UM ESTUDO SOBRE O NOVO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 305, DO CPC, TRAZIDO PELA LEI N.º 11.280/2006



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Transcrição:

UM ESTUDO SOBRE O NOVO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 305, DO CPC, TRAZIDO PELA LEI N.º 11.280/2006 Lucas Araújo Vieira 1 1. Inserção do parágrafo único, do art. 305, do CPC. Finalidades e valores jurídicos protegidos; 2. Exegese do dispositivo legal (exame técnico do comando legal); 2.1. Objeto; 2.2. Requisitos para a aplicação do dispositivo; 2.3. Aplicação do comando em processos com um só réu, com mais de um domicílio; 2.4. Aplicação do comando em processos com mais de um réu (litisconsórcio passivo); 2.5. Aplicação do comando em processos com réu domiciliado no exterior; 2.6. Aplicação do comando em processos com réu sem domicílio; 3. Exame crítico do comando legal; 4. Conclusão; 5. Referências. 1. Inserção do parágrafo único, do art.305, do CPC. Finalidades e valores jurídicos protegidos. Dentre as inúmeras alterações decorrentes da Lei nº 11.280/2006, publicada no Diário Oficial em 17 de fevereiro de 2006, deparamo-nos com o atual Parágrafo Único, do Art. 305, do CPC. Tal inovação legislativa, dentre as demais atinentes à terceira etapa das reformas do CPC, tem conferido um aspecto contemporâneo ao processo civil pátrio, garantindo que a defasagem temporal, natural de uma lei datada de 11 de janeiro de 1973, não comprometa significativamente o referido codex. Assim dispõe o referido dispositivo: Art. 305. (...) 1 Acadêmico do 4º Ano do Curso de Direito da Universidade Salvador (UNIFACS), em Salvador, Bahia.

Parágrafo único. Na exceção de incompetência (art. 112 desta Lei), a petição pode ser protocolizada no juízo de domicílio do réu, com requerimento de sua imediata remessa ao juízo que determinou a citação. (Parágrafo único acrescentado pela Lei nº 11.280, de 16/02/2006 - DOU 17/02/2006. Vigência: 90 dias após a publicação) A Constituição Federal, em seu art. 5º., LIV e LV, garante que ninguém terá cerceada sua liberdade ou será privado de seus bens sem o devido processo legal e assegura a qualquer acusado em processo judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, conforme o exposto abaixo: LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Tais cânones conferem ao devido processo legal a natureza de princípio reitor do processo jurisdicional como um todo, do qual emanam as demais garantias processuais, como as do contraditório e da ampla defesa referidos supra, da igualdade entre as partes, da imparcialidade do juiz, dentre outras oriundas do corpo da Lei Fundamental de 1988. A busca do legislador em atribuir uma maior concretude a este princípio maior é um dos principais sustentáculos das reformas do CPC e, por conseguinte lógico, do parágrafo único do seu art. 305. De acordo com as lições de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2004, p. 293), o processo, enquanto instrumento para resolução imparcial dos conflitos que se verificam na vida social, é figurado, essencialmente, por, pelo menos, três sujeitos: o autor, que é quem deduz em juízo uma pretensão (qui res in iudicium deducit), o réu, aquele em face de quem a pretensão é deduzida (is contra quem res in iudicium deducitur), sendo eles os sujeitos contrapostos da lide, além do juiz, terceiro imparcial responsável por dirimir a lide jurisdicionalmente. Ao deduzir em juízo sua pretensão, o autor se sujeita apenas ao indeferimento da mesma, não se submetendo a quaisquer espécies de invasão da sua esfera jurídica, salvo em caso de réu reconvinte.

Já o réu, este sim é o sujeito processual com maior potencialidade de sofrer os efeitos da lide em sua esfera patrimonial ou pessoal, devendo, portanto, às luzes dos princípios constitucionais supra-mencionados, ter ampla possibilidade de se contrapor à pretensão controversa. Ao possibilitar que o réu, sem a necessidade de ausentar-se do seu domicílio, oponha a referida exceção de incompetência relativa, o legislador permite que, pragmaticamente, o contraditório e a ampla defesa sejam exercidos de forma plena. Isto facilita o acesso à justiça, sem que seja atribuído ao excipiente o ônus de ter que protocolizar a sua resposta em local diverso, sob pena de dilatar-se a competência, já que a inobservância do juízo competente se deu por falha da parte autora. No que tange à proteção à isonomia processual, a nova disciplina legal busca, mais uma vez, garantir a eqüidistância do Estado-Juiz em relação às partes no processo. Tendo em vista que o Autor pôde exercer o seu direito de ação como bem desejou, o que veio a acarretar um ajuizamento em local outro que não o devido, não seria isonômico que, ao réu, fosse atribuída um ônus meramente financeiro ou não além do necessário para que ele possa exercer o seu direito de defesa. Entretanto, há que se indagar quanto a validade de se incluir um fundamento econômico para justificar a aplicação de uma norma jurídica. Como se sabe, o ordenamento jurídico é uno e, conforme leciona A.L. Machado Neto (1988, p. 147), a teoria da sua estrutura piramidal foi obra de ADOLFO MERKEL, depois continuada por KELSEN e completada por COSSIO. Ao utilizar um fundamento não jurídico - neste caso, econômico para embasar a aplicação de uma norma jurídica, estar-se-ia indo de encontro à idéia da unicidade e da plenitude do ordenamento jurídico? Não, por um simples fato: o ordenamento, apesar de uno, não pode figurar alheio ao meio que busca regulamentar.

Assim, valer-se da idéia de que uma das razões para a elaboração do diploma em foco é a não atribuição de um ônus econômico além do necessário para a parte ré não é negar o ordenamento jurídico, mas sim reafirmá-lo dialeticamente com a sociedade que se busca disciplinar. 2. Exegese do dispositivo legal (exame técnico do comando legal). Após a abordagem preliminar, passaremos agora ao exame técnico do comando em tela, trazendo à tona alguns dos seus muitos aspectos. 2.1. Objeto. Apresentada em juízo a petição inicial, meio através do qual o autor deduz em juízo a tese por ele pretendida, cabe ao magistrado, à luz dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, citar o réu para que este ofereça no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção, conforme assevera o art.297 do CPC. O que nos interessa para o estudo do parágrafo único do dispositivo objeto desta análise é o oferecimento pela parte ré da exceção. A exceção é o meio da parte acionada alegar defeitos processuais com natureza meramente dilatória e, justamente por isso, conforme os ensinamentos de MARINONI e ARENHART (2004, p. 162): Nenhuma delas tem a possibilidade de extinguir a relação processual, podendo, se acolhidas, tão-somente alargar o processo, dilatando-o no tempo e submetendo a causa a exame por outro órgão jurisdicional. De acordo com o art. 304 do CPC, é possível que qualquer das partes alegue, por meio de exceção, a incompetência (Art. 112), o impedimento (Art. 134) ou a suspeição (Art. 135).

Tal disposição deve ser analisada com um olhar crítico para que não se perca de vista a lógica procedimental, visto que, ao autor não é lícito argüir a exceção de incompetência relativa em razão do território, já que foi este, e não o réu, que escolheu o juízo no qual protocolizaria sua inicial. Dentre as três espécies de exceção expostas supra, somente a de incompetência relativa (art. 112, do CPC) foi amparada pelo novo parágrafo único do art. 305, cabendo aqui uma abordagem do porquê de tal especificação. Ao opor as exceções de impedimento ou de suspeição, o que a parte busca é atacar o vício que contamina o juiz responsável por instruir a lide, seja pelas causas arroladas nos arts. 136 e 134 do CPC (atinentes ao impedimento) ou pelas contidas no art. 135 do CPC (referentes à suspeição), buscando com isto um outro magistrado que não este impedido ou suspeito. No que tange à exceção de incompetência, esta sim é responsável por atacar o juízo no qual foi ajuizada a ação, objetivando que o processo seja remetido ao juízo competente, no qual deveria ter sido oferecida a petição inicial desde o começo. Todavia, ao tratar especificamente da incompetência relativa, é possível que esta se divida em razão do território ou em razão do valor da causa. Teria o parágrafo único aplicação somente nos casos de incompetência relativa em razão do território ou também em razão do valor da causa? Novamente valendo-se da lógica procedimental, não é possível admitir a aplicação no dispositivo em tela para a exceção de incompetência relativa em razão do valor da causa, visto que, embora a mesma possa vir a ser julgada procedente, o réu posteriormente deverá constituir um procurador no referido juízo. Sendo assim, inferimos que a vontade do legislador não foi de facilitar indiscriminadamente o oferecimento da exceção por parte do réu, mas sim de buscar uma

forma de acesso à justiça mais condizente com a realidade, haja vista que, sanado o vício procedimental da incompetência relativa territorial, o processo será remetido para um juízo diverso do inicial. Não está acobertada a alegação de incompetência absoluta pelo simples fato de que, conforme consta no art. 113 do CPC, esta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção, e, se for alegada pelo réu, deve constar em preliminar de contestação. Também não há como conceber a abrangência da inovação legislativa para a contestação ou para a reconvenção por estas serem formas de defesa em que se atinge, também, o mérito da causa (e não exclusivamente processuais, como a exceção). Admitindo-se que, por uma mera suposição, fosse possível a apresentação das duas defesas de mérito em questão com fulcro no parágrafo único do art.305 do CPC, haveria aqui uma ilogicidade, visto que o juízo permaneceria o mesmo e, posteriormente, o réu teria a necessidade de constituir um procurador na comarca em que corre o processo. 2.2. Requisitos para aplicação do dispositivo. Da exegese do dispositivo em discussão, faz-se mister trazer à baila os pressupostos para a sua aplicação. O primeiro deles e também o basilar é que a exceção seja protocolizada no domicílio do réu. Vejamos o que estabelece o art. 70 do CC/2002: Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

De acordo com a leitura do dispositivo e à luz dos ensinamentos de PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO (2003, p. 247), fica evidente que, para se caracterizar o domicílio, não é suficiente que a pessoa natural resida em um dado local (aspecto objetivo), não se podendo perder de vista também o elemento volitivo da mesma (aspecto subjetivo), qual seja, o ânimo de ali permanecer ( animus manendi ). Assim, o réu deve opor a sua exceção de incompetência relativa na comarca do seu domicílio, sob pena de, desobedecida esta condição, padecer a sua peça de vício insanável, o que gerará o seu indeferimento. Além deste primeiro requisito, é essencial que a resposta em questão venha acompanhada do requerimento de sua imediata remessa ao juízo que determinou a citação. Contudo, há que se questionar a eficácia de tal norma. Seria ela plena (sendo a sua função eficacial imediatamente concretizada), limitada (carecendo, portanto, de outras normas para que se concretize a função eficacial) ou contida (a norma nasce com eficácia plena mas pode vir a ser restringida por uma outra norma)? Parece-nos que a eficácia é imediatamente concretizada neste caso, tendo em vista que o CPC, ao restringir a eficácia de uma norma, o faz de forma expressa, como, por exemplo, nos casos dos arts. 91 e 124. Por constituir-se em um direito do demandado, a inovação legislativa deve ser aplicada independente de prévia regulamentação interna dos tribunais, visto que nenhuma ressalva neste sentido consta no questionado parágrafo único. Por fim, temos o último requisito para a aplicação do novo parágrafo do art. 305, do CPC, qual seja, que a resposta apresentada no juízo do réu seja uma exceção de incompetência relativa em razão do território e não as demais espécies de exceção ou qualquer outra manifestação pela parte demanda, conforme exposto no item 2.1. deste estudo.

2.3. Aplicação do comando em processos com um só réu, com mais de um domicílio. Esta seria uma das formas básicas de aplicação do novo dispositivo legal, com algumas ressalvas. O réu apresentaria a exceção em quaisquer dos seus domicílios, na forma disposta no parágrafo único, requerendo a sua imediata remessa ao juízo que determinou a citação. Entretanto, uma ressalva há de ser feita neste caso em relação aos requisitos para a aplicação da nova redação legal. Caso o réu resolva exercer o seu direito em um dos seus domicílios que não aquele no qual se deu a citação judicial, cabe a ele, com natureza de ônus processual, provar que é domiciliado na comarca onde está a protocolizar sua exceção, sob pena de não recebimento da mesma. Recebida a exceção pelo juízo no qual corre a ação, o processo ficará suspenso (Art. 265, III, do CPC), até que a mesma seja definitivamente julgada. 2.4. Aplicação do comando em processos com mais de um réu (litisconsórcio passivo). De acordo com CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2004, p. 295-296): O litisconsórcio é um fenômeno de pluralidade de pessoas, em um só ou em ambos os pólos conflitantes da relação jurídica processual (isto é, ele constitui fenômeno de pluralidade de sujeitos parciais principais do processo). Ou seja, enquadrada a situação fática em quaisquer das hipóteses do art. 46 do CPC, poderá, tanto a parte demandante quanto a demandada, atuar de forma coletiva, sendo o principal objetivo deste evento a economia processual.

Há que se ressalvar, entretanto, que os litisconsortes, tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo, são independentes entre si, de modo que, salvo disposição em contrário, os atos praticados por um não beneficiam e nem prejudicam os outros, conforme dispõe o art. 48 do CPC. Supondo que a ação objeto da exceção a ser protocolizada não tenha sido proposta em nenhum dos domicílios dos réus, sendo todos domiciliados em território nacional, abre-se para eles a faculdade de, individualmente, na qualidade de réus da ação, oferecerem suas respostas em seus respectivos domicílios. Contudo, caso resolvam os litisconsortes oferecer individualmente suas respostas em local diverso do que ocorreu a citação judicial, torna-se essencial que cada peça esteja acompanhada da prova de que, cada um dos réus, reside na respectiva comarca na qual oferece sua exceção. Por não fazer nenhuma ressalva ao elaborar o parágrafo único do artigo em questão, entende-se que a prerrogativa foi concedida a qualquer réu, em litisconsórcio, ou não, não sendo relevante se há um ou diversos litigantes figurando no pólo passivo da demanda. Não se deve, neste caso, restringir a interpretação do dispositivo legal, já que o próprio legislador não o fez expressamente. 2.5. Aplicação do comando em processos com réu domiciliado no exterior. A jurisdição, enquanto atribuição exclusiva do Estado, através do Poder Judiciário, é uma das inúmeras formas de manifestação de soberania. A função jurisdicional encontra na lei processual a disciplina do seu exercício, extraindo assim a natureza pública de tal norma. Deste modo, de acordo com o princípio da territorialidade ou da lex fori (lei do lugar onde a ação é movida), a norma processual só é aplicável dentro dos limites territoriais brasileiros.

MOACYR AMARAL SANTOS (2005, p. 34.), ao tratar do princípio da lex fori, assim preceitua: Esse princípio é tanto mais compreensivo em relação às leis processuais, que disciplinam o exercício da função jurisdicional do Estado e, pois, a administração da justiça. Como esta é função do Estado, somente o Estado estará autorizado a dispor quanto às leis que regulam o exercício da mesma função. A lei processual se aplica e é eficaz nos limites do território nacional, não no de outros Estados. Neste sentido, reduzindo a pó quaisquer dúvidas remanescentes, temos o art. 1.211 do CPC: Art. 1.211. Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes. Após estas considerações, torna-se incogitável que, estando o réu domiciliado no exterior, possa ele opor sua exceção de incompetência valendo-se da inovação conferida pelo legislador, não por falta de isonomia entre as partes, mas sim por não estar o Estado estrangeiro sujeito à aplicação do Código de Processo Civil pátrio. 2.6. Aplicação do comando em processos com réu sem domicílio Não enquadrado o réu em nenhuma das hipóteses previstas nos arts. 70 e ss do CC, dependerá do local onde foi citado o demandado para que determinemos a possibilidade ou não de opor a referida exceção na forma prevista atualmente. Caso a citação do réu ocorra em território nacional, não há óbice algum para que ele protocolize sua exceção na comarca onde foi encontrado. Caso a situação fática enquadre-se em algumas das hipóteses do art. 231 do CPC, será o réu citado por edital, sendo indispensável, para que oponha a exceção em local diverso do que tramita a ação, a prova de que possua residência onde estiver ofertando a peça processual.

Todavia, estando o réu em território estrangeiro, não se pode cogitar a aplicação da inovação legal, não porque haja cerceamento do direito ao contraditório ou à ampla defesa, mas sim graças ao princípio da territorialidade da norma processual no espaço. 3. Exame crítico do comando legal. Passando agora ao exame crítico do parágrafo único do art. 305 do CPC, faz-se mister analisar a sua funcionalidade em face do nosso sistema judiciário. Louvável foi a iniciativa do legislador ao elaborar tal inovação no ordenamento nacional, embora, para que se analise a sua aplicabilidade, ainda seja necessário aguardar que os tribunais ponham-na em prática. Como se trata de norma de eficácia plena, entendemos que, para fins de protocolizar tal exceção, deva a mesma ser dirigida ao juiz responsável pela distribuição no tribunal, em se tratando de comarcas maiores, ou dirigida ao juiz singular, nos casos de comarcas de 1ª entrância. A conveniência de tal dispositivo está na possibilidade que se confere ao réu de, sem a necessidade de se deslocar ou mesmo de constituir procurador na comarca em que tramita a causa, oferecer sua defesa atacando o juízo que padece do vício da incompetência relativa. Contudo, apesar desta facilitação ao acesso à justiça, seria interessante que, buscando uma melhor aplicabilidade do referido parágrafo único, os Tribunais disciplinassem a sua utilização através das leis de organização judiciária. 4. Conclusão. Infere-se dos motivos supra explanados que a terceira fase das reformas do CPC trouxe, juntamente com o parágrafo único do art. 305, a necessidade de nos debruçarmos sobre as questões atinentes à sua aplicabilidade.

Foi visto que, embora se busque facilitar o acesso à justiça, tal norma só é aplicável em território nacional, não sendo eficaz para fins de utilização em território estrangeiro. Também foi salientado que é irrelevante a quantidade de réus ou de domicílios que cada um deles possua, visto que, por não haver ressalva expressa, o dispositivo em análise aplica-se da mesma forma. A exegese normativa de tal dispositivo é essencial para que este seja aplicado de forma correta, garantindo que dele se extraiam todas as suas potencialidades, quais sejam, fazer com que garantias constitucionais como o direito ao contraditório e à ampla defesa sejam trazidos ao patamar máximo, não só teoricamente, como também de modo prático. 5. Referências. BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Um estudo sobre as novas redações dos arts. 112 e 114, do CPC, modificados pela Lei nº 11.280/2006. Disponível em: <http://www.unifacs.br/revistajuridica/edicao_junho2006/docente/doc2.doc>. Acesso em 19/07/2006 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. GRINOVER, Ada Pellegrini, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo & DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo.20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004 MACHADO NETO, A. L. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1975. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Direito ao devido processo legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, nº 329. Elaborado em 10/2002 e inserido em 01/06/2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5223>. Acesso em 19/07/2006. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense: 2003.