanto a maior parte das emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis provém dos países industrializados, as emissões decorrentes das mudanças no uso da terra tem como seus maiores responsáveis os países em desenvolvimento. Fonte: UNFCCC 14
8. Qual a contribuição do Brasil para as mudanças climáticas? E qual o perfil das emissões brasileiras? EEstima-se que, em 1998, o Brasil tinha emitido, pelo menos 285 milhões de toneladas de carbono, das quais cerca de 85 milhões* resultaram da queima de combustíveis fósseis (71% do uso de combustíveis líquidos e 15,6% da queima de carvão mineral, 4% de gás natural). Esse número é relativamente baixo quando comparado às emissões provenientes de queima de combustíveis fósseis de outros países. Isto é devido ao fato de que a matriz energética brasileira é considerada relativamente limpa pelos padrões internacionais uma vez que se baseia na energia hidrelétrica (renovável). No entanto, a maior parte das emissões do Brasil (2/3) vem de atividades de uso da terra, tais como o desmatamento e as queimadas. Atualmente, as emissões brasileiras representam cerca de 3% das emissões globais, mas o nível de emissões do Brasil tende a aumentar, pois o Governo Federal pretende construir termelétricas em resposta à recente crise de energia pela qual o país atravessou. Emissões brasileiras de carbono para a atmosfera 30% Queima de combustível 70% Mudança de uso do solo Fonte: Houghton, R.A, D. Skole & C. Nobre. 2000. Annual fluxes of carbon from deforestation and regrowth in the Brazilian Amazon. Nature, 403:301-304 * Os dados do ano 2000 mostram que este valor aumentou para 95,1 milhões de toneladas 15
Fonte: www.eia.doe.gov 9. Quem realiza as pesquisas sobre mudanças climáticas e seus efeitos? Estas pesquisas são confiáveis? O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (mais conhecido pela sigla IPCC) é reconhecido como a maior autoridade mundial em questões climáticas. Estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o IPCC tem o objetivo de melhorar o nível de entendimento científico sobre mudança climática e é aberto à participação de todos os países membros das Nações Unidas. Seu papel é o de analisar as informações científicas, técnicas e sócio-econômicas relevantes para o entendimento do processo de mudança climática e seus efeitos. Periodicamente, o IPCC compila e publica os dados disponíveis na literatura científica, oferecendo informações sobre estimativas de aumento da temperatura e dos efeitos das mudanças climáticas. Este órgão subsidia os governos e os grupos de técnicos envolvidos nos debates sobre as alterações do clima e nas negociações internacionais para mitigá-las. Também permite ao público em geral ter acesso a um grande volume de informações cientificas através de publicações mais acessíveis. O processo de revisão dos dados do IPCC é feito de forma transparente e com a participação de cientistas e especialistas do mundo inteiro e é considerado de grande confiabilidade. 16
10. Existe algum acordo internacional que trata da questão climática? Depois de fazer uma primeira avaliação da situação climática em 1990, o IPCC recomendou a criação de uma Convenção que estabelecesse a base para cooperação internacional sobre as questões técnicas e políticas relacionadas ao aquecimento global. Assim, se iniciou um processo de consulta e negociações que resultou, em 9 de maio de 1992, em Nova York, na finalização do texto da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC), antes mesmo da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992, quando foi aberta à assinatura. A UNFCCC foi assinada e ratificada por mais de 175 países. Em 1997, durante a Terceira Conferência das Partes da UNFCCC, o Protocolo de Quioto foi elaborado com o objetivo de alcançar metas específicas de redução de emissões de seis dos gases causadores do efeito estufa: dióxido de carbono (CO 2 ), metano (CH 4 ), óxido nitroso (N 2 O), hexafluoreto de enxofre (SF 6 ), hidrofluorcarbonos (HFCs) e perfluorcarbonos (PFCs). No entanto, até junho de 2002 o Protocolo ainda não havia entrado em vigor. 17
11. Qual é o objetivo da Convenção Quadro sobre Mudança Climática (UNFCCC)? Neste acordo, a comunidade internacional: reconheceu as mudanças climáticas como um problema ambiental real e global; reconheceu o papel das atividades humanas nas mudanças climáticas e a necessidade de cooperação internacional no assunto; estabeleceu como objetivo final a estabilização dos gases de efeito estufa em um nível no qual a atividade humana não interfira com o sistema climático, ou no qual as mudanças no clima ocorram lentamente de modo a permitir a adaptação dos ecossistemas, além de assegurar que a produção de alimentos e que o desenvolvimento econômico sigam de uma maneira sustentável. Portanto, esta Convenção reconhece a necessidade de modificar substancialmente o comportamento das sociedades, já que a base econômica e produtiva atual depende de atividades (industriais e de transportes) que emitem gases de efeito estufa. Apesar da grande resistência por parte de alguns países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, foi acordado que o princípio básico da convenção é o da responsabilidade comum porém diferenciada. Este princípio estabelece a necessidade de que todos os países devem dividir entre si os custos com as ações que visem a redução das emissões. Contudo, cabe aos países desenvolvidos assumir os primeiros compromissos, uma vez que historicamente são eles os grandes emissores e apresentam maior capacidade econômica para suportar tais custos. 18
12. O que são as Conferências das Partes? Com a entrada em vigor da Convenção do Clima em 1994, representantes dos países signatários da UNFCCC passaram a se reunir anualmente para discutir o progresso de sua implementação. Estes encontros são chamados de Conferências das Partes (COPs). Neste caso, Parte é o mesmo que país e a COP constitui o orgão supremo da Convenção. O processo de negociação de metas e prazos específicos para a redução de emissões de gases estufa para os países desenvolvidos (conhecidos como países do Anexo I) teve início já na COP-1 em 1995, ocasião em que foi proposta a constituição de um protocolo e decisões sobre o acompanhamento das obrigações da Convenção. Em 1996, durante a COP-2, por meio da Declaração de Genebra, foi acordado a criação de obrigações legais de metas de redução. Tal processo de negociação culminou na COP-3 com a adoção do Protocolo de Quioto, em 1997, o qual estabelece metas de redução de gases de efeito estufa para alguns países. Em 1998, na COP-4 foi elaborado o Plano de Ação de Buenos Aires, o qual visava um plano de trabalho para implementar e ratificar o Protocolo de Quioto. As COP-5, 6 e 7, realizadas em Bonn, Haia/Bonn, e Marrakesh, respectivamente, procuraram terminar os trabalhos estipulados no plano de ação de Buenos Aires. No que se refere à COP-6, as negociações foram suspensas devido a ausência de acordo entre, especificamente, a União Européia e os Estados Unidos em assuntos relacionados a sumidouros e às atividades de mudança do uso da terra. A retomada das negociações se deu com a COP 6 ½ em junho de 2001. Porém, os Estados Unidos já haviam se retirado do processo de negociação, sob a alegação de que os custos para a redução de emissões seriam muito elevados para a economia americana, bem como contestavam a não existência de metas para os países do sul, em especial grandes emissores como China, Índia e Brasil. Quanto aos resultados das negociações da COP 6 ½ e COP 7, houve a aceitação de que os sumidouros fossem descontados para efeito dos cálculos de emissões e computados para efeito de compensações para os países desenvolvidos. 19
13. Qual o objetivo do Protocolo de Quioto e quais são as metas específicas com as quais os países se comprometeram? E para quem elas valem? Meta de emissão O objetivo principal do Protocolo de Quioto foi o de estabelecer metas de redução de gases causadores do efeito estufa. para os principais países do Anexo I País Meta de Emissão O artigo 3.1 do Protocolo estabeleceu que os países do Anexo I, o qual inclui 40 países desenvolvidos e em transição para economias de mercado, deveriam reduzir suas emissões totais de Austrália +8% gases de efeito estufa, chegando a uma média de 5.2% abaixo Canadá - 6% das emissões de 1990 entre 2008 e 2012, período este conhecido como o primeiro período de compromisso. No entanto, há uma grande variação nas metas de cada país, indo de uma redução de 8% até um aumento de 10% do nível de emissões de 1990. Especificamente, estes países se comprometeram a: adotar, até o ano 2000, políticas nacionais e medidas Estados Unidos Nova Zelândia União Européia Japão Rússia - 7% 0% - 8% - 6% 0% que levem à redução das emissões de dióxido de carbono na * Para alguns países do Anexo I, como a Austrália, atmosfera aos níveis de 1990; Rússia e Nova Zelândia, o Protocolo de Quioto comunicar seus inventários nacionais de emissões discriminadas por tipo de fonte como também remoções dos gases aumentar ou permanecer com está, se comparado estabelece que seu nível de emissões poderá através dos sumidouros; ao nível de emissões de 1990, durante o primeiro submeter relatórios sobre políticas públicas e medidas período de compromissos. implementadas. Fonte: Protocolo de Quioto 20
Segundo o Protocolo, os países que não pertencem ao Anexo I, entre eles o Brasil, continuam, pelos termos deste instrumento, sem obrigação de reduzir suas emissões durante este primeiro período de compromisso, mas esta isenção poderá ser reavaliada no futuro. 14. Quando entrará em vigor o Protocolo de Quioto? PPara entrar em vigor, o Protocolo de Quioto precisa ser ratificado por pelo menos 55 Estados Partes da Convenção, englobando as Partes incluídas no Anexo I que contabilizaram no total pelo menos 55% das emissões totais de CO 2 em 1990 (artigo 25). Devido ao afastamento dos Estados Unidos das negociações e de sua negativa para a ratificação, quase todos os outros países do Anexo I precisam ratificar o Protocolo para que este entre em vigor. Isto se dá pelo fato de que somente os Estados Unidos são responsáveis por aproximadamente 36% das emissões totais do Anexo I, tomando por base o ano de 1990. Atualmente vários países, sob a liderança da União Européia, que já ratificou o Protocolo, assim como o Japão, estão pressionando a Rússia para ratificá-lo de modo a aumentar as suas chances de entrar em vigor em agosto/setembro de 2002, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a ser realizada em Joanesburgo, África do Sul. Contudo, mesmo com a entrada da Rússia, a meta de redução chegaria somente a cerca de 53%. Com o Canadá, a meta de 55% seria finalmente atingida (56,5%). 21
15. Como os países do Anexo I pretendem atingir as suas metas de redução de emissões estabelecidas pelo Protocolo? As metas de redução de emissões de CO 2 deverão ser alcançadas principalmente através de políticas públicas e regulamentações que limitem as emissões diretamente, ou que criem incentivos para melhor eficiência dos setores energético, industrial e de transporte, e que promovam maior uso de fontes renováveis de energia. Dentre as metas, os países do Anexo I poderão abater uma porção de suas metas por meio dos seus sumidouros, especificamente as florestas. Além das ações de caráter nacional, os países do Anexo I poderão cumprir parte de suas metas de redução através dos três mecanismos de flexibilização estabelecidos pelo Protocolo de Quioto e que estão descritos a seguir. Comércio de Emissões: Este mecanismo permite que dois países sujeitos a metas de redução de emissões (isto é, países do Anexo I) façam um acordo pelo qual o país A, que tenha diminuído suas emissões para níveis abaixo da sua meta, possa vender o excesso das suas reduções para o país B, que não tenha alcançado tal condição. Implementação Conjunta: Permitido entre países do Anexo I, onde um país A implementa projetos que levem à redução de emissões em um país B, no qual os custos com a redução sejam mais baixos. Por exemplo, se os japoneses têm um alto custo para reduzir suas emissões, estes poderiam implementar um projeto visando reduções na Alemanha. Estas reduções contariam como contribuição para a meta de redução do Japão. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: previsto no artigo 12 do Protocolo, será abordado no item seguinte. 22
16. O que é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo ou MDL? PPelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), os países do Anexo I poderão desenvolver projetos que contribuam para o desenvolvimento sustentável de países em desenvolvimento (não pertencentes ao Anexo I) de modo a ajudar na redução de suas emissões. Essas iniciativas gerariam créditos de redução para os países do Anexo I, e ao mesmo tempo ajudariam os países em desenvolvimento, pois estes se beneficiariam de recursos financeiros e tecnológicos adicionais para financiamento de atividades sustentáveis e da redução de emissões globais. Ressalta-se que as reduções obtidas deverão ser adicionais a quaisquer outras que aconteceriam sem a implementação das atividades do projeto. Os projetos também deverão oferecer benefícios reais, mensuráveis e a longo prazo para mitigação do aquecimento global. É interessante observar que há a possibilidade de utilizar as reduções certificadas de emissões obtidas durante o período 2000-2008 para auxiliar no cumprimento da redução estabelecida durante o período 2008-2012. O financiamento de atividades sustentáveis pelo MDL levaria a menos dependência de combustíveis fósseis nos países em desenvolvimento e, portanto, a menos emissões a longo prazo. Os projetos MDL poderão ser implementados nos setores energético, de transporte e florestal. Dentro do setor florestal, projetos de florestamento e reflorestamento poderão participar. No entanto, projetos que visam a redução do desmatamento e queimadas ou a conservação de florestas estão excluídos deste mecanismo até o momento (ver pergunta 19). 23
17. O que torna o MDL uma opção atrativa dentro do Protocolo de Quioto? NNos países em desenvolvimento, os custos relacionados à implementação de projetos que diminuam emissões de gases de efeito estufa são, em geral, menores do que nos países desenvolvidos. Isto torna o MDL atrativo para aqueles pertencentes ao Anexo I. Além disso, o MDL busca incentivar o desenvolvimento sustentável, levando à criação de novos mercados que valorizam a redução de emissões de gases de efeito estufa, e criando oportunidades para a transferência de tecnologia e novos recursos para países em desenvolvimento, como o Brasil. Mesmo assim, as expectativas são de que o MDL seja o menos utilizado dos mecanismos de flexibilização. Isso se deve ao fato dos Estado Unidos, maior investidor em potencial dos mecanismos, terem anunciado que não pretendem ratificar o Protocolo de Quioto antes de 2012, o que provoca uma diminuição da demanda por métodos alternativos para a redução de emissões por países do Anexo I. A participação do Brasil na Construção do MDL O MDL resultou de uma proposta brasileira de construção de um Fundo de Desenvolvimento Limpo. Este fundo seria alimentado por recursos oriundos de taxas que seriam impostas aos países do Anexo I que não cumprissem com as suas metas de redução. Os recursos arrecadados seriam utilizados para apoiar programas de adaptação e transferência de tecnologia nos países em desenvolvimento. Após negociações entre países do Anexo I e o Brasil, o texto foi modificado e ganhou características da Implementação Conjunta, se convertendo no que é hoje o MDL. 18. Como o Brasil poderia participar do MDL? O Brasil poderá se beneficiar do MDL tanto com projetos nos setores energético, de transporte e florestal. Exemplos de projetos no setor energético são: implementação de sistema de energia solar, eólica, co-geração através de processos químicos e de aproveitamento de biomassa. No setor florestal, pode-se falar em projetos de florestamento e reflorestamento, os quais permitem que o carbono, pelo crescimento das árvores, seja removido da atmosfera. Assim, a floresta plantada atuaria como um sumidouro de carbono ou promoveria, como tem sido usado, o seqüestro de carbono. Esse seqüestro é possível porque a vegetação realiza fotossíntese, processo durante o qual as plantas retiram carbono da atmosfera, em forma de CO 2, e o incorporam a sua biomassa (troncos, galhos e raízes). Exemplos de tais projetos são o reflorestamento, a silvicultura e o enriquecimento de florestas degradadas. 24