Vertical Mulching: prática conservacionista mitigadora de perdas por erosão hídrica em sistema plantio direto. Passo Fundo, RS 2008.



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Transcrição:

53 ISSN 1677-8901 Novembro, 2008 Vertical Mulching: prática conservacionista mitigadora de perdas por erosão hídrica em sistema plantio direto José Eloir Denardin 1 *, Antônio Faganello 1, Arcenio Sattler 1 Foto: José Eloir Denardin Passo Fundo, RS 2008 Resumo Na região subtropical do Brasil, o sistema plantio direto não tem sido implementado com a plenitude das práticas conservacionistas requeridas para conter a erosão hídrica decorrente da enxurrada. A ausência de terraços tem resultado na geração de enxurrada e sedimentos enriquecidos por agroquímicos e matéria orgânica, com danos econômico e ambiental. O estudo objetivou avaliar a eficiência do vertical mulching como prática conservacionista mitigadora de perdas por erosão hídrica em lavouras sob sistema plantio direto, através do índice de enriquecimento de sedimentos. O trabalho foi estruturado em três ensaios, constituídos por amostragens pareadas de solo x sedimento, efetuadas em 106 lavouras sob sistema plantio direto, no RS. Ensaio I: 31 lavouras sem práticas conservacionistas. Ensaio II: 43 lavouras terraceadas. Ensaio III: 32 lavouras com vertical mulching. As amostras pareadas constituíram os tratamentos T 1 (amostras de solo da camada de 0 a 10 cm de cada lavoura) e T 2 (amostras de sedimento gerado por erosão em cada lavoura). No Ensaio II, o T 2 foi constituído por amostras de solo coletadas, na camada de 0 a 10 cm, no canal do terraço. Nas amostras determinou-se: ph, P disponível, K, Ca, Mg e Al trocáveis e matéria orgânica. Os índices de enriquecimento dos sedimentos inferem que o vertical mulching apresenta potencial para mitigar perdas por erosão e prevenir riscos de poluição. Palavras-chave: índice de enriquecimento, sedimento 1 Pesquisador, Embrapa Trigo. Rodovia BR 285, km 294, Cx. P. 451, CEP 99001-970. Passo Fundo, RS, Brasil. E-mail: denardin@cnpt.embrapa.br. *Autor para correspondência.

Vertical Mulching: a conservation tillage practice use to reduce water erosion losses under no-till system Abstract In the subtropical region of Brazil, the no-till system has been used with soil conservation practices required to control water erosion generated by runoff. The absence of terraces has resulted in runoff with sediments enriched with agrochemicals and organic matter, with economical and environmental impacts. The present study aimed at to evaluate, through enriching sediment index, the efficiency of the vertical mulching as a conservation tillage practice used to reduce water erosion losses under no-till system. Three field surveys were used to pair sample soil and sediment, in 106 no-till farming fields, under no-till system, in Rio Grande do Sul state. Survey I: composed by 31 farming fields with no conservation tillage practices. Survey II: composed by 43 farming fields fully terraced. Survey III: composed by 32 farming fields with vertical mulching as conservation tillage practice. Paired samples constituted treatment T 1 (soil samples of the 0 to 10 cm layer of each farming field) and T 2 (sediment samples generated by erosion in each farming field). In Survey II, the T 2 treatment was constituted by soil samples of the 0 to 10 cm layer inside of the terrace channel. In each soil sample and sediment was determined: ph, available P, exchangeable K, Ca, Mg and Al, and organic matter. The enrichment sediment indexes showed that the vertical mulching presents potential to reduce water erosion losses under no-till system, preventing risks of pollution. Key words: enrichment index, sediment Introdução Na região subtropical do Brasil, em razão das características pluviométricas, em qualquer época do ano há probabilidade de ocorrência de precipitação com potencial para gerar enxurrada, independentemente do tipo de uso e manejo de solo. A cobertura de solo pode dissipar até 100% a energia cinética da chuva, mas não manifesta esta mesma eficácia para dissipar a energia cisalhante da enxurrada. A partir de determinado comprimento de rampa, a energia cisalhante da enxurrada pode superar a tensão crítica de cisalhamento da cobertura de solo e permitir o transporte de restos culturais, bem como produzir erosão hídrica sob a cobertura (Bertol et al., 1996; Denardin et al., 2005). O sistema plantio direto, que na atualidade representa o manejo conservacionista de solo em maior adoção no País, não tem sido adotado na plenitude conceitual que o expressa como ferramenta da agricultura conservacionista (Denardin et al., 2004). A partir de observações empíricas divulgadas por Martin (1985), foi disseminada a percepção de que a cobertura de solo e a ausência de preparo do solo são suficientes para controlar a erosão hídrica. Em decorrência, os terraços foram desfeitos e a semeadura passou a ser praticada paralelamente ao maior comprimento da gleba, independentemente do sentido do declive. Como resultado dessas atitudes, tem sido notado que a adoção parcial das práticas mecânicas requeridas pelas condições edafoclimáticas da região subtropical do Brasil, para controle da erosão, não têm propiciado condição suficiente para conter o potencial erosivo de chuvas intensas. A associação de práticas mecânicas ao sistema plantio direto, com eficácia para impor barreira física ao escoamento da enxurrada assume relevância, em topossequências configuradas por declives acentuados e pendentes longas. Dentre essas práticas, o

vertical mulching assume relevância, com potencial de utilização na região subtropical do Brasil (Denardin et al., 2005). A ocorrência de enxurrada em lavouras, invariavelmente resulta na perda de agroquímicos e em possíveis prejuízos de ordem econômica e ambiental. O transporte de corretivos, fertilizantes, partículas de solo e material orgânico pode implicar em poluição de mananciais de superfície, redução do tempo de concentração de bacias hidrográficas, redução do volume de água armazenada no solo e redução da recarga de aqüíferos subterrâneos (Schick et al., 2000; Dalla Costa, 2004). Nesse contexto, toda prática conservacionista capaz de manter o comprimento de rampa restrito a limites em que a cobertura de solo não perca eficácia na dissipação da energia cisalhante da enxurrada, contribuirá para minimizar a erosão e os problemas decorrentes (Bertol et al., 1996; Denardin et al., 2005). Assim, ações orientadas à adoção de práticas mecânicas, como meio para o efetivo controle da erosão hídrica são, sem dúvida, de relevância para subsidiar a qualificação do sistema plantio direto e a sustentabilidade agrícola. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficiência do vertical mulching no manejo de enxurrada em lavouras sob sistema plantio direto, através da quantificação do índice de enriquecimento químico de sedimentos. Material e métodos O estudo foi desenvolvido em 2006, nas regiões Planalto Médio e Missões do Rio Grande do Sul, pertencentes à região subtropical do Brasil, caracterizadas pela probabilidade de ocorrência de chuvas intensas em qualquer mês do ano, contemplando lavouras produtoras de grãos, conduzidas sob sistema plantio direto, sem e com as práticas conservacionistas terraceamento (Denardin et al., 1999) e vertical mulching (Denardin & Kochhann, 2006). A implementação do estudo foi estruturada em três ensaios, constituídos por amostragens pareadas de solo x sedimento, efetuadas em 106 lavouras, sendo: ensaio E 1, com 31 lavouras sem práticas conservacionistas; ensaio E 2, com 43 lavouras com terraços de base larga, em nível; e ensaio E 3, com 32 lavouras com vertical mulching. As amostras pareadas constituíram os tratamentos T 1 e T 2, respectivamente, de cada ensaio: no E 1, os T 1 e T 2 foram formados, respectivamente, por amostras de solo coletadas na área de lavoura do entorno do sulco de erosão e por amostras de sedimentos produzidos neste sulco; no E 2, os T 1 e T 2 foram formados, respectivamente, por amostras de solo coletadas na área de lavoura à montante do terraço e por amostras de solo coletadas no talvegue do canal deste terraço; e no E 3, os T 1 e T 2 foram formados, respectivamente, por amostras de solo coletadas na área de lavoura à montante do vertical mulching e por amostras de sedimentos depositados no sulco deste vertical mulching. As amostras de solo do T 1, de cada ensaio, foram coletadas na camada de 0 a 10 cm. A amostragem de solo para o T 2 foi específica para cada ensaio: no E 1, a amostragem foi efetuada nos sedimentos depositados à jusante do sulco de erosão; no E 2, a amostragem foi efetuada na camada de 0 a 0,10 cm, no talvegue do canal do terraço; e no E 3, a amostragem foi efetuada nos sedimentos depositados no sulco do vertical mulching. A coleta das amostras de solo, na camada de 0 a 10 cm, foi efetuada com trado tipo calador e a dos sedimentos com espátula. Determinou-se nas amostras: ph em água, P disponível, K, Ca, Mg e Al trocáveis e matéria orgânica. O índice de enriquecimento dos sedimentos foi expresso pelo quociente entre o teor de cada parâmetro avaliado nos sedimentos e o teor do respectivo parâmetro avaliado na lavoura. Os dados gerados em cada ensaio foram tratados estatisticamente pela análise de variância, seguindo o modelo observações pareadas, proposto por Steell & Torrie (1960).

Resultados e discussão Nos ensaios E 1 e E 3, sem e com presença da prática conservacionista vertical mulching, respectivamente, contrastando os resultados de T 1 com os de T 2, nota-se que houve diferença significativa para todos os parâmetros avaliados, indicando enriquecimento de sedimento (Tabela 1). No ensaio E 1, o coeficiente de variação dos parâmetros avaliados oscila de 5,90%, para ph em água, a 56,03%, para alumínio trocável e, no ensaio E 2, de 6,40% a 62,68%, respectivamente, para os mesmos parâmetros. Essa amplitude do coeficiente de variação, possivelmente, decorre de o estudo constituir um levantamento de dados, contemplando lavouras com diferentes tipos de solo e níveis de fertilidade, submetidas a variados modelos de produção e eventos pluviais. Entretanto, diferenças significativas entre T 1 e T 2, em todos os parâmetros avaliados, diante de coeficientes de variação dessa magnitude, certamente decorre do fato de o enriquecimento de sedimento ser um processo presente em todos os locais estudados. Entre os parâmetros avaliados, o P disponível, o K trocável e a matéria orgânica destacam-se como os maiores enriquecedores de sedimento. No E 1, os valores absolutos de P disponível, K trocável e matéria orgânica são, respectivamente, 3,55, 3,79 e 2,08 vezes maior nos sedimentos (T 2 ) do que nas lavouras que os geraram (T 1 ) e, no E 2, esses valores, em menor magnitude, são, respectivamente, 2,96, 2,40 e 1,83. O Al trocável, nos sedimentos (T 2 ), que é 17 e 7,25 vezes menor do que nas lavouras (T 1 ), respectivamente para E 1 e E 3, destaca-se como o parâmetro de maior diferença entre os tratamentos, embora os valores absolutos sejam considerados irrelevantes do ponto de vista da fertilidade do solo. A menor concentração de Al trocável nos sedimentos (T 2 ) em relação às áreas de lavoura (T 1 ), em E 1 e E 3, pode ser justificada pelo transporte preferencial de partículas de calcário de menor diâmetro e, conseqüentemente, de maior reatividade, presentes na superfície do solo, em razão da técnica da calagem sem incorporação do corretivo ao solo. As maiores concentrações de P disponível e de K trocável observadas nos sedimentos (T 2 ), nos ensaios E 1 e E 3, possivelmente, decorrem da adubação a lanço, comumente praticada em sistema plantio direto. O maior nível de matéria orgânica no T 2 em relação ao T 1, certamente é resultante da menor densidade deste material em relação às partículas de solo, tendo, por isto, transporte preferencial pela enxurrada. Esses dados permitem inferir que, em lavouras sob sistema plantio direto, a erosão hídrica promove arraste de corretivos, fertilizantes e matéria orgânica, presentes na camada superficial do solo, gerando sedimento enriquecido, que além de representar prejuízo econômico ao sistema agrícola produtivo, pode constituir fator de poluição ambiental. Contrastando a magnitude de variação, em valores absolutos, de todos os parâmetros avaliados em E 1 e E 3, com destaque para P disponível, K trocável e matéria orgânica, percebe-se que o vertical mulching reduz o grau de enriquecimento dos sedimentos por reduzir a energia erosiva da enxurrada ao seccionar e diminuir o comprimento de rampa. Ao contrário das lavouras manejadas sob sistema plantio direto, sem práticas mecânicas para manejo de enxurrada, ensaio E 1, que permitem o carreamento de sedimentos enriquecidos para fora da lavoura, o vertical mulching retém os sedimentos nos sulcos, prevenindo possível contaminação ambiental, principalmente, de mananciais de superfície. Em adição, o vertical mulching demonstra potencial para mitigar perdas por erosão em relação às lavouras sem práticas mecânicas para manejo de enxurrada, ao exibir, para P disponível, K trocável e matéria orgânica, redução dos índices de enriquecimento dos sedimentos. Quanto ao E 2, denota-se que o contraste entre T 1 e T 2 é significativo apenas para P disponível e K trocável, e que os índices de enriquecimento dos sedimentos são

próximos da unidade ou, na maioria das vezes, menores do que um. Dos dois parâmetros com diferença significativa entre T 1 e T 2, o teor de P disponível é menor no T 2 que no T 1. Essa constatação infere ausência de erosão hídrica na área de lavoura à montante do terraço. A diferença significativa observada para K trocável, com maior teor no T 2 que no T 1, possivelmente está associada à mobilidade deste elemento que, ao ser lavado das plantas pelas chuvas no fim do ciclo das culturas, é transportado para o canal do terraço em solução no deflúvio superficial, porém sem energia erosiva. Comparando os resultados gerados nos três ensaios, pode-se inferir que o terraceamento é a prática mecânica de maior eficácia para minimizar os efeitos danosos da erosão hídrica. Contudo, pode-se inferir que a prática conservacionista vertical mulching demonstra potencial para mitigar perdas decorrentes da erosão hídrica e prevenir o carreamento de sedimentos para fora da lavoura.

Tabela 1. Parâmetros químicos de solo, teste F, coeficiente de variação e índice de enriquecimento de sedimentos determinados em três ensaios, com dois tratamentos, constituídos por amostras pareadas de solo x sedimento coletadas em lavouras manejadas sob sistema plantio direto, sem (ensaio 1) e com (ensaios 2 e 3) as práticas conservacionistas terraceamento e vertical mulching, localizadas nas regiões Planalto Médio e Missões do estado do Rio Grande do Sul. Ensaio 1 - Erosão em Sulco 2 Ensaio 2 - Terraceamento 3 Ensaio 3 - Vertical Mulching 4 Parâmetro 1 T 1 T 2 Teste CV IES Lavoura Sedimento F 5 T1 T 2 Teste CV IES (%) Lavoura Sedimento F 5 T1 T 2 Teste CV (%) Lavoura Sedimento F (%) ph em água 5,9 6,6 ** 5,90 1,12 5,6 5,8 ns 8,06 1,04 5,7 6,1 ** 6,40 1,07 P (mg/ dm 3 ) 14,3 50,7 ** 44,60 3,55 31,3 21,2 ** 58,14 0,68 23,0 68,1 ** 51,80 2,96 K (mg/ dm 3 ) 104,0 394,0 ** 35,43 3,79 276,0 366,0 ** 18,52 1,33 201,0 482,0 ** 41,97 2,40 MO (g/dm 3 ) 26,0 54,0 ** 20,63 2,08 42,0 41,0 ns 20,81 0,98 30,0 55,0 ** 26,25 1,83 Al (mmol c/dm 3 ) 1,7 0,1 ** 56,03 0,06 4,2 3,2 ns 64,45 0,76 5,8 0,8 ** 62,68 0,14 Ca (mmol c/dm 3 ) 44,5 60,1 ** 17,82 1,35 49,7 44,8 ns 28,37 0,90 46,3 53,5 ** 13,77 1,16 Mg (mmol c/dm 3 ) 23,2 32,3 ** 17,08 1,39 26,9 27,2 ns 28,83 1,01 21,1 28,5 ** 22,10 1,35 1 P = fósforo disponível; K = potássio trocável; MO = matéria orgânica; Al = alumínio trocável; Ca = cálcio trocável; Mg = magnésio trocável. 2 Ensaio 1: Lavouras manejadas sob sistema plantio direto, sem práticas conservacionistas para controle de enxurrada, em que T 1 corresponde a amostras de solo coletadas na área de lavoura do entorno do sulco de erosão e T 2 corresponde a amostras de solo representativas dos sedimentos produzidos por este sulco de erosão. Médias de 31 lavouras. 3 Ensaio 2: Lavouras manejadas sob sistema plantio direto, com a prática conservacionista terraço tipo base larga, em nível, especialmente dimensionados para o sistema plantio direto, em que T 1 corresponde a amostras de solo coletadas na área de lavoura situada à montante dos terraços e T 2 corresponde a amostras de solo coletadas no talvegue do canal dos respectivos terraços. Médias de 43 lavouras. 4 Ensaio 3: Lavouras manejadas sob sistema plantio direto, com a prática conservacionista vertical mulching, em que T 1 corresponde a amostras de solo coletadas na área de lavoura situada à montante dos sulcos do vertical mulching e T 2 corresponde a amostras de solo representativas dos sedimentos depositados no sulco do vertical mulching. Médias de 32 lavouras. 5 IES = índice de enriquecimento de sedimento (T 2/T 1). IES 5

Conclusões Em lavouras sob sistema plantio direto, a erosão hídrica gera sedimentos quimicamente enriquecidos. As práticas conservacionistas terraceamento e vertical mulching reduzem o índice de enriquecimento de sedimentos e previnem o carreamento de sedimentos quimicamente enriquecidos para fora da lavoura. Referências bibliográficas BERTOL, I.; COGO, N. P.; LEVIEN, R. Comprimento crítico de declive em sistemas de preparos conservacionistas de solo. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v. 21, p. 139-148, 1996. DALLA COSTA, R. Nutrientes na água de escoamento superficial em sistema plantio direto com mulching vertical. 2004. 63 p. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria. DENARDIN, J. E.; KOCHHANN, R. A. Mulching vertical. In: PIRES, F. R.; SOUZA, C. M. de. Práticas mecânicas de conservação do solo e da água. 2. ed. Viçosa: UFV, 2006. Cap. 4, p. 80-85. DENARDIN, J. E.; KOCHHANN, R. A.; BERTON, A.; TROMBETTA, A.; FALCÃO, H. Terraceamento em plantio direto. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 1999. 3 p. html. Publicação Online. (Embrapa Trigo. Comunicado técnico online, 8). DENARDIN, J. E.; KOCHHANN, R. A.; COGO, N. P.; BERTOL, I. Terraceamento em sistemas conser-vacionistas de preparo do solo: II - Análise prática e um relato de caso. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA, 15., 2004, Santa Maria. Manejo: integrando a ciência do solo na produção de alimentos. Santa Maria, UFSM, 2004. 9 p. 1 CD-ROM. DENARDIN, J. E.; KOCHHANN, R. A.; FLORES, C. A.; FERREIRA, T. N.; CASSOL, E. A.; MONDARDO, A.; SCHWARZ, R. A. Manejo de enxurrada em sistema plantio direto. Porto Alegre: Fórum Estadual de Solo e Água, 2005. MARTIN, E. O plantio direto no estado do Rio Grande do Sul. In: ENCONTRO NACIONAL DE PLANTO DIRETO, 3., 1985, Ponta Grossa. Anais... Ponta Grossa: Batavo, Fundação ABC, 1985. p. 15-16. SCHICK, J.; BERTOL, I.; BATISTELA, O. Erosão hídrica em Cambissolo Húmico alumínico submitido a diferentes sistemas de preparo e cultivo do solo: perdas de nutrientes e carbono orgânico. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v. 24, p. 437-447, 2000. STEEL, R. G. D. ; TORRIE, J. H. Principles and procedures of statistics. New York: McGraw-Hill Book, 1960. 481 p.

Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento Online, 53 Embrapa Trigo Caixa Postal, 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS Fone: (54) 3316 5800 Fax: (54) 3316 5802 E-mail: sac@cnpt.embrapa.br Expediente Comitê de Publicações Presidente: Leandro Vargas Ana Lídia V. Bonato, José A. Portella, Leila M. Costamilan, Márcia S. Chaves, Paulo Roberto V. da S. Pereira Referências bibliográficas: Maria Regina Martins Editoração eletrônica: Márcia Barrocas Moreira Pimentel DENARDIN, J. E.; FAGANELLO, A.; SATTLER, A. Vertical Mulching: prática conservacionista mitigadora de perdas por erosão hídrica em sistema plantio direto. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2008. 11 p. html (Embrapa Trigo. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento Online, 53). Disponível em: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/bp/p_bp53.htm>.