Direito Previdenciário - Custeio Aula 7 Novas fontes - 4º do art. 195 da CF e emendas à Constituição Professora: Zélia Luiza Pierdoná Coordenação: Dr. Wagner Ballera
A Constituição Federal de 1988 instituiu um sistema de proteção social denominado seguridade social, a qual compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Para garantir tais medidas protetivas, a Constituição prevê meios que correspondem ao financiamento da seguridade social, cuja responsabilidade, conforme o caput do art. 195, é de toda a sociedade de forma direta e indireta. A forma indireta é efetivada por meio dos recursos que as pessoas jurídicas de direito público interno destinarão dos seus orçamentos, compostos de receitas provenientes da tributação, a qual é suportada pela sociedade. Por isso, é que essa forma de financiamento é denominada "indireta". As parcelas dos recursos dos concursos de prognósticos promovidos pelo poder público também constituem financiamento indireto. Já na forma direta de financiamento, a participação da sociedade efetua-se por meio do pagamento das contribuições sociais, as quais estão arroladas nos incisos do art. 195 e no art. 239, ambos da Constituição Federal, além de outras fontes, que poderão ser instituídas por intermédio da competência residual, prevista no 4º do art. 195 ou de previsão decorrente do poder constituinte reformador. O custeio da seguridade social deve ser compreendido no contexto do modelo de proteção social adotado pela CF de 1988. Conforme afirmamos acima, a atual proteção social é assegurada por meio da seguridade social, a qual compreende a previdência, a assistência e a saúde. No modelo anterior, o financiamento estava relacionado à remuneração do trabalho, contribuindo tanto o empregador como o trabalhador, constituindo-se em modelo de seguro social. A remuneração era o fator de produção que tinha maior expressão econômica. No entanto, esse quadro mudou, decrescendo o fator trabalho em face do aumento do capital, diminuindo proporcionalmente a receita sobre aquele fator. Assim, considerando as mudanças econômicas e a ampliação do sistema protetivo, a CF/88 estabeleceu o princípio da diversidade de bases de financiamento (art. 194, parágrafo único, VI). Diversificar significa utilizar outras bases, além da remuneração do trabalho, uma vez que esta somente já não é 01
suficiente para custear a totalidade dos benefícios de seguridade (conforme já referimos, no ordenamento anterior tínhamos a previdência social, com a Constituição de 88, o sistema protetivo foi ampliado para seguridade social, abrangendo, além da previdência, saúde e assistência). Para tanto, necessita de outros sinais de riqueza. A própria Constituição Federal já diversificou, ao preceituar, nos incisos do art. 195 e no art. 239, bases de cálculo distintas. Mas, além disso, permitiu diversificação ainda maior, pois prevê que se institua novas fontes, com base na competência residual prevista em seu art. 195 4º. Também têm sido utilizadas emendas constitucionais como instrumento para aumentar as bases de financiamento, e não apenas a competência residual mencionada ampliando a competência da União para instituir outras contribuições. O constituinte derivado já as utilizou quando atribuiu competência à União para instituir a contribuição provisória sobre movimentação financeira (Emendas Constitucionais nº 12/96, nº 21/99, 37/2002 e 42/2003); bem como, no caso da contribuição do importador (PIS/PASEP importação e COFINS - importação EC nº 42/2003). Esse mecanismo de ampliação da competência tributária, por meio de emendas tem sido criticado pela doutrina, como é o caso do Professor Roque Antônio Carrazza, que sustenta a impossibilidade da utilização dessa espécie normativa. o No entanto, o STF entende possível a mencionada ampliação via poder constituinte reformador. A seguir analisarmos as outras fontes, tanto a já prevista na Constituição ( 4º do art. 195 competência residual) como a possibilidade da edição de emendas à constituição, o que inclusive já foi concretizado, conforme referido acima. Competência residual Além das bases já pressupostas na Constituição, o 4º do art. 195 prevê a competência da União para instituir outras fontes de custeio da seguridade social, o mencionado dispositivo assim preceitua: 02
Art. 195 (...) 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I". Parte da doutrina sustenta que "outras fontes" significa outras contribuições, enquanto que outros argumentam tratar-se de fonte diversa de contribuições, principalmente impostos, haja vista a determinação de observância dos requisitos estabelecidos no art. 154, I, da Constituição Federal. Discordamos disso, uma vez que o art. 167, IV, também da Constituição, proíbe a vinculação da receita dos impostos. Por outro lado, o que distingue as contribuições das demais espécies tributárias é justamente sua finalidade, o que nos leva a concluir que as "outras fontes" de que trata o artigo somente poderão ter natureza de contribuições de seguridade social. O STF, no Recurso Extraordinário nº 258470/RS, entendeu como necessário, para a criação de novas contribuições, apenas o requisito formal. Assim, basta a utilização de lei complementar, não sendo condição a inovação da base de cálculo e fato gerador, podendo, inclusive utilizar como base de cálculo e fato gerador situações já previstas para impostos. A novidade quanto aos dois itens referidos deve ser considerada em relação às contribuições de seguridade social. No entanto, ressaltamos que mencionada restrição é aplicada ao exercício da competência residual e não em relação ao PIS e COFINS, pois estas já estão pressupostas na Constituição (art. 195, I, "a" e art. 239). A competência prevista no 4º do art. 195 da CF já foi exercida, quando da instituição da contribuição da empresa sobre os rendimentos pagos a administradores, trabalhadores autônomos e avulsos Lei Complementar nº 84/96. Porém, após a edição da Emenda Constitucional nº 20/98, as mencionadas contribuições passaram a ter como fundamento de validade o inciso I, alínea "a", do art. 195 e não mais seu 4º, motivo pelo qual, a revogação da Lei Complementar nº 84/96 pela Lei nº 9.876/99 não viola a Constituição Federal. Emendas à Constituição Além da competência prevista no 4º do art. 195 da Constituição Federal poderá ser autorizada a 03
criação de outras fontes, por meio da competência reformadora, já que o Congresso Nacional está investido do denominado "poder constituinte derivado", que lhe autoriza editar emendas à Constituição, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 60 da CF e não violados os preceitos do 4º do mesmo artigo, que são as chamadas cláusulas pétreas.. A mencionada competência foi exercida para autoriza a instituição da CPMF (EC nº 12/96 e outras que a prorrogaram) e o PIS/PASEP-importação e COFINSimportação (EC nº 42/2003). A EC nº 42/03 acrescentou um novo inciso ao art. 195, nas ditas contribuições ordinárias - inciso IV "do importador". Com base na nova competência, foi editada a Medida Provisória nº 164/2004, a qual foi convertida na Lei nº 10.865/2004. Assim, foi instituída a contribuição para os programas de integração social e de formação do patrimônio do servidor público incidente na importação de produtos estrangeiros ou serviços PIS/PASEP - importação e a contribuição social para o financiamento da seguridade social devida pelo importador de bens estrangeiros ou serviços do exterior COFINS importador. Entendemos que essa previsão atribuída pela emenda constitucional referida, a qual ampliou a competência para instituir contribuições para a seguridade social, é o reverso da imunidade sobre receitas decorrentes de exportação, instituída pela EC nº 33/01, prevista no art. 149, 2º, I, da CF. A CPMF - contribuição provisória sobre movimentação financeira, por sua vez, foi instituída com base na EC nº 12/96. Em razão de sua provisoriedade foi prorrogada três vezes. As Emendas Constitucionais nº 12/96, 21/99, 37/02 e 42/03 acrescentaram, respectivamente, o art. 74 aos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT, atribuindo competência à União para instituir a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira CPMF; o art. 75, também aos ADCT, que prorrogou a cobrança dessa contribuição por trinta e seis meses; o art. 84 aos ADCT novamente prorrogou sua cobrança até 31-12-2004; e, finalmente, o art. 90, também prorrogou a contribuição ora em discussão até 31-12-2007. No 1º desse último dispositivo prorrogou a vigência da lei instituidora (Lei nº 9.311, de 24-10-96) e, no 2º determinou que a alíquota será de trinta e oito centésimos por cento até a data final da prorrogação. 04
A destinação constitucional à saúde, determinada no 3º do art. 74 dos ADCT, especifica a natureza jurídica da contribuição, uma vez que saúde é uma das áreas componentes do sistema de seguridade social, o que demonstra tratar-se de uma contribuição para a seguridade social. A EC nº 21/99, além da saúde, destinou recursos da CPMF também para a previdência, e a EC nº 37/02 destinou para a três áreas componentes da seguridade social, uma vez que, além da saúde e previdência, destinou recursos para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, portanto à assistência social. A EC nº 42/03 apenas a prorrogou, tendo, com isso, mantido a destinação da EC nº 37/02. Como o Congresso Nacional detém competência para editar emendas à constituição, após a sua edição, ela passa a ser texto constitucional; portanto, não mais se trata de outras fontes, na forma do 4º do art. 195 da Constituição de 1988, mas de uma competência nominada. Isso equivaleria a acrescentar um novo inciso ao art. 195 da Constituição, o que inclusive corrobora o entendimento da necessidade de observância das regras estabelecidas no artigo referido. No caso específico da CPMF, o mencionado procedimento não se justifica, dada a provisoriedade da referida contribuição, apesar de ter sido prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 21/99, 37/02 e 42/03. 05