Prevalência dos acidentes de trabalho em cirurgiões-dentistas



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Enimar Duarte Theodoro 1 Maria Helena Monteiro de Barros Miotto 2 Ludmilla Awad Barcellos 3 Claudia Helena Bermudes Grillo 4 Work accidents prevalence among dentists Prevalência dos acidentes de trabalho em cirurgiões-dentistas Abstract Introduction: Occupational accident is an important aspects in worsening occupational health, specially in dentistry, face to the risks that those professionals are exposed to. Objective: The aim of this study was to verify the prevalence of occupational accidents between 96 dentists from Brazilian Dentistry Association of Vitória, Espírito Santo state. Material and method: That was a cross sectional research and data was colleted by one trained interviewer using a 30 items questionnaire, referring to socio-demographic aspects and professional activities. Results: Off the 87 subjects, 55,2% have had occupational accidents, specially the professionals between 21 to 30 years old and less of 10 years of professional activities. The ones that work over 8 hours a day and have no auxiliary at work also declared greater prevalence of accidents. Accident official communication was done only by 16,7%. Perforating and cutting instruments caused the most part of the accidents. Conclusion: Accidents prevalence was high. Professionals consciousness in communicating the accident occurrence is necessary to have reliable official data to direct public policies. Keywords Accidents occupational; Occupational health; Dentistry. Resumo Introdução: Os acidentes do trabalho são um importante agravo à saúde dos trabalhadores, em especial aos cirurgiões-dentistas, em face ao número de riscos ocupacionais a que estão expostos. Objetivo: Avaliar a prevalência de acidentes de trabalho entre 96 cirurgiõesdentistas (CDs) de Especialização da Associação Brasileira de Odontologia, em Vitória-ES. Material e método: Foi desenvolvido um estudo transversal e a coleta de dados foi realizada por uma entrevistadora treinada, utilizando um questionário composto de 30 questões relacionadas com os dados sociodemográficos, profissionais e aspectos associados a acidentes de trabalho. Resultados: Dos 87 participantes do estudo, 55,2% já sofreram acidentes em seus locais de trabalho, predominando a ocorrência na faixa etária de 21 a 30 anos (58,6%), no grupo com até dez anos de atuação profissional (65,8%). Aqueles que declararam trabalhar mais de oito horas diária e sem auxiliar de saúde bucal relataram maior frequência de acidentes. A comunicação do acidente de trabalho foi de 16,7%. A principal causa de acidentes foi com material perfurocortante (81,3%). Conclusão: A prevalência de acidentes foi alta. É necessária uma maior conscientização dos profissionais na comunicação desses acidentes para alimentar os bancos de dados oficiais, o que poderá se traduzir em políticas apropriadas para a saúde do trabalhador. Palavras-chave Acidente de trabalho; Saúde do trabalhador; Cirurgiãodentista. 1 Especialista em Odontologia do Trabalho ABO-ES. 2 Professora adjunta da UFES; mestre e doutora em Saúde Coletiva-UPE. 3 Professora dos Cursos de Especialização em Saúde Coletiva e Odontologia do Trabalho ABO-ES; professora da ESFA; mestre em Saúde Coletiva. 4 Professora dos Cursos de Especialização em Saúde Coletiva e Odontologia do Trabalho. 4 2009; 11(4):4-9 Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde

Introdução Os acidentes geralmente são resultantes das condições ambientais, de vida e de trabalho das pessoas: quanto maior a exposição a situações de riscos, maiores são as probabilidades de ocorrência de acidentes. Porém, existem medidas que, quando adotadas, reduzem significativamente as chances de esses acidentes acontecerem Os cirurgiões-dentistas estão entre os profissionais de saúde mais expostos a acidentes, principalmente aqueles causados por materiais perfurocortantes e fluidos biológicos. Todos os acidentes de trabalho devem ser notificados por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), devendo constar as condições do acidente, os dados do profissional de saúde, os dados do paciente e a conduta indicada após o acidente 7. Um levantamento com uma amostra composta de 122 estudantes do Curso de Odontologia do Paraná foi realizado para verificar a ocorrência de acidentes com instrumentos perfurocortantes. Os acidentes mais frequentes aconteceram durante a lavagem de instrumental, raspagem periodontal e anestesia, a maioria na fase final do atendimento 5. O CD encontra-se exposto a riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos ou riscos de acidentes. Uma pesquisa com uma amostra de 50 CDs, do Estado do Rio de Janeiro, revelou que os CDs parecem não ter conhecimento nem noção dos riscos que envolvem a sua atividade profissional 6. A ocorrência de acidentes com instrumentos perfurocortantes no trabalho foi avaliada em um estudo com a população de CDs de Montes Claros-MG. A prevalência de acidentes com instrumentos perfurocortantes foi elevada, tanto nos últimos seis meses (26%) quanto durante a vida profissional (75%). A variável associada aos acidentes foi o tempo de exercício profissional: quanto mais jovens, maior o número de acidentes. Apenas 22% dos cirurgiões-dentistas informaram fazer uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) em todos os procedimentos realizados 9. Um estudo com 172 alunos de Odontologia do interior do Paraná observou que 122 (70,9%) alegaram ter sofrido exposição acidental com material potencialmente contaminado. A maioria dos alunos que sofreram exposição acidental era do sexo feminino (61,0%) e a idade predominante ficou entre 20 e 26 anos (86,1%). O número de acidentes mencionados totalizou 448, perfazendo uma média total de 2,6 acidentes por aluno. Olhos, mãos e dedos foram as áreas mais afetadas, e o acidente ocorreu durante a utilização e limpeza de instrumental perfurocortante. Os estudantes relataram a não utilização de EPI rotineiramente. Os óculos de proteção e luvas de borracha para limpeza dos materiais foram os mais negligenciados 15. A utilização das luvas descartáveis é um meio seguro de prevenção à infecção cruzada, porém deve ser dada atenção especial à sua integridade durante a realização dos procedimentos. Foi observada a perfuração em 15,5% das luvas de cinco marcas comerciais disponíveis no mercado odontológico brasileiro 14. Dos profissionais de saúde de seis hospitais do Distrito Federal, 223 (39,1%) relataram ter sofrido acidentes de trabalho com material biológico. O profissional mais afetado foi o CD (64,3%), seguido de médicos (47,8%), técnicos de laboratório (46,0%) e enfermeiros (17,6%). Os profissionais com menos de dez anos de atividade foram os que mais se acidentaram 2. Uma amostra de 289 cirurgiões-dentistas (CDs) e 104 auxiliares de saúde bucal (ASBs) de Florianópolis (SC) foi utilizada para determinar a prevalência de exposições ocupacionais ao longo da vida profissional e no ano anterior ao estudo. A prevalência de exposições ocupacionais na vida profissional foi maior entre os CDs (94,5%) do que entre os ASBs (80,8%), ao passo que, no ano anterior, foi similar entre CDs (39,1%) e ASBs (39,4%). Todavia, considerando as exposições ocorridas no ano anterior, as lesões percutâneas foram mais frequentes nos ASBs (95,2%), quando comparados com os CDs (60,7%) 8. Um estudo transversal realizado em Colatina (ES) com uma amostra de CDs mostrou uma prevalência de acidentes de trabalho de 66%. O tipo de acidente mais comum foi perfurocortante (74,2%). O material mais relacionado com o acidente foi a agulha (51,2%), e o local mais atingido foi o dedo da mão (61,3%) 11. Um estudo realizado por Marziale et al. 10 verificou 107 casos de acidentes, a maior parte com agulhas e cateteres atingindo preferencialmente as mãos de mulheres trabalhadoras do Hospital Universitário de Brasília. As ações preventivas recomendadas foram treinamento, visitas aos locais de trabalho e orientações individuais. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde 2009; 11(4):4-9 5

Em uma universidade do interior de Minas Gerais, entre 2000 e 2005, foram notificados 1.008 acidentes de trabalho. A maioria aconteceu no Hospital Universitário com material perfurocortante, atingindo em 69,94% dos casos os trabalhadores de Enfermagem. Os membros superiores foram a região mais afetada 12. Um estudo realizado em Recife com 300 acadêmicos selecionados aleatoriamente das duas faculdades de Odontologia de Recife encontrou uma prevalência de acidentes com perfurocortantes de 25,3%, maior nos alunos dos últimos períodos. A maioria (73,7%) dos acidentados adotou, como medida profilática, apenas a lavagem das mãos com água e sabão. A procura de serviços médicos especializados em acidentes ocupacionais foi feita por 13,2% dos alunos. Os autores verificaram a necessidade de potencializar as medidas profiláticas em face do potencial de contaminação biológica objetivando maior proteção à saúde dos acadêmicos 13. O objetivo desta pesquisa foi verificar a prevalência de acidentes de trabalho em CDs alunos dos Cursos de Especialização da ABO-ES, em 2007, e sua possível associação com variáveis sociodemográficas e clínicas. Material e método Trata-se de um estudo transversal, sobre acidentes de trabalho envolvendo os cirurgiões-dentistas, alunos dos Cursos de Especialização da ABO-ES, no município de Vitória. Foi realizado um estudo piloto com 20 alunos do Curso de Atualização de Odontologia do Trabalho. Foram incluídos na pesquisa todos os 96 alunos dos Cursos de Especialização da Associação Brasileira de Odontologia do Espírito Santo. A amostra final foi composta por 87 profissionais, resultando uma perda de 11%. A coleta de dados foi feita por meio de um questionário autogerenciado, com 30 questões fechadas, aplicado pela própria pesquisadora, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes. Foi realizada análise descritiva dos dados, mediante tabelas de frequência simples, com número absoluto e percentual para cada um dos itens do instrumento de pesquisa. O pacote estatístico Social Package Statistical Science (SPSS), versão15, foi utilizado. A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões éticos exigidos pela Declaração de Helsinque e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação Brasileira de Odontologia do Estado do Espírito Santo, em 25 de setembro de 2007, FR 150859 CAAE 0027.0.188.000-07. Resultados Dos 87 sujeitos participantes da pesquisa, 59 (67,8%) eram do sexo feminino e 51 (58,6%) tinham idade entre 21 a 30 anos. A prevalência de acidentes de trabalho e as condições do acidente estão descritas na Tabela 1. Tabela 1. Características dos acidentes de trabalho com cirurgiões-dentistas dos Cursos de Especialização da Associação de Odontologia do Espírito Santo 2007 Característica Número Percentual Teve acidente de trabalho Sim 48 55,2 Não 39 44,8 Procedimento Lavagem instrumental 14 29,2 Anestesia 12 25,0 Recapeamento de agulhas 10 20,8 Outro 27 56,3 Tipo de acidente Perfurocortante 39 81,3 Outro 18 29,2 Local da lesão Mãos 43 89,6 Outra parte 9 18,8 Local do acidente Consultório particular 26 54,2 Serviço público 14 29,2 Ambos 4 8,3 Empresa 4 8,3 Os resultados demonstraram uma alta prevalência de acidentes de trabalho (55,25%). Destes, 39 (81,3%) profissionais declararam ter se acidentado com materiais perfurocortantes. As mãos foram o local mais atingido com 89,6% dos casos relatados. Dos profissionais acidentados, somente 10 (11%) interromperam a jornada de trabalho. A maioria dos acidentes ocorreu durante a jornada no consultório particular. Também foi verificada uma subnotificação dos acidentes com apenas 8 (16,7%) casos notificados (Tabelas 1 e 2). 6 2009; 11(4):4-9 Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde

Tabela 2. Dados sobre acidentes de trabalho com cirurgiões-dentistas dos Cursos de Especialização da Associação de Odontologia do Espírito Santo 2007 Característica Número Percentual Interrompeu jornada por acidente Sim 10 20,8 Não 38 79,2 Relatou o acidente Fez CAT 8 16,7 Não relatou 40 83,3 Tem seguro Sim 14 16,1 Não 73 83,9 Todos os profissionais relataram utilizar EPI durante os procedimentos tanto no serviço privado como no público, porém aproximadamente 10% não usavam equipamento no momento do acidente (Tabela 3). Tabela 3. Uso de EPI por cirurgiões-dentistas dos Cursos de Especialização da Associação de Odontologia do Espírito Santo 2007 Característica Número Percentual Usa EPI na rotina do consultório ou do serviço Sim 87 100,0 Não 0 0,0 Usava EPI na hora do acidente Sim 42 87,5 Não 6 12,5 Em relação à variável sexo, não foi encontrada diferença expressiva na prevalência de acidentes de trabalho. Nas Tabelas 4 e 5, são apresentadas as prevalências de acidentes em 87 CDs, segundo faixa etária e tempo de trabalho. Tabela 4. Prevalência de acidentes de cirurgiões-dentistas segundo faixa etária De 21 a 30 De 31 a 51 anos ou Sofreu anos mais acidente Sim 30 58,8 18 50,0 Não 21 41,2 18 50,0 Tabela 5. Prevalência de acidentes de cirurgiões-dentistas segundo tempo de atuação profissional Até 10 anos Mais de 10 Sofreu acidente anos Sim 25 65,8 23 46,9 Não 13 34,2 26 53,1 Os profissionais mais jovens e com menos tempo de atuação profissional declararam ter sofrido mais acidentes de trabalho (Tabelas 4 e 5). Na Tabela 6, é apresentada a prevalência de acidentes dos 87 CDs, conforme a variável carga horária. Os CDs que trabalhavam mais de oito horas diárias relataram mais acidentes e a diferença entre os grupos pode ser considerada importante. Tabela 6. Prevalência de acidentes de cirurgiões-dentistas segundo carga horária Até 8 horas Mais de 8 Sofreu acidente horas Sim 20 44,4 28 66,7 Não 25 55,6 14 33,3 Na Tabela 7, é apresentada a prevalência de acidentes dos 87 CDs, segundo trabalho com auxiliar. A presença da auxiliar parece ser importante na prevenção dos acidentes de trabalho. Tabela 7. Prevalência de acidentes de cirurgiões-dentistas segundo trabalho com auxiliar Sofreu acidente Com auxiliar Sem auxiliar Sim 30 46,9 18 78,3 Não 34 53,1 5 21,7 Discussão Este estudo encontrou uma prevalência de acidentes de trabalho (55,2%) que pode ser considerada alta, embora menor, quando comparado com outros estudos, possivelmente explicado pelo pouco tempo de atividade profissional dos CDs desta pesquisa. Martins, Barreto e Rezende 9 observaram que 75% dos CDs relataram acidentes de trabalho durante a vida profissional. No Distrito Federal, foi encontrada uma frequência de acidentes de 64,3% entre profissionais de saúde de hospitais públicos 2 ; entre os CDs de Colatina (ES) foi verificada uma prevalência similar (66%); em Florianópolis, 94,5% dos CDs e 80,8% das ASBs entrevistados relataram acidente de trabalho 8. Um estudo realizado em Recife com acadêmicos de Odontologia encontrou uma prevalência de acidentes menor (25,3%), mas, ao mesmo tempo preocupante, Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde 2009; 11(4):4-9 7

em virtude de a amostra ter incluído alunos de todos os períodos e que não iniciaram suas atividades clínicas, o que possivelmente explica as diferenças relatadas 13. No interior do Paraná, em estudo realizado com estudantes dos últimos períodos, foi verificada uma prevalência de acidentes (70,9%) 15 com resultados semelhantes aos encontrados com pesquisas envolvendo CDs, sugerindo que o conhecimento sobre a grande exposição a riscos ocupacionais não minimiza a frequência de acidentes de trabalho. O CD encontra-se exposto a riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, além de acidentes provocados por materiais perfurocortantes que, de certa forma, são vistos como inevitáveis e/ou inerentes à profissão 6. O risco de exposição a material biológico é iminente para a categoria. É necessário estabelecer estratégias de intervenção, tanto em nível institucional quanto acadêmico, a fim de reduzir os acidentes 15. Quanto ao coeficiente de acidentabilidade entre os profissionais de saúde, o cirurgião-dentista ocupa o primeiro lugar, o que pode ser explicado pela prática diária com materiais perfurocortantes 2. Esses acidentes constituem um sério problema no controle de infecção cruzada, portanto medidas preventivas devem ser reforçadas para a redução desses acidentes 5. Verificou-se, neste estudo, a utilização do EPI por 100% dos profissionais tanto no serviço público como no privado. Dos profissionais que se acidentaram, 12,5% declararam não estar fazendo uso de EPI no momento do acidente. As luvas (EPI) funcionam como medidas de proteção, tendo que ser mantida atenção especial à sua conservação e integridade. Pinheiro, Aguiar e Dantas 14 observaram perfurações em 15,5% das luvas de cinco marcas comerciais disponíveis no mercado odontológico, demonstrando a necessidade de um cuidado maior com a qualidade do material utilizado. Os dados sugerem a necessidade de se construir um sistema de informação sobre a saúde dos trabalhadores brasileiros que contemple pessoal, material e métodos para o reconhecimento, armazenamento, análise e difusão de informações necessárias para apoiar a formulação de políticas públicas de prevenção de acidentes e promoção da saúde dos trabalhadores 4. Em relação à faixa etária, este estudo encontrou uma predominância de acidentes no estrato de 21 a 30 anos (58,6%), dado que corrobora os resultados de outros estudos brasileiros 2,9,15. Quanto ao tempo de serviço, profissionais com até dez anos de atuação se acidentaram mais, provavelmente, em decorrência da pouca experiência, o que confirma os achados de outros estudos realizados no Brasil 2,16. Segundo a carga horária, a pesquisa encontrou maior prevalência de acidentes entre os CDs que trabalhavam mais de oito horas diárias (66,7%). Sabe-se que, após oito horas de trabalho, a fadiga muscular, o cansaço físico e mental tomam conta do organismo. Observa-se, em outros estudos, maior prevalência de acidentes entre os profissionais com mais tempo de exposição ocupacional diária 8,9. A presença da auxiliar de saúde bucal parece proteger o profissional CD contra acidentes de trabalho. Entre os CDs que trabalhavam com auxiliar, 46,9% se acidentaram. Essa é uma diferença importante em relação aos que declararam trabalhar sem auxiliar (78,3%). Quanto à notificação, 16,7% CDs que sofreram acidentes efetivaram o registro por meio da CAT. Esse resultado indica alto nível de subnotificação de acidentes, confirmando os resultados de outros estudos 3,4,16. A subnotificação pode significar que não é conferida a devida importância à CAT, resultando em baixo índice de ocorrência nas estatísticas relativas a acidentes de trabalho, no campo da Odontologia. Dos profissionais que sofreram acidente, 20,8% interromperam a jornada de trabalho. Apenas 14 (16,1%) do universo estudado declararam possuir seguro contra acidentes, sugerindo a despreocupação dos profissionais em relação ao perigo da exposição com material biológico e à falta de proteção financeira dos profissionais liberais. Existe necessidade de mais pesquisas com desenhos adequados abrangendo a seguridade social e a subnotificação de acidentes de trabalho envolvendo profissionais de saúde. Verificou-se, neste estudo, que os cirurgiões-dentistas não se acidentaram somente uma vez (55,2%), mas duas (29,2%), três ou mais vezes (20,8%). Relataram sofrer acidentes no momento da lavagem dos instrumentais (29,2%), nos procedimentos de anestesia (25,0%), durante o recapeamento de agulha (20,0%) e em outros procedimentos, aspectos que foram estudados também por Cruz e Gasparetto 5, que verificaram alta prevalência de acidentes no momento da limpeza do instrumental. Destacam-se, como principais responsáveis pelos acidentes neste estudo, os instrumentos perfurocortantes (81,3%), confirmando outros achados 9,11. 8 2009; 11(4):4-9 Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde

Embora a NR-32 estabeleça a obrigatoriedade de notificação dos acidentes por meio da CAT, os profissionais normalmente não o fazem. O acidente não gera a caracterização de transmissão das doenças infecciosas de imediato ou em curto prazo 1. A comunicação somente quando a doença se desenvolve pode demonstrar uma negligência na prevenção 2. A subnotificação gera uma maior dificuldade no estabelecimento do nexo causal, além de dificultar o estabelecimento do nexo epidemiológico. Conclusão A prevalência de acidentes de trabalho foi alta entre os profissionais estudados. Entre os acidentados, a maior frequência foi entre aqueles mais jovens, com menos tempo de exercício profissional, com jornada de trabalho acima de oito horas diárias. Referências 1. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora 32. Brasília; 2007. 2. Caixeta RB, Branco AB. Acidentes de trabalho, com material biológico, em profissionais de saúde de hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil, 2002/2003. Cad Saúde Pública 2005; 21 (3). 3. Conceição PSA. Acidentes de trabalho atendidos em serviço de emergência. Cad Saúde Pública 2003; 19(1):111-7. 4. Cordeiro R et al. Subnotificação de acidentes do trabalho não fatais em Botucatu, SP, 2002. Revista Saúde Pública 2005, 39: 254-60. 5. Cruz ACC, Gaspareto A. Ocorrência de acidentes com instrumentos perfurocortantes em aluno de pós-graduação do Curso de Odontologia da Universidade Paranaense. Arquivo Ciência Saúde Unipar 1999; 3 (3): 199-203. 6. Faria AVC. Riscos no trabalho de cirurgiões-dentistas: informações e práticas referidas. Cad Ciências da Saúde, 2003; 98. 7. França GV. Riscos ocupacionais da equipe de saúde: aspectos éticos e legais. Resumo de trabalho apresentado na mesa-redonda Riscos Ocupacionais da Equipe Médica, no XX Congresso da Associação Médica Fluminense, Niterói, 10 a 14 de agosto de 1999. 8. Garcia LP, Blank, VLG, Blank N. Aderência a medidas de proteção individual contra hepatite B entre cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório. Rev Bras Epidemiol 2006; 10(4): 525-36. 9. Martins MEBL, Barreto S.M, Rezende VLSA. Acidentes do trabalho com instrumentos perfurocortantes entre cirurgiões-dentistas. Rev Bras Méd Trab 2004; 2(74): 267-74. 10. Marziale MHP et al. Acidentes com material biológico em hospital da Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho-REPAT. Rev Bras Saúde Ocup 2007; 32 (115): 109-19. 11. Medani EH. Acidentes de trabalho em cirurgiões-dentistas de Colatina ES. [Monografia de Especialização]. Vitória: Associação Brasileira de Odontologia do ES; 2007. 12. Miranzi SSC. Acidentes de trabalho entre trabalhadores de uma universidade pública. Rev Bras Saúde Ocup 2008; 33(118): 40-7. 13. Orestes-Cardoso SM et al. Acidentes perfurocortantes: prevalência e medidas profiláticas em alunos de Odontologia. Rev Bras Saúde Ocup 2009; 34(119): 6-14. 14. Pinheiro JT, Aguiar CM, Dantas MA. Avaliação da integridade das luvas de procedimento utilizadas na clínica odontológica. Rev ABO Nac 2005; 13(5). 15. Ribeiro PHV. Acidentes com material biológico potencialmente contaminado em alunos de um Curso de Odontologia do interior do Estado do Paraná. [citado 2007 jun 28]. Disponível em: http:// www.teses.usp.br/teses/disponíveis/22/22132/ ted-04082005-101324/. 16. Santana V, Nobre L, Waldvogel BC. Acidente de trabalho no Brasil entre 1994 e 2004: uma revisão. Ciência e Saúde Coletiva 2005; 10(4): 841-55. Recebimento: 20-08-09 Aceite: 09-11-09 Correspondência para/reprint request to: Maria Helena Monteiro de Barros Miotto Av. Leitão da Silva 389, sala 306, Bento Ferreira, Vitória, ES, 29052-110 Tel.: (27) 3227-1014 mhmiotto@terra.com.br Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde 2009; 11(4):4-9 9