AVALIAÇÃO DE EXAMES COLETADOS DE COLPOCITOLOGIA ONCÓTICA EM MULHERES RESIDENTES NO MUNICÍPIO DE ASSIS, ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL RESUMO



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Transcrição:

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 30 AVALIAÇÃO DE EXAMES COLETADOS DE COLPOCITOLOGIA ONCÓTICA EM MULHERES RESIDENTES NO MUNICÍPIO DE ASSIS, ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL Mônica Yonashiro Marcelino 1, Alessandra Cíntia Alberto 3, Gisele Aparecida Rosa 3, Luciano Negrão-Menezes 2,3 1,2,3, André Luiz Dorini de Oliveira RESUMO Este trabalho teve por objetivo analisar os prontuários de pacientes atendidas na rede pública de saúde no Município de Assis - SP e discutir a incidência de infecção por HPV, diagnosticada pelo método Papanicolaou. Os levantamentos de dados foram efetuados a partir dos prontuários de mulheres com faixa etária de 15 a 75 anos e que foram submetidas a citopatologia exfoliativa cervical corada pelo método de Papanicolaou no período de janeiro a novembro de 2005. Para tanto, foram considerados os seguintes aspectos: Dados pessoais; Diagnósticos normais (sem alteração morfológica); Diagnósticos anormais (pré-câncer cervical) classificados pelo sistema Bethesda. De 6960 mulheres examinadas 6926 apresentaram diagnósticos dentro dos limites normais, representando 99,51% da amostra estudada, e 34 mulheres (0,49%) foram diagnosticadas com alterações celulares (pré-câncer cervical). Deste total, as atipias de significado indeterminado representaram 50% das anormalidades encontradas. As Neoplasias Intra-epitelial cervical, SIL baixo grau e SIL alto grau, foram observadas em 12% e 18% no grupo de mulheres que apresentaram alterações celulares, respectivamente. Os resultados obtidos apontam para a necessidade de um levantamento epidemiológico detalhado, especialmente abordando zoneamento populacional do município. Palavras-Chave: HPV, Neoplasia cervical, Papanicolaou, Carcinoma cervical, Citopatologia, Colo do útero. ABSTRACT This study aimed to examine the records of patients seeking care in public health in the municipality of Assis - SP and discuss the incidence of HPV infection diagnosed by Papanicolaou method. The survey data were made from the records of women aged 15-75 years who underwent cervical exfoliative cytology stained by Papanicolaou method in the period from January to November 2005. For this, we considered the following aspects: personal data; Diagnostics standard (morphological change); Diagnostics abnormal (pre-cervical cancer) classified by the Bethesda System. In 6960 women examined, 6926 were diagnosed within normal limits, representing 99.51% of the sample, and 34 women (0.49%) were diagnosed with cellular changes (pre-cervical cancer). Of this total, the atypia of undetermined significance represented 50% of these abnormalities. The neoplasms Intraepithelial cervical SIL low grade and high grade SIL were observed in 12% and 18% in the group of women with abnormal cell, respectively. The results point to the need for a detailed epidemiological survey, especially addressing zoning of the municipality. Keywords: HPV, Cervical cancer, Papanicolaou, Cervical carcinoma, Cytopatoloy, Cervix 1- Universidade de São Paulo - USP 2- Departamento de Saúde da Universidade Paulista - UNIP ASSIS SP 3- Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos FAESO Ourinhos - SP Email: olivaldo3@yahoo.com.br

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 31 INTRODUÇÃO O câncer do colo do útero é um problema de saúde pública que ocupa uma posição de destaque nas taxas de morbi-mortalidade entre a população feminina (INCA, 2012; PINHO, 2003; SERMAN, 2002; BRENNA, 2001; WORLD CANCER REPORT, 2008). Os índices de maior incidência são observados em mulheres de nível sócio-econômico baixo e sexualmente ativas. Estima-se que a mortalidade por esta patologia em todo o mundo chegue a 234.000 mulheres por ano (WORLD CANCER REPORT, 2008), acentuando-se, sobretudo, em países em desenvolvimento (SANTIAGO, 2003). Para Almonte et al., a América Latina apresenta as maiores taxas de incidência de câncer do colo do útero, notadamente em países como Haiti, Bolívia, Paraguai, Belize, Peru, Guiana, Nicaragua e El Salvador. No Brasil, dados obtidos dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) indicam que os índices de mortalidade em decorrência do câncer do colo do útero têm aumentado significativamente nos últimos anos. Estima-se que serão registrados 17.540 novos casos para o ano de 2012, com um risco esperado de 17 casos a cada 100.000 mulheres (INCA, 2012). Segundo o Instituto Nacional do Câncer - INCA, o câncer do colo do útero representa a terceira causa de incidência bruta entre as neoplasias malignas para a população feminina nas regiões Sul e Sudeste, a segunda causa nas regiões Centro-Oeste e Nordeste e a primeira causa na Região Norte (INCA, 2012). A história natural do câncer de colo uterino revela a existência de três etapas que merecem atenção especial na evolução da doença: a primeira delas é caracterizada pela presença de infecção pelo HPV, sem quaisquer outras alterações detectáveis; a segunda por alterações morfológicas das células do epitélio do colo do útero (lesões intra-epiteliais SIL baixo grau e SIL alto grau); e a terceira com a lesão atravessando a membrana basal do epitélio - carcinoma invasor (RAMA, 2006). Vários estudos têm sido realizados para se compreender a patogenia do câncer cervical (BRENNA, 2001; PAPANICOLAUO, 1943; KOSS, 1956; MEISELS, 1976; JASTREBOFF, 2002). Em 1943, Papanicolaou e Traut mostraram ser possível o diagnóstico de células neoplásicas por meio de esfregaço vaginal. Esse método revolucionário para aquela época passou a ser denominado exame Papanicolaou em homenagem aos autores (JASTREBOFF, 1976). Embora o emprego do exame Papanicolaou tenha permitido um grande avanço na detecção precoce de alterações em células cervicais, a confirmação dos componentes envolvidos na gênese e no desenvolvimento do câncer do colo do útero permaneceu dúbia por algumas décadas.

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 32 Em 1956, Koss e Durfee observaram que lesões em células escamosas do epitélio do colo uterino poderiam ter origem após infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV). A confirmação dos resultados obtidos pelos autores só foi possível com o desenvolvimento das técnicas de clonagem no início da década de 70, uma vez que o HPV não desenvolve em meios de cultura (JASTREBOFF, 2002). As evidências que ligam o HPV ao câncer cervical ganharam sustentação com o desenvolvimento de tecnologias de DNA recombinante na década de 80 (ANDRADE, 1993). Além de possibilitar a correlação de HPV com o desenvolvimento de alterações celulares, a metodologia de colpocitopatologia oncótica (exame Papanicolaou) também tem permitido o estabelecimento de um perfil epidemiológico em populações de risco. O diagnóstico precoce e o tratamento das lesões precursoras do câncer do colo do útero são considerados atualmente as principais estratégias de prevenção. De acordo com Silveira (2003) o conceito de prevenção engloba algumas ações de caráter primário e genérico, tais como as melhorias das condições de vida, redução da suscetibilidade das pessoas às doenças e a educação sanitária. Neste contexto, segundo o autor, a detecção precoce das lesões precursoras, bem como o emprego de medidas primárias podem minimizar a prevalência na população de risco. A Tabela 1 mostra os principais sistemas de diagnóstico citológicos e histológicos atualmente empregados na saúde pública mundial. De acordo com o INCA, a prática de programas para a avaliação da incidência e da mortalidade causadas pelas mais diversas formas de neoplasias são de fundamental importância para o conhecimento epidemiológico regional. Essas informações podem proporcionar a definição de fatores de risco e estabelecimento de estratégias de prevenção, planejamento e gerenciamento dos serviços de saúde (INCA, 2012). Entretanto, dados estatísticos bibliográficos mostram que realidade prática não condiz com a necessidade teórica. Mesmo com a implantação do Sistema de Informação Laboratorial do Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo Uterino (SISCOLO), persistem carências de informações que possam indicar dados epidemiológicos fidedignos acerca de neoplasias cervicais em níveis regionais. Este trabalho teve como objetivo avaliar os resultados dos exames de Papanicolaou realizados em mulheres em Assis, uma vez que estes dados podem auxiliar na elaboração de um quadro geral sobre a origem e a distribuição dos padrões de câncer do colo do útero no município.

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 33 MATERIAL E MÉTODOS Foram analisados os prontuários contendo os resultados dos exames Papanicolaou realizados em pacientes atendidas pelo Sistema de Saúde Pública do Município de Assis. O Município localizase na região oeste do Estado de São Paulo, Brasil, sendo o centro da cidade situado entre 22 o 40 paralelo e 50 o 25 meridiano. O clima da região é temperado brando, com inverno seco e verão quente e chuvoso. Apresenta um índice pluviométrico de 1250 mm/ano e a temperatura média anual é de 22 o C, com a média no mês mais quente (janeiro) entre 24 e 25 o C e do mês mais frio (julho) entre 17 e 18 o C. Os levantamentos de dados foram efetuados a partir dos prontuários de mulheres com faixa etária de 15 a 75 anos e que foram submetidas a citopatologia exfoliativa cervical corada pelo método de Papanicolaou no período de janeiro a novembro de 2005. Para tanto, foram considerados os seguintes aspectos: Dados pessoais; Diagnósticos normais (sem alteração morfológica); Diagnósticos anormais (pré-câncer cervical) classificados pelo sistema Bethesda (apud SOLOMON et al, 2002) - Neoplasia Intra-epitelial Cervical: 1. Atipias de significado indeterminado; 2. Efeito citopatológico compatível com HPV; 3. SIL baixo grau - alteração celular que acomete as camadas mais basais do epitélio estratificado do colo do útero (displasia leve); 4. SIL alto grau - existência de desarranjo celular em até três quartos da espessura do epitélio, preservando as camadas mais superficiais (displasia moderada); 5. SIL alto grau - observação do desarranjo em todas as camadas do epitélio (displasia acentuada e carcinoma in situ), sem invasão do tecido conjuntivo subjacente. RESULTADOS Das 6960 análises realizadas nos prontuários de mulheres submetidas ao exame de Papanicolaou no sistema de saúde público municipal, 6926 foram diagnósticos normais, representando 99,51% (Tabela 1). Os dados revelaram ainda que 34 mulheres (0,49%) apresentaram diagnósticos anormais (pré-câncer cervical) classificados pelo sistema Bethesda.

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 34 Tabela 1 Equivalência de nomenclaturas citológicas e histológicas utilizadas no diagnóstico das lesões pré-invasivas e invasivas do câncer do colo do útero. Sistema Clássico Sistema OMS Sistema NIC Sistema Bethesda I Normal Normal Dentro dos limites normais II Inflamação Inflamação Alterações celulares benignas III Displasia Leve Displasia Moderada Displasia Severa NIC I NIC II NIC III SIL baixo grau SIL alto grau SIL alto grau IV Carcinoma in situ NIC III SIL alto grau V Carcinoma invasor Carcinoma invasor Carcinoma invasor OMS: Organização Mundial da Saúde NIC: Neoplasia Intra-epitelial cervical. SIL: Lesões escamosas intra-epiteliais (Squamous intraepithelial lesion) A Tabela 2 mostra os tipos de alterações celulares, o número e o percentual de mulheres que apresentaram diagnósticos anormais (pré-câncer cervical), classificados pelo sistema Bethesda. Observa-se 17 casos de atipias de significado indeterminado (ASCUS e AGUS), representando 50% das anormalidades. Para as Neoplasias Intra-epiteliais Cervicais (displasia leve, displasia moderada e displasia severa/carcinoma in situ), foram observadas 4 (12%), 5 (15%) e 1 (3%) casos no grupo de mulheres que apresentaram alterações celulares, respectivamente. A Tabela 2 mostra ainda que entre os exames que indicaram alterações celulares, 6 mulheres (18%) foram diagnosticadas como portadoras de alterações múltiplas e apenas 1 (3%) apresentou células infectadas por HPV. Não houve registro de carcinoma invasor no período analisado.

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 35 Tabela 2 Classificação, número e percentual de alterações celulares diagnosticadas no grupo de mulheres que apresentaram anormalidades celulares no exame papanicolaou realizado no período de janeiro a novembro de 2005. Alterações Celulares Número Percentual Atipias de significado indeterminado (ASCUS e AGUS) 17 50% Efeito citopatológico compatível com HPV 1 3% SIL baixo grau - Displasia leve 4 12% SIL alto grau - Displasia moderada 5 15% SIL alto grau - Displasia acentuada/carcinoma in situ 1 3% Carcinoma escamoso invasor 0 0% Alterações múltiplas 6 18% Total 34 100% Com base na Tabela 3, pode-se verificar que entre os casos com alterações celulares observados neste estudo, 4 (12%) apresentaram efeito citopatológico compatível com HPV associado a displasia leve, 2 (6%) foram de atipias de significado indeterminado associada ao efeito citopatológico compatível com HPV e 28 (82%) demais alterações. Tabela 3 Tipos de alterações celulares associadas diagnosticadas no grupo de mulheres que apresentaram anormalidades celulares no exame Papanicolaou realizado no período de janeiro a novembro de 2005. Alterações Celulares Número Percentual Atipias de significado indeterminado associado ao efeito citopatológico compatível com HPV 2 6% Efeito citopatológico compatível com HPV associado ao SIL baixo grau 4 12% Demais alterações 28 82% Total 34 100%

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 36 DISCUSSÃO O exame citopatológico Papanicolaou é considerado um modelo de prevenção do câncer do colo do útero. Esse mérito é beneficiado por vários fatores, tais como simplicidade metodológica, baixo custo e segurança. Ademais, o Papanicolaou é um exame com boa aceitação entre a população feminina em avaliações de rotina para se detectar precocemente o câncer do colo do útero (BRENNA, 200; JASTREBOFF, 1976; SILVEIRA, 2003; INCA, 2006). Inserido no contesto epidemiológicos, este método apresenta também um elevado potencial de prevenção e cura desta doença, muito embora sua aplicação não tenha sido considerada eficiente em varias regiões do Brasil (INCA, 2001). Aceita-se, deste modo, que a prática exame citopatológico Papanicolaou nas rotinas de saúde não tem repercutido favoravelmente no perfil de incidência e mortalidade da doença (DI LORETO, 1997). Esses fatos, associados às carências de bases de dados regionais, agregadas pelas variáveis de confusão, mal-classificações dos resultados e sub-notificações foram os fatores que impulsionaram delineamento e o desenvolvimento deste estudo. Neste trabalho, foram analisados 6960 prontuários de mulheres que se submeteram a exames Papanicolaou pelo Sistema de Saúde Pública do Município de Assis-SP. Como pode ser observado na Tabela 2, 34 (0,49%) do total de exames apresentaram algum tipo de alteração celular. Esses dados indicam que este percentual é inconsistente com a realidade epidemiológica brasileira, amplamente discutida na literatura especializada. Assim, embora existam variações consideráveis nas taxas de incidência destas alterações celulares em diversas regiões do Brasil, admite-se que o percentual médio em rastreamento de rotina permaneça entre 2,8% (INCA, 2001) e 7% (ROTELI-MARTINS, 2003). Em 1995, o INCA implementou um programa nacional para o controle do câncer do colo do útero no país, amplamente divulgado como Viva Mulher (INCA, 2001). Em sua totalidade, o programa atendeu 3,17 milhões de mulheres, com faixa etária prioritária de 35 a 49 anos, em 97,9% dos municípios de todos os estados brasileiros. O relatório final de avaliação do programa revelou que 60,7 mil (2,8%) mulheres apresentaram algum tipo de alteração (INCA, 2001). Nota-se, portanto, uma diferença significativa entre os percentuais obtidos neste trabalho e aqueles obtidos pelo INCA. Fazendo um paralelo com os resultados obtidos por Roteli-Martins et al. (2003), pode-se constatar que os percentuais de alterações celulares observadas neste estudo são,

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 37 como um todo, também inferiores. Os autores investigaram 3.000 exames Papanicolaou realizados em mulheres da zona leste da cidade de São Paulo, no ambulatório do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros. Os resultados indicaram que 92% dos exames foram normais e 7% com alterações celulares, sendo ASCUS (4,2%), lesões de baixo grau (1,4%) e lesões de alto grau (0,57%). Com base nos dados de Roteli-Martins et al. (2003), pode-se inferir que os exames efetuados em mulheres assisenses possam estar sendo laboratorialmente sub-diagnosticados. Diversos trabalhos têm observado uma baixa eficiência dos resultados obtidos por análises citopatológicas, especialmente por apresentarem um nível significativo de valores falso-negativos (NORELL et. al., 1982; KOSS, 1989; MITCHELL, 1995; PLESSIS, et al., 2001; CAVALCANTI; CARESTIATO, 2006). Cavalcanti e Carestiato (2006) sugerem que o número elevado de resultados falso-negativos gerados pelo exame Papanicolaou pode variar de 15% a 50%, enquanto os percentuais de resultados falso-positivos sejam de 10% em média, que correspondem a uma sensibilidade de 50% a 90% e especificidade de 70% a 90%. Para Gay et al. (1985), 62% dos resultados falso-negativos podem ser creditados aos erros de coleta de material, enquanto que 38% ficam por conta de possíveis erros de escrutínio ou de interpretação do diagnóstico. Di Loreto et al. (1997), discutem que os erros de diagnósticos referentes a coleta de material são decorrentes do tamanho das lesões, sua localização e ausência de descamação de células com atipias de algumas lesões. Os autores admitem também que os conceitos e padrões de interpretação dos esfregaços são fundamentais na determinação dos resultados. Assim, concluem que a garantia de qualidade na análise citopatológica está vinculada a utilização de tecnologia instrumental adequada para a coleta do material, bem como a qualificação dos profissionais envolvidos no processo. Para Baker (2002), os resultados falso-negativos podem ser confundidos com coleta de amostras inadequadas, uma vez que possuem um número quantitativamente menor de células quando comparados aos resultados positivos. Os dados observados neste estudo não compactuam com o padrão epidemiológico nacional do câncer do colo do útero. Evidencia-se, portanto, que a obtenção de taxas reduzidas de casos anômalos reforça a hipótese da existência de uma demanda significativa de resultados falso-negativos e uma alta incidência de atipias de significado indeterminado nos exames analisados (Tabela 2). Este quadro, de acordo com Di Loreto et al (1997), pode ter origem no procedimento de coleta de dados das pacientes, da coleta de material biológico, ou ainda, na qualificação e no número insuficiente de profissionais responsáveis pelas análises citopatológicas. Segundo Arcuri (2002), a implementação de um programa de controle interno

Revista Hórus, volume 6, número 2 (Abr-Jun), 2012. 38 de qualidade perfeitamente estabelecido e executado favorece a detecção de erros diagnósticos em qualquer estágio do processo, priorizando os resultados falso-negativos. Em conclusão, os resultados aqui obtidos apontam para a necessidade de um levantamento epidemiológico sistematizado no município, como, por exemplo, a confirmação dos baixos índices de incidência. Em anos posteriores seriam pertinentes novas avaliações minudenciadas em pacientes atendidas em todas as unidades básicas de saúde, levando em consideração a idade, a escolaridade, o nível sócio-econômico e o comportamento sexual. Dessa forma, novos projetos podem ser realizados com o intuito de contribuir para delineamentos de estratégias em políticas de saúde pública para prevenção e detecção precoce de câncer de colo de útero. AGRADECIMENTOS Agradecemos o aporte financeiro recebido do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Paulista (UNIP), o que tornou possível o desenvolvimento deste estudo. Gostaríamos de agradecer também a Secretaria Municipal de Saúde do Município de Assis por disponibilizar os dados avaliados neste estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE LEC. Princípios de Biologia Molecular. Rev. Ass. Med. Brasil 1993; 39 (3): 175-86. ARCURI RA, et al. Controle interno da qualidade em citopatologia ginecológica: um estudo de 48.355 casos. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial 2002, 38(2): 141-7. ALMONTE M, ALBERO G, MOLANO M, CARCAMO C, GARCÍA PJ, PÉREZ G. Risk factors for Human Papillomavirus Exposure and Co-factors for Cervical Cancer in Latin America and the Caribbean. Vaccine 2008; 26(11): L16-L36. BAKER JJ. Conventional and liquid-based cervicovaginal cytology: A comparison study with clinical and histologic follow-up. Diagn Cytopathol 2002, 27:185-8. BRENNA SMF, HARDY E, ZEFERINO, LC, NAMURA I. Conhecimento, atitude e prática do exame de Papanicolaou em mulheres com câncer de colo uterino. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro 2001, 17: 909-914. CAVALCANTI SMB, CARESTIATO FN. Infecções causadas pelos papilomavírus humanos: atualização sobre aspectos virológicos, epidemiológicos e diagnóstico. DST J Brás Doenças Sex Transm, 2006; 18(1): 73-79.

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