NOS DOMÍNIOS DE DONA JOAQUINA DO POMPÉU: NEGÓCIOS, FAMÍLIA E ELITES LOCAIS (1764-1824)



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO UFOP INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ICHS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DEHIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA PPGHIS LAIZELINE ARAGÃO DE OLIVEIRA NOS DOMÍNIOS DE DONA JOAQUINA DO POMPÉU: NEGÓCIOS, FAMÍLIA E ELITES LOCAIS (1764-1824) Mariana, 2012

LAIZELINE ARAGÃO DE OLIVEIRA NOS DOMÍNIOS DE DONA JOAQUINA DO POMPÉU: NEGÓCIOS, FAMÍLIA E ELITES LOCAIS (1764-1824) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História. Área de Concentração: Poder e Linguagens Linha de pesquisa: Poder, Espaço e Sociedade Orientadora: Profª. Dr.ª Cláudia Maria das Graças Chaves. Mariana, 2012

O482n Oliveira, Laizeline Aragão de. Nos domínios de Dona Joaquina do Pompéu [manuscrito] : negócios, famílias e elites locais (1764-1824) / Laizeline Aragão de Oliveira - 2012. 133f.: il. color.; grafs.; mapas. Orientadora: Profª Drª Cláudia Maria das Graças Chaves. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de Pósgraduação em História. Área de concentração: Poder e Linguagens. 1. Comércio - Teses. 2. Branco, Joaquina Bernarda de Abreu e Silva Castello, 1752-1824 - Teses. 3. Família - Teses. 4. Elites - Teses. 5. Pitangui (MG) - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título. Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br CDU: 94(81).03:316.344.42(815.1)

Laizeline Aragão de Oliveira Nos domínios de Dona Joaquina do Pompéu: negócios, família e elites locais (1764-1824) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto-UFOP, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Banca Examinadora Profª. Drª. Cláudia Maria das Graças Chaves Orientadora Departamento de História/UFOP Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá Sampaio Departamento de História/UFRJ Prof. Dr. Renato Pinto Venâncio Departamento de História/UFMG/UFOP Mariana, 26 de Setembro de 2012

Para Marcosss, meu amor.

AGRADECIMENTOS Amo a história. Se não a amasse não seria historiador. (L. Febvre) É impossível construir um trabalho acadêmico sozinha. Por mais que o ato de redigir o texto seja solitário, outros momentos da pesquisa exigem a participação e contribuição de mentes solidárias. Produzir este trabalho me fez mergulhar no século XVIII e ficar, muitas vezes, ausente da minha própria vida. Mas a compensação vem agora ao vê-lo pronto. Foram dois longos anos de idas e vindas, de Belo Horizonte para Mariana, de Mariana para Belo Horizonte. De Belo Horizonte para Pitangui, de Pitangui para Belo Horizonte e depois de volta para Mariana. Por vezes achei que nunca terminaria, que o texto estava horrível, que o melhor seria jogar tudo para o alto. Mas depois vinha aquela vontade incontrolável de historiadora de voltar no arquivo, ler mais documentos, achar mais informações, descobrir mais sobre minha personagem Dona Joaquina do Pompéu. Oh mulher que meu deu trabalho! Mas no fim tudo entrou nos eixos, algumas respostas obtidas, algumas lacunas preenchidas e eis que o texto surge. E surge pronto para ser questionado, para ser contestado (o que farão com certeza) ou para ser simplesmente reconhecido como um texto relevante para a história de Minas Gerais (o que eu espero que aconteça). Mas é bom lembrar que o texto está pronto e ao mesmo tempo não está. A partir de agora ele pode ser alterado e renovado, vai saber o que ainda não vou descobrir sobre a Senhora Dona Joaquina? Vai saber o que outros historiadores não descobrirão? Ao longo do árduo processo de construção deste trabalho algumas pessoas foram essenciais e a elas ofereço o meu mais sincero agradecimento. Agradeço em primeiro lugar, e antes de mais nada, a professa Cláudia Maria das Graças Chaves por ter aceitado ser minha orientadora mesmo sem me conhecer. Você foi uma orientadora excepcionalmente incrível! Sua generosidade, compreensão, paciência e conhecimento foram essenciais para o meu trabalho. Foi uma honra ter sido sua orientanda. Agradeço aos professores do mestrado Valdei Lopes de Araújo, Ronaldo Pereira de Jesus, Francisco Eduardo Andrade e Maria do Carmo Pires pela competência com a qual me mostraram caminhos possíveis para a escrita da história. Agradeço a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto (PROPP/UFOP), pela bolsa de pesquisa que me foi concedida, possibilitando a realização deste trabalho.

Agradeço ao Marcos, meu amor, pelos sorrisos, abraços, beijos e cafunés. Obrigada por ter acreditado, confiado e esperado o mestrado terminar pro casamento começar. Obrigada por ter sido meu oásis nos momentos mais difíceis da pesquisa. Agradeço à amiga Alexandra Nascimento por dividir comigo sua experiência de já ter passado pelo mestrado (quantos conselhos, hein?), pelos livros emprestados (ih, será que já devolvi todos?), pelo conhecimento compartilhado. À amiga Camila Costa agradeço pelos momentos de diversão que aliviaram as tensões da minha mente dominada pela escrita da dissertação. Obrigada as duas, queridonas do meu coração, pelas saídas estratégicas, pelas risadas, pelas festas particulares, almoços feitos pela chef de cozinha e por não me deixarem sozinha na mesa mesmo depois de duas horas me ouvindo falar sobre Dona Joaquina! Agradeço à amiga Raquel que me socorreu nos 45 minutos do segundo tempo. TKS! Agradeço ao professor Euclides Couto por todas as oportunidades que me concedeu durante a graduação, pelas aulas magníficas e pela amizade. Saudações! Ao professor Rodrigo Almeida Ferreira, meus sinceros agradecimentos por ter me incentivado a continuar na luta com a Dona Joaquina e encarar o mestrado. Seu conhecimento, conselhos e sugestões foram muito importantes para minha formação. Agradeço às companheiras do mestrado Iara, Karine, Lídia, Melina, Pérola e Suziely pela companhia em Mariana e nos congressos Brasil a fora. Por fim, mas não menos importante, agradeço às minhas Três Mosqueteiras mãe, Jaque e Nata que aguentaram os relatos intermináveis das histórias de Dona Joaquina do Pompéu nos últimos anos.

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura; o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si próprias. No limite, não existe documento-verdade. Todo o documento é mentira. Jacques Le Goff

RESUMO Oliveira, Laizeline Aragão de. Nos domínios de Dona Joaquina do Pompéu: negócios, família e elites locais (1764-1824)/ Laizeline Aragão de Oliveira 2012. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em História Este trabalho tem como objetivo discutir a organização do núcleo familiar liderado por Dona Joaquina do Pompéu e como esta se sobressaiu à frente do comando de seus negócios e de sua família. Por ter se destacado em uma sociedade onde as mulheres ficavam, na maioria das vezes, relegadas as atividades domésticas, buscamos apresentar a vida dessa distinta senhora tentando identificar elementos que pudessem nos dar indícios de como se deu sua atuação. A documentação analisada formada correspondências pessoais, recibos de compra e venda, testamentos, inventários, entre outros, permitiu vislumbrar aspectos das relações comerciais da matriarca. Com isso conseguimos perceber que em torno de Dona Joaquina foram se articulando uma série de alianças, comerciais e parentais, que refletiam o seu poder na região da Vila de Pitangui. Procuramos ainda problematizar a questão da formação das elites coloniais no interior da América portuguesa descrevendo como a família da matriarca aqui se estabeleceu. As balizas cronológicas definidas foram o ano de 1764, quando Dona Joaquina se casou, e 1824, ano do seu falecimento. Palavras-chaves: Abastecimento e comércio. Dona Joaquina do Pompéu. Elites. Família. Pitangui. Pompéu.

ABSTRACT This project discusses the organization of the family nucleus being led by Dona Joaquina do Pompéu and how she protruded being at the helm of her family business. For having stood out in a society where women should be, most of the time, at home doing the household chores, we attempted to present the life of this distinct lady trying to identify elements that could give us indications of her performance. The documentation analyzed composed by personal letters, bills of sales, wills and final instructions, inventories, among others, enable us to discern indistinctly the aspects of the matriarch s commercial relation. In this manner we could realize that a number of alliances were built around Dona Joaquina such as commercials and parental, and they reflected her power in the region of Vila de Pitangui. Moreover, we sought to discuss the issue of the formation of colonial elites inside the portuguese America, describing how the matriarch's family establish here. The chronological beacons defined were the years of 1764, when Dona Joaquina got married, and 1824, the year of her death. Key-words: Supply and trade. Dona Joaquina do Pompéu. Elites. Family. Pitangui. Pompéu.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 Localização da Vila de Pitangui... Figura 02 Mapa da Capitania de Minas Gerais com a divisa das comarcas... Figura 03 Caminhos para a Vila de Pitangui... Figura 04 Limites da propriedade Fazenda do Pompéu... Figura 05 Árvore Genealógica Família Rodrigues Velho + Campos Bicudo + Oliveira... Figura 06 Árvore Genealógica Família Castelo Branco + Silva Sobral... Figura 07 Árvore Genealógica Família Inácio de Oliveira Campos e Dona Joaquina do Pompéu... Figura 08 Árvore Genealógica Família Inácio de Oliveira Campos e Dona Joaquina do Pompéu Parte I... Figura 09 Árvore Genealógica Família Inácio de Oliveira Campos e Dona Joaquina do Pompéu Parte II... Figura 10 - Representação de um fragmento da rede comercial/familiar de Dona Joaquina do Pompéu... 55 56 57 70 87 89 91 92 93 105

LISTA DE ABREVIATURAS AHP Arquivo Histórico de Pitangui. APM Arquivo Público Mineiro. CMPI Câmara Municipal de Pitangui, APM. FCMP Fundo da Câmara Municipal de Pitangui, AHP. FJBP Família Joaquina Bernarda do Pompéu, APM. IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. IJBP Inventário de Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco, AHP. RAPM Revista do Arquivo Público Mineiro. RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. SC Seção Colonial, APM. SG Secretaria de Governo, APM.

SUMÁRIO Introdução... 12 1. O matriarcado no sertão mineiro: Senhora Dona Joaquina Do Pompéu 1.1. O avesso do matrimônio: nasce a matriarca do Pompéu... 1.2. Patriarcal ou matriarcal? Como caracterizar o núcleo familiar do Pompéu?... 26 32 2. Mulheres e negócio: Dona Joaquina é quem manda! 2.1. Abastecimento e comércio na formação da economia colonial mineira... 2.2. A fazendeira e comerciante Dona Joaquina do Pompéu... 55 68 3. Família, elite e poder: a trajetória do núcleo familiar de Dona Joaquina do Pompéu 3.1. A família de Dona Joaquina do Pompéu... 3.2. A formação de uma elite colonial na Vila de Pitangui e suas redes de poder... Considerações Finais... Fontes e Bibliografia... 83 95 115 118

12 INTRODUÇÃO Os caminhos da história da mulher não se contam de modo claro e definido. São percursos sinuosos, intricados, ao longo dos quais o historiador precisa dispersar cargas de muito preconceito presente nas fontes, desconfiar de suas lacunas, duvidar de suas verdades. Luciano Figueiredo O interesse pelo estudo sobre Dona Joaquina do Pompéu, surgiu ainda na graduação, quando percebi que havia poucos estudos que discutissem o trabalho das mulheres brancas da elite colonial. A matriarca do Pompéu mostrou ser a personagem ideal para as questões que eu vinha levantando. Inicialmente o foco do trabalho seria discutir exclusivamente sobre a condição feminina no século XVIII, mas na medida em que a pesquisa se desenvolveu aspectos novos surgiram e abriram um leque de possibilidades de análises. Os primeiros documentos analisados mostraram que, muito mais do que apenas auxiliar o marido, houve uma efetiva participação de Dona Joaquina na administração das fazendas e das casas comerciais. A continuidade da pesquisa foi revelando a presença recorrente de certos nomes e sobrenomes nas correspondências, e, diante disso ficou claro que havia um grupo de indivíduos com os quais a matriarca se relacionava com maior proximidade. Ao pesquisar sobre esses sujeitos descobri que muitos deles tinham laços de parentesco com Dona Joaquina e seu marido, Capitão Inácio. Essa constatação me instigou a pensar sobre a possibilidade de considerar esses sujeitos como membros de um determinado grupo que se destacava na Vila de Pitangui. Mas que grupo seria esse? Como ele se formou? Quem seriam seus membros? Como nomeá-lo e caracterizá-lo? Essas foram algumas das questões que contribuíram para dar forma ao presente trabalho. A partir dessas questões tracei três hipóteses principais sobre as quais o trabalho foi construído e pensado. Primeiro: Há uma relação direta entre a formação e consolidação do patrimônio material de Dona Joaquina do Pompéu e o fortalecimento e solidificação do poder, prestígio e influência de sua família na região da Vila de Pitangui. Segundo: os arranjos matrimoniais que ligaram a família de Dona Joaquina do Pompéu a outras famílias da elite mineira colonial são reflexos das relações de poder consolidadas por estes grupos durante o século XVIII. E terceiro: a organização do núcleo familiar de Dona Joaquina do Pompéu apresenta elementos característicos do que chamamos de princípio senhorial das mulheres no

13 sertão 1, ou seja, a existência de grandes e poderosas famílias chefiadas por mulheres que adquirem prestígio e influência na região onde estão localizados. As discussões ocorridas no âmbito acadêmico trouxeram novos elementos que auxiliarão na estruturação das minhas discussões. A partir da temática da linha de pesquisa Poder, Espaço e Sociedade, cujo foco é a compreensão das relações culturais e políticas em diferentes contextos históricos. O eixo temático, Poder e Linguagens, direciona o olhar para as múltiplas e descontínuas redes sociais por meio das quais os sujeitos definem estratégias de atuação e se posicionam diante da sociedade. Nesse sentido, o intuito desta pesquisa é, entre outros, contribuir para os avanços da historiografia nacional que discutem principalmente as questões ligadas ao universo feminino do trabalho, formação das elites coloniais, e estratégias utilizadas para a manutenção do poder dessas elites. As análises direcionadas para Dona Joaquina do Pompéu e sua família, para a Vila de Pitangui e para a Fazenda do Pompéu permitirão lançar luz sobre elementos do cotidiano desses sujeitos e assim responder as questões que tanto me inquietam. Neste trabalho a escala da pesquisa foi reduzida diante da possibilidade de examinar as particularidades das alianças protagonizadas por Dona Joaquina e seus pares, e que talvez não possam ser apreciadas em análises amplas. Haverá então uma busca por estruturas sobre as quais, o que nos é conhecido das relações comerciais e de poder no entorno da matriarca, se articulam. E nesta perspectiva, a escolha do individual não é contraditória com a do social, mas torna possível uma abordagem diferente deste último. Sobretudo, permite destacar, ao longo de um destino específico, a complexa rede de relações, a multiplicidade dos espaços e dos tempos nos quais se inscreve (REVEL, 2000, p.17). Alguns procedimentos metodológicos da micro-história foram mais adequados para a elaboração deste projeto, já que o que se pretende aqui não é realizar uma obra biográfica, mas sim compreender aspectos deste personagem histórico que só poderão ser percebidos por meio de um exame micro 2. Também não pretendo afirmar que a partir da análise das relações comerciais e de poder de Dona Joaquina será possível entender tudo sobre relações de poder, abastecimento e comércio no período colonial. Muito pelo contrário, a intenção é de descobrir 1 Adotamos o uso da expressão princípio senhorial das mulheres no sertão, porque nos permite pensar na existência de diversos núcleos familiares liderados por mulheres em todo o interior da América portuguesa. Essas mulheres assumem o comando das famílias e dos negócios atuando de forma efetiva e muitas vezes ampliando consideravelmente suas fortunas. 2 Baseados nos apontamentos de Revel, identificamos elementos que nos auxiliarão na construção da pesquisa, a saber: privilégio a redução de escala, interesse por destinos específicos, desejo de estudar o social não como um objeto dotado de propriedades, mas sim como um conjunto de inter-relações móveis dentro de configurações em constante adaptação (REVEL, 2000, p.7-37).

14 elementos particulares que componham, aí sim, as mais variadas práticas comerciais, sociais e políticas deste período. As análises vão dizer sobre um indivíduo e seus pares, e não sobre toda uma sociedade. No entanto, não posso deixar de considerar que mesmo se tratando de uma análise individualizada, esses sujeitos não se encontram isolados, eles fazem parte de um meio muito maior, e também o representam. Não proponho o estabelecimento de regras e modelos, quero apenas observar o comportamento de um sujeito histórico num determinado contexto com a intenção de responder algumas questões e de contribuir, em alguma medida, para o enriquecimento da história de Minas Gerais. Os objetivos definidos a partir das hipóteses levantadas, centram-se em discutir a organização do núcleo familiar liderado pela matriarca a partir da ideia de princípio senhorial das mulheres do sertão; investigar a configuração e articulação de alianças em torno da figura de Dona Joaquina do Pompéu e sua família; analisar o processo de produção e abastecimento de gêneros na capitania de Minas Gerais, e a partir desse universo compreender a atuação de Dona Joaquina como produtora e comerciante. Mas, afinal de contas, quem foi Dona Joaquina Pompéu? Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco era filha do doutor Jorge de Abreu Castelo Branco e dona Jacinta Teresa da Silva, ambos portugueses. Nasceu em 20 de agosto de 1752 na cidade de Mariana, e faleceu em dezembro de 1824, aos 72 anos, na Fazenda do Pompéu. Mudou-se com o pai e os irmãos para a Vila de Pitangui após o falecimento da mãe. Casou-se com o Capitão Inácio de Oliveira Campos, em 1764, fixando residência na fazenda Lavapés nas proximidades da vila. O fato de Inácio ser Capitão-Mor 3, o obrigava a passar longos períodos longe da fazenda e com isso Dona Joaquina acabou assumindo, além do cuidado da família, a administração dos negócios. Inicialmente sob o comando do Capitão Inácio e com a ajuda de Dona Joaquina, e posteriormente sob o comando da matriarca, a fazenda do Lavapés, onde o casal morava, cresceu significativamente. A expansão das atividades tornou necessária a aquisição de uma propriedade maior. Ao buscarem novas terras para comprar, receberam proposta do fazendeiro Manoel Gomes da Cruz que ofereceu as terras da Fazenda do Pompéu. O negócio se concretizou em 1784, quando a família passou a residir nas ditas terras. Foi a partir da transferência para a fazenda que Joaquina passou a ser chamada de Dona Joaquina do Pompéu. 3 Subordinado ao governador da Capitania, o cargo de capitão-mor era o mais importante, pois apesar de não ser remunerado pelo governo, era quem governava as vilas e povoados durante o período de três anos ou mais. A escolha do capitão-mor era realizada pela câmara e pelo capitão-general da seguinte forma: a câmara indicava três nomes e o capitão-general ficava incumbido de definir o escolhido. ALMEIDA, 1981, p.135.

15 De acordo com Cláudia Chaves (1999), nos livros do registro da Vila de Pitangui, referentes aos anos de 1765 a 1767, logo após o casamento de Dona Joaquina, já consta a passagem da produção da fazenda Lavapés. Os registros estão em nome de seu marido, e demonstram um considerável volume de mercadorias saindo da região de Pitangui destinado ao abastecimento de outras partes da capitania. No período compreendido entre os anos de 1768-69, Capitão Inácio aparece como segundo maior produtor da região. Em 1804, havia na fazenda um centro de criação e engorda de gado, e o engenho fabricava açúcar e cachaça. Demonstrando a sua perspicácia administrativa, Dona Joaquina mandou fazer plantações de algodão e mantinha um imenso rebanho de ovelhas, utilizados para a produção de roupas para a escravaria. Percebe-se que suas fazendas eram, em grande medida, auto-suficientes, e também um importante núcleo fornecedor de produtos para o abastecimento da Vila de Pitangui e circunvizinhança, bem como de outras regiões da capitania. Toda essa atividade favorecia cada vez mais sua visibilidade social e a ampliação de sua rede de influência. A presença dessas relações de poder, por ela alcançado, chamam a atenção por se tratar de uma sociedade colonial patriarcal, onde, na maior parte dos casos eram os indivíduos do sexo masculino quem estavam a frente dos negócios. Qual era a condição da mulher da elite neste período? De que forma ela se relacionava com os outros comerciantes? Como eram constituídas as redes formais e informais de poder no entorno dela? Como ela construía suas estratégias de produção, negociação e comercialização de gêneros alimentícios? O que dizer dos núcleos familiares estruturados sob a figura feminina? Como incluir Dona Joaquina do Pompéu nas relações patriarcais do século XVIII? Estas são apenas algumas das questões que foram tomadas como indicadoras do caminho a ser seguindo na pesquisa. Como a pesquisa tem uma mulher como sujeito histórico, serão apresentadas algumas referências sobre a história das mulheres. Em pesquisas já realizadas sobre o gênero feminino no Brasil, percebe-se o estabelecimento de imagens estigmatizadas e generalizantes, isto ocorre principalmente nas discussões sobre a mulher nos séculos XVI, XVII e XVIII. Pensar sobre o papel social feminino no período colonial, em especial na região de Minas Gerais, remete-nos a uma imagem de que estavam vinculadas ao trabalho essencialmente doméstico, não desempenhando nenhuma outra atividade. A construção desta imagem é, em grande parte,

16 influência da obra Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (2006) 4, que realiza as primeiras análises sobre a estrutura familiar brasileira. No entanto, é importante ressaltar, que o autor analisava um contexto específico, onde a organização da sociedade patriarcal determinava a condição da mulher naquele modelo, tão cuidadosamente descrito por ele. Contudo, historiadores fizeram uso dos conceitos discutidos por Freyre, empregando-os de maneira ligeiramente distintas e com designações diferenciadas, para legitimarem e reforçarem suas impressões sobre o papel feminino na sociedade brasileira na América Portuguesa. Assim, não se deve atribuir exclusivamente a Freyre a criação, na historiografia brasileira, de uma imagem feminina frágil e preguiçosa, ou sensual e despudorada. A partir da década de 1980, importantes publicações referentes ao período colonial, como as obras de Miriam Leite (1984), Mary Del Priore (1995) e Luciano Figueiredo (1999), começam a romper com essa não-verdade. As análises propostas por estes autores demonstram uma nova perspectiva para se estudar a história das mulheres no Brasil, destacando uma ativa participação delas na sociedade colonial, seja no comércio local das cidades ou na administração de fazendas. Estes historiadores discutem a história das mulheres trazendo elementos que vão além de uma análise exclusiva do núcleo doméstico. Temas como economia, trabalho, maternidade, sexualidade, entre outros, são convergidos para as mulheres, afirmando sua existência como sujeito histórico. E elas passam a ser vistas como agentes capazes de desempenhar os mais variados papéis na sociedade, independente de sua condição. Um desses papéis é o de dona, proprietária. De acordo com José Capela (1995) dona tornou-se um título adquirido pelas mulheres e foi enraizado na consciência coletiva. Outros trabalhos trazem um mesmo entendimento para o uso da palavra Dona antes do nome de distintas e importantes senhoras, representando o prestígio de determinadas mulheres na sociedade colonial 5. Neste sentido, buscarei compreender a representatividade e a força adquirida pelo vocábulo Dona ao ser usado antes do nome de Joaquina. Parece que o vocábulo representa além da distinção social, um símbolo de reforço do poder familiar na região da Vila de Pitangui. Dona da Fazenda do Pompéu, dona de fazendas em Paracatu do Príncipe, dona de gados, de engenhos, de plantações, de escravos, de casas 4 Lançado em 1933, o livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, pode ser compreendido como um imenso painel da formação da sociedade brasileira. O autor discute os espaços sociais no início da colonização, os modos de existência familiar, o sistema econômico, político e cultural. 5 Ver, entre outros, GOLDSCHMIDT, Eliana Rea. Famílias Paulistanas e os casamentos consangüíneos de donas, no período colonial. Anais da 17º Reunião da S.B.P.H. São Paulo, 1997; SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Donas e plebéias na sociedade colonial. Lisboa: Editorial Estampa, 2002; ZANATTA, Aline Antunes. Justiça e representações femininas: o divórcio entre a elite paulista (1765-1822). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP, 2005.

17 comerciais. E a representatividade desse título é tão significativa que ela passa a ser conhecida como Dona Joaquina do Pompéu, aquela que é proprietária de um imenso patrimônio representando pela sede da fazenda (Pompéu), que foi morada também dos primeiros habitantes da região. Há aqui uma simbologia no próprio espaço da fazenda, no edifício. E o título de DONA, não é concedido no espaço oficial, mas num outro lugar, num lugar para além do oficial, e que no caso da matriarca trouxe uma significação bastante sólida. É neste ponto que identificamos o poder simbólico que emana de Dona Joaquina, uma mulher em uma sociedade masculina, que se destaca como fazendeira e comerciante. Que organiza e administra arranjos familiares que se elevam a uma categoria de arranjos políticos, sociais e econômicos. Neste caso o título não recai sobre uma descendente de casa nobre portuguesa, mas sobre uma mulher que conquista distinção, status social e poder devido à atuação da família em terras coloniais, numa esfera local. É inegável a importância sócio-econômica da exploração aurífera no século XVIII, contudo, é imprescindível demonstrar a existência de importantes redes de comércio e/ou produção que se desenvolveram como atividades subjacentes em Minas Gerais e foram, assim como a mineração, essenciais para o desenvolvimento da sociedade colonial. Para tanto, foram analisados, além da atuação da matriarca, aspectos da economia mineira nos setecentos com o intuito de possibilitar um amplo entendimento do funcionamento do comércio e abastecimento colonial, e assim, introduzir nesse cenário a discussão sobre as relações econômicas, políticas e sociais protagonizadas por Dona Joaquina. A agricultura, pecuária e comércio ganharam fôlego e reconhecimento na medida em que se mostraram essenciais para a sobrevivência das vilas e dos arraiais mineradores. Podese pensar também que, com o desenvolvimento da mineração e a dificuldade de se conseguir novas datas 6, algumas pessoas perceberam no mercado do abastecimento a possibilidade de riqueza sem os riscos da atividade mineradora. E, mesmo com as divergências historiográficas sobre a existência ou não de um mercado voltado para o abastecimento interno, e a possibilidade ou não de acumulação de capital por parte dos produtores e comerciantes, percebe-se que a atividade agropecuária e comercial movimentou em Minas quantia 6 Designação da área de terra concedida pela Coroa Portuguesa a indivíduos dispostos a praticar a mineração. Segundo as Ordenações Filipinas, após a descoberta do veio, notificada ao provedor das minas, proceder-se-ia à demarcação (...). Segundo o Regimento dos Superintendentes Guardas-Mores e Oficias Deputados para as Minas de Ouro, inicialmente cabia ao superintendente distribuir as datas. Mais tarde, esse poder foi atribuído aos guardas-mores, cabendo aos ouvidores dirimir conflitos quanto à posse da terra (ROMEIRO, 2003, p.95-96).

18 significativa de riqueza, permitindo a acumulação de bens 7. Tendo em vista a própria trajetória de Dona Joaquina. Diante desse acúmulo de bens e enriquecimento, o surgimento de uma elite, e ao seu redor alianças, é evidente. Neste trabalho, o núcleo familiar chefiado por Dona Joaquina do Pompéu, é entendido como um grupo de sujeitos pertencentes à elite colonial. E, o termo elite está sendo utilizado partindo da ideia de que Dona Joaquina e aqueles indivíduos que estabeleceram alianças com ela ocupam importantes posições sociais dispondo de poderes, influência e privilégios exclusivos. Ou seja, eles são um grupo que detêm diferentes tipos de poder na Vila de Pitangui, como poder político, econômico, militar e etc. O tema do poder será outra importante questão que permeará todo o debate realizado nesta pesquisa. Ao discutir sobre esse tema será imprescindível conceituá-lo demonstrando de que forma ele aparece nas relações sociais protagonizadas por Dona Joaquina. Entende-se que o poder e a influência atribuídos à matriarca estão ligados a uma herança familiar de prestígio, tanto de sua família quanto do seu esposo. Há nesse emaranhado de questões sobre poder, influência, favores, elementos mais subjetivos, impossíveis de serem captados em análises puramente econômicas ou políticas. Por esse motivo serão utilizadas obras como O poder simbólico de Pierre Bourdie (1989), A Herança Imaterial de Giovanni Levi (2000) e O enigma do dom de Maurice Godelier (2001), para auxiliarem na compreensão de elementos que assumem o valor máximo de uma sociedade exatamente pelo fato de não circularem, por não se materializarem em notas promissórias ou cartas de dívidas. Colocar a figura de Dona Joaquina do Pompéu em discussão possibilita uma análise interessante do contexto social e econômico do período colonial em Minas Gerais. As relações de poder e a representatividade desse poder sob a figura da matriarca e sua família, podem contribuir para a construção de um complexo mosaico sobre as elites nas diferentes regiões da colônia. Indicando assim, como essas elites se estruturaram no seio do Antigo Regime português dentro da lógica colonial estabelecida na América. As questões a serem levantadas não pretendem ser elucidadas com uma única afirmativa, e tampouco definitiva. Pretende-se apresentar perspectivas de análise e possíveis olhares sobre o objeto em um determinado momento. Compreender, por meio da análise documental, esses arranjos 7 De acordo com Deusdedit Campos (2003), baseado no inventário de Dona Joaquina, suas propriedades atingiram cerca de 100.000 alqueires, 60.000 cabeças de gado vacum, 10.000 equinos; 2.500 juntas de bois carreiros, cerca de 1.000 escravos. Havia uma grande quantidade de imóveis, prataria, ouro em barra, móveis, veículos de transporte, títulos de dívidas de fazendeiros vizinhos e outros bens. Segundo o historiador Gilberto Cezar Noronha, o valor total de sua fortuna na época do seu falecimento, podia chegar, nos dias atuais, a um valor aproximado de 2 bilhões de reais (NORONHA, 2007a, p.56).