LEITURA, COMPREENSÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS: Qual a relação? RESUMO



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Transcrição:

LEITURA, COMPREENSÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS: Qual a relação? 1 Juliana Simplicio de Melo 1 Silvia Sergina Silva dos Santos Maia 2 Kátia Leal Reis de Melo 3 RESUMO Este trabalho busca investigar a relação entre compreensão leitora e resolução de problemas de matemática, focando a leitura como instrumento para a aquisição de outras aprendizagens. Para tanto, realizamos observações de aulas de Português e Matemática e duas atividades: uma de leitura e compreensão de texto e outra de resolução de problemas matemáticos, numa turma de 1º ano do 2º ciclo, ensino fundamental. Com essas atividades vimos que não há, em sala de aula, um trabalho voltado para leitura e compreensão de problemas matemáticos, que os alunos que têm boa compreensão são os que têm melhor desempenho na resolução de problemas e que é necessário investir na leitura e compreensão desse gênero textual tanto nas aulas de linguagem, quanto nas de matemática, para que os alunos venham fazer uso da leitura em outras situações de aprendizagem. Palavras-chave: Leitura Compreensão leitora Estratégias de leitura Resolução de problemas matemáticos. INTRODUÇÂO Atualmente a concepção de leitura postulada, como nos mostra Belmiro (1997), traz o leitor como um produtor de sentido, atribuindo como elementos básicos para a construção da compreensão o estabelecimento de uma relação entre o sujeito leitor, sua leitura de mundo, a leitura do texto e a orientação dada 1 Concluinte de Pedagogia Centro de Educação UFPE julianajsm@hotmail.com.br 2 Concluinte de Pedagogia Centro de Educação UFPE 3 Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Centro de Educação UFPE katiamelo@hotmail.com

ao aluno na escola, para que este possa assumir uma posição de reflexão sobre o texto. Pode-se dizer, então, segundo Cagliari (1989), que a maior parte das dificuldades que os alunos encontram ao longo dos anos de estudo são provenientes dos problemas de leitura. Isso porque a maioria dos alunos não compreende o que lêem, o que pode ser evidenciado quando vemos os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2001, realizado com crianças de 4ª série, o qual mostram que 58,9% dos que fizeram a prova só são capazes de ler frases simples e 95% não compreende o que lê (Fruet, 2003). Estes problemas com a leitura afetam o indivíduo tanto na construção de sua cidadania, já que esta depende, também, das habilidades do sujeito de ler e compreender as diversas informações disponíveis no seu meio social, como também na sua vida escolar dificultando o acesso e a compreensão do conhecimento de outras áreas (história, geografia, matemática etc.) Fruet (2003) ressalta que, algumas vezes, o aluno não resolve problemas de matemática não porque não saiba matemática, e sim porque não sabe ler ou não consegue compreender o enunciado do problema. Ele sabe somar, dividir, etc. Entretanto ao ler o problema não sabe o que fazer. Nesse caso não é possível dizer que o aluno não entende matemática, pois o que ele não entende, de fato, é o português que lê. Sabendo que os alunos não são estimulados para ler números, relações quantitativas, problemas de matemática, cabe um questionamento: quem deve se ocupar de ajudá-los no desenvolvimento de compreensão leitora na resolução de problemas matemáticos? Essa é uma questão difícil de responder considerando que os professores de português acreditam que trabalhar com problemas de matemática é responsabilidade dos professores de matemática, e segundo estes ler e compreender um texto é problema para o professor de português. Quando um mesmo professor é responsável pelas duas áreas, esse também enfrenta conflito em abordar essa questão nas aulas de português ou nas de matemática. Mesmo ninguém se responsabilizando em trabalhar a compreensão dos problemas de matemática, a escola e a sociedade cobram eficiência e rapidez na resolução destes. Em uma sociedade como a nossa os indivíduos enfrentam, no seu dia-adia, situações que remetem a um problema matemático, seja na sua vida prática 2

ou na sala de aula, e na maioria das vezes encontram dificuldades ou não conseguem resolver essas situações. Entendendo que para desenvolver o pensamento matemático o sujeito terá que passar pela aprendizagem da linguagem, propomos com este trabalho incentivar o professor, nas atividades de leitura em sala de aula, a fazer uso dessa habilidade não apenas como objeto de conhecimento, mas também como um instrumento de aquisição para outras aprendizagens. Levando em conta a dificuldade dos alunos com a leitura e sabendo que é papel do professor, nesse contexto, criar oportunidades que permitam o desenvolvimento de processos cognitivos que levem à compreensão (Kleiman,1997), ressaltamos a importância deste trabalho no sentido de que o professor possa perceber no problema de matemática um gênero textual a ser abordado tanto nas aulas de linguagem, nas suas atividades de leitura de diferentes gêneros textuais, quanto nas aulas de matemática, nos momentos de reflexão dos seus textos específicos, já que a capacidade de entender e produzir textos é fundamental em qualquer disciplina, intensificando, dessa forma, a importância do papel da leitura como instrumento de aquisição de outras aprendizagens. Assim sendo, esse trabalho tem como objeto de estudo verificar a relação existente entre compreensão de leitura e resolução de problemas matemáticos. Nessa perspectiva, o nosso objetivo geral consiste em investigar a importância da compreensão da leitura como instrumento para aquisição de outras aprendizagens. Nossos objetivos específicos são: Verificar como é feito o trabalho de leitura e compreensão de texto em sala de aula; Identificar se nas aulas de matemática há momentos dedicados à leitura e compreensão de problemas matemáticos; Identificar se nas aulas de português, ao trabalhar leitura e compreensão de texto, o professor reflete com os alunos sobre o gênero problemas matemáticos ; Verificar se crianças que têm boa compreensão de leitura têm melhor desempenho na resolução de problemas matemáticos. 3

Ler? O que é ler? Vendo a leitura como um elemento diretamente relacionado com as dificuldades dos alunos na resolução de problemas de matemática, baseamo-nos em alguns autores, procurando aprofundar, um pouco, a discussão no que se refere à leitura, compreensão e formação do leitor. Para alguns autores, que têm uma compreensão de língua como uma atividade social, histórica e cognitiva e a tratam em seus aspectos discursivos e enunciativos, ler é: Um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tentase satisfazer /obter uma informação pertinente para/ os objetivos que guiam a sua leitura. (Solé, 1998:22) Ler é atribuir diretamente um sentido a algo escrito... É questionar algo escrito como tal a partir de uma expectativa real numa verdadeira situação de vida. (Jolibert, 1994:15) Compartilhando com o pensamento desses autores que deixam claro que ler não é apenas decodificar, mas é preciso interagir com o texto atribuindo-lhe sentido, buscamos contrapor a idéia fixa e já formulada de que para resolver problemas matemáticos basta a memorização de regras e técnicas de cálculo, acrescentando-lhe a idéia de que é necessário que se interprete corretamente o enunciado, ou seja, é indispensável a compreensão do problema. Dessa forma, a perspectiva de leitura adotada por estes autores é a interativa, na qual se pressupõe que, para ler, é necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender as distintas estratégias que levam a compreensão. Também se supõe que o leitor seja um processador ativo do texto, e que a leitura seja um processo constante de emissão e verificação de hipóteses que levam a construção da compreensão do texto e do controle desta compreensão. (Solé, 1998:24) Segundo Solé (1998), a leitura na escola é trabalhada de duas formas: como objeto de conhecimento e como meio para a realização de aprendizagens. Como objeto de conhecimento, é destinado a mesma várias horas, mais especificamente nas aulas de linguagem, nas quais com a ajuda do professor o aluno é levado a ler e durante este momento é cobrado dele eficiência na decodificação. Logo após a leitura o aluno é induzido a responder perguntas 4

relacionadas ao texto, muitas vezes abrangendo aspectos de sintaxe, morfologia, ortografia, vocabulário e, eventualmente, a compreensão da leitura. Sendo assim, a leitura, quando tratada como objeto de conhecimento em nossas escolas, preocupa-se com a compreensão (resultados), mas não intervem no processo que conduz ao resultado, ou seja, a escola não se preocupa em ensinar a compreender. A leitura enquanto meio para realização de outras aprendizagens não foca mais o ensino da leitura. Espera-se que lendo automaticamente os sujeitos sejam capazes de adquirir novos conhecimentos da área de linguagem ou de qualquer outra que forma o currículo escolar. O que se pretende é que se goste de ler e que se aprenda lendo. Sabendo que para aprender a partir do que se lê é indispensável a compreensão, traremos algumas considerações a respeito desta habilidade, como também abordaremos alguns aspectos que a determinam. Compreensão: sua definição numa proposta interativa de prática de leitura. Como já foi dito, os estudos realizados sobre as práticas de leitura, a partir da década de 1970, mostram que ter o domínio sobre o código escrito estabelecendo a relação entre grafema e fonema não se constituiu como um fator suficiente para formação de um leitor autônomo. Dentro desse contexto, a compreensão assume um papel privilegiado no processo de aprendizagem da leitura, implicando em uma atividade mais complexa, com diversos procedimentos que se constituem como os condutores para uma verdadeira compreensão leitora. Kleiman (1998) mostra que a compreensão de leitura por parte de um leitor inexperiente acontece a partir do momento que a criança interage com pequenos grupos, com o professor ou com seus pares em uma situação comunicativa. Nesta situação comunicativa, que, segundo a autora, supracitada, se concretiza no ato de tecer comentários, fazer perguntas, conversar sobre aspectos relevantes do texto, originam-se as condições necessárias para a compreensão textual. Desta forma, é na troca de idéias que se criam condições de esclarecer aspectos que ficaram confusos ou que não foram percebidos durante a leitura, 5

como afirma o autor. Não é no ato de ler, mas durante a atividade de leitura que se constrói a compreensão, a partir do momento que se atribui significado a leitura e ao texto. Percebemos que a dinâmica que envolve o ato de ler em atividade comunicativa permite que a criança utilize o seu conhecimento de mundo articulando-o ao o texto, adquirindo assim uma performance reflexiva, vista por Kleiman (1998) e outros autores como essencial para produção de sentido do texto. Na perspectiva interacionista de leitura, que é a adotada neste trabalho, o texto assume um papel significativo no momento da aprendizagem. O texto é visto como portador de sentidos e a compreensão é realizada no momento em que o leitor consegue atribuir sentido ao texto. Solé (1998) destaca alguns aspectos que conduzem a este processo de compreensão: o leitor é caracterizado como um sujeito ativo que se utiliza das informações textuais, de seu conhecimento prévio para abordar a leitura, dos seus objetivos e da motivação referente a essa leitura, que através de um grande esforço mental processa e atribui significados ao texto. De acordo com essa autora para compreender um texto é necessário haver uma comunicação entre o conteúdo do texto e a história de vida do leitor, pois é impossível compreender algo totalmente estranho ao seu conceito de mundo. Nessa relação de mão dupla, novos conhecimentos são ativados fornecendo pistas, informações que ajudam o leitor a estabelecer relações que o levam a compreender um texto (Smole & Diniz, 2001). Complementando este processo, os objetivos e a motivação são vistos também como elementos indispensáveis ao ato de compreender. Consideramos que nossos momentos de leitura têm sempre uma finalidade. Mesmo quando escolhemos o que vamos ler ou quando alguém determina o que devemos ler, existe uma intencionalidade. São os objetivos que vão delineando a nossa maneira de ler, a nossa ação motivadora sobre o que estamos lendo, o nosso interesse, como também o grau de aceitação em relação aos nossos próprios sentimentos de não-compreensão do texto. Certamente nossa compreensão estará comprometida se o conteúdo do texto não nos despertar interesse, seja porque não temos conhecimentos prévios 6

suficientes para articular com o texto ou porque o texto apresenta uma estrutura complexa. É notório que não gostamos de ler aquilo que não faz sentido para nós. Smole & Diniz dizem que Compreender um texto é uma tarefa difícil, que envolve interpretação, decodificação, análise, síntese, seleção, antecipação e autocorreção. Quanto maior a compreensão do texto, mais o leitor poderá aprender a partir do que lê. Se há uma intenção de que o aluno aprenda através da leitura, não basta simplesmente pedir para que leia, nem é suficiente relegar a leitura às aulas de língua materna; torna-se imprescindível que todas as áreas do conhecimento tomem para si a tarefa de formar o leitor. ( 2001:70) Assim ressaltamos aqui a importância das atividades de leitura contemplarem uma diversidade de gêneros textuais, procurando desenvolver um trabalho interdisciplinar enfocando assuntos pertinentes a outras áreas do conhecimento, como também as atividades de leituras devem ser priorizadas nas outras áreas do conhecimento, dando ênfase ao texto como portador de sentidos, tendo em vista que consideramos que a dificuldade que os alunos apresentam em ler e compreender problemas de matemática está relacionada, entre outros aspectos, ao fato de não haver um trabalho mais aprimorado em sala de aula que privilegie a compreensão do texto problema matemático. Pretendendo formar leitores que sejam capazes de compreender diferentes tipos e gêneros textuais, veremos alguns fatores que determinam esta condição de leitor e que precisam ser levados em conta quando do trabalho com leitura em sala de aula. Formação do leitor A concepção atual de leitura atualiza o papel do leitor, colocando este como sujeito ativo no processo de compreensão da leitura, atribuindo um grande desafio para escola no que se refere à formação do leitor competente. O PCN de Língua Portuguesa caracteriza o leitor competente como alguém que tem autonomia e controle de sua compreensão, que é capaz de selecionar dentre as diversidades de textos que circulam socialmente os que 7

venham atender as suas necessidades, buscando identificar elementos implícitos estabelecendo relações entre o texto que está lendo e outros lidos, e que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos. (BRASIL, 1997). Kleiman também afirma que a característica mais saliente do leitor proficiente é sua flexibilidade na leitura. Ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários possíveis, se um não der certo, outros serão ensaiados. Desta forma o bom leitor é aquele que faz uso de diferentes estratégias que o ajudem a alcançar o seu objetivo construindo o seu próprio significado do texto. (1998:51) Nesta dinâmica de dialogar com texto, o leitor utiliza-se de diversas estratégias que são consideradas como operações para abordar o texto e como diz Solé são suspeitas inteligentes, embora arriscadas, sobre o caminho mais adequado que devemos seguir para alcançar a compreensão.(1998:69) É consenso entre alguns autores (Kleiman,1998; Smole & Diniz,2001 e outros) que para formar este leitor competente, entre outros aspectos, é essencial uma prática constante de leitura organizada, em torno da diversidade de textos que circulam socialmente, além de ensinar-lhes estratégias que os ajudem a extrair o máximo do texto. Então, o ensino de estratégias reside exatamente na condição de exercerem ações independentes que podem ser transferidas e utilizadas em múltiplas e variadas situações como antes, durante e depois da leitura nas quais alunos e professores deverão fazer uso destas, nas diversas modalidades de leitura: leituras orais, individuais, silenciosas e compartilhadas para a aquisição da autonomia. Ou seja, não há outra saída para desenvolver esta competência a não ser ler e escrever sempre, fazendo uso de diversos recursos, pois só assim o leitor poderá se posicionar diante do texto identificando o que não entendeu, como também sugerindo mudanças. Como percebemos, a construção da autonomia diante da leitura é uma habilidade complexa e, portanto, é de responsabilidade dos professores de todas as áreas de ensino, já que cada área tem textos com características específicas 8

(Ferrari, 2005). E quanto mais cedo a criança conviver com esses textos mais autonomia terá na sua leitura. Falando um pouco sobre as estratégias de compreensão, Solé (1998) e Kleiman (1998) mostram que o leitor faz uso das estratégias de forma inconsciente e consciente. O estado estratégico inconsciente se dá no momento em que o leitor processa as informações escritas, de maneira automática: enquanto ele vai lendo, vai compreendendo. Esse está relacionado a necessidades momentâneas de compreensão de leitura. Já a consciente se dá no momento em que o leitor encontra algum obstáculo que dificultará a continuidade da leitura e está relacionada aos objetivos que o leitor se propõe. Por exemplo, se quiser ter certeza que esta compreendendo o texto, ou esclarecer um problema de compreensão, ele consegue detectar o problema e busca medidas para resolvê-lo, daí ele poderá voltar e reler ou procurar o significado de uma palavrachave, ou procurar o exemplo de um conceito. Se, como diz Solé (1998), a compreensão do que se lê, quando já se tem uma razoável habilidade de decodificação, é produto de três condições _ a clareza e a coerência do texto, o grau de conhecimentos prévios do leitor sobre o conteúdo do texto lido e as estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão_ então as estratégias de compreensão leitora precisam e devem ser objeto de ensino. As estratégias são necessárias para aprender a partir do que se lê. Elas dotam os alunos de recursos necessários para aprender a aprender e os capacitam a controlarem a própria compreensão, a estabelecerem relação entre o que se lê e o que se sabe, a estabelecerem generalizações, dentre outras ações. Levar os alunos a estabelecerem previsões e inferências, ativar os conhecimentos prévios, como idéias, hipóteses, visão de mundo e de linguagem sobre o assunto (Bencini, 2003). As previsões com relação às expectativas da leitura estão pautadas no conhecimento sobre a superestrutura, títulos, ilustrações, cabeçalhos etc.. Assim, com as inferências, os leitores vão tomando como base fotos, tabelas, gráficos, desenhos, significados das palavras etc, utilizando os dados avulsos para tirar conclusões sobre o que está no texto. Como já foi dito, as estratégias de leituras estão inter-relacionadas e presentes em todos os momentos da leitura. Por isso, durante a leitura, as estratégias que podem ser incentivadas em atividades de leituras compartilhadas, 9

como ressalta Solé, (1998) são: formulações de previsões sobre o texto a ser lido, esclarecimento de possíveis dúvidas sobre o texto, resumo das idéias e resgate da idéia principal do texto. Como vimos, formar um leitor competente não é algo assim tão fácil. Requer que as atividades de leitura considerem como condições para uma compreensão leitora, domínio da habilidade de decodificação, que os conhecimentos prévios sejam ativados e que os objetivos de leituras estejam bem definidos. Para tanto, como já foi dito, é preciso que as crianças se deparem com os mais diferentes tipos e gêneros textuais que circulam socialmente, bem como com os textos escolares específicos de cada área, para que sejam bem sucedidos em sua vida diária, pois são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaborada e abstrata, os mais vitais para a plena participação na sociedade letrada.(brasil, 1997:30) Apresentando-se o problema matemático como um gênero textual que esta presente em vários momentos da vida do indivíduo e levando em conta que este trabalho busca compreender a relação entre compreensão leitora e este gênero textual, trataremos a seguir de alguns aspectos envolvidos na resolução de problemas matemáticos, assim como buscaremos situar a compreensão leitora dentro deste processo. Resolução de problemas matemáticos: uma questão de compreensão. Levando em conta que para formarmos bons leitores é indispensável o contato destes com diferentes textos, consideramos essencial que dentro do trabalho com a diversidade textual haja uma preocupação em garantir o contato e o sucesso dos alunos frente aos problemas matemáticos. Apesar de se caracterizar como um gênero escolar, por se apresentar de forma escrita apenas neste contexto, em sua vida diária os sujeitos se deparam com inúmeras situações que remetem a este tipo de problema sendo, assim, o sucesso frente a estas situações um elemento fundamental para o exercício da cidadania. Por isso, é sobre este gênero textual que voltaremos nossa atenção neste momento. 10

Entendemos problema como situações vividas no contexto social que nos remetem a conflito, desafiando-nos a buscar soluções para estes. Dessa forma, problemas matemáticos são caracterizados como qualquer situação que exija a maneira matemática de pensar e conhecimentos matemáticos de solucioná-la. (Dante, 2003:10). A resolução desse tipo de problema é muito estudada e pesquisada devido a sua importância no ensino da matemática e sua utilidade prática. Para Haltfield, Aprender e resolver problemas matemáticos deve ser o maior objetivo da instrução matemática. Certamente outros objetivos da matemática devem ser procurados, mesmo para atingir o objetivo da competência da resolução de problemas. Desenvolver conceitos, princípios, algoritmos através de um conhecimento significativo e habilidoso é importante. Mas o significado principal de aprender tais conteúdos é ser capaz de usá-los na construção das soluções das situações-problema. (apud, Dante, 2003, p. 8, grifo nosso). Vários autores que tratam da resolução de problemas, como Polya (citado em Dante, 2003) e Carraher (Citada em Valle, 1999), trazem em comum como habilidade principal para resolução de problema a compreensão, pois apresentam para resolução de um problema as seguintes etapas: Compreender um problema Elaborar um plano de ação Executar este plano Fazer uma verificação ou retrospecto. Sabendo que para compreender um problema de matemática o sujeito lança mão de diversas estratégias: estabelecer relações; representar simbolicamente o problema; fazer conjecturas; analisar o problema procurando justificativas lógicas para sua solução. Fica, assim, evidente que o trabalho de ensino de estratégias é importante tanto para a aprendizagem da língua materna quanto na aprendizagem da linguagem matemática. Embora os problemas matemáticos apresentem linguagem própria, a sua compreensão requer procedimentos similares aos de compreensão dos textos 11

específicos da área de língua portuguesa. Por isso é importante que os problemas matemáticos sejam objeto de ensino e reflexão, tanto nas aulas de língua materna quanto nas de matemática, nas quais os professores, utilizando diferentes estratégias de ensino podem abordar a estrutura deste gênero textual, os conceitos que estão envolvidos no problema, os termos específicos do problema, dentre outros aspectos. Fica clara a importância, e é a isso que este trabalho se propõe, de investigar se, de fato, este gênero é abordado nas diferentes áreas (português e matemática) e se as estratégias de compreensão são objetos de ensino por parte do professor e se são tidas pelos alunos como elemento essencial para resolução de um problema matemático. METODOLOGIA Visando investigar a relação existente entre compreensão de leitura e resolução de problemas matemáticos, tomamos como campo de realização desse trabalho uma Escola Pública, da Rede Municipal do Recife, localizada no bairro da Várzea, pelo fato da Escola Pública ser o nosso principal campo de atuação profissional, e também por já termos estabelecido contato anterior com esta escola através de outros trabalhos. Nessa instituição focamos uma turma de 1º ano do 2º ciclo (no sistema seriado equivalente a uma turma de 3ª série), tendo as crianças idades entre 9 e 12 anos, por considerarmos essencial que os sujeitos desse estudo já tivessem domínio da leitura. Por acreditarmos ser de suma importância a intervenção do professor no processo de construção da compreensão leitora dos alunos no espaço de sala de aula, bem como a utilização de estratégias de compreensão leitora pelos alunos diante dos problemas matemáticos, buscamos procedimentos metodológicos que levassem em consideração estes aspectos. Dessa forma, procurando atingir nossos objetivos e levando em conta esses aspectos, optamos por desenvolver nossa pesquisa tomando por base procedimentos metodológicos da pesquisa qualitativa tendo em vista a especificidade da temática abordada e também por consideramos que esta se adequa melhor aos nossos propósitos. 12

Buscando investigar como são feitos o trabalho de leitura, compreensão e resolução de problemas matemáticos nessa turma, lançamos mão de observação de 3(três) aulas de língua portuguesa e 3(três) matemática nas quais o foco do trabalho da professora estava centrado na leitura, compreensão de diferentes gêneros textuais e na resolução de problemas matemáticos. Em seguida, com a intenção de verificar se os alunos que têm boa compreensão da leitura têm melhor desempenho na resolução de problemas matemáticos, bem como para saber se estes utilizam estratégias de compreensão na resolução desses problemas, realizamos, individualmente, com 20 dos 27 alunos da turma, pois 7(sete) ainda não se alfabetizaram, uma atividade de compreensão leitora de um texto do gênero história( ANEXO1), que consistia em responder alguns questionamentos sobre o texto lido (ANEXO2). De posse desses dados, classificamos as respostas das crianças às perguntas sobre a história lida com base na categorização proposta por Marcuschi (1996). Para cada tipo de resposta foi atribuída uma pontuação que variou de 0 a 4 pontos, como pode ser visto a seguir: Tipo 1 (incongruentes)- respostas do tipo não sei ou que, embora façam sentido em termos da experiência da criança, não apresentam relação com a história lida. A pontuação atribuída às respostas incongruentes foi zero; Tipo 2 (gerais ou parciais)- respostas com nítida relação com a história, mas que são ou um tanto genéricas, holísticas sem detalhamento, ou incompletas, ainda que não entrem em contradição com elementos explicitamente afirmados no texto e, portanto, receberam 1 ponto; Tipo 3 (literais)- respostas precisas, mas que, por apenas reproduzirem trechos presentes no texto, receberam 2 pontos; Tipo 4 (parafrásicas)- respostas que, apesar de também serem consideradas como literais, envolvem a reformulação da resposta através do uso de palavras e expressões sinônimas, recebendo 3 pontos; Tipo 5 (inferenciais)- respostas que, pelo fato de exigirem um nível mais alto de elaboração, em que a criança além de integrar partes do texto, deve lançar mão do seu próprio repertório de conhecimentos, indo além do que é oferecido pelo texto em si para construir uma resposta. Este tipo de resposta recebeu pontuação 4. 13

Ao final da categorização fizemos um somatório da pontuação de cada criança. Tomando por base a pontuação obtida nesta tarefa de compreensão leitora foram constituídos dois grupos com 5 (cinco) alunos cada um, ou seja, um grupo com os alunos que conseguiram as 5 (cinco) mais altas pontuações (GA), e o outro com os que alcançaram as 5 (cinco) mais baixas (GB). Em seguida, para nos certificarmos da compreensão leitora desses 10 (dez) alunos, realizamos uma segunda atividade de compreensão que consistia em recontar o texto lido. De posse desses recontos, os classificamos de acordo com a categorização elaborada por Brandão e Spinillo(1998), as quais nos permitem avaliar a relação entre as informações reproduzidas e as informações da história original, ajudando-nos a analisar a compreensão dos alunos do texto lido. As categorias utilizadas estão descritas a seguir: Categoria 1- reproduções desconexas de anedotas ou de histórias diferentes daquela lida, ou narrativas que se restringem à frase inicial ou final da história. Estão incluídas, nesta categoria, as crianças que dizem não saber ou não lembrar a história lida. Categoria 2- reproduções que embora envolvam alguns personagens e certos eventos existentes em determinados blocos da história lida, acrescentam informações ausentes no texto original, sendo uma produção diferente do texto apresentado. Categoria 3- reproduções fragmentadas, desarticuladas, que se limitam a reproduzir eventos de alguns blocos da história, sem uma preocupação com a articulação entre os eventos. Categoria 4- reproduções globais e com certa articulação, mas incompletas. Há referência ao problema central e ao desfecho da história. Observam-se omissões e trocas de informações e a cadeia causal que estrutura a história não é totalmente reproduzida. Categoria 5- reprodução completa, em que as idéias centrais são reproduzidas de maneira articulada. A narrativa segue um eixo, no qual o problema é apresentado e resolvido, reproduzindo-se os meios para tal. 14

Optamos por estes dois procedimentos metodológicos para analisar a compreensão dos alunos, pois segundo Brandão e Spinillo (1998), não é possível supor que um único instrumento revele todos os mecanismos envolvidos na compreensão e que possa ser considerado como aquele que melhor retrata essa habilidade de compreensão. Sendo assim, optamos por duas tarefas distintas, capazes de avaliar diferentes mecanismos cognitivos e lingüísticos envolvidos na compreensão. Ressaltamos que tanto os recontos como as respostas foram gravadas, para que a escrita da criança não comprometesse suas respostas e o nosso entendimento e interpretação destas. Após essas atividades de compreensão propomos, individualmente, a cada um dos alunos desses grupos (GA e GB) que resolvessem 4 (quatro) problemas matemáticos (ANEXO3). Enquanto os alunos se ocupavam da resolução desses problemas, lançamos mão de observação desse momento para identificarmos possíveis estratégias que os alunos viessem a utilizar para construir sua compreensão, como desenhos, listagem dos dados informados no problema, ou outras. Logo após resolverem cada problema, pedíamos aos alunos que narrassem como tinham chegado àquela solução, ou seja, que caminho tinham percorrido até chegarem aquele resultado. Esses depoimentos foram gravados e transcritos. Por fim, de posse desses dados, fizemos uma análise buscando nos ater não às questões operacionais da matemática, mas a elementos que nos indicassem qual a relação entre compreensão de leitura e resolução de problemas matemáticos. ANÁLISE DOS RESULTADOS Buscando responder os questionamentos propostos por este trabalho e para um melhor entendimento do leitor, dividiremos a análise dos dados coletados em três momentos. O primeiro refere-se à análise das aulas observadas. Num segundo momento nos deteremos em analisar as respostas dos alunos sobre o texto lido e os recontos por eles realizados, e, por fim, nos voltaremos para a 15

atividade de resolução dos problemas matemáticos, feita pelos alunos. Para exemplificar as análises realizadas, traremos extratos das observações feitas, onde a fala da professora será representada pela letra P, a dos alunos pela letra A e a nossa fala pela letra E. Análise das aulas observadas Foram observadas aulas de língua portuguesa e de matemática, com o propósito de investigar como são feitos os trabalhos de compreensão leitora dos diferentes gêneros textuais e em especial do gênero problema matemático. Verificamos que nas aulas de língua portuguesa, em nenhum momento, há um trabalho com leitura e compreensão envolvendo o texto problema matemático. Este gênero textual não aparece nas aulas de linguagem. No que se refere aos outros gêneros textuais, foram lidos nas aulas de língua portuguesa 09 textos. São eles: 05 fábulas, sendo 03 em prosa e 02 em verso; 02 verbetes de dicionário, 01 lista com os direitos da criança e 01 questionário. Percebemos que a prática de leitura da professora inclui uma diversidade de gêneros textuais que circulam socialmente, e baseando-nos nos estudos de Solé(1998), identificamos a utilização de algumas estratégias de compreensão leitora, como mostra o gráfico a seguir: GRÁFICO 1- UTILIZAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE COMPREENSÃO 7 6 5 4 3 2 1 0 Inferências Idéia Principal conhecimentos prévios Resumo Contextualização Previsões Objetivo 16

Como observamos no gráfico, no trabalho de compreensão a professora leva os alunos a produzirem inferências, o que pode ser exemplificado na seguinte situação: Ao término da leitura da fábula, a cigarra e a formiga (em verso), a professora lança os seguintes questionamentos para os alunos: P - _ Esse final está dando a impressão que a formiga ajuda, ou vai deixar ela se virar? - O que vocês acham? Esse dançar é no sentido de dançar mesmo ou significa outra coisa? Além das perguntas inferenciais, há alguns momentos que os questionamentos são bem literais, que não necessitam de reflexão. Como mostra o exemplo: P - _ Qual o nome dos personagens? A professora utiliza também, com certa freqüência, as estratégias de resumo e resgate da idéia principal após a leitura, o que talvez possa ser atribuído ao fato da maioria dos textos lidos terem sido fábulas, que tem como uma de suas características a lição de moral, facilitando o trabalho com estas estratégias, como mostram os exemplos: P - _ O que aprendemos com esta fábula? P - Qual a moral desta fábula? P - _ Quem poderia fazer um resumo da história para os seus colegas? Observamos, no gráfico, que a professora procura ativar os conhecimentos prévios dos alunos, o que consideramos relevante, pois estes se constituem como essenciais na compreensão. Temos como exemplo a seguinte situação: P - _ Vocês sabem o que é narrativa alegórica? Sabem o que é isso? P - O que é lição de moral? Entretanto é dedicada pouca atenção para o estabelecimento de objetivos, previsões e contextualização das informações lidas. Estratégias estas que 17

deveriam receber maior investimento, considerando que SOLÉ (1998) destaca que, Uma boa compreensão leitora não depende apenas do texto que se tem a sua frente, mais de outras questões próprias do leitor, como o conhecimento prévio, seus objetivos e a motivação com respeito a leitura. De forma que os objetivos que o leitor se propõe a alcançar com a leitura determinam tanto as estratégias responsáveis pela compreensão, quanto o controle, que de forma inconsciente, vai exercendo sobre ela a medida que se lê (SOLÉ, 1998: 40-41). Além do trabalho com as estratégias de leitura, destacamos outras variáveis na prática da professora que interferem na compreensão leitora dos alunos. Em sala de aula, há a utilização de diferentes modalidades de leitura (compartilhada, individual, oral, silenciosa), apesar de em alguns momentos estas ocorrerem sem nenhuma reflexão com relação à compreensão. Outra prática bem freqüente nas atividades de leitura são as precipitações feitas pela professora em relação a alguns elementos do texto que poderiam ser questionados aos alunos, como também alguns questionamentos por ela propostos. Ou seja, ela própria responde, não esperando a resposta dos alunos, como pode ser visto na fala que segue: P - _ Qual o direito que a gente tem em relação ao trânsito? Pedir que haja mais faixa de segurança é um direito nosso. (Não esperou a resposta dos alunos). Considerando que nas observações das três aulas de linguagem presenciamos a leitura de 9 textos, e que, como mostra o gráfico 1, ao ler estes textos a professora lançou mão de um repertório de estratégias muito restrito (apenas 7 tipos) e que estas estratégias aparecem de forma repetitiva, acreditamos que isto poderia ser compensado se as precipitações feitas pela professora fossem convertidas em estratégias de compreensão, nas quais a partir dos questionamentos e respostas dos próprios alunos, os textos poderiam ser melhor explorados e compreendidos por estes. Ressaltamos que esses últimos pontos levantados quanto à prática da professora dificultam a construção da compreensão por parte dos alunos, bem 18

como a aprendizagem de estratégias, em decorrência de não favorecer a descoberta por parte dos alunos, implicando em uma aprendizagem não motivadora. Observamos ainda que a professora lança uma série de questionamentos aos alunos voltados para a compreensão da estrutura do texto fábula, ou seja, os elementos que o caracterizam, mostrando uma preocupação em que os alunos compreendam que gênero textual estão lendo. Consideramos isso positivo no que se refere à compreensão, já que a maneira como lemos um texto e a utilização de estratégias de compreensão, ou seja, o nosso posicionamento diante do texto, também é influenciado pelo gênero textual que estamos lendo. Nas observações das aulas de matemática, onde nosso foco era identificar se há momentos dedicados à leitura e compreensão dos textos problemas de matemático, verificamos que não há um trabalho voltado pra a compreensão desse gênero textual, e que estes são em geral convencionais. Foram raros os momentos em que a professora utiliza estratégias voltadas para a compreensão desse texto. Em apenas dois momentos a professora mostra-se preocupada em refletir sobre o texto problema matemático. Num dos momentos leva os alunos a produzirem inferências, como pode ser verificado no exemplo: P - _ Se os ovos quebraram aumenta ou diminui a quantidade de ovos? No outro estabelece uma relação entre o texto problema matemático e a realidade, contextualizando-o. É exemplo dessa situação quando a professora, após a leitura de um dos textos problema matemático, faz uso do seguinte procedimento: P - _ Gente, este problema é um orçamento, onde se calcula o que se gasta e retira do que se tem para saber se o dinheiro vai dar. Eu somo as despesas e subtraio do que tenho. Não se detendo na compreensão do texto problema de matemático, a professora volta a maior parte de sua atenção para a parte operacional e para os conceitos matemáticos que estes envolvem. Para a compreensão destes aspectos a professora geralmente busca ativar os conhecimentos prévios dos 19

alunos. Entretanto, à medida que faz isto, a mesma, freqüentemente, precipita as respostas dos seus questionamentos, anulando o processo. Exemplo de um monólogo da professora que ilustra a situação: P - _ Você quer descobrir o dobro? O dobro é duas vezes. Vera tem duas vezes mais que Maria. Quantos ela tem se Maria tem doze? Você pode fazer doze mais doze e vê quanto dá! Estes questionamentos poderiam ser melhor explorados, ou seja, a professora poderia esperar que os alunos respondessem seus questionamentos, e a partir dessa resposta propor novos questionamentos que levassem os alunos a construírem a compreensão e a adquirirem maior autonomia na resolução dos problemas. Outro aspecto que consideramos relevante é que, além de fazer freqüentes precipitações, a professora, em certos momentos, dá ênfase a alguns termos do texto problema matemático como sendo o meio, uma estratégia, que os alunos devem buscar para compreender e resolver aquela situação-problema, garantindo o êxito. Estas situações podem ser constatadas nos exemplos que seguem. Antes de resolver o problema a professora explica: _ Para vocês saberem que conta fazer, primeiro vão interpretando e atentando para as expressões mais, saiu, voou, comprou, recebeu, dos problemas. E relê o problema enfatizando as expressões. Logo a professora chama a atenção dos alunos para a expressão sobrou, dizendo:_ Isso é uma dica de que alguma coisa vai sobrar. No entanto, esta estratégia, por si só, não garante compreensão do texto e nem o êxito na resolução, mas pode funcionar sim como uma hipótese que pode ou não ser comprovada, dependendo do problema e da compreensão que se tem dele. A professora poderia sim buscar fazer questionamentos sobre o texto problema e a ensinar outras estratégias que ajudam na compreensão, como propõe Dante(2003). Destacamos, também, o empenho da professora em valorizar os diferentes procedimentos de resolução dos problemas, quando esta permite e estimula que 20

os alunos adotem diversos caminhos para alcançarem o resultado. O que pode ser verificado no exemplo. Os alunos resolvem um probleminha e junto com a professora estabelecem o seguinte diálogo: P - _ Qual a resposta que vocês dois encontraram? A 1 - _ 100(cem). P - _ Como fizeram a conta? A 1 - _ 25 vezes 4. A 2 - _ Tia, eu fiz diferente. Diz um terceiro aluno. P - _ Explique, então. A 2 - _Eu fiz 25 mais 25, depois 25 mais 25 e achei 100. P - _ Os três acharam a mesma resposta. Estão certos e de parabéns. A diferença é que uns escolheram o caminho da adição e os outros da multiplicação. Porém consideramos que os alunos poderiam se sentir mais estimulados em adotar essas estratégias de resolução se não houvesse, por parte da professora, uma precipitação dos resultados ou procedimentos a serem adotados perante as atividades propostas. Como pode ser visto no exemplo: A professora pergunta: _ Quanto é 13 9? E segue: _ Vocês podem saber a resposta de vários jeitos, com palitinho, nos dedos, pela diferença. A partir dos dados coletados constatamos que a prática de precipitações de algumas respostas e procedimentos a serem adotados nas atividades aparecem freqüentemente tanto nas aulas de língua portuguesa como nas de matemática. E também o repertório de estratégias de compreensão é ainda mais restrito nas aulas de matemática, nas quais identificamos apenas dois tipos de estratégias, sendo uma única vez cada uma (inferências e contextualização). Ressaltamos, também, outro ponto em comum na prática adotada, tanto nas aulas de linguagem como nas aulas de matemática: a compreensão do texto problema matemático não é trabalhada em nenhuma das duas aulas, ou seja, 21

acreditamos que o trabalho de compreensão desse gênero textual é, praticamente, inexistente. Vemos que a falta de um trabalho mais consistente com estratégias de compreensão leitora nas aulas de matemática pode dificultar o entendimento do enunciado do texto problema matemático, considerando que a matemática apresenta uma linguagem própria, mas a sua compreensão requer procedimentos similares aos de compreensão dos textos geralmente utilizados nas aulas de língua portuguesa. Análise das respostas e dos recontos dos alunos em relação ao texto lido. Para analisarmos as respostas dos alunos acerca do texto lido, tomamos como base as categorias de compreensão proposta por Marcuschi (1996) e na análise dos recontos do texto as categorias elaboradas por Brandão e Spinillo (1998). Ao nos voltarmos para as respostas dos alunos às questões de compreensão (ANEXO 4), fizemos a categorização e a somatória dos pontos e encontramos os seguintes dados: A pontuação máxima alcançada foi 21 pontos e a mínima 2 pontos. A partir dessas pontuações (Máxima e Mínima) formamos os dois grupos: Um grupo de alunos que alcançaram uma pontuação entre 21 e 14 pontos, os quais consideramos ter uma boa compreensão do texto lido (GA); e outro grupo, também com cinco alunos, que alcançaram uma pontuação entre 6 e 2 pontos, que foram classificados como tendo uma má compreensão (GB). Para nos certificarmos da compreensão leitora dessas crianças, aplicamos a atividade de reconto do texto lido (ANEXO 5) e verificamos que as crianças do GA fizeram recontos que se enquadraram entre as categorias 3 e 5. Já os recontos do GB se enquadraram entre as categorias 1 e 2. Isso nos leva a concluir que os alunos do GA têm uma melhor compreensão do que lêem, isto é, além de alcançarem uma alta pontuação nas respostas sobre o texto, conseguiram reproduzir oralmente as idéias centrais dele, apresentando um aspecto significativo e coerente com o texto lido. Já as crianças do GB não 22

alcançaram esta mesma compreensão do texto, pois, além da baixa pontuação, produziram um reconto com informações incompletas ou desconexas. Comparamos os grupos A e B no que se refere à categorização das respostas dadas sobre o texto, obtivemos os seguintes resultados, como mostra o gráfico: GRÁFICO 2 CATEGORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS DAS CRIANÇAS SOBRE O TEXTO LIDO. 25 20 15 10 Grupo GA Grupo GB 5 0 Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 5 Como se pode observar a maior parte das respostas do GA (Grupo dos alunos que tem boa compreensão leitora) concentram-se na categoria 5, ou seja, são respostas inferenciais, que exigem do aluno uma maior elaboração das informações lidas e uma articulação disso com os seus conhecimentos prévios, indo além do que o texto oferece, como mostram os exemplos das respostas dos alunos às nossas(e) perguntas: E- Como era Quipu? A1-Diferente dos outros habitantes. Igual às pessoas. E- Com quem as crianças se encontraram no planeta Xanci? A2-Com Quipu. E- Como ele viajou para a terra? A3-Na nave que as crianças fizeram. 23

De acordo com essas respostas podemos dizer que esses alunos tiveram uma boa compreensão do que leram, pois, como destaca Smole e Diniz (2001), nessa relação de mão dupla, na comunicação com o conteúdo do texto e os conhecimentos prévios do leitor, novos conhecimentos são ativados fornecendo pistas e informações que ajudam o leitor a estabelecer relações que o levam a compreender um texto. Ao contrário do GA, as respostas dos alunos do GB, que não têm uma boa compreensão, concentram-se na categoria 1, onde se encontram as respostas incongruentes, que não apresentam relação com a história lida, ou quando dizem não saber. São exemplos dessas respostas. E- Como era Quipu? A3-Habitante A4-Andava com as mãos no chão. E- Como ele viajou para a terra? A4-Andando Os alunos deste grupo mostram não ter uma boa compreensão, pois além de não conseguirem responder essas perguntas que exigem a produção de inferências, também não conseguem responder perguntas literais, e quando conseguem são de forma incompleta, como pode ser visto no exemplo: E- Qual o desejo de Quipu? A4-Queria que o povo fosse muito feliz. A5-Ter pernas. Outro ponto que destacamos com relação às respostas das crianças do GB é que estas não conseguem elaborar nenhuma resposta parafrásica, ou seja, não conseguem elaborar respostas que, apesar de serem literais, envolvem a reformulação das informações lidas com o uso de palavras ou expressões sinônimas. O que não ocorre no GA, onde encontramos quatro exemplos dessas respostas. E-Como eram os habitantes do planeta Xanci? A6- Pé na mão, olho no pé e era colorido. 24

Com relação às respostas literais (cat.3), que são as que reproduzem trechos presentes no texto, que consideramos ser as respostas mais fáceis de serem dadas, pois os alunos estavam com o texto em mãos e poderiam consultar, vimos, mesmo assim, como pode ser visto no gráfico 2, que os alunos do GB só deram 2 respostas que se enquadram nesta categoria. Já no GA obtivemos 9 dessas respostas. Após as várias considerações feitas acerca da compreensão desses alunos, podemos concluir que esses grupos se diferenciam no que se refere à compreensão leitora. As crianças do grupo A de fato constroem uma compreensão do texto lido. Já com relação as do grupo B, podemos dizer que apenas decodificam o texto, considerando que na visão de Jolibert (1994) ler é, além de decodificar, atribuir sentido a algo escrito. No que se refere à atividade de resolução de problemas, na qual a nossa intenção era analisar a compreensão dos alunos do texto problema matemático e verificar o desempenho dos grupos GA e GB nesta atividade (ANEXO 6), identificamos que os alunos do GA de fato conseguiram uma melhor compreensão dos textos problema matemático que os alunos do GB, como mostra a Tabela 1: TABELA 1: DESEMPENHO NA COMPREENSÃO E RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS MATEMÁTICOS Desempenho na resolução do problema Desempenho na compreensão do texto problema matemático Desempenho na resolução do problema Desempenho na compreensão do texto problema matemático GA Erros Acertos Erros Acertos GB Erros Acertos Erros Acertos David 2 2 0 4 Tatiane 4 0 4 0 Jonhson 2 2 1 3 Jaciara 3 1 3 1 Fred 0 4 0 4 Daniela 4 0 4 0 Alex 4 0 2 2 Fabrício 3 1 3 1 Helena 3 1 2 2 Alexandra 4 0 4 0 Total 11 09 5 15 18 2 18 2 25

Como pode ser visto na tabela 1, dos quatro problemas apresentados aos alunos do GB, só dois alunos conseguiram acertar um desses problemas. Isso nos leva a concluir que os alunos desse grupo não conseguem construir uma compreensão do que lêem, o que pode ser comprovado quando pedimos a essas crianças que narrem o caminho percorrido para chegarem até a solução do problema (ANEXO 7). Exemplo: E- Se você fosse explicar pra um colega seu o que ele tinha que fazer para resolver esse problema, o que você diria? A 7 - Ele é assim um pouco difícil, mas já se vê ele como ele é. Aí sempre mais, menos a gente já sabe... Eu acho que é de mais. 74 e 62 aí a gente já sabe... Já fiz de mais, aqui vai ser de menos. Já vê ele, porque 62 menos 93, aí já é menos que vou tirar menos ainda. (explicação da resolução do problema 1) Já os alunos do GA tiveram um melhor desempenho na compreensão dos problemas: dois alunos conseguiram compreender todos os problemas propostos, como mostra a Tabela 1. É importante destacar que apenas um desses alunos lançou mão de estratégias matemáticas (palitinhos) para resolver os problemas, o que nos parece ser muito pouco uma vez que as estratégias matemáticas ajudam na organização do pensamento matemático. Os alunos deste grupo (GA) demonstram uma coerência entre as idéias e o enunciado do problema (ANEXO 7), como pode ser visto no exemplo que segue: (...) E Como é que tu descobriu que é 17 vezes 6? A 8 Porque ele toma em 3 meses 6 banhos e em cada banho ele usa 17 sabonetes. E Como é que a gente sabe que é seis banhos? Onde é que tá dizendo? A 8 Aqui tá dizendo. Ele toma dois banhos em um mês. Ele quer saber em três meses... Num mês ele toma dois, no outro mais dois e no outro mais dois e deu 6. (Fragmento da explicação da resolução do problema três) A partir dos destes exemplos podemos perceber que os alunos que tem boa compreensão leitora, ao narrarem o caminho percorrido até a solução do problema, fazem referência ao texto problema matemático, mais especificamente 26

ao dado que os problemas trazem e que são necessários à solução, demonstrando que a leitura que estes fazem dos problemas lhes possibilita a compreensão do texto e conseqüentemente aprendizagem. Ou seja, nos parece que estes alunos que compreendem o que lêem são capazes de aprender lendo. Dessa forma, a leitura cumpre uma de suas funções que é proporcionar a aprendizagem, como destaca Smole e Diniz: Em qualquer área do conhecimento, a leitura deve possibilitar a compreensão de diferentes linguagens, de modo que os alunos adquiram uma certa autonomia no processo de aprender. (2001:69). CONCLUSÃO É consenso entre alguns autores que para se formar um leitor competente, entre outros aspectos, é essencial uma prática constante de leitura organizada, em torno da diversidade de textos que circulam socialmente e do ensino de estratégias que os ajudem a extrair o máximo de informações do texto e a estabelecerem relação com a realidade. Levando em conta essas considerações e os dados trazidos por este trabalho, constatamos que há uma necessidade de se investir em práticas de leituras que trabalhem com a leitura e compreensão de problemas matemáticos, bem como o ensino de estratégias que ajudem os alunos na compreensão desse e de outros gêneros textuais. Sabendo que o texto problema matemático tem a sua especificidade, que requer uma leitura mais cuidadosa e seleção das informações que são essenciais para compreensão e resolução, enfatizamos que esse gênero textual deve ser trabalhado tanto nas aulas de linguagem como nas de matemática, pois, além de suas especificidades, os problemas matemáticos estão presentes em diferentes situações do cotidiano, e se pretendemos formar cidadãos ativos em sua vida social temos que proporcionar o seu êxito frente essas situações. Ressaltamos ainda que uma prática de leitura que não tem como preocupação a reflexão e compreensão do texto, como a que foi vista neste trabalho, caracteriza-se como obstáculo para que os alunos percebam a leitura como instrumento fundamental na aquisição de outras aprendizagens, levando-os a assumirem uma postura passiva nas atividades de leitura, o que aqui pode ser 27

verificado nas atividades de resolução de problemas, nas quais os alunos não buscam a compreensão do texto antes de partir para a parte operacional da matemática. Temos como elemento norteador dessa prática a proposta de problemas matemáticos convencionais que não exigem uma maior reflexão, de forma que os alunos diante de um texto problema matemático mais elaborado não se esforçam na sua compreensão, partindo para a parte operacional e não alcançando êxito na resolução. Os dados e as análises dessa pesquisa apontam para uma relação entre o desempenho na atividade de resolução de problema e a compreensão leitora, caracterizada pelo fato de que os alunos que tiveram melhor compreensão leitora (GA) também tiveram melhor desempenho na resolução de problemas matemáticos. Contudo, os elementos que determinam e influenciam esta relação não ficaram claros, exigindo um maior aprofundamento na investigação dessa relação. Para tanto, seria importante pesquisas com um maior quantitativo de sujeitos, bem como estudos de intervenção. Este trabalho também traz uma importantíssima contribuição: para diminuir as dificuldades que os alunos enfrentam em extrair o significado do texto problema matemático por falta de compreensão do enunciado, esse gênero textual parece ser um elemento central de uma proposta interdisciplinar. Entendendo que dentro de uma perspectiva de letramento em que o sujeito deve ser inserido em diferentes práticas sociais de leitura e que por meio dessas leituras ele seja capaz de selecionar o que é mais adequado à sua finalidade de leitura, o texto problema matemático deve ser visto como objeto de estudo e reflexão tantos pelos professores de língua portuguesa, como pelos professores de matemática. Tendo em vista o papel da escola na formação básica do cidadão, ao trabalho de leitura e compreensão de problemas matemáticos deve ser dada uma atenção especial na medida em que esse gênero textual proporciona o desenvolvimento mental, a aprimoração do raciocínio, a aquisição de criatividade e imaginação, além de ampliar o conhecimento matemático. O trabalho reflexivo de leitura e compreensão de problemas matemáticos é um passo importante para o combate à alienação, facilita ao gênero humano a realização de sua plenitude. Dessa forma, caracteriza-se como sendo uma 28

atividade de questionamento, conscientização e libertação (Silva, 1985:22-23) na medida em que possibilita aos alunos a reflexão e o êxito em situações de sua vida diária, escolar ou não, que remetam a problemas matemáticos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELMIRO, C. A. Formação de Educadores de Jovens e Adultos: Uma Experiência em Língua Portuguesa.Presença Pedagógica, Ed. Dimensão. v.3 nº17, set/out, 1997. BENCINI, R. Compreender, eis a questão! Nova escola. São Paulo, março/2003,, nº 160, p. 48-51. BRANDÃO, A.C.P. SPINILLO, A.G. Aspectos gerais e específicos na compreensão de textos. Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol.11. nº 2, 1998, p. 253-272. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília, 1997. CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 1989. DANTE, L.R. Didática da resolução dos problemas de matemática. 12ª Edição. São Paulo: Ática, 2003. FERRARI, M. Variar textos: a melhor receita para formar leitores. Nova Escola. São Paulo, abril/2005, nº 181, p. 32-33. FRUET, H. Todos podem compreender. Nova escola. São Paulo, agosto/2003, nº 164, p. 38-39. JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Vol. 1. POA: Artes Médicas, 1994. KLEIMAN, A. Oficina de leitura: aspectos cognitivos da leitura. 6ª Edição. São Paulo: Pontes, 1998. KLEIMAN, A. Texto & Leitor: aspectos cognitivos da leitura. 5ª Edição. São Paulo:Pontes, 1997. MARCUSCHI, L. A. Exercício de compreensão ou copiação nos manuais de ensino da língua? Em aberto. Brasília, ano 16, nº 69, 1996. SILVA, E.T. Leitura e realidade brasileira. 2ª Edição. Porto Alegre: Mercado aberto, 1985. 29

SMOLE, K. S. DINIZ, M. I (Org.) Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6ª edição. POA: Artmed, 1998. VALLE, V. C. Resolução de problemas de matemática na EJA: Leitura, Interpretação e Determinação da Operação. UFPE. Recife,1999. 30

ANEXOS ANEXO 1 (Texto utilizado na atividade de compreensão) O DESEJO DE QUIPU Em um planeta distante, muito diferente da terra, moravam seres esquisitos que andavam com as mãos no chão, tinham os corpos cobertos de penas coloridas e olhos salientes presos aos pés. Neste lugar morava Quipu, um habitante que se sentia muito infeliz por ser diferente dos outros. O seu maior desejo era que todas as pessoas do seu planeta fossem iguais a ele. Certo dia, um grupo de crianças construiu uma espaçonave e saiu da Terra em direção ao planeta Xanci, onde vivia o habitante infeliz. Quando o encontraram, Quipu ficou muito contente por finalmente conhecer pessoas semelhantes a ele e decidiu juntar-se ao grupo indo morar na Terra, desistindo de tentar modificar as pessoas do seu planeta. 31

ANEXO 2 (Perguntas da tarefa de compreensão) 1- EM QUE PLANETA MORAVA QUIPU? 2- COMO ERAM OS HABITANTES DO PLANETA XANCI? 3- QUAL O DESEJO DE QUIPU? 4- COMO ERA QUIPU? 5- COM QUEM AS CRIANÇAS SE ENCONTRARAM NO PLANETA XANCI? 6- POR QUE QUIPU DESISTIU DE MODIFICAR AS PESSOAS DE SEU PLANETA? 7- COMO ELE VIAJOU PARA TERRA? 32

ANEXO 3 (Problemas matemáticos utilizados nas atividades) 1) Gabriel trabalha vendendo ingressos do campeonato brasileiro de futebol da série B. Veja como foram as últimas vendas: 1º jogo 2º jogo Santa - 74 ingressos Santa - 62 ingressos Náutico 87 ingressos Náutico 93 ingressos Agora responda: Em qual jogo Gabriel vendeu mais ingressos? 2) João coleciona figurinhas de futebol. Ele resolveu comprar todas as figurinhas que faltavam na sua coleção. O álbum para estar completo deve ter 85 figurinhas. Ele já colou 58 figurinhas. Seu irmão deu a ele 12. Quantas figurinhas ele ainda precisa comprar para completar seu álbum? 3) Dumbo, um elefante equilibrista, é a principal atração do Grande Circo. Por ser a atração principal, Dumbo precisa estar sempre limpo. Para tomar banho ele usa 17 sabonetes e 22 esponjas. Dumbo toma banho 2 vezes ao mês. Quantos sabonetes ele gasta em três meses? 4) Senhor Paulo tem uma Kombi escolar. Ele leva diariamente para casa 21 crianças. Hoje ele só poderá levar 3 crianças de cada vez. Quantas viagens ele terá que fazer da escola para casa até levar todas as crianças? 33

ANEXO 4 (Exemplos de algumas respostas das crianças referentes às categorias) Tipo 1 (incongruentes)- respostas do tipo não sei ou que, embora façam sentido em termos da experiência da criança, não apresentam relação com a história lida. A pontuação atribuída às respostas incongruentes foi zero; Ex: - Bicho de Três cabeças, com olhos vermelho e corpo verde (R.04) - Porque viu que não podia. Porque não tinha poder. (R.06) Tipo 2 (gerais ou parciais)- respostas com nítida relação com a história, mas que são ou um tanto genéricas, holísticas sem detalhamento, ou incompletas, ainda que não entrem em contradição com elementos explicitamente afirmados no texto e, portanto, receberam 1 ponto; Ex.: - Achar alguém como ele (R.03) - Porque chegou outras pessoas no planeta e ele ficou alegre (R.06) Tipo 3 (literais)- respostas precisas, mas que, por apenas reproduzirem trechos presentes no texto, receberam 2 pontos; Ex: - Que ele conhecesse pessoas igual a ele (R.3) - Com Quipu (R.5) Tipo 4 (parafrásicas)- respostas que, apesar de também serem consideradas como literais, envolvem a reformulação da resposta através do uso de palavras e expressões sinônimas, recebendo 3 pontos; Ex: - Um homem diferente da gente (R.04) - Pé na mão, olho no pé e era colorido (R.02) Tipo 5 (inferenciais)- respostas que, pelo fato de exigirem um nível mais alto de elaboração, em que a criança além de integrar partes do texto, deve lançar mão do seu próprio repertório de conhecimentos, indo além do que é oferecido pelo texto em si para construir uma resposta. Este tipo de resposta recebeu pontuação 4. Ex: - Diferente dos outros. Era normal como pessoa humana (R.04) 34

ANEXO 5 (Exemplos de algumas recontos das crianças referentes às categorias) Categoria 1- reproduções desconexas de anedotas ou de histórias diferentes daquela lida, ou narrativas que se restringem à frase inicial ou final da história. Estão incluídas nesta categoria, as crianças que dizem não saber ou não lembrar a história lida. A historia fala do mundo do Quico, os meninos foram para o mundo e construíram a nave e ficaram em outro planeta. Categoria 2 - reproduções que embora envolvam alguns personagens e certos eventos existentes em determinados blocos da história lida, acrescentam informações ausentes no texto original, sendo uma produção diferente do texto apresentado. Ele vai pra outro planeta. Quipu é cheio de penas coloridas, os pés é para trás, anda com a mão no chão. Quipu fica na terra onde morava. Quipu teve uma historia e fez um grupo. Categoria 3 - reproduções fragmentadas, desarticuladas que se limitam a reproduzir eventos de alguns blocos da história, sem uma preocupação com a articulação, entre os eventos. Quipu era uma pessoa diferente. Num era igual as pessoas...as pessoas não, uma pessoas diferentes dela. Ai ele decidiu. Ai ela encontrou outros, outros...a ela encontrou gente igual a ela e ficou no planeta terra. Categoria 4-reproduções globais e com certa articulação, mas incompletas. Há referência ao problema central e ao desfecho da história. 35

Observam-se omissões e trocas de informações e a cadeia causal que estrutura a história não é totalmente reproduzida. Ele era muito triste, assim...porque os outros que morava na terra com ele era diferente dele. Na mesma terra que ele morava Xaci, eram muito diferente dele. Ai um grupo de crianças fizeram uma espaçonave e foram em direção a esse planeta, Xaci, e viu Quipu.. Ai quipú ficou muito alegre que achou pessoas que... igual a ele. Viu um grupo de crianças igual a ele. Ai ele saiu pra morar na terra. Eu acho que acharam na terra ele estranho, mas eu acho que num achou não, sabe por que? Porque ele era igual a criança, feito a gente. Porque tinha muita pessoa lá nesse Xaci que acha que ele diferente, ai ele ficou triste que ele era diferente. Ai fizeram uma espaçonave e foram lá. Ai ele veio pra terra, ai ficou morando aqui na terra. Categoria 5- reprodução completa, em que as idéias centrais são reproduzidas de maneira articulada. A narrativa segue um eixo, no qual o problema é apresentado e resolvido, reproduzindo-se os meios para tal. É a historia de Quipu. Ele vivia no planeta, onde ele era diferente, ai as crianças fizeram uma espaçonave ai foram para o planeta dele, pro planeta Xanci. Ai viam ele porque ele ficava muito triste, porque ele num tinha ninguém igual a ele. Ai quando ele viu as crianças eles quiseram vim pra, para terra. Ai ele ficou muito feliz porque ele conseguiu vim para terra, porque tinha gentes igual a ele. 36

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