Rem: Revista Escola de Minas ISSN: 0370-4467 editor@rem.com.br Escola de Minas Brasil

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Transcrição:

Rem: Revista Escola de Minas ISSN: 0370-4467 editor@rem.com.br Escola de Minas Brasil Mesa, Dairo Hernán; Garzón, Carlos Mario; Tschiptschin, André Paulo Avaliação da resistência ao desgaste erosivo gerado por cavitação em aços inoxidáveis austeníticos com alto teor de nitrogênio: estudo dos mecanismos de desgaste Rem: Revista Escola de Minas, vol. 63, núm. 1, enero-marzo, 2010, pp. 147-152 Escola de Minas Ouro Preto, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56416597025 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Dairo Hernan Mesa et al. INOX: Engenharia de Superfície Avaliação da resistência ao desgaste erosivo gerado por cavitação em aços inoxidáveis austeníticos com alto teor de nitrogênio: estudo dos mecanismos de desgaste Assessment of the cavitation erosion resistance in high nitrogen austenitic stainless steels: study of the wear mechanisms Dairo Hernán Mesa Estudante de Doutorado Universidade de São Paulo-Brasil Professor Associado, Universidade Tecnológica de Pereira-Colômbia E-mail: dhmesa@usp.br. Carlos Mario Garzón Professor Auxiliar, Universidade Nacional de Colômbia, Sede Bogotá E-mail: cmgarzono@unal.edu.co, André Paulo Tschiptschin Professor Titular, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo-Brasil E-mail: antschip@usp.br Resumo Amostras do aço inoxidável UNS S31803, nitretadas em alta temperatura, com 0,9 % de nitrogênio em solução sólida foram submetidas a ensaios de cavitação vibratória em água destilada. As amostras foram, previamente, caracterizadas por meio de difração de elétrons retroespalhados, EBSD, num microscópio eletrônico de varredura (MEV). Posteriormente, durante os ensaios de cavitação, o dano superficial das amostras foi, periodicamente, avaliado por observação no MEV das superfícies desgastadas. O aço austenítico convencional UNS S30403 foi usado como material de comparação. Nas primeiras etapas dos ensaios de cavitação, ocorreu deformação plástica da superfície, que pôde ser caracterizada como altamente heterogênea na escala do tamanho de grão. Em etapas posteriores, ocorreu perda de massa por desprendimento de partículas de desgaste (debris), como conseqüência de fadiga de baixo ciclo. O início do dano ocorreu tanto no interior dos grãos como nos contornos de grão; os contornos de macla mostraram as regiões mais suscetíveis. Os grãos com planos (101) orientados aproximadamente paralelos à superfície das amostras apresentaram maior resistência ao desgaste que os grãos com outras orientações cristalográficas. A maior resistência ao desgaste dos grãos com textura (101) superfície foi atribuída a uma menor tensão projetada para deformar, plasticamente, esses grãos. A diminuição da referida tensão se dá em função das tensões impostas na superfície cavitada pela implosão de bolhas de vapor. Palavras-chave: Erosão-cavitação, aços inoxidáveis de alto nitrogênio, engenharia de contornos de grão, meso-textura. Abstract Specimens of a UNS S31803 steel were submitted to high temperature gas nitriding and then to vibratory pitting wear tests. Nitrided samples displayed fully austenitic microstructures and 0.9 wt. % nitrogen contents. Prior to pitting tests, sample texture was characterized by electron backscattering diffraction, EBSD. Later on, the samples were tested in a vibratory pit testing equipment using distilled water. Pitting tests were periodically interrupted to evaluate mass loss and to characterize the surface wear by SEM observations. At earlier pit erosion, stages intense and highly heterogeneous plastic deformation inside individual 147

Avaliação da resistência ao desgaste erosivo gerado por cavitação em aços inoxidáveis austeníticos... grains was observed. Later on, after the incubation period, mass loss by debris detachment was observed. Initial debris micro fracturing was addressed to low cycle fatigue. Damage started at both sites, inside the grains and grain boundaries. The twin boundaries were the most prone to mass-loss incubation. Grains with (101) planes oriented near parallel to the sample surface displayed higher wear resistance than grains with other textures. This was attributed to lower resolved stresses for plastic deformation inside the grains with (101) surface texture. Keywords: Pit erosion, high nitrogen stainless steels, grain boundary engineering, wear, meso-texture. 1. Introdução As tensões impostas pela implosão de bolhas de vapor, formadas no interior de um fluido, danificam as superfícies sólidas adjacentes, provocando perda de material por mecanismos de fadiga de baixo ciclo, associada à intensa concentração de tensões na superfície [ASTM G32/06; Bologa, 2002; Richman, 1990; Wantang, 2001]. O dano acontece quando ondas de choque e microjatos gerados na implosão exercem pulsos de tensões na superfície sólida atingida, fazendo com que, nas primeiras etapas do processo, o impacto repetido das ondas de choque provoque deformação plástica seguida por formação de trincas e remoção de material [Wantang, 2001]. O desgaste erosivo gerado por esse fenômeno é conhecido como erosão por cavitação (E-C), sendo responsável por grandes custos de manutenção em sistemas hidráulicos, tais como hélices de embarcações, bombas e turbinas hidráulicas. Em países onde grande parte da energia elétrica é gerada em usinas hidrelétricas, esse problema tem merecido uma atenção especial, uma vez que há uma grande incidência de cavitação em turbinas hidroelétricas [Gavriljuk et al., 1999; Mills, 1998]. O processo de desgaste por cavitação compreende várias etapas das quais a primeira delas, conhecida como período de incubação, está associada à deformação plástica do material, com formação de linhas de escorregamento e pequenas crateras na superfície. Em seguida, a densidade de crateras aumenta, formando ondulações e acúmulo de material ao seu redor. As trincas formadas na superfície e dentro das crateras se propagam juntando-se umas às outras, levando à formação de cavidades (pites), na superfície, e desprendimento de partículas de desgaste debris [Muthukannan, 2006]. Por serem materiais resistentes a diferentes tipos de corrosão e desgaste, os aços inoxidáveis são amplamente usados em diferentes campos industriais. Por outro lado, aços inoxidáveis austeníticos com alto teor de nitrogênio (HNS-Steels) apresentam uma melhora substancial de resistência a vários tipos de desgaste, sendo possível vislumbrar que tais materiais possam ser adequados para substituir aços inoxidáveis convencionais em aplicações onde o desgaste erosivo por cavitação esteja presente. Uma das razões do uso dos aços inoxidáveis austeníticos deve-se ao preço, que é próximo ao dos aços inoxidáveis convencionais e muito menor que o preço das ligas à base de cobalto usadas regularmente para enfrentar esse tipo de problemas. O efeito benéfico da adição de nitrogênio na resistência à E-C de aços inoxidáveis pode ser atribuído a: (i) aumento na resistência à deformação plástica, (ii) distribuição mais homogênea da deformação plástica e (iii) maior consumo da energia de impacto das bolhas devido à menor energia de falha de empilhamento e à alteração dos mecanismos de encruamento operantes na superfície sólida atingida. Embora tenha sido observado um significativo efeito da textura e da distribuição de tipos de contornos de grão na resistência à E-C [Garzón, 2004; Garzón, 2005; Garzón, 2007], não existem evidências claras que permitam explicar o papel da textura nesse tipo de desgaste. Uma das hipóteses de trabalho é que existam orientações cristalográficas que favorecem um elevado consumo de energia de impacto, quando os grãos se encontram orientados nessas direções. Em trabalhos prévios [Garzón et al., 2004; Garzón et al., 2005; Garzón et al., 2007], foi observado que a adição de nitrogênio em solução sólida aos aços inoxidáveis UNS S30403 e UNS S31803 melhora, acentuadamente, a resistência à E-C, tanto em água destilada, quanto em água de mar sintética. Por meio do controle do teor de nitrogênio, do tamanho de grão e da textura, foi possível diminuir a taxa de perda de massa por E-C, em até 20 vezes, para o aço dúplex, e até 8,5 vezes, para o aço austenítico, em comparação com materiais simplesmente solubilizados. O objetivo desse trabalho é estudar os mecanismos de desgaste que atuam durante o desgaste erosivo de aços austeníticos de alto teor de nitrogênio, induzidos por cavitação, relacionandoos com aspectos cristalográficos, como a orientação dos cristais na escala do tamanho de grão (mesotextura) e o estado de tensões no interior dos grãos. 2. Materiais e métodos A composição química dos aços usados nesse trabalho é apresentada na Tabela 1. 2.1 Nitretação gasosa em alta temperatura Com o intuito de se obter uma microestrutura 100 % austenítica em um aço dúplex contendo austenita e ferrita, foi realizado um tratamento termoquímico de nitretação gasosa em alta temperatura, sob as seguintes condições: temperatura de 1200 C, tempo de 8 horas e pressão de 0.9 atm. As amostras tinham formato quadrado de 20 mm x 20 mm de lado e 1,5 mm de espessura. Após a nitretação, obteve-se um aço 100 % austenítico com, aproxima- 148

Dairo Hernan Mesa et al. Tabela 1 - Composição química dos aços UNS S31803 e UNS S30403. damente, 0,9 % em peso de nitrogênio em solução sólida, com um tamanho de grão de, aproximadamente, 160 μm e uma forte textura (orientação cristalina preferencial), textura (101). Após a nitretação, as amostras foram recozidas a 1200 C por uma hora com o intuito de aliviar tensões internas. O aço austenítico UNS30403, no estado solubilizado, foi usado como material de comparação. 2.2 Ensaios de desgaste Foi usado o método de cavitação ultra-sônica indireta, segundo a norma ASTM G32/06, que consiste em colocar o corpo-de-prova logo abaixo de uma ponta vibratória. Os ensaios foram realizados num equipamento Telsonic SG 1000, operando a 20 khz de freqüência e com uma amplitude de vibração de 40 μm. A perda de massa das amostras foi medida, periodicamente, após a interrupção do ensaio. As amostras foram ensaiadas em água destilada a, aproximadamente, (20 ± 1,0) C. Na Figura 1 é mostrado um esquema do dispositivo usado nos ensaios de desgaste por cavitação. 2.3 Caracterização da microtextura e da microestrutura A microtextura das amostras foi caracterizada por difração de elétrons retroespalhados, antes de se realizarem os ensaios de cavitação. Foi usado um sistema EBSD/TSL acoplado a um microscópio eletrônico de varredura Philips XL30TM. Foram analisadas áreas de 1,5 x 1,5 mm². Durante os ensaios de cavitação, os mesmos foram periodicamente interrompidos com o intuito de analisar a morfologia das superfícies erodidas. Utilizou-se um microscópio eletrônico de varredura Philips XL30TMP. O teor de nitrogênio, na superfície das amostras, foi determinado por meio de microanálise química WDS, utilizando microssonda acoplada a um microscópio Cambridge Instruments Stereoscan 440. 3. Resultados e discussão 3.1 Nitretação As Figuras 2 (a) e (b) apresentam a microestrutura do aço UNS S31803 antes e após os tratamentos de nitretação e recozimento. Como conseqüência da absor- Figura 1 - Esquema do equipamento de cavitação (esquerda) e partes principais (direita). 149

Avaliação da resistência ao desgaste erosivo gerado por cavitação em aços inoxidáveis austeníticos... ção de nitrogênio, durante a nitretação, a microestrutura do aço UNS 30803 solubilizado passa de uma mistura de, aproximadamente, igual proporção de fases ferrita e austenita, para uma estrutura 100 % austenítica, sem presença de ferrita nem de nitretos. 3.2 Evolução do desgaste por cavitação Nas micrografias da Figura 3 (a) - (c), é possível observar os diferentes estágios de cavitação e identificar mecanismos de desgaste atuantes durante um ensaio de E-C no aço UNS S31803. Na Figura 3 (a), verifica-se, para as primeiras 4 horas de ensaio, a presença de degraus de escorregamento, verificam-se, também, evidências de que os contornos de grão e particularmente os contornos de macla são locais preferenciais para o início do dano. Na Figura 3 (b), para 25 horas de ensaio de E-C, observa-se como os contornos de macla, identificados na Figura 3 (a), continuam sendo os locais mais danificados na superfície exposta. Nessa Figura, também é possível se ver que há grãos e contornos de grão mais resistentes, que, diferentemente dos contornos de macla, se apresentam mais conservados. Já na Figura 3 (c), verifica-se a presença de dano generalizado, embora se observem alguns grãos com vestígios da superfície original, ainda não erodida, para 49 h de ensaio. Os mecanismos que conferem alta resistência à E-C ao aço com nitrogênio são baseados no fato de que esse material apresenta uma elevada taxa de encruamento, o que faz com que os mecanismos responsáveis pela remoção de material sejam retardados [Liu et al., 2003]. Isso se deve à diminuição da energia de falha de empilhamento, e, também, à presença de nitrogênio em solução sólida [Garzón et al., 2004]. Em decorrência, a tenacidade do material aumenta e a superfície é capaz de amortecer, pelo menos nos estágios iniciais, as ondas de choque provenientes do colapso das bolhas e dos microjatos de cavitação [Garzón et al., 2004]. Figura 2 - Micrografias do aço UNS 30803 a) como recebido e b) após nitretação e recozimento. Os mecanismos de desgaste, que atuam durante a E-C, no aço UNS S31803, podem ser mais bem visualizados através da seqüência de micrografias apresentadas na Figura 4 (a) até (c). Nessas micrografias, obtidas na região assinalada com o retângulo na Figura 3 (b), é possível observar as mudanças sofridas pela superfície do material submetido à E-C, causadas pelos diferentes mecanismos que causam o dano e a remoção das partículas de desgaste. Na Figura 4 (a), para 4 h de ensaio de E-C, verificamse a presença de linhas de escorregamento e pequenas crateras típicas do período de incubação. Nessa Figura, também é possível observar evidências de que o início do dano ocorre nos contornos de grão e, preferencialmente, nos contornos de macla. Nesse estágio, a perda de massa não é mensurável. Na Figura 4 (b), para 25 h de ensaio de E-C, as maclas continuam sendo os locais mais danificados e, nas crateras nucleiam trincas que dão início à formação de pites, associados à perda de massa mensurável. Nessa Figura, observam-se, também, que as linhas de escorregamento, localizadas no interior dos grãos, são locais favoráveis para a nucleação e crescimento do dano. Dessa Figura 3 - Micrografi as após E-C do aço UNS S31803 em diferentes tempos de ensaio de E-C, a) 4h, b) 25 h e c) 49 h. forma, tanto as trincas, quanto as crateras (pites), competem com os contornos de grão e contornos de macla para a remoção de material. 150

No estágio final, para 49 h de ensaio de E-C, Figura 4 (c), a superfície de desgaste encontra-se completamente danificada. Nesse estágio, a perda de massa do material passa a ser constante. As variações de perda de massa, tanto no aço UNS S31803, quanto no aço UNS S30403, são mostradas na Figura 5. As curvas da Figura 5 confirmam o fato de que o aço contendo nitrogênio apresenta uma maior resistência à E-C. Note que o início do dano para o aço com alto nitrogênio é de, aproximadamente, 20 horas, enquanto o do aço UNS S30403 acontece nos primeiros minutos. O tempo para que ocorra uma perda de massa de 2,5 mg para o aço UNS31803 com nitrogênio é de 64 horas, enquanto que para o aço UNS S30403 sem nitrogênio é de somente 6,5 horas de ensaio, cerca de 10 vezes maior. Uma possível explicação para a heterogeneidade do desgaste, na escala do tamanho de grão, é a diferença de orientação cristalina dos grãos na superfície do material, bem como a diferença dos estados de tensões impostos pela implosão das bolhas em cada grão. A Figura 6(a) apresenta o mapa EBSD da área estudada. Nesse mapa, cada cor indica a orientação cristalina dos grãos, segundo a Figura de pólo inversa (código de cores do triângulo inserido na mesma Figura). Na Figura 6 (b) é apresentada a micrografia MEV, da mesma área da Dairo Hernan Mesa et al. Figura 6 (a), para um tempo de cavitação de 16 horas, e, na Figura 6 (c), um mapa contendo somente os grãos da família (101) // superfície, predominante no material. Na Figura 6 (a), observase que a grande maioria dos grãos apresenta uma orientação cristalográfica (101) // superfície, o que pode ser verificado na Figura 6 (c). Na Figura 6 (b), observa-se que os grãos (101) // superfície, têm um comportamento diferenciado frente ao desgaste, apresentando-se mais conservados do que grãos que apresentam outros tipos de orientação cristalina. A alta resistência ao desgaste dos grãos (101), como hipótese, pode ser atribuída à forma como as tensões, provenientes das ondas de choque durante a implosão de bolhas de cavitação, atingem esses grãos. Para tais orientações, possivelmente, a tensão projetada crítica, para a deformação, seja atingida várias horas depois, do que para grãos com outras orientações. Uma forma de verificar esse comportamento é analisar a variação do fator de Schmid nos grãos da região cavitada, supondo que as tensões que atuam na superfície do material, durante o processo de E-C, Figura 4 - Seqüência de micrografi as apresentando a evolução e os mecanismos de dano por E-C em um aço UNS S30803 nitretado em alta temperatura. Figura 5 - Perda de massa em função do tempo de ensaio por E-C nos aços UNS S31803 e UNS S30403. sejam de compressão uniaxial, paralela à direção de laminação. O modelo de Schmid, aplicado ao caso de um monocristal, prevê deformação plástica, caso a tensão, numa determinada orientação cristalina, atinja um Figura 6 - Resultados EBSD e MEV do aço UNS S31803. 151

Avaliação da resistência ao desgaste erosivo gerado por cavitação em aços inoxidáveis austeníticos... valor crítico, porém levando em conta a deformação dos seus vizinhos. A tensão necessária para provocar deformação é conhecida como tensão de cisalhamento projetada ou tensão de cisalhamento crítica projetada. No caso de materiais policristalinos, o fato de essa tensão atingir um valor crítico, não é suficiente para iniciar a deformação de um grão, pois os grãos vizinhos, orientados desfavoravelmente, impõem restrições à deformação. Então, a condição necessária, porém não suficiente, para que um grão sofra deformação plástica é que a tensão de cisalhamento crítica seja atingida. De qualquer forma, grãos que atingem mais rapidamente a tensão crítica projetada terão mais chance de se deformar antes do que aqueles que ainda não a tenham alcançado, embora seja uma deformação localizada [Padilha A, 2000]. O mapa que mostra a variação do fator de Schmid, no aço nitretado, na mesma área analisada na Figura 6, é apresentado na Figura 7. Comparando a Figura 7 com a Figura 6 (a), observa-se que a grande maioria de grãos (101) apresenta um fator de Schmid menor que grãos com outros tipos de orientação. Segundo a teoria de Schmid, grãos com um alto fator de Schmid estão prestes a deformar, já que a tensão resolvida crítica, para a ocorrência da deformação plástica, é atingida mais rapidamente. Isto explica o comportamento dos grãos com orientação (101), obtido para o material UNS S31803. 4. Conclusões Por meio do tratamento de nitretação gasosa, em alta temperatura, foi possível transformar o aço UNS S31803 de estrutura inicial duplex (austenita + ferrita) em um aço 100% austenítico com forte textura (101) // superfície. O dano por cavitação iniciou nas linhas de escorregamento e nos contornos de grão, preferencialmente nos contornos de macla, o que indica que estes são os locais da superfície mais sensíveis ao dano por E-C. A distribuição do dano por E-C, no aço UNS S31803, é heterogênea, sendo que os grãos com planos (101) paralelos à superfície são os que apresentam melhor desempenho frente a esse tipo de desgaste. O início do dano, no aço UNS S31803 nitretado, ocorre para tempos, aproximadamente, 10 vezes mais longos que para o aço UNS 30403, utilizado como comparação. Adicionalmente, o aço com nitrogênio apresenta uma taxa de perda de massa por E-C muito menor que a exibida pelo material de comparação. Grãos com fator de Schmid menor são mais resistentes à E-C, já que a tensão resolvida crítica, para a ocorrência de deformação plástica, tarda mais em ser atingida. 5. Agradecimentos À Universidade Tecnológica de Pereira- Colômbia e ao grupo de pesquisa em Materiales de Ingeniería (GIMI- UTP). Ao grupo de pesquisa em Materiais para aplicações avançadas da PMT- USP - São Paulo -Brasil. À COLCIENCIAS - Colômbia, LASPAU e à CAPES pelo apoio para realizar estudos de Doutorado na USP - São Paulo - Brasil. 6. Referências bibliográficas ASTM G32/06. Standard test method for cavitation erosion using vibratory apparatus. Copyright ASTM International, 100 Barr Harbor Drive, PO Box C700, West Conshohocken, PA 19428-2959, United States. 2006. GARZÓN, C.M., DOS SANTOS, J.F., TSCHIPTSCHIN, A.P. Materials Science and Engineering-A 382. p. 378-386. 2004. GARZÓN, C.M., DOS SANTOS, J.F., THOMAS, H., TSCHIPTSCHIN, A.P. Wear 259. p. 145-153, 2005. Figura 7 - Variação do fator de Schmid. GARZÓN, C.M., TSCHIPTSCHIN, A.P. Patent BR200504885-A, International patent classification, c23c-014/14, 26 junho de 2007. GAVRILJUK, V.G., BERNS, H. High Nitrogen Steels. Berlin: Springer-Verlag, 1999. 378 p. LIU, W., ZHENG, Y.G., LIU, C.S., YAO, Z.M.., W. Ke. Cavitation erosion behavior of Cr-Mn-N stainless steels in comparison with 0Cr13Ni5Mo stainless steel. Wear 254, p. 713-722, 2003. MILLS, D., KNUTSEN, R. An investigation of the tribological behaviour of a high-nitrogen Cr-Mn austenitic stainless steel. The parameter influence on the superficial layer in cavitation destruction. In the annals of university Dunarea de Jos, Fascicle VIII, 2002 MUTHUKANNAN, D. Cavitation erosion resistance of AISI 420 martensitic stainless steel laser-clad with nickel aluminide intermetallic composites and matrix composites with TiC reinforcement. Surface & coatings Techhnology, 2006. PADILHA A. F. Materiais de engenharia: microestrutura, propriedades. São Paulo: Ed HEMUS, 2000. v. 01, 343 p. RICHMAN, R.H. Correlation of cavitation erosion behavior with mechanical properties of metals. Wear 140, Issue 1, p. 63-82, 1990. WANTANG, Fu. Resistance of high nitrogen austenitic steel to cavitation erosion. Wear, v. 249, Issue 9, p. 788-791, September 2001. Artigo recebido em 27/07/2009 e aprovado em 19/01/2010. 152