70 - A Varanda e suas contribuições para a Sustentabilidade The Porch And Its Contribution To Sustainability. Resumo. Abstract.



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Transcrição:

70 - A Varanda e suas contribuições para a Sustentabilidade The Porch And Its Contribution To Sustainability BRANDÃO, Helena Câmara Lacé (1); MARTINS, Angela Maria Moreira (2) (1) Arquiteta e Urbanista, Mestre e Doutoranda em Ciências em Arquitetura pelo PROARQ / FAU / UFRJ, bolsista do CNPq Brasil (e-mail: professora@helenalace.arq.br), rua Rodolfo Dantas, 93, apt.º 203 - CEP 22020-040 - Copacabana - Rio de Janeiro - Tel./Fax +55 21 22950127. (2) Arquiteta e Urbanista, Doutora em Planejamento Urbano pela Université de Paris X, com Pós-Doutorado em Turismo e Desenvolvimento pela Université de Paris I, professora e pesquisadora do curso de Mestrado e Doutorado do PROARQ /FAU / UFRJ (e-mail: palas@netfly.com.br) Resumo O presente artigo discute a importância da varanda para a sustentabilidade do ambiente construído na contemporaneidade. Ela pode ser considerada como um importante elemento da arquitetura promotor de conforto ambiental para o usuário da edificação em clima tropical quente e úmido, principalmente no que diz respeito às habitações brasileiras. Utilizada nas moradias desde o início da colonização do Brasil, a varanda nem sempre foi empregada corretamente para adequar a arquitetura ao clima da região e assim promover conforto ambiental ao usuário da construção mesmo quando a forma da arquitetura era a única tecnologia disponível para este fim, muito em virtude dos hábitos de moradia, dos usos e costumes vigentes. Abstract This paper discusses the importance of the porch to the sustainability of contemporary building environment. It can be considered as an important element of the architecture that promotes environmental comfort to the building user in hot and humid tropical climate, especially with regards to Brazilian dwellings. Used in homes since the beginning of Brazilian colonization, the balcony has not always been correctly used to match the architecture to the climate of the region and thus promote environmental comfort to the building user - even when the form of the architecture was the only available technology for this purpose, much due to dwelling habits, uses and to its current customs. Introdução A varanda está relacionada com a sustentabilidade do ambiente construído, pois ao atuar como um fator de sombra e como um grande beiral, ela não apenas se comporta como um elemento de adequação climática da construção, mas também como um recurso de que a própria forma da arquitetura dispõe para proporcionar conforto ambiental ao usuário da edificação em clima tropical quente e úmido, no que diz respeito ao conforto térmico, lumínico e até mesmo acústico, diminuindo a necessidade de soluções artificiais de iluminação e de condicionamento que aumentam o consumo de energia. Essa relação é compreendida quando se tem em mente a noção do que sejam esses três confortos e como eles interagem. A sensação de conforto térmico, por exemplo, está relacionada com a troca de calor entre o corpo humano e o seu meio, dentro dos limites razoáveis para a realização de tarefas, o que faz com que essa sensação varie de pessoa para pessoa, como, também, de atividade para atividade.

O conforto térmico é medido, dessa forma, pelo metabolismo de cada indivíduo somado ao calor produzido em cada ambiente. Esse calor, por sua vez, diz respeito tanto ao calor recebido por irradiação, condução e convecção 1, o chamado calor sensível, como também ao calor perdido pela evaporação, denominado calor latente. A varanda, ao atuar como um grande beiral que permite a abertura dos vãos laterais de ventilação mesmo em dias de chuva, diminui a umidade por condensação, reduzindo o calor latente, e aumentando, desta forma, a sensação de conforto térmico em clima quente e úmido. Da mesma maneira, ela colabora para essa sensação, amenizando o calor sensível, ao ser utilizada como um fator de sombra que impede a incidência da radiação solar direta. Esse desempenho da varanda como sistema de sombreamento, importante para o conforto térmico do usuário da edificação, por sua vez, também é relevante para o conforto lumínico, sem que esse último venha a comprometer o primeiro. A iluminação de um ambiente é extremamente importante para o desempenho das atividades humanas, pois a luz atua na percepção do indivíduo, alterando seu estado emocional, seu comportamento e seu rendimento. Entretanto, a radiação que incide diretamente, seja sua fonte natural ou artificial, causa sensações de desconforto térmico, ofuscamento e, principalmente, no caso da luz solar, variação brusca de intensidade, que acabam prejudicando o conforto lumínico. Tal fato leva, normalmente, à utilização de sistemas de sombreamento para amenizar os efeitos negativos da luz solar. Contudo, muitas vezes, ao se evitar a iluminação natural proporcionada pelo sol, com o objetivo de se bloquear a radiação direta, acaba-se impedindo a entrada de luz refletida e difusa que pode ser positiva, uma vez que a luz solar é importante para o sensorial dos seres humanos mais do que qualquer outra fonte luminosa, trazendo bem-estar visual e psicológico, satisfação e salubridade, sendo estimulante e atuando como um referencial de espaço-tempo. Além disso, certos tipos de bloqueio da radiação solar direta como cortinas, por exemplo, que até são eficientes para o conforto lumínico, podem vir a comprometer a carga térmica do ambiente, aumentando o calor sensível e até o latente, ao impedir a ventilação natural e, com isso, a dissipação de calor; o que é prejudicial para o conforto ambiental em clima quente e úmido. Impedir a radiação solar direta não significa bloquear completamente a incidência de luz natural, da mesma forma que aumentar a taxa de iluminação natural não significa aumentar a área de aberturas, pois isto poderia incorrer em maiores ganhos de calor solar indesejáveis (LAMBERT; DUTRA; PEREIRA, 1997, p.164). A escolha dos sistemas de sombreamento para o controle da radiação solar, que é essencial para o conforto lumínico, também é fundamental, desta maneira, para o conforto térmico e, em clima quente e úmido, a varanda é um desses fatores de sombra que se ajusta aos dois. Ela bloqueia a incidência de luz solar direta, retardando a propagação de seu calor e, ao mesmo tempo, permite a entrada da luz refletida e difusa e a circulação de ar, ao possibilitar, como já comentando anteriormente, que os vãos de ventilação fiquem abertos. 1 A irradiação é o processo de transmissão pelo qual a energia não precisa de um meio material para se propagar. Essa energia, que é transmitida através de ondas eletromagnéticas, denomina-se energia radiante. Já a condução é o processo de transmissão de calor pelo qual a energia passa de molécula para molécula sem que elas sejam deslocadas. A convecção, por sua vez, é a forma de transmissão do calor por efeito das camadas aquecidas que se chamam correntes de convecção. Na convecção, não ocorre passagem de energia de um corpo para outro, mas movimento de partículas, levando consigo a energia de uma posição para outra.

A abertura desses vãos poderia ser prejudicial para o conforto acústico, uma vez que facilita a propagação dos ruídos externos ao edifício, se não fosse a varanda um elemento que funcionasse, também, de anteparo para as ondas sonoras. A utilização de espaços vazados para aumentar a espessura da fachada pode se revelar uma estratégia bastante eficiente para gerenciar a propagação do som, sem impedir a penetração do vento. Nas fachadas voltadas para as fontes sonoras podem ser localizados espaços de transição: escadas, circulações ou, até mesmo, quando os níveis sonoros não forem excessivamente elevados, varandas, terraços e sacadas [...]. Em clima tropical-úmido esta é uma solução interessante [...] sem prejuízo da ventilação natural. (NIEMEYER, M., L., A. de, 1998, p.145, grifo nosso) Colaborando, ao mesmo tempo, para o conforto térmico, lumínico e acústico em clima quente e úmido, através do uso correto da iluminação e da ventilação natural, a varanda desenvolve, assim, condições favoráveis para o conforto ambiental do usuário da construção, quando suas características tipológicas e seus materiais construtivos assim o permitem, isto é, quando ela é um elemento de adequação climática, podendo, com isso, colaborar para o uso eficiente de energia nas construções através da oferta de um sistema passivo de luz e ventilação. Nem todos os tipos de varanda exercem essa função em virtude de suas dimensões e materiais construtivos, mas certas tipologias são empregados pela arquitetura desde o período da colonização até os dias atuais com esse objetivo, colaborando tanto para o estado de conservação do edifício quanto para o conforto ambiental de seu usuário (fig. 1). Fig.1: versão contemporânea da varanda alpendrada que exerce proteção contra a radiação solar (à esquerda) e exemplo de sacada que não possui a mesma função (à direita) / Fonte: acervo próprio, 2007 Na história da arquitetura doméstica brasileira, a varanda até foi vista durante muito tempo como um dos poucos recursos existentes para ofertar conforto ambiental ao morador da casa, pois, na ausência de sistemas artificiais de iluminação e condicionamento interno do ar, a tecnologia disponível era a própria forma da arquitetura, apesar dela nem sempre ter sido empregada para esse fim, mesmo aparecendo praticamente como uma constante nas moradias brasileiras. Esse descanso com tal qualidade da varanda ocorria muito em virtude do modo de vida vigente, no entanto, hoje em dia são as alterações no comportamento da sociedade que fazem com que ela seja empregada em função desse seu atributo de adequar a construção ao clima da região e, conseqüentemente, proporcionar conforto ambiental a seu usuário.

Na atual conjuntura, onde são necessárias mudanças nos hábitos de consumo, a varanda é um objeto de consumo que se torna favorável às questões ambientais, contribuindo para a sustentabilidade. Essa contribuição não se limita ao uso eficiente de energia pela oferta de um sistema passivo de iluminação e condicionamento do ar, mas diz respeito também a outras questões relacionadas com os aspectos técnicos da sustentabilidade ambiental, podendo interagir com a sustentabilidade econômica, social e cultural, passando da esfera do ambiente construído para a esfera da comunidade. Fato que deve ser levado em consideração, principalmente ao se observar, atualmente, a ampla difusão de edifícios residenciais com varanda, seja pelos lançamentos imobiliários ou até mesmo pelo acréscimo desse elemento em prédios já existentes (fig. 2 e 3), indicando que o modo de vida contemporâneo não só aceita como requer esse elemento nas fachadas das residenciais, sendo está época propícia para que os projetos de arquitetura desenvolvam tipologias de varanda convenientes para as questões ambientais. Fig.2: anúncio no estande de vendas do imóvel dando destaque à varanda / Fonte: própria da autora, 2007 Fig.:3 - prédio da rua General Artigas no Leblon, apresentando acréscimo de varanda / Fonte: CASEMIRO, L. Garantindo Área Externa. O Globo, Rio de janeiro, Caderno Morar Bem, p.3, 25 de março de 2007. Fotógrafo André Coelho. Varanda e suas Contribuições para a Custentabilidade A varanda contribui para a sustentabilidade do ambiente construído em regiões de clima quente e úmido, pois, quando empregada adequadamente, possibilita a utilização correta dos sistemas passivos de luz e vento, diminuindo o consumo de energia por sistemas artificiais de iluminação e condicionamento interno do ar para proporcionar conforto térmico, lumínico e até mesmo acústico, como já comentado, colaborando, assim, para a eficiência energética da construção. Na arquitetura, a eficiência energética não significa desprover os espaços interiores de luz artificial ou de ar condicionado (consumidores em potencial de energia), mas sim saber quando e o quanto são necessários (LAMBERT; DUTRA; PEREIRA, 1997, p.56) Além de permitir a racionalização do uso de luz artificial, que deve complementar a iluminação natural e não substituí-la e, também reduzir a necessidade de condicionar o ar interno do ambiente artificialmente, ao colaborar para o conforto térmico, lumínico e acústico do usuário, ela ainda contribui para a redução do

consumo de energia, proporcionando condições propícias para o melhor rendimento dos aparelhos de ar condicionado (fig. 4). Fig.4: aparelho de ar condicionado exposto na fachada e protegido pela varanda / Fonte: acervo próprio, 2007 A varanda, ao poder atuar como um fator de sombra e também como um grande beiral, acaba protegendo do sol e da chuva esses aparelhos, normalmente localizados nas fachadas das edificações para captação de ar externo. Essa proteção, além de ser importante para a manutenção e a vida útil do equipamento, faz com que os aparelhos de ar condicionado consumam menos energia para refrigerar o ar captado da área externa, de temperatura mais amena pelo ambiente se encontrar sombreado. Outro ponto importante de sua contribuição para o meio ambiente é que sua atuação como sistema de sombreamento e como grande beiral que, por sua vez, possibilita a oferta correta de iluminação e ventilação natural, vem da possibilidade dela ser um elemento de adequação climática que ajuda a manter o estado de conservação da construção e, assim, o aumento de sua vida útil, diminuindo a quantidade de rejeitos lançados na natureza. No entanto, esse recurso formal, que não deixa de ser uma tecnologia da arquitetura para a sustentabilidade, vai além dos fatores técnicos que visam a diminuir a degradação do meio ambiente e atinge, também, os aspectos econômicos, sociais e culturais do desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade não trata simplesmente da preservação do meio ambiente e, sim, da possibilidade de se desenvolver em equilíbrio com a natureza. Questão que leva o conceito de sustentabilidade a se vincular ao de desenvolvimento, criando, na opinião de alguns autores, uma contradição, uma vez que o conceito de sustentabilidade é fruto de movimento histórico recente, altamente questionador da sociedade industrial, enquanto o conceito de desenvolvimento é o conceito-síntese desta mesma sociedade, cujo modelo mostra seu esgotamento (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 28). Realmente, a sociedade positivista do século XIX e do século XX acreditavam que o progresso era a solução para o mundo, mas a sociedade contemporânea não pensa mais que o progresso, por si só, traga melhoria de vida e o modelo de desenvolvimento econômico, considerado injusto socialmente e perdulário do ponto de vista ambiental (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 27) que vigorou nos últimos tempos precisa se adequar a uma mudança na maneira de se consumir os recursos naturais. Como coloca Willian D. Ruckelshaus, crescimento econômico e desenvolvimento precisam coexistir com os limites impostos pela ecologia dentro de um senso comum [...], concluindo que proteção ambiental e crescimento econômico são processos complementares mais do que antagônicos (apud DEFINITIONS,

2002, p.1, tradução da autora). Processos esses que demandam, por sua vez, a inclusão de fatores sociais e, se o conceito de desenvolvimento sustentável (ainda) está em processo de construção (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 28), já existe nos dias de hoje a noção de sustentabilidade ampliada. O conceito de sustentabilidade ampliada [...] realiza o encontro [...] entre a Agenda estritamente ambiental e a Agenda social, ao enunciar a indissociabilidade entre os fatores sociais e ambientais e a necessidade de que a degradação do meio ambiente seja enfrentada juntamente com o problema mundial da pobreza. (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 29) Essa noção de que desenvolvimento sustentável não pode se deter apenas nos problemas ambientais já estava presente nas discussões realizadas durante a ECO 92 1ª conferência mundial da ONU sobre desenvolvimento sustentável. Além dos aspectos técnicos ligados à ecologia, tal conferência levantou o fato da sustentabilidade também trabalhar com fatores econômicos, sociais e até mesmo culturais, considerando essa questão no conjunto de orientações para os governos de vários países, chamado de Agenda 21, que baseia as demais Agendas em escala nacional, regional e local, da mesma maneira que orienta as Agendas específicas de cada setor, como o da construção civil. A agenda 21 para construções sustentáveis elaborada em 1998 pelo CIB - Conselho Internacional para Pesquisa e Inovação em Edificações e Construções - durante o Congresso Mundial sobre Construções Sustentáveis, realizado em Gavle, na Suécia, coloca, a partir dessa ótica, que construção sustentável difere de uma proposta bioclimática ou bioecológica 2, pois, além de se apresentar adequada a seu clima, como a primeira, e ter, com isso, o propósito de diminuir a degradação do meio ambiente, como a segunda, a proposta de uma arquitetura verdadeiramente sustentável deve incluir em seus objetivos o crescimento econômico e social da comunidade à sua volta, assim como o respeito à cultura local. Assim sendo, esse documento específico do setor da construção civil apresenta como uma das estratégias para que uma arquitetura corresponda às necessidades ecológicas, econômicas, sociais e culturais do desenvolvimento sustentável a integração da arquitetura com o lugar, que deve acontecer respeitando o clima, a cultura, as tradições construtivas e o desenvolvimento tecnológico de cada região (CIB, 2000). Hoje, a compreensão do significado dos aspectos não-técnicos, os chamados aspectos sociais para o desenvolvimento sustentável da construção está cada vez maior. A sustentabilidade econômica e social deve receber tratamento específico em qualquer definição (CIB, 2000, p. 29). Tal integração estimula o uso de recursos locais não só no que diz respeito aos materiais construtivos como também aos recursos humanos, o que acaba favorecendo o crescimento socioeconômico da região e a qualidade de vida de seus habitantes. Questão colocada pelo CIB (2000) como fundamental para que países em desenvolvimento, como o Brasil, alcancem a sustentabilidade. 2 Desde a década de 1970, a arquitetura apresenta propostas que visam diminuir o impacto ambiental negativo causado pela construção. A primeira delas, a arquitetura solar, visava à diminuição dos gastos energéticos. A arquitetura bioclimática objetivava a mesma questão levando em consideração a adequação da construção ao seu clima, observando os critérios de conforto ambiental. Já a linha bioecológica é mais ampla, visando diminuir a degradação do meio ambiente em todo o processo construtivo, que vai desde a fabricação dos materiais até o destino dos rejeitos produzidos na obra.

No caso da arquitetura doméstica brasileira, a varanda pode contribuir para que a arquitetura tenha uma proposta sustentável, pois, além de poder favorecer as questões técnicas relacionadas com a preservação do meio ambiente, como já demonstrado, ela pode, ainda, colaborar com os aspectos econômicos, sociais e culturais do desenvolvimento sustentável, pois, sendo ela um elemento da tradição construtiva, o seu emprego estimula o aproveitamento da mão-de-obra local, ocasionando a geração de empregos, o que, além de trazer desenvolvimento econômico, promove a inclusão social. Dentro da noção de sustentabilidade ampliada, a geração de emprego, principalmente em regiões em desenvolvimento, é vista como decisiva para o desenvolvimento sustentável, sendo citada pela Agenda 21 brasileira para cidades sustentáveis. Como parte da terceira estratégia apresentada por este documento, está a necessidade de gerar empregos e renda, contribuindo para diminuir as desigualdades existentes [...] por meio de mecanismos que combinem sustentabilidade econômica e social (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 63). Um desses mecanismos pode ser a utilização de tecnologias tradicionais nos projetos arquitetônicos, como a varanda que faz parte da arquitetura vernacular brasileira. Algo que chega a ser recomendado pela política habitacional apresentada pela estratégia de número 2 do mesmo documento para cidades sustentáveis. Política habitacional, incorporando os aspectos de sustentabilidade ambiental em programas, projetos e empreendimentos que se associam à geração de emprego e renda, ao uso de tecnologias adequadas incluindo tanto aquelas inovadoras como a revalorização das técnicas tradicionais -, à preocupação com a geração de recursos para manutenção e ampliação, considerando as especificidades e as diversidades aos grupos sociais envolvidos (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 60, grifo nosso). A varanda é um elemento da tradição construtiva exatamente da arquitetura doméstica brasileira que incorpora aspectos da sustentabilidade ambiental pela sua relação com a eficiência energética do ambiente construído e por colaborar com o estado de conservação da construção e, conseqüentemente, com a menor emissão de rejeitos no meio ambiente, sendo, assim, uma tecnologia adequada que se associa à geração de emprego. Como parte da tradição construtiva, a varanda é um elemento da cultura material do brasileiro, expressando seus hábitos de moradia, seu modo de vida, e cujo emprego em projetos habitacionais é uma das ações recomendadas pela proposta de número 2.10 dessa mesma política habitacional já mencionada que visa a adotar normas e padrões de projeto adequados à realidade socioeconômica da população-alvo e compatíveis com seus hábitos e valores culturais (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 100), com o intuito de: Assegurar, na execução de programas e de projetos habitacionais, a diversificação das modalidades de provisão de moradia, que atendam às diversidades culturais, econômicas e sociais dos grupos sociais a serem beneficiados, e contribuam para a sustentabilidade social e econômica dos empreendimentos pelo fortalecimento do sentimento de identidade e pertencimento dos seus moradores (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 100, grifo nosso).

O fortalecimento do sentido de identidade e pertencimento dos moradores, promovido por arquiteturas que valorizem a cultura do lugar, como é o caso das propostas que se utilizam da varanda em moradias brasileiras, desta forma, está relacionado também com a sustentabilidade cultural que, de acordo com a Agenda 21 brasileira para cidades sustentáveis, diz respeito à necessidade de manter a diversidade de culturas, valores e práticas existentes no planeta, no país e/ ou numa região e que integram ao longo do tempo as identidades dos povos (CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2000, p. 29) Conclusão A varanda, a partir da noção de sustentabilidade ampliada, é um importante recurso que a arquitetura dispõe para desenvolver uma proposta sustentável, quando se trata de habitações brasileiras. Além de colaborar com a sustentabilidade ambiental, atuando com fatores técnicos relacionados com a eficiência energética e a emissão de rejeitos na natureza, neste programa arquitetônico que é a habitação permanente, a varanda é um elemento de tradição sóciocultural e pode contribuir com a sustentabilidade econômica, social e cultural, indo além do ambiente construído e afetando a comunidade onde a construção se encontra inserida. Contudo, sua contribuição para ser eficaz em todos os aspectos deve começar pelo que sempre lhe foi um atributo: a possibilidade de promover conforto ambiental, pois, se sua relação com a sustentabilidade ocorre de formas distintas, todas são complementares, não podendo sua tipologia desprezar o microclima da região, como muitas vezes ocorreu em épocas passadas. Referências CASEMIRO, Luciana. Garantindo Área Externa. O Globo, RJ, Caderno Morar Bem, p.3, 25 de março de 2007. CIB. Agenda 21 para Construções Sustentáveis. Relatório CIB, publicação 237, novembro, 2000. Cidades Sustentáveis: subsídios à elaboração da Agenda 21 brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; Consórcio Parceria 21 IBAM - ISER - REDEH, 2000. DEFINITIONS. Disponível na internet via http:// www.sustainable.doe.gov / overview / definitons. html. Arquivo consultado em 2002. LAMBERT, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R.. Eficiência Energética na Arquitetura. PW editores, São Paulo, 1997. NIEMEYER, M., L., A.. Ruído Urbano e Arquitetura em Clima Tropical Úmido. 1998. Dissertação (Mestrado) PROARQ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.