Alessyo Patrick de Sá Rocha, acadêmico de medicina do 10º período da UFMG aleparocha@hotmail.com Li o texto Entre deus e o orientador ateu do professor Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, o Lor. Parabenizo a coragem em colocar em pauta a religião. A ousadia merece felicitações já que abordar a discussão sobre o que é verdade nesse tema é visto como desnecessário no relativismo de nossa cultura. Como disse Winstow Churchill: De tempos em tempos, os homens tropeçam na verdade, mas a maioria deles se levanta e segue adiante como se nada tivesse acontecido (1). Uma das conclusões do artigo do professor foi:... defende que o conhecimento científico somente se desenvolve plenamente em ambiente democrático de completa liberdade de pensamento e expressão. Fundamentado nessa afirmação gostaria de fazer algumas considerações sobre o texto do Prof. Lor. I- Contradições entre religião e o método científico O Prof. Lor disse: As religiões exigem a crença em ideias a partir da fé: ou seja, crer para ver. Quanto mais alguém vier a crer sem provas, mais virtuosa será considerada a sua fé. Já o método científico se fundamenta exatamente no contrário: para toda afirmação científica são necessárias as evidências objetivas e lógicas, ou seja, temos que ver e entender para concordar. Portanto, a ciência é um método de aproximação da realidade baseado na lógica, na quantificação dos fenômenos e na experimentação objetiva. 1- Sobre a fé Fé realmente é crer para ver, mas vai além disso. Na fé também existe o ver para crer, não só o crer para ver. Jó após passar pelas suas aflições disse a Deus: Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram (Jó 41.5).Tomé só creu após ver : Jesus disse a Tomé: Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram. ( Jo 20.29). É verdade que é mais virtuoso aquele que crer sem ver, mas é verdade também que a maioria dos crentes precisa ver, perceber Deus, para crer. Todos os crentes precisam da fé; a maioria deles necessita de evidências para sustentála. Boa parte dos que abraçam a fé busca evidências variadas (teóricas, espirituais, sensitivas) para firmar suas crenças. Na Bíblia o livro de Atos dos Apóstolos conta como Lucas elogia o empenho investigativo de alguns cristãos: Os bereanos eram mais nobres que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo. (At. 17.11) Na prática os crentes, eu me incluo e não conheço ninguém que não se incluiu, precisam de ferramentas científicas para manter a fé, pelo menos no início da vida espiritual. 2 Sobre a ciência O Prof. Lor escreveu: para toda afirmação científica são necessárias as evidências objetivas e lógicas, ou seja, temos que ver e entender para concordar. Sobre a necessidade de ver... alguém já viu a força gravidade ou o átomo? Não. Possui evidências para acreditar na gravidade ou no átomo? Sim. Conforme a ideia de ciência do professor, como não vemos a gravidade ou o átomo, não podemos concordar com a existência deles. Se ciência é isso, não se pode realmente concordar com a existência de um Deus que, apesar de evidenciado por tantas pessoas, não pode ser visto. Obviamente ciência não é isso.
É plausível concordar com a gravidade ou com a existência do átomo, mesmo sem poder enxergá-los, bem como acreditar em um Deus percebido por milhões de pessoas há milhares de anos, mas não visto. Sobre as evidências científicas, veja o que os cientistas dizem: "A impossibilidade de atingir a verdade absoluta é inerente à atividade racional, e repousa na dicotomia entre o sujeito (o observador) e o objeto (o observado) dicotomia que se mantém mesmo quando o objeto em pauta é a própria subjetividade. Enquanto persistir a mais tênue barreira entre o observador e o observado, a ciência será sempre uma obra inacabada, precária, provisória. Por isso, na práxis científica, o erro é a regra e não a exceção." Os Grandes Erros da Ciência", Scientific American Brasil (2). A ciência não é absoluta, é recheada de lacunas. Não são poucos os cientistas que, por saberem o que realmente é ciência, utilizam da fé para tapar os buracos de seus achados. Os teóricos quânticos, embora não sejam capazes de predizer simultaneamente a velocidade e a posição de elétrons (porque as nossas próprias tentativas de observá-los alterariam os seus movimentos ), acreditam no princípio de Heinseberg ou no princípio de Bell. Eles necessitam continuar pesquisando, mas precisam CRER para continuarem trabalhando. A ciência, muitas vezes, também utiliza-se da fé. 3- Fé e ciência juntas Como discutido, assim como a maioria dos crentes utiliza-se do método científico para firmar sua fé, boa parte dos cientistas da quântica, do evolucionismo, da astro-física e de tantas outras áreas precisa de acreditar por acreditar, precisa crer, precisa ter fé para preencher as lacunas de suas teorias. "A ciência sem a religião é aleijada; a religião sem a ciência é cega" Albert Einstein (1) A Fé e a ciência podem interagir. É uma não verdade a afirmação de que o método científico se fundamenta exatamente no contrário (da fé). Evidentemente fé e ciência possuem alicerces diferentes, mas é falacioso dizer que são opostos. 4 Boa e má O Prof. Lor disse: Todas as religiões aparentemente pregam o amor, mas o seu resultado é a segregação e o ódio. Eu poderia dizer: A ciência aparentemente visa o bem, mas o seu resultado é a bomba atômica e a guerra biológica São generalizações. A ciência não se resume às práticas dos cientistas de Hitler ( que testavam o limite do corpo humano em suportar agressões mecânicas, térmicas, químicas e biológicas e psíquicas), a falta de ética para o entendimento da evolução da sífilis, do roubo histórico da descoberta da AIDS, da pseudo-ciência presente na atualidade. Da mesma forma, a religião não se resume aos seus erros históricos (inquisição, cruzadas, guerra santa...) e atuais ( mercantilização da fé, pedofilia...). Devemos distinguir a boa e a má ciência, bem como a boa e a má fé. II A improbabilidae de Deus Obviamente crer ou não em Deus depende primária e indispensavelmente de fé.
O método científico pode fortalecer a fé; não criá-la. Por isso, não vou discutir a fé, mas as afirmações do Prof. Lor a respeito da improbabilidade de Deus. 1 A improbabilidade do ateísmo O Prof. Lor destacou: de onde surgiu este criador? Haveria outro que o antecedesse e quem teria sido o criador deste criador? E o criador do criador do criador, sucessivamente? Dizer que o criador do Universo já existiria desde sempre apenas transfere infinitamente o problema para uma etapa anterior, o que não se constitui em solução, pelo menos do ponto de vista da lógica. Perguntas difíceis de se responder... Mas e se invertêssemos? O cristão pergunta e o ateu responde: De onde surgiu o evento inicial seja lá qual for? Haveria outro que o antecedesse e quem teria sido o iniciador do iniciador? E o iniciador do iniciador do iniciador, sucessivamente? Dizer que o Universo já existia desde sempre apenas transfere infinitamente o problema para uma etapa anterior, o que não se constitui em solução, pelo menos do ponto de vista da lógica. Como foi o o início do Universo?( Big Bang? Um bola de densidade infinita explodiu...) Como? Sempre existiu. Como? Por quê? Onde? Quando? Perguntas difíceis para um ateu responder... Seria a improbabilidade do ateísmo? Mas se Deus é improvável e o ateísmo também (conforme os próprios argumentos do Prof.) fica complicado. Afinal, ou Deus existe ou não. Não temos todas as respostas. Em Uma breve história do tempo Stephen Hawking aceitava a possibilidade de um criador: "tanto quanto o Universo teve um princípio, nós poderíamos supor que tenha um Criador. (3), Porém, em seu mais recente livro "The Grand Design, Hawking contradiz suas antigas declarações sobre a ideia de um criador e sugere que "Deus não tem mais lugar nas teorias sobre criação do universo, devido a uma série de avanços no campo da física (4). Um dia a ciência diz uma coisa, depois outra. Prof. Lor disse que: este suposto ser imensamente poderoso, capaz de criar bilhões de galáxias ou destrui-las num simples gesto. O que dizer das respostas da ciência? Conforme a fala do professor, o deus ciência seria tão caprichoso quanto a visão distorcida de Deus do Prof. Lor. Muitas dúvidas, tantas evidências efêmeras. Como acreditar no ateísmo? É preciso ter fé para ser ateu. Se não existe Deus, então por que existe algo diferente do nada?" é uma pergunta que todos nós temos de responder. À luz das evidências, somos deixados apenas com duas opções: ou ninguém criou uma coisa do nada ou alguém criou alguma coisa do nada. Que visão é mais plausível? Nada criou alguma coisa? Não. Se você não consegue acreditar que nada fez alguma coisa, então não tem fé suficiente para ser ateu! (1) É preciso ter fé para ser ateu. 2 A seleção natural
O Prof. Lor disse: não é possível ser cientista e negar a seleção natural ao mesmo tempo, a qual contraria a hipótese divina da criação da humanidade. Claro que a seleção natural é plausível. Basta observar as mutações e replicações das bactérias multi-resistentes, ou estudar um pouco de zoologia para ver as semelhanças anatômicas e a origem comum de muitos animais. Agora generalizar os dizeres de Darwin para explicar a vida é o mesmo que afirmar a certeza de alguns seguidores de Freud: Tudo é uma questão de sexo!. Infelizmente muitos cientistas caem na tentação de querer explicar tudo com formas resumidas, com elementos que são bons para explicar a parte, mas não o todo. É óbvio também que é falacioso dizer que a seleção natural contraria a hipótese divina. Deus pode ter criado o universo, a vida e também a seleção natural. É tudo uma questão de iniciar um processo. Se isso também é improvável, o que dizer então das teorias de geração espontânea, ou das descargas elétricas que atingiram coacervados proteicos e simplesmente PUFF! Surgiu a vida! Não, não... foi tudo muito lento... Então como foi? Voltamos à mesma ideia do surgimento do universo. É preciso ter fé para acreditar no início não divino da vida (seja lá como for). É preciso ter fé para ser ateu. O Prof. Lor também escreveu: todos os seres vivos surgiram de um processo contínuo resultante de mutações aleatórias a partir de uma única forma inicial de vida, a qual deu origem a variantes genéticas, entre as quais aquelas mais bem adaptadas ao meio ambiente se reproduziram mais e deixaram mais descendentes. Assim, num processo cumulativo e lento, originaram-se novas espécies e todas as formas de vida têm origem neste processo e não há nada de diferente com a nossa espécie quanto a isto. Veja o que o ex- ateu e maior escritor cristão do século xx, C.S. Lewis, tem a dizer: Muito antes de eu acreditar que a Teologia é verdadeira, eu já tinha decidido que a conhecida imagem científica era falsa. Uma incoerência absolutamente essencial a arruína: O quadro inteiro declara depender de inferências dos fatos observados. Se a inferência não for válida, o quadro todo desaparece. Se não pudermos ter certeza de que a realidade na mais remota nébula ou a parte mais remota obedece às leis concebidas pelo cientista humano aqui e agora em seu laboratório - em outras palavras, se a Razão não for absoluta - está tudo arruinado. Contudo, aqueles que me pedem que eu creia nessa visão de mundo também me pedem para crer que a Razão não passa de um subproduto não-planejado da matéria sem mente num estágio de sua transformação interminável e sem objetivo. Aqui está uma condição clara. Eles me pedem que ao mesmo tempo eu reconheça uma conclusão e desacredite do único testemunho em que essa conclusão pode apoiar-se. A dificuldade para mim é fatal; e o fato de que, ao expor isso para muitos cientistas, longe de ter uma resposta, eles parecem nem sequer entender qual é a dificuldade garante-me que não encontrei um logro, mas detectei uma doença radical no modo de pensar deles, desde o início. O homem que uma vez entendeu a situação é obrigado daí em diante a considerar a cosmologia científica, em princípio, um mito; embora sem dúvida muitas características verdadeiras tenham sido nisso introduzidas. (5) Por que acreditar na aleatoriedade do pensamento? Por que ter como certo algo que surgiu do acaso e está em constante mudança? Por que acreditar que a verdade muda e não acreditar, então, que essa própria afirmação pode mudar? É semelhante a dizer que toda generalização é burra, ou nunca diga nunca. Entenda quem possa entender. A ciência explica parte da seleção natural, mas está longe de explicar como a aleatoriedade criou a razão humana.
III- Direitos humanos e liberdade de crença As afirmações do Prof. Lor... o respeito aos direitos humanos, entre eles a liberdade de pensamento e expressão, o que inclui o direito à escolha ou não de crença religiosa..., a tolerância para com as religiões deve ter limites que são atingidos quando uma crença qualquer desrespeita os direitos humanos e/ou a democracia são dignas de todo elogio. Vale a pena também concordar, sem generalizar, com o historiador Jacques Barzun que designou a ciência como "uma fé tão fanática como qualquer outra na história (6), e que alertou contra o uso do pensamento científico para suprimir considerações sobre o significado da existência humana. Tanto as religiões quanto a ciência precisam ser vigiadas. Devem ser limitadas quando agredirem os direitos humanos IV- Conclusões 1- Acreditar em Deus é uma questão de fé, mas é possível utilizar a ciência como ferramenta para o crer. 2- A ciência não é absoluta, é recheada de lacunas. 3- A ciência muitas vezes, também utiliza da fé para prosseguir em seu trabalho. 4- Ciência e fé não são opostas; são compatíveis. 5- Devemos distinguir a boa e a má ciência, bem como a boa e a má fé. 6- A improbabilidade de Deus se fundamenta em alicerces semelhantes à improbabilidade ateísta. Cientificamente ainda há poucas evidências para a criação divina e não divina. 7- É preciso ter fé para crer no início do universo ou da vida, crendo ou não em Deus. 8- É preciso ter fé para ser ateu. 9- A seleção natural não explica a razão humana. 10- Tanto as religiões quanto a ciência precisam ser vigiadas. Devem ser limitadas quando agredirem os direitos humanos. "Este belíssimo sistema no qual estão o Sol, os planetas e os cometas somente poderia proceder do desígnio e do poder absoluto de um Ser inteligente e poderoso." Isaac Newton, pai da Física Clássica (1) Somente um principiante que não sabe nada sobre ciência diria que a ciência descarta a fé. Se você realmente estudar a ciência, ela certamente o levará para mais perto de Deus. Jame Tour, Nanocientista (1) Um pouco de ciência nos afasta de Deus. Muito nos aproxima. Louis Pasteur, pai da Microbiologia (1)
Referências bibliográficas 1. GEISLER, Norman e TUREK,Frank - Não tenho fé suficiente para ser ateu -- Editora Vida,2006 2. Editorial Os Grandes Erros da Ciência" - Scientific American Brasil março de 2008 3. HAWKING, Stephen W. Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros Rio de Janeiro: Rocco 1988 4. HAWKING, Stephen W. e MLODINOW, Leonard - The Grand Design Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 5. LEWIS, C.S. Peso de glória Editora Vida 2008 6. BARZUN, Jacques - Science: The Glorious Entertainment, Harper and Row: 1964.