TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Sindical DO SALÁRIO IN NATURA E SUAS IMPLICAÇÕES TRABALHISTAS Guilherme Paes Barreto Brandão Advogado O salário in natura, ou salário-utilidade, é definido como parcela ou vantagem fornecida pelo empregador, em forma de utilidade, para o fim de acrescer a remuneração do trabalhador, seja pelo cargo ocupado, ou como modo de gratificá-lo pelo trabalho exercido. Determina o artigo 458, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): Art. 458 Além do pagamento, em dinheiro, compreendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. Há, portanto, previsão legal para que o empregador forneça utilidades ao empregado, como alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura, desde que, para a configuração da utilidade existam os seguintes critérios: a) habitualidade, explicitada no citado art. 458, posto que, se fornecida eventualmente, não poderá ser considerada salário in natura; b) gratuidade, visto que, sendo o salário-utilidade uma prestação fornecida gratuitamente ao empregado, possui a conotação de compensação econômica pelo trabalho realizado, ainda que fornecida gratuitamente. Nestas condições, é, sem dúvida, uma vantagem econômica adquirida pelo empregado, pois, de outro modo, teria, ele, de despender suas próprias reservas para adquirir a referida utilidade. O art. 82, da CLT, dispõe, ainda, que o empregador que fornecer parte do salário-mínimo como salário-utilidade terá de limitar o fornecimento deste em 70% (setenta por cento) do valor salarial, garantindo ao empregado o pagamento em dinheiro de, no mínimo, 30% (trinta por cento) do salário-mínimo. Todavia, esta regra deve ser aplicada proporcionalmente aos empregados que tiverem salário contratual superior ao mínimo. redigida: A Súmula nº 258, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), encontra-se assim Salário-utilidade. Percentuais. Salário-mínimo.
70 Os percentuais fixados em lei relativos ao salário in natura apenas se referem às hipóteses em que o empregado percebe salário-mínimo, apurando-se, nas demais, o real valor da utilidade. Outro aspecto importante que define o salário-utilidade, segundo os doutrinadores, é o fato de o benefício ou a utilidade concedida pelo empregador ser usufruída pelo trabalho, e não para o trabalho. Melhor esclarecendo, o fornecimento da utilidade pela prestação de serviços tem natureza salarial, por tratar-se de contraprestação do trabalho desenvolvido pelo empregado, configurando, assim, remuneração. Entretanto, se essa utilidade é fornecida para a prestação de serviços, como meio ou condição para o empregado poder trabalhar, sem que haja contraprestação pelo serviço desenvolvido, (cita-se como exemplo equipamentos de proteção individual, que são utilizados unicamente no serviço), esse fornecimento não tem natureza salarial, não representando, pois, nenhum ganho para o empregado. A Lei nº 10.243/2001 deu nova redação ao parágrafo 2º, do artigo 458, da CLT, já que a redação original acarretava grande divergência sobre o caráter salarial de benefícios fornecidos gratuitamente pelo empregador ao empregado, tais como seguro saúde, previdência privada, educação, etc., o que desestimulava a concessão desses títulos pelos empregadores, já que sobre eles poderia incidir contribuição social, férias e décimo terceiro salário. A nova redação deixou claro o seguinte: 2º. Para os efeitos previstos neste artigo, não serão considerados como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: I vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; II educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático; III transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público; IV assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde; V seguro de vida e acidentes pessoais; VI - previdência privada. Trabalhos Técnicos
71 Portanto, houve, como se vê, um estímulo à concessão de alguns benefícios, que passaram a não ter incidência de encargos sociais e trabalhistas. Aliás, sobre a matéria, a legislação previdenciária (parágrafo 9º, art. 28, da Lei nº 8.212/1991) já não incluía no salário de contribuição as despesas relativas a programas de alimentação, vale transporte, bolsa de complementação educacional, assistência médica e odontológica e outros. Entretanto, o empregador terá sempre que acautelar-se, com a finalidade de distinguir o fornecimento da utilidade pela ou para a prestação de serviços, visto que, se a utilidade é fornecida pela prestação dos serviços, terá natureza salarial, decorrendo da contraprestação do trabalho desenvolvido pelo empregado, representando remuneração, ao passo que, se a utilidade for fornecida para a prestação de serviços, estará descaracterizada a natureza salarial, como nos ensina Sergio Pinto Martins (Direito do Trabalho, 24ª Edição Editora Atlas, 2008, pág. 213). Segundo o inciso I, da Súmula nº 367, do Tribunal Superior do Trabalho, a habitação, a energia elétrica e o veículo, fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não possuem natureza salarial, mesmo quando o veículo é utilizado pelo empregado também em atividades particulares: Súmula 367. In Natura. Habitação. Energia elétrica. Veículo. I A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso do veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (grifo nosso). Trabalho: Sobre a matéria, citamos nesta oportunidade jurisprudência do Tribunal Superior do RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMADAS. NATUREZA JURÍDICA DA MORADIA (ALUGUEL), DO VEÍCULO E DAS PASSAGENS AÉREAS. Esta Corte Superior já pacificou o seu entendimento a respeito, mediante a Orientação Jurisprudencial nº 131 da SBDI-1, segundo a qual as vantagens previstas no art. 458 da CLT,quando demonstrada a sua indispensabilidade para o trabalho, não integram o salário do empregado. Recurso conhecido e provido. (Acórdão 4ª Turma TST Rel. Min. Barros Levenhagen, RR 750.195/2001.1, publicado no DJ de 17/10/2003). RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. VEÍCULO. SALÁRIO UTILIDADE. USO EM FINS DE SEMANA E FÉRIAS. CARACTERIZAÇÃO. A utilidade auferida pelo empregado, em razão da relação contratual trabalhista, em caráter não oneroso e não essencial à prestação dos serviços constitui salário in natura, nos precisos termos do art. 458 da CLT. Recurso de revista não provido. (Acórdão 1ª Trabalhos Técnicos
72 Turma TST Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, AIRR e RR 714.147/2000.5, publicado no DJ de 07/05/2004). RECURSO DE REVISTA. VEÍCULO. SALÁRIO UTILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. Não havendo delimitação na r. decisão proferida pelo Eg. Tribunal Regional a respeito da imprescindibilidade do veículo para a execução do trabalho, mas tão-só de seu uso irrestrito pela autora, inviabilizada a aferição de contrariedade com a Súmula nº 367, item I, deste C. Tribunal Superior do Trabalho. Divergência jurisprudencial apta e específica não demonstrada, a teor da Súmula nº 296 desta C. Corte e da alínea a do artigo 896, da CLT. Recurso de revista não conhecido. (Acórdão 6ª Turma TST Rel.Min. Aloysio Corrêa da Veiga, RR 2.252/2003-906-06-00, publicado no DJ de 30/11/2007) (grifo nosso) Reconheceu, ainda, a 1ª Turma do TST, por unanimidade, o direito de um empregado ao pagamento de parcela pelo uso de salário in natura, tendo em vista que os elementos do processo levaram o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª Região a entender que mesmo pagando o combustível para seu uso pessoal, ainda assim o veículo representa uma necessidade para o trabalho, indubitavelmente proporciona conforto e regalia ao trabalhador em fins de semana e férias. Nesse ponto, o carro passa a constituir um acréscimo ao trabalhador, por isso, a parcela in natura deve ser reconhecida, registrou o acórdão regional. O relator do processo confirmou o direito ao salário-utilidade após mencionar que o fornecimento do carro não estava restrito às atividades profissionais do gerente, na medida em que o veículo não se destinava somente para a execução de suas atividades, mas também para uso em benefício próprio e de sua família. Trata-se do acórdão da 1ª Turma TST, cujo Relator foi o Min. Aloysio Corrêa da Veiga, RR 460.664/98.2, publicado no DJ de 17/12/2004. O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi criado pela Lei nº 6.321, de 14/4/1976, e regulamentado pelo Decreto nº 5, de 14 de janeiro de 1991. O art. 3º, da referida Lei, determina que não se inclui como salário de contribuição a parcela paga in natura pela empresa, nos programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Portanto, o referido programa, em que se fornece alimentação ao empregado, não é considerado como salário-utilidade, pois a refeição é cobrada, tratando-se, na verdade, de benefício fiscal. De outro modo, ou seja, se o vale para refeição for fornecido fora das condições previstas no PAT, deverá ser observada a Súmula nº 241, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho: Trabalhos Técnicos
73 SALÁRIO-UTILIDADE ALIMENTAÇÃO. O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado, para todos os efeitos legais. O vale-transporte constitui benefício que o empregador antecipa ao trabalhador para este último fazer face às despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, tendo sido criado por meio da Lei nº 7.418, de 18 de dezembro de 1985. O artigo 2º, da referida Lei, proclama que não tem, ele, natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; não se configura como rendimento tributável do trabalhador. Assim, desde que observado o que dispõe a citada Lei, a contribuição do empregador no custeio do vale-transporte não possui natureza salarial ou constitui base de incidência da contribuição previdenciária. Outro benefício que, a primeira vista, não pode ser considerado como salário in natura é a cesta básica, principalmente quando decorre de norma coletiva, conforme esclarece Sergio Pinto Martins (mesma obra já citada, pág. 215). Esclarece, ainda, o renomado autor, que se, porém, a cesta básica é fornecida ao empregado independentemente de haver obrigação nesse sentido pela norma coletiva, aí, sim, será considerada como salário, pois representa um benefício ao empregado, que deixa de gastar numerário para adquirir gêneros alimentícios. Essas são algumas considerações que procuramos fazer sobre o tema, com o intuito de esclarecer a respeito de eventuais implicações trabalhistas. Trabalhos Técnicos