Compreendendo a ansiedade por uma perspectiva cognitiva



Documentos relacionados
A ANSIEDADE NOS EXAMES

SUPERANDO A ANSIEDADE DE PROVA. Rael Dill de Mello Psicólogo CRP 08/ raelpsicologo@gmail.com

Ferramentas para a Avaliação com TCC dos Transtornos de Ansiedade

(1) A LEI DA ATR AÇÃO Lei_Atração-CYAN.indd 18 Lei_Atração-CYAN.indd 18 27/10/ :28:37 27/10/ :28:37

Abuso Sexual Técnicas de Entrevista e Abordagem. Lícia Nery Fonseca Técnica em Psicologia MP-GO licia.fonseca@mpgo.mp.br

COMO ENTENDER A MENOPAUSA E INSTABILIDADE EMOCIONAL

Pessoas de Sucesso Estabelecem Metas

DNA, o nosso código secreto

THE BLACK BOOK OF FASHION

Auto estima e sua relação com a aprendizagem

ÉTICA E MORAL. profa. Karine Pereira Goss

O primeiro passo fundamental é

GEOGRAFIA. PRINCIPAIS CONCEITOS: espaço geográfico, território, paisagem e lugar.

OS FATORES QUE INFLUENCIAM O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Projeto de Inclusão Social

Maquiavel ( )

Segredos dos Psicotécnicos para quem não quer ser surpreendido neste volume: Testes de Raciocínio G-36 G-38 livre reprodução e distribuição

Mesa Redonda. Editora. Resgate. Conflitos de Uma Geração Por João Cruz

Como lidar com a ansiedade

Como conduzir uma entrevista de início vencendo as objeções...

Características das Figuras Geométricas Espaciais

TP043 Microeconomia 16/11/2009 AULA 20 Bibliografia: PINDYCK capítulo 11 Determinação de Preços e Poder de Mercado.

Engenharia de Software

Informações sobre Acidentes com Mãos & Braços e Prevenção

Ansiedade Generalizada. Sintomas e Tratamentos

A sexualidade é a expressão do desejo, do amor e da comunicação com o outro.

A Herança de Paulo Freire

As 10 Maneiras mais GARANTIDAS De Se Conseguir uma Entrevista de EMPREGO

A Psicologia de hoje e a psicologia de ontem. Profª Bianca Werner Psicologia

Profa. Ana Carolina Schmidt de Oliveira Psicóloga CRP 06/99198 Especialista em Dependência Química (UNIFESP) Doutoranda (UNIFESP)

UNIVERSO UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA CURSO DE ENFERMAGEM GILVAN SALES DO NASCIMENTO RESENHA DO FILME UMA MENTE BRILHANTE

PCERJ- DGPE- DCAV A CRIANÇA E O ADOLESCENTE QUAIS MEDIDAS DEVEMOS TOMAR PARA EVITAR QUE SEJAM VÍTIMAS DE PEDOFILIA?

Entenda sua ansiedade. Novembro

PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS NO TRABALHO - PROART

Cultivando O Fruto do. Gálatas 5.22

Dicas Para Ser Um Ótimo Músico. Parte 1/6. Departamento de Música AD Vale das Virtudes

Normas para a elaboração de um relatório. para a disciplina de projecto integrado. 3.º ano 2.º semestre. Abril de 2004

Síndrome de Guillain-Barré

1. O amor que sabe. 2. A boa e a má consciência

O QUE É? O RETINOBLASTOMA

REFORÇAMENTO INTRÍNSECO E EXTRÍNSECO 1 PUC-SP

Segredos dos Psicotécnicos para quem não quer ser surpreendido neste volume: Teste de Raven livre reprodução e distribuição

CARTILHA DOS PROCEDIMENTOS DA BIOMETRIA

Copyright de todos artigos, textos, desenhos e lições. A reprodução parcial ou total deste ebook só é permitida através de autorização por escrito de

O modo como a pessoa com deficiência física incorpora sua nova condição é único, dependente dos valores e conceitos formados durante sua história de

FUNDAÇÃO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE BARUERI

Pagamento de complemento de salário-maternidade, considerando que este valor deve ser deduzido da guia de INSS, pois é pago pelo INSS.

SPI A Score sheet. APENDICE 1: Critérios de Pontuação por ordem de relevância.

10 Maneiras De Escrever Anúncios Mais Eficazes

Aspectos Psicológicos da Dor: Reflexões sobre a prática clínica com idosos

Inventário de Atitudes no Trabalho

VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVENÇÃO DAS DST/AIDS Belo Horizonte - Minas Gerais Novembro de 2006

7. Hipertensão Arterial

Sistemas de Informação para Bibliotecas

ADMINISTRAÇÃO GERAL MUDANÇA ORGANIZACIONAL

O Empreendedor Corporativo

NAPE. Núcleo de Apoio PsicoEducativo. Divisão de Assuntos Sociais

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE HISTÓRIA

1o) constância da inclinação do eixo de rotação da Terra. 2o) movimento de translação da Terra ao redor do Sol.

A chegada do paciente na unidade de Cuidados Paliativos. Psicóloga Silvana Aquino Hospital de Câncer IV

Perguntas. Porque nosso papel é trazer respostas aos anseios do coração humano (aspecto pastoral)

Recursos-chave para Gestores de Projecto Guia 3 Pensamento Crítico Auto-estudo Para o Gestor de Projecto

4.2.2 Filtrando Macro filtro

Equipamentos de Proteção Individual Quais as evidências para o uso? Maria Clara Padoveze Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo

SENADO FEDERAL EVITE O ESTRESSE SENADOR CLÉSIO ANDRADE

Processo da Entrevista e Coleta de Dados (Semiologia e Semiotécnica)

Desenvolvimento motor. Auto Conceito Luciano Basso

PROGRAMA da Certificação Internacional em Integração Sensorial

É importante saber por que certas coisas são o que são. Quer dizer, saber por que acontecem de um jeito e não de outro. O arco-íris, por exemplo.

A Avaliação do Aproveitamento Escolar é feito por disciplinas, mediante critérios de desempenho nas avaliações e frequência mínima.

Ahmmm... Deus? O mesmo flash de ainda há pouco e, de novo, estava à Sua frente:

Programa de Qualidade de Vida, Atividade Física, Auto-Estima, Relacionamentos Pessoais e Sentimentos Positivos

CADASTRO. Quem pode se inscrever para fazer esses cursos? Qualquer professor em exercício da rede pública estadual ou municipal.

Meu Guia. Pamella Padilha

Capítulo 7 Selecionando clientes que interessam

A Minha Bíblia. Adaptado por Judy Bartel do livro A Tua Bíblia de L. Jeter Walker

Escalas ESCALAS COTAGEM

Viver melhor em família

MODELAGEM MATEMÁTICA DE UM SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA EM MÉDIA TENSÃO 1. Gabriel Attuati 2, Paulo Sausen 3.

Acerte no discurso e dê o seu recado

Profª Dra Rute Grossi Milani

Cadastrando uma nova denúncia

KEN BLANCHARD. Princípios da liderança. Coleção Pensamentos do Líder: São Paulo

A SEMIÓTICA SEGUNDO PEIRCE

Qual é o estoque mínimo que irá garantir o nível de serviço ao cliente desejado pela empresa?

Dúvidas frequentes. Quantas etapas podem ter a Avaliação de Desempenho?

ARTIGO: Stress e trabalho temporário - por Conceição Espada (especialista em gestão do stresse)

CURSO DE FORMAÇÃO DE MEDIADORES E CONCILIADORES

AS DIFICULDADES ENCONTRADAS PELAS CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM

METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA MATEMÁTICA

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA CRIANÇAS DE 6 MESES A 2 ANOS DE IDADE

8 - QUANDO VOCÊ VAI ACORDAR?

MANUAL DO AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM (AVA) DA COOEPE Perfil de Aluno

Tony Parsons Nothing being Everything Open Secret Publishing, Inglaterra, 2007.

PROVA: QUESTÃO: RESULTADO DO RECURSO: JUSTIFICATIVA:

Transcrição:

Compreendendo a ansiedade por uma perspectiva cognitiva * Melissa Neves Sandrin, Psicóloga Introdução: perfil da ansiedade Algumas características da ansiedade são: Reações físicas: palma das mãos suadas, tensão muscular, coração acelerado (taquicardia), rubor facial, tontura. Estados de humor: Nervoso Ansioso Em pânico Comportamentos: Evitação de situações onde a ansiedade possa ocorrer Sair de situações onde a ansiedade começa a ocorrer Tentar fazer as coisas de forma perfeita ou tentar controlar os acontecimentos para prevenir o perigo Pensamentos: Superestimação do perigo Subestimação da capacidade de enfrentamento Subestimação da ajuda disponível Preocupações e pensamentos catastróficos (Fonte: Livro A Mente Vencendo o Humor referências ao final deste texto). Ansiedade clínica As emoções são intrínsecas ao ser humano. Assim, alegria, tristeza, raiva e ansiedade são emoções que fazem parte da vida. Então, quando afirmar que uma emoção não está em seu nível normal?

Em geral, emoções como ansiedade, tristeza e raiva tornam-se estressantes para alguém dependendo da intensidade e freqüência com que ocorrem. Alterações emocionais muito intensas ou muito freqüentes podem representar um sofrimento significativo para a pessoa que as vivencia. Quando a ansiedade ocorre em níveis muito intensos e/ou com muita freqüência, a pessoa pode, por exemplo, deixar de fazer coisas importantes, evitar situações, desistir de metas pessoais. Tais atitudes podem representar dificuldades a curto e longo prazo. Aqui, o termo ansiedade clínica será usado para se fazer referência a esta ansiedade que interfere prejudicialmente no cotidiano e nas realizações pessoais, constituindo sofrimento emocional significativo para o indivíduo. Compreendendo a ansiedade O principal problema na ansiedade clínica não está na geração da ansiedade em si, mas em pensamentos que estão continuamente avaliando experiências externas (situações) e/ou internas (sentimentos, emoções, reações físicas, pensamentos) como um sinal de perigo ou ameaça. Pessoas com ansiedade clínica tendem a fazer, automaticamente, dois tipos de avaliações a respeito de situações: 1) superestimar o perigo ou ameaça em uma situação/ experiência de vida; e 2) subestimar sua capacidade de enfrentamento desta situação. A percepção de que está sendo ameaçado, está em perigo ou vulnerável de alguma forma prepara o organismo para responder a este perigo ou ameaça. O processamento da situação costuma ser automático. A princípio, a ansiedade normal seria uma reação diante de um perigo realista e se dissiparia quando este perigo não está mais presente. No

entanto, a ansiedade clínica é desproporcional ao grau e severidade do possível perigo; Esta ansiedade persiste até mesmo quando o perigo não existe ou não está mais lá. Isto quer dizer que, se a pessoa percebe uma possível ameaça de forma exagerada, desproporcional, alterações emocionais (ansiedade), comportamentais (evitar ou sair de uma situação, por exemplo) e fisiológicas (taquicardia, suor, tremores, tensão muscular) são ativadas como se aquele perigo fosse tão grave quanto ela acredita. Uma ameaça percebida pode ser física (p.ex. medo de sofrer danos à integridade física), social (p.ex. medo de ser julgado negativamente pelos outros ou de ser rejeitado) ou mental (p.ex. medo de perder o controle ou de ficar louco ). A pessoa ansiosa tende a acreditar que há enormes chances de adversidades temidas ocorrerem, que os custos ou conseqüências serão altos, e que ela não irá superar ou não saberá lidar com a situação. o Percebendo situações: o tema da ameaça nos pensamentos Alguns exemplos fictícios e simples de como situações podem ser percebidas automaticamente como ameaçadoras (pensamentos), levando à ansiedade (emoção) e a comportamentos e reações decorrentes: Situação: João vê Maria e vai convidá-la para sair. Pensamento: E se eu levar um não? Emoção: ansiedade Comportamento: desiste de convidá-la, mantendo-se à distância. Reações físicas: tremores nas mãos, taquicardia, rubor facial. Situação: Angélica faz uma prova e não lembra a resposta de uma questão. Pensamento: E se eu for reprovada? Emoção: ansiedade. Comportamento: começa a ler correndo todas as outras questões, pulando trechos. Reações físicas: sua, treme. Sintoma cognitivo: desconcentração aumenta. Desta maneira, pensamentos com conteúdos catastróficos, focando o pior que pode ocorrer em uma situação, têm papel central no aparecimento da ansiedade. Esta, por sua vez, interfere na habilidade de

comportar-se dentro do contexto real, comprometendo realizações pessoais importantes para o próprio indivíduo. o Percebendo a si mesmo na ansiedade Além de ter um foco na ameaça ou perigo, ocorre a subestimação dos recursos pessoais para enfrentar a situação. Por exemplo, como se lê abaixo, em itálico: João pensa: Se eu levar um não, nunca mais conseguirei convidar alguém. Angélica pensa: Se eu for reprovada, nunca conseguirei um bom emprego! Na ansiedade, em geral, há uma percepção de si mesmo como sujeito a perigos externos ou internos sobre os quais o controle da pessoa está ausente ou é insuficiente para fornecer a ela um senso de segurança. Assim, a pessoa sente-se vulnerável. A autoconfiança da pessoa ansiosa fica diminuída: ela acredita não ter importantes habilidades necessárias para enfrentar ou superar situações de vida adversas (exemplos dados: convidar alguém para sair, levar um não, fazer uma prova ou recuperar-se de uma reprovação). Supondo que João e Angélica percebessem as situações de outras formas, provavelmente teriam outras emoções e comportamentos. Por exemplo: João pensa: Se eu levar um não, ficarei chateado por um tempinho e passa. Provavelmente, terei outras chances com outras mulheres e poderei ser bem-sucedido em algum momento com alguém que eu goste. João sente: uma ansiedadezinha normal ou calma. João age: vai até Maria, puxa assunto e arrisca convidá-la para sair. Angélica pensa: Se eu for reprovada, não vai ser como eu queria, mas poderei prestar esta prova em outra ocasião. Aliás, pensar nisso

agora não vai me ajudar a me concentrar. Melhor seguir adiante e tentar fazer o melhor que puder agora. Angélica sente: calma. Angélica age: continua respondendo a prova, focando questão por questão, sem se atropelar. Obviamente, estes são apenas exemplos fictícios. Não têm a pretensão de apontar jeito certo ou jeito errado de pensar. Apenas buscam ilustrar que a maneira como se encara uma situação pode ser mais ou menos embasada em evidências da realidade, da experiência de vida, e pode levar a diferentes emoções e atitudes. Além disso, é importante ressaltar que, ao acreditar totalmente em uma interpretação (pensamento), outras explicações plausíveis são automaticamente descartadas ou ignoradas, o que auxilia na manutenção da alteração do humor. Tratamento pela Terapia Cognitiva Na Terapia Cognitiva, o tratamento tem como principal alvo de intervenção a cognição, sendo que pensamentos automáticos e crenças pessoais relacionados à ansiedade podem ser identificados, questionados e reformulados, contribuindo para a melhora do humor e para novas formas de encarar e enfrentar situações de vida. Paralelamente, usa-se uma abordagem de resolução de problemas que, nos casos de ansiedade, possuem papel importante no enfrentamento pessoal, bem como na mudança da maneira como o indivíduo percebe seu enfrentamento. Referências bibliográficas Este texto foi baseado no seguinte material: A mente vencendo o humor: mude como você se sente, mudando o modo como você pensa. Autores: Dennis Greenberger e Christine Padesky. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda., 1999. Anxiety disorders and phobias: a cognitive perspective. Autores: Aaron Beck, Gary Emery e Ruth Greenberg. New York: Basic Books, 2005.

Fronteiras da terapia cognitiva. Salkovskis, P.M.(Ed). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. Capítulo 3: Ansiedade, crenças e comportamento de busca de segurança (por Paul Salkovskis). Melissa Neves Sandrim CRP 06/65701 Especialista em Terapia Cognitiva