A comicidade criativa: uma análise do risível na prática publicitária a partir do Anuário do Clube de Criação de São Paulo



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Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación A comicidade criativa: uma análise do risível na prática publicitária a partir do Anuário do Clube de Criação de São Paulo Talita Guimarães 1 Marcio Acselrad 2 Resumo: Em 1999 a revista Propaganda publicou uma matéria relatando que 80% dos comerciais inscritos em Cannes traziam o humor como alicerce de suas mensagens. Uma rápida olhada ao nosso redor mostrou que a grande presença do risível não estava somente nas premiações internacionais, mas também nas nacionais, a exemplo dos anuários do Clube de Criação de São Paulo (CCSP). A presença deste elemento na nossa publicidade se dá por ele poder tornar a mensagem mais leve e disfarçar sua função mercadológica. A sedução está intimamente relacionada ao cômico no sentido de que ela gera no espectador uma sensação de proximidade com o objeto. Assim é que o presente trabalho busca apresentar uma análise da publicidade brasileira com o objetivo de compreender melhor a opção pela comicidade criativa. Para isto serão analisadas peças da categoria revista do 25º ao 30º Anuário do CCSP. Tais peças serão submetidas às classificações de três teóricos do riso: Propp, Freud e Bergson. Palavras-chave: Brasil, comicidade, publicidade, CCSP. Abstract: In 1999, Propaganda magazine published an issue stating that 80% of all commercials submitted do the Cannes Festival had humor as the main basis for their messages. A quick look around us showed that the great presence of laughter was not exclusively related to international awards but to national ones as well, as can be seen in the Annuary of the São Paulo Creation Club (CCSP). Such ingredient is present in our publicity campaigns because it can turn the message into something light, disguising (so to speak) its market function. Seduction is closely related to the comic in the sense that it generates in the spectator a feeling of closeness with the object. Therefore the present work aims at presenting an analysis of Brazilian publicity in order to better understand the creative comicity. In order to achieve so, we shall analyze pieces from the magazine category of the 25 th to 30 th Annuary of CCSP. The pieces were submitted to the classifications of three important scholar that dealt with the subject of laughter. Keywords: Brazil, comicity, publicity, CCSP. Introdução Em 1999 a revista Propaganda publicou uma matéria que relatava que 80% dos comerciais inscritos em Cannes traziam o humor como alicerce das suas mensagens. Observações empíricas mostram que a grande presença do risível 3 não está somente nas 1 Talita Garcez Guimarães. Mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem pela UFC e professora da Faculdade 7 de Setembro e Faculdades Nordeste. Email: talitagarcez@gmail.com 2 Marcio Acselrad. Doutor em Comunicação pela UFRJ e professor titular da Universidade de Fortaleza. Coordenador do Cineclube Unifor e do LABGRAÇA - Laboratório de Estudos do Humor e do Riso. Email: macselrad@gmail.com 3 Para Alberti (2002), o risível é o objeto do riso em geral, aquilo de que se ri. Isto pode ser a piada, o jogo, a sátira etc.

premiações internacionais, mas também em premiações nacionais a exemplo dos anuários do Clube de Criação de São Paulo (CCSP). A presença marcante do rizível na publicidade se dá porque ele pode tornar a mensagem mais leve e disfarçar a sua função mercadológica. A sedução está relacionada ao cômico no sentido de que ela envolve, gera no espectador uma sensação de proximidade com o objeto. Propp (1992) afirma que inicialmente pode parecer desnecessária uma teoria do riso, mas que qualquer teoria correta tem além do valor teórico, um significado prático que pode ser aplicado. Assim, este trabalho busca apresentar uma análise da publicidade brasileira com o objetivo de compreender melhor a opção pelo cômico no tratamento criativo. O trabalho tem 3 partes. A primeira trata do estudo teórico de Propp, Freud e Bergson sobre o rizível. A segunda trata do rizível como um importante elemento para seduzir o público-alvo na publicidade. A terceira apresenta categorias, que foram criadas a partir de uma pesquisa bibliográfica dos autores. Através de uma pesquisa documental foram selecionadas peças da categoria revista do 25º ao 30º Anuário do CCSP e tais peças foram submetidas a uma espécie de cruzamento das classificações dos três teóricos. Parte 1. Uma breve teoria sobre o rizível Propp (1992) cita alguns elementos que possuem caráter cômico e são ligados ao riso de zombaria, entre eles: caricatura (quando uma particularidade é ampliada de modo que todos a percebam), homem com aparência ou com características negativas que lembram animais (já quando a analogia é feita para elogiar ou demonstrar afeto não é cômica), paródia (exagero de algumas características através da imitação. Mais uma vez, o que é exposto é o negativo), terminologia científica específica de algumas profissões (não para os profissionais que estão acostumados a elas, mas para os leigos que acham os termos ridículos, pois os mesmos soam estranhos a eles), paradoxo (quando conceitos que se excluem são reunidos), ironia (artifício retórico que consiste em dar a entender o contrário do que foi dito), jogo de palavras (um interlocutor entende a palavra num sentido amplo ou geral e o outro substitui esse significado por aquele

mais restrito ou literal, assim anula-se o argumento do interlocutor e é mostrada sua inconsistência), malogro da vontade (ocorre quando as pessoas se deparam com algo desagradável e imprevisto. Geralmente é um fracasso que se dá no dia-a-dia provocado por circunstâncias banais). Propp também cita mais elementos cômicos, entre eles: o disforme (exemplo: defeitos físicos das pessoas ou a aparência na sala de espelhos onde as partes do corpo são distorcidas tornam-se na maioria das vezes engraçados), a comicidade também está presente nas semelhanças (no caso de gêmeos quem os conhece sabe que cada um tem sua individualidade, mas quem descobre duas pessoas idênticas fisicamente conclui inconscientemente que também o são no aspecto espiritual. É a descoberta deste defeito que causa o riso), diferenças (algo que foge ao nosso conceito de normalidade, como as pessoas acharem engraçados os estrangeiros, pois muitas vezes seus costumes e normas próprias causam estranhamento). Freud (1987) apresenta um sumário, dividido em três partes, das principais técnicas que operam na elaboração dos chistes: I Condensação: (a) com formação de palavra composta, (b) com modificação. II Múltiplo uso do mesmo material: (c) como um todo e suas partes; (d) em ordem diferente; (e) com leve modificação; (f) com sentido pleno e sentido esvaziado. III Duplo sentido: (g) significado como um nome e como uma coisa; (h) significados metafóricos e literais; (i) duplo sentido propriamente dito (jogo de palavras); (j) double entendre (entendimento duplo); (k) duplo sentido com uma alusão. A condensação ocorre quando há fusão de palavras/letras ou uma leve modificação de palavras, muda-se o sentido original e/ou seus significados são ampliados. O múltiplo uso do mesmo material é caracterizado por casos em que a pessoa nota que uma mesma palavra tem um determinado significado e ela dividida em sílabas já adquire outro. Esta técnica está presente sempre que a mesma palavra ou o mesmo material verbal representar múltiplos usos em uma sentença. O duplo sentido ocorre quando uma palavra opera em mais de um significado em uma determinada frase possibilitando mais do que uma interpretação.

Outra técnica que Freud cita é o nonsense: quando algo que estúpido e absurdo (não tem relação com a realidade ou com a vida social organizada) é apresentado. Bergson (2001) destaca 3 procedimentos do vaudeville que têm a capacidade de produzir uma cena, um efeito cômico. São eles: repetição (a mesma situação se reproduz, quando os acontecimentos de uma cena se reproduzem entre as mesmas personagens em novas circunstâncias ou entre personagens novas em situações idênticas. Exemplo: quando um personagem pobre repete a mesma cena de seu patrão); inversão (quando papéis são trocados, um assume a posição do outro e a situação se volta contra quem a criou. Exemplo: o ladrão que é roubado) e interferência das séries ( uma situação é sempre cômica quando pertence ao mesmo tempo a duas séries de acontecimentos absolutamente independentes e pode ser interpretada ao mesmo tempo em dois sentidos diferentes (BERGSON, 2001, p.71). Esta situação também mantém uma coincidência parcial entre as séries de acontecimentos. Exemplo: um qüiproquó - quando um dos sentidos que a situação apresenta é possível e é o que os atores lhe atribuem e outro significado é o real, que é o revelado ao público. Do campo da comicidade de situação para o da comicidade das palavras, aqui cabem três leis fundamentais: a repetição (quando a mesma frase é transportada para outro ambiente que não é o mesmo em que ela foi criada - frases típicas de determinadas profissões), inversão (exemplo: sujeito no lugar do objeto e objeto no lugar do sujeito) e interferência (exemplo: trocadilho). A diferença é que esta comicidade é a que a linguagem cria, já a outra que Bergson cita é a comicidade que a linguagem exprime. Parte 2. Risível. Uma ferramenta de diferenciação na publicidade Todos os dias recebemos um bombardeio de informações. A publicidade para estar em evidência precisa ser ousada, inteligente e pertinente. O risível vem sendo muito utilizado como ferramenta de sedução do target. Cada cultura tem seu modo de trabalhar o humor, mas também é possível observar que existem situações próprias do ser humano, e portanto, universais. Marcas mundiais necessitam do cômico que possa ser entendido em qualquer lugar. No filme publicitário Sai da frente II, da Mizuno, por exemplo, um atleta vence uma corrida

mas não consegue reduzir sua velocidade e acaba atingindo a câmera que filmava o evento, entra o letreiro: Mizuno ajuda você a ir mais rápido. Frear é problema seu. Em tempos em que a concorrência anda tão acirrada e que os produtos não diferem substancialmente entre si, a publicidade tem um papel fundamental na conquista do consumidor, na consolidação de uma marca. Para isso é preciso utilizar bem a criatividade. E o cômico, quando bem usado, adequado ao público vem mostrando resultados satisfatórios na construção de marcas. Muitas até tornaram-se referência na publicidade mundial como as Havaianas. ( O humor conquista, reforça a marca e vende produtos. Ao menos essa é a opinião unânime do mercado publicitário. (CAMARGO, 1999, p.38) Fedrizzi (2003) afirma que pesquisas demonstram que as marcas que utilizam humor são geralmente as preferidas e as mais lembradas pelo público. Nos anos 80, a agência multinacional Ogilvy & Mather encomendou uma pesquisa cujo resultado ajudou David Ogilvy a mudar sua opinião em relação ao risível na publicidade (o publicitário tinha chegado a afirmar: consumidor não compra de palhaços ). A Associação Brasileira de Propaganda (ABP) encomendou ao IBOPE três pesquisas sobre A imagem da propaganda no Brasil. 4 A primeira, realizada em 2002, revelou que a maioria dos entrevistados indagados sobre a propaganda que fica respondeu que é a criativa, a surpreendente, a inteligente, a bem humorada e a que apresenta novidade na informação. O humor foi citado pelo público entre as principais características das propagandas brasileiras com 78%. No item atitude frente à propaganda a amostra respondeu que se diverte vendo propaganda (62%) e que ela é tema de conversa entre amigos e familiares (63%). A segunda pesquisa foi realizada em 2004. Ao compará-la com a de 2002, observa-se um aumento na percepção do humor agora com 83%. No item influência da propaganda no comportamento muitos declararam que pelo fato de a propaganda brasileira ser divertida, freqüentemente se torna tema de conversa entre amigos. A terceira pesquisa, de 2006, aponta o humor ainda como um dos principais pontos fortes da propaganda brasileira com 80%. Embora, de 2004 para 2006, o item 4 Pesquisas no site: www.ibope.com.br

humor tenha sofrido uma ligeira baixa de 3%, a sua porcentagem ainda é maior do que a de 2002. A publicidade deve ter cuidado ao associar o cômico a uma marca. É aconselhável que se destaque algo que só o anunciante possua e deixar aquilo na mente do target para que não se torne só mais uma piada que poderia ser contada por qualquer um. Deve-se evitar que o público lembre somente da brincadeira e esqueça o produto ou o confunda com os concorrentes. O propósito principal do anúncio não é somente divertir, fazer rir, e sim estimular as vendas. Não estamos tentando escrever uma série de piadas, mas sim criar uma peça de comunicação que seja única para o produto que estamos anunciando. A idéia precisa se entrelaçar com a trama da marca (HEGARTY, 2003, p.71). Apesar das várias campanhas bem-sucedidas que optaram pelo cômico, vários anunciantes ainda são reticentes e preferem conduzir sua marca para uma imagem mais séria. Para aplicar as teorias estudadas, o corpus foi restrito ao Anuário de Criação de São Paulo 5, do 25 ao 30 (de 2000 a 2005). O meio escolhido foi revista e foram selecionados anúncios que possuem características risíveis. Alguns deles podem não obter o seu objetivo: fazer rir, porém não é este motivo que fará com que os seus conteúdos deixem de ser risíveis. ( Lá, onde um ri, outro não ri. (PROPP, 1992, p.31). Quando se assiste a um filme dramático, o espectador não necessariamente vai chorar ou se emocionar, mas a intenção de tal produto é esta. O mesmo ocorre com a publicidade cômica, ela é feita para divertir e, logicamente, num momento posterior levar o indivíduo a consumir o produto anunciado. Parte 3. Análise do risível na publicidade nacional É preciso pontuar que a proposta a seguir de categorias para a análise do risível na publicidade não está fechada. ( Não há mais classificações que pretendam cercar todas as possibilidades do risível (ALBERTI, 2002, p.205). O objetivo é aplicar a teoria ao estudo de peças contemporâneas e provocar uma discussão sobre a publicidade 4 O Anuário de Criação de São Paulo é uma premiação de peças publicitárias nacionais feitas sob a forma de um livro e um DVD. As peças selecionadas recebem o título Prêmio Anuário e algumas entram nas categorias ouro, prata e bronze, que são dividida por tipos de mídia (imprensa, rádio, TV/cinema, Internet etc.).

a partir de uma reflexão do risível. Deste modo, também pretende-se ter uma maior compreensão da sociedade. As categorias a seguir são fruto das categorizações propostas pelos teóricos estudados, mas com algumas adaptações: todas têm como objeto a publicidade e algumas das teorias aplicadas ao universo da palavra foram aplicadas também ao da imagem. Além disso, houve categoria compactada, por exemplo: o que Freud dividiu em três partes (as técnicas que operam na elaboração dos chistes) foram reunidas sob o nome jogo de palavras, porque tanto a condensação, o duplo sentido, quanto o múltiplo uso do mesmo material são uma espécie de brincadeira com as palavras. O mesmo se pode dizer sobre a interferência de séries de Bergson. Outra questão é que foi eleita uma peça por categoria, embora algumas sejam parte de campanhas publicitárias 6. Esta escolha deu-se pelo limite de espaço do trabalho. Algumas categorias foram ignoradas pelo fato de não terem representatividade junto ao objeto - até existem na publicidade, porém de maneira ínfima, de modo que não foram encontradas na amostra. Tudo foi contextualizado (lição aprendida com Propp), isto é, a análise específica para cada peça. Geertz (1989) afirma que o homem não apenas cria e dá sentido às coisas, mas está enredado numa tarefa ininterrupta de criação e manutenção de significados. A análise tenta encontrar essas teias, a partir da leitura de tais peças foram construídos significados utilizando para isto associações e interpretações que o saber cultural fornece. CARICATURA 6 As pertencentes às seguintes categorias: ironia, homem com aparência de animal, jogo de palavras, paródia, semelhanças, malogro da vontade, disforme e nonsense.

Anuário: 26º, Prata, Pág. 94 Agência: DM9DDB Anunciante: Valisère Título: Water Bra. O sutiã com enchimento de água e óleo que aumenta seu seio. Imagem 1 A caricatura é uma forma de exagero muito presente na comicidade e na publicidade também. Propp afirma que ela é caracterizada quando uma particularidade, um detalhe é ampliado, exagerado de modo que atraia a atenção para que todos a percebam. Aqui a ironia é mostrada de maneira sutil, já que não exibe o seio da modelo de forma gigantesca, e sim somente sugere tal forma pela distância que ela se encontra do homem à sua frente na fila. ( A caricatura sempre deforma um pouco (e às vezes de modo substancial) o que é representado (PROPP, 2002, p.89). IRONIA Imagem 2 Anuário: 26º, Bronze, Pág. 110 Agência: AlmapBBDO Anunciante: Escola Pamericana de Arte Texto ( jornal): Loira Manhosa. Olhos verdes, boca carnuda, corpo escultural, 1,80 de curvas. Fogosa e carinhosa. Sigilo Total. F: 776-0800. Título (abaixo do jornal): Quando o visual não ajuda, não há texto que salve. Texto (canto direito): Art Directors Club N.Y. in Panamericana. Venha ver os melhores trabalhos de propaganda e design do mundo. Âncorado nos estudos de Propp, percebe-se que este é um caso de ironia. O texto escrito no quadrado simula um anúncio de jornal, dando a entender algo (que a mulher descrita é linda, deslumbrante) e, na verdade, a imagem mostra o contrário do que foi

dito. O contraste do que se diz e do que se vê é grande. O risível está presente na interação destes dois elementos: palavra e imagem. A própria personagem já sugere o cômico ao fugir do comum, chamar atenção e ser apresentada de forma espalhafatosa. O belo não suscita o riso. Para demonstrar isto, pode-se fazer o exercício de imaginar que no lugar do travesti estivesse uma morena linda, de olhos castanhos. Neste caso, a imagem continuaria sendo oposta ao que foi dito, mas não causaria tamanha estranheza, não seria, portanto, engraçada. O padrão cultural dita uma utilização do corpo diferente para homens e mulheres. O jeito feminino é diferente do masculino. Deste modo, é estranho, engraçado, quando algo foge a isso, como é o caso desta peça em que um homem imita o modo feminino e evidencia ser um travesti. Este tipo de imitação é uma forma de quebrar a norma de conduta social, de provocar estranhamento. A transgressão deste código, a desobediência aos padrões culturais estabelecidos é vista como a descoberta de um defeito e isto se torna cômico. Para além do lado cômico, o que se observa neste tipo de situação é o estereótipo de paradigmas cristalizados. Isto leva o risível a uma situação de violência simbólica, de um paradigma que limita determinados aspectos físicos em detrimento de outros que certamente podem ser encontrados no objeto passível de chacota. HOMEM COM APARÊNCIA DE ANIMAL Imagem 3 Anuário: 26º, Ouro, Pág. 72 Agência: AlmapBBDO Anunciante: Effem Título: Ele pode ter a sua cara, mas não precisa ter a mesma comida. César. Para cachorros especiais. Propp cita esta categoria, que, embora não frequente na publicidade brasileira, está muito presente em nossa vida. É comum as pessoas identificarem em outros indivíduos elementos que os façam parecer com animais. E isto é cômico. Estas peças,

além de possuírem caracteres risíveis nos elementos plásticos (justamente pela semelhança dos donos com seus cães), também possuem no registro verbal (já que brincam como se dissessem ele tem a sua cara, mas não é igualzinho a você em tudo ). Aqui está presente o riso de zombaria, o rir do outro. Você acha engraçado alguém se parecer com um cão. Isto é um defeito, é negativo. Caso fosse um elogio ou uma forma de demonstrar carinho (apelidos como gatinha ) não seria cômico. Segundo Ferrari (1994) o cômico se faz presente além da verbalização. O fato de haver semelhança entre os donos e os animais já se torna cômico por si só. Porém, o texto reforça esta característica. JOGO DE PALAVRAS Anuário: 26º, Bronze, Pág. 113 Agência: Central Anunciante: Hustler Título: É colocar esse nome que você enxerga sacanagem. Imagem 4 O duplo sentido é um tipo de jogo de palavras onde algo é insinuado, mas o significado verdadeiro da situação é outro. Este será percebido somente em um segundo momento. Neste exemplo o duplo sentido se dá através da interação palavra/imagem. Aqui dois sentidos estão presentes quando lemos Daniela destaque do mês. A primeira interpretação é a de que a garota foi a atendente que melhor cumpriu sua função em alguma lanchonete, pois este é um quadro típico de tais estabelecimentos. Porém, quando o leitor vê a caixa de texto amarela com os dizeres Hustler. É só colocar esse nome que você enxerga sacanagem. e associa a revista ao seu conteúdo erótico, logo percebe a outra acepção da peça (a conotação sexual). Este sentido de duplicidade do pensamento ocorre quando elementos verbais operam em mais de um significado e possibilitam múltipla interpretação, tendo sido observado tanto por Freud quando por Propp.

Muitas vezes o duplo sentido está associado ao sexo. Na cultura brasileira é comum que se relacione elementos risíveis à conotação sexual. ( (...) em nossa cultura a piada deve ser temperada com uma boa dose de sexo (LARAIA, 1992, p.71). Aqui também percebemos que o conteúdo censurado por nossa sociedade, proibido (dizer que a garota se destacou pelo seu desempenho sexual) só é aceito porque está inserido na esfera cômica. PARÓDIA Anuário: 28, Pág. 120 Agência: DM9/DDB Anunciante: Morel Speakers Título: Grande no som, pequeno no tamanho. Imagem 5 Neste anúncio, que faz parte de uma campanha, pode-se ver ídolos da música internacional retratados na forma de paródia. A paródia é configurada pelo exagero cômico e irônico, da imitação de algumas características de tais personagens por não serem retratados de uma forma bela ou normal (no sentido dos imitadores ficarem realmente idênticos aos ídolos). A intenção da paródia é satirizar o imitado, não tem a intenção de homenagear ou elogiar. Bergson afirma que os defeitos humanos, quando não causam piedade ou compaixão, são passíveis de risos. E este é o caso porque os anões não estão em uma situação que gere nenhum tipo de emoção parecida com as citadas. Anões são considerados engraçados porque não fazem parte do padrão cultural, do fenótipo da maioria da população. Novamente o estereótipo de paradigmas cristalizados. DIFERENÇAS

Anuário: 27º, Bronze, Pág. 85 Agência: DM9DDB Anunciante: Tam Título: Rio-Miami-Rio todos os dias. Imagem 6 ( A comicidade pode ter como causa diferenças não apenas sociais, mas de costumes, por exemplo, entre dois povos diferentes numa mesma época (PROPP, 1992, p.61). Quando normas não são correspondidas (trajes, falas dos estrangeiros) é possível se constatar a presença do risível. ( Do mesmo modo que são ridículas as modas ou as roupas antiquadas também é ridículo o vestuário dos estrangeiros (PROPP, 2002, p.64). Neste anúncio a diferença é ressaltada pelo contraste, pela falta de correspondência que existe entre a moda praiana do Brasil e dos Estados Unidos. Embora só a brasileira esteja evidente, a dos EUA também está sugerida, representada na forma da ausência de bronze que o sol deixa na pele. É comum que os brasileiros façam piadas, estranhem o tamanho avantajado que os biquínis dos EUA têm em relação aos do Brasil. Sob o viés do chamado estranhamento podem repousar facetas de etnocentrismo. E aí, a publicidade tanto reproduz (em sua maioria o faz) quanto questiona. No exemplo em questão, reforçam-se os dois códigos: a moda brasileira como correta, bonita, e a americana como estranha, ridícula. SEMELHANÇAS

Imagem 7 Anuário: 27º, Ouro, Pág. 78 Agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi Anunciante: Natan Título: O poder dos quilates. Propp cita as semelhanças como outro recurso que pode suscitar o riso. Neste caso, ela pode ser conferida pela duplicação da cena onde em uma o homem está mais feio que na outra ( pequenas diferenças contribuem para reforçar as semelhanças (PROPP, 1992, p. 56). Já foi dito que o risível está presente também na descoberta de algum defeito. Aqui ao fazer um comparativo do antes e depois é possível perceber isto. O homem antes de oferecer o presente à mulher é mostrado de forma que seus defeitos sejam realçados. Já quando a mulher vê a jóia estes defeitos desaparecem, ele imediatamente torna-se mais bonito, simpático e charmoso. Caso fosse mostrado primeiramente um homem feio e depois aparecesse um outro bonito, a peça perderia sua sutileza e elegância. INVERSÃO Anuário: 25º, Pág. 86 Agência: DM9DDB Anunciante: Parmalat Título: Leite com ferro Parmalat. Muito mais energia para você. Imagem 8 Segundo Bergson a inversão se dá quando papéis são trocados, um assume a posição do outro. É o chamado mundo às avessas. Aqui é um exemplo claro desta categoria. Geralmente o gato é perseguido, dominado e tem seus limites territoriais

impostos pelo cachorro. Já a peça mostra, para surpresa de todos, um felino na casa do cão e a marca de arranhão não deixa dúvidas que ele impôs ao canino aquela situação e a casinha não fora simplesmente abandonada. REPETIÇÃO Imagem 9 Anuário: 27º, Pág. 143 Agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi Anunciante: Natan Título: Finalmente localizado o ponto G Texto (abaixo canto esquerdo): Anel Together: a partir de R$1.300 Esta peça é um exemplo de transformação cômica das frases (BERGSON, 2001, p.91). No campo das palavras, a repetição está presente quando o registro verbal é deslocado do seu ambiente. O autor cita que efeitos grosseiros são obtidos quando há a transposição do solene para o familiar, ou vice-versa. Aqui percebe-se, através da interação entre registro verbal e visual, que a expressão ponto G desloca-se da conotação sexual para outra. No caso, o autor da peça quis associar a idéia do prazer feminino ao ato de ganhar uma jóia. O nome anel Together e o dedo que o título aponta (no que se usa anel de noivado) também são sugestivos, porque pelos nossos padrões culturais um dos maiores desejos das mulheres é casar. Mais uma vez, um conteúdo não permitido (sexo) passa sem chocar porque está dentro da temática cômica. PARADOXO

Imagem 10 Anuário: 28º, Pág. 123 Agência: Young Rubicam Brasil Anunciante: Wyeth Whitehall Laboratories Título (canto superior direito): Acabe com o stress: tome Stresstabs. No campo das palavras, o paradoxo é apresentado quando são reunidos conceitos que se excluem. Neste caso, ele está no fato da peça querer vender um produto que tranqüiliza mostrando uma imagem que indica que uma pessoa estressada passou por ali. Geralmente para vender um produto farmacêutico são mostrados os efeitos que o remédio produz e não os danos que a doença causa. NONSENSE Imagem 11 Anuário: 30º, pág. 128. Agência: Lew Lara Anunciante: Nokia Título (em destaque): Silas tem uma pedra de estimação. Textos principais em ordem de leitura (página direita): E os dois são inseparáveis./ Ele tira fotos dela, baixa suas músicas preferidas./ Mas um dia Silas se distraiu./ E os doze viveram felizes para sempre. Freud afirma que o nonsense ocorre quando algo estúpido e absurdo (que não estabelece relação com a realidade ou com a vida social organizada) é apresentado. Este é o caso da peça da Nokia. Este anúncio causou um certo estranhamento por não ser muito comum ver aqui no Brasil este tipo de cômico, e, além do mais, o conteúdo nonsense já é motivo para impressionar as pessoas. O nonsense é caracterizado pela falta de sentido, situações ilógicas e absurdas. Esta conduta é contrária ao bom senso,

como, no caso, uma pessoa ter uma pedra como bicho de estimação e conseqüentemente tratá-la com todo o carinho. DISFORME Imagem 12 Anuário: 28º, Pág. 162 Agência: Loducca Sul Anunciante: Bergerson Título: Algumas mulheres têm inveja. Outras têm Bergerson. Aristóteles já admitia que o disforme tem o potencial de suscitar o riso. Propp também. Da beleza, perfeição, ninguém ri. Na medida em que essa linda mulher do anúncio sofre interferência e passa a possuir defeitos (problemas de visão, pêlos em excesso etc.) o disforme aparece. Mais uma vez, as pessoas tendem a rir e isso também se dá devido ao já citado rir do outro. A inveja está representada nesta peça na forma dos rabiscos. Este é um dos pecados que poucos confessam, muitos abominam, mas quando se encontra no universo cômico (e na publicidade isto é recorrente) isto se torna permitido. Mais uma vez, estão presentes os conteúdos proibidos que Freud afirmava que somente eram aceitos deste modo. MALOGRO DA VONTADE Imagem 13 Anuário: 26º, Ouro, Pág. 81 Agência: AlmapBBDO Anunciante: Dental Prev Diálogo: -Oi - Oi - Você está esperando alguém?

- Uma amiga, mas ela não pode vir. - Se incomoda se eu me sentar? - Não, não, de jeito nenhum. - Bar legal, heim? Você vem sempre aqui? - Não, primeira vez. - Nem nos apresentamos. Hélio. - Laura. Muito (observação: aqui tem uma interferência gráfica representando um pedaço de comida no dente) prazer. -... - Algum problema? - Não, é que eu me lembrei de um compromisso.. Desculpa, preciso ir. Prazer, heim? -? Título: Polyflan dental prev. O fio dental mais indicado contra as gafes. Propp cita o malogro da vontade como um dos exemplos de situações que podem suscitar o riso. Este é um tipo de riso um tanto cruel. Ocorre em situações desagradáveis, geralmente é um fracasso imprevisto que ocorre no cotidiano e é provocado por motivos banais. Comumente uma das causas que leva ao malogro da vontade é a falta de atenção (distraída, a pessoa pode cometer algum deslize e isso causar o riso. Porém, se a conseqüência deste erro for grave, normalmente não haverá lugar para o cômico). Desta vez, o anúncio se destaca pelo conteúdo verbal e não pela imagem. Nele um rapaz está interessado em uma mulher e, quando nota que o seu dente está sujo, perde o interesse e se retira do lugar. Ela, que também demonstrava interesse em iniciar um romance, tem sua expectativa frustrada. Tudo parece estar caminhando para uma direção e de repente há uma quebra. Esta falta de etiqueta causa estranhamento porque em nossa sociedade o fato de a pessoa ter um pedaço de alimento nos dentes configura-se em uma gafe. Mais uma vez, é constatada a interferência dos padrões culturais estabelecidos. CLICHÊ ÀS AVESSAS Imagem 14 Anuário: 25º, Pág. 117 Agência: LoweLintas Anunciante: Gessy Lever Título: O efeito Axe. Aqui é proposta uma nova categoria. Quando um clichê é mostrado de modo não familiar, ele causa estranhamento e abre-se possibilidade para o cômico. Neste anúncio

isto se dá através da fuga da normalidade. O comum é ver bolos de casamento com um noivo e uma noiva felizes (este é o padrão, é o modelo básico). Aqui os criativos buscaram representar, através dos noivos assustados e das várias mulheres dispostas a se casar com ele, transmitir a idéia de que o homem que usa Axe torna-se irresistível, todas à sua volta o atacam. O risível vem deste fato inesperado - elemento encontrado nos estudos de Propp e Alberti. Cada sociedade tem seus sistemas de símbolos. Na brasileira o bolo de casamento representa como os noivos devem ser no futuro: felizes. O símbolo do bolo é uma convenção social e por isso é estranho ver os bonecos da forma como foram retratados. O modo como estão também sugere uma conotação sexual (o desespero, as roupas e as poses das pretendentes). Percebe-se a comicidade além da verbalização, basta ver a imagem e a marca do desodorante para entender o cômico. É concluída aqui a sugestão de análise do risível na publicidade brasileira. Através dela é possível reiterar que o cômico e a cultura são indissociáveis. Conclusões O cômico, fenômeno inapreensível, um tanto quanto inexplicável e sempre recriado, marca sua presença na publicidade brasileira. Se por vezes despertou o questionamento, a renovação, neste caso desperta a reafirmação, o consumo e vira entretenimento. Seduz pela leveza, faz o consumidor por alguns segundos esquecer seus sofrimentos. Tratado como uma valiosa estratégia de comunicação, o risível ajuda a publicidade a unificar, padronizar, criar o paradoxo de a pessoa se sentir única sendo igual a todo mundo. Não é possível que se produza algo universalmente engraçado, cada um tem sua forma particular de sentir este fenômeno. Os parâmetros biológicos, sociais e culturais devem ser vistos de forma conjunta (Geertz, 1989). O homem é resultado do seu meio cultural, e o cômico, a linguagem, os costumes etc. são produtos da cultura. A publicidade deve ter o cuidado de conhecer o seu público-alvo. E para se conhecer o target é preciso compreender a cultura na qual ele está inserido pois, a comicidade e também a publicidade estão intrinsecamente ligadas à cultura. Nossas idéias, valores, atos e emoções são produtos culturais. O entendimento das peças bem humoradas é condicionado ao contexto sócio-cultural no qual elas estão inseridas. Foi

notado que o enorme uso de elementos risíveis na publicidade se dá porque os publicitários acreditam que esta opção de tratamento garante uma maior simpatia, um retorno positivo por parte dos consumidores. Os criativos utilizam recursos risíveis aplicados no dia-a-dia na elaboração dos seus anúncios por que assim é possível causar certo estranhamento mas sem ferir radicalmente as normas sociais. Futuros estudos podem investigar mais a fundo se, de fato, o uso risível na publicidade, quando usado de forma consciente e consistente, é uma excelente forma de chamar atenção, disfarçar o apelo de venda, conquistar a simpatia do público e atair mais consumidores para um determinado anunciante. Na realidade em que vivemos, fazer rir é algo bastante bem-vindo, mesmo que a motivação disto venha de intenções de venda. Referências ALBERTI, V., O riso e o risível na história do pensamento. 2 ed., Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 2002. BAUDRILLARD, J., Significação da publicidade. Em: LIMA, L. (Org.), Teoria da cultura de massa. 6 ed., Paz e terra. São Paulo, 2000. CAMARGO, P. Fórmula (quase) infalível. Humor na criação. Revista Propaganda. A alma e o negócio. São Paulo, n. 577, p. 38-41, julho de 1999. BERGSON, H., O riso: ensaio sobre a significação da comicidade., Martins Fontes. São Paulo, 2001. FEDRIZZI, A., Rir ainda é o melhor remédio. Em: FEDRIZZI, A. (Org.), O humor abre corações e bolsos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, pp. 15-19. FREUD, S., Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Os chistes e sua relação com o inconsciente. 2 ed. Volume VIII, Imago. Rio de Janeiro, 1987. GEERTZ, C., A interpretação das culturas., LTC. Rio de Janeiro, 1989.

HEGARTY, J., Quando eles não estão sorrindo. Em: FEDRIZZI, A. (Org.), O humor abre corações e bolsos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, pp. 71-74. LARAIA. R., Cultura. Um conceito antropológico. 6 ed., Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1992. PROPP, V., Comicidade e riso., Ática. São Paulo, 1992.