- 1 - PARECER N. 3159/2009 A celeuma consiste em saber se a Fundação de Apoio ao Ensino Superior Público Estadual FAESPE, deve prestar contas ou não ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. O representante da Fundação alega (fls. 36 e 37) que pelo fato de ser uma entidade de natureza jurídica de direito privado sem manutenção ou subvenção pelo Poder Público, além de gozar de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a mesma se encontraria submetida ao regramento disposto nos artigos 62 usque 69 do Código Civil, o que inviabilizaria por si só, a prestação de contas à Corte de Contas estadual. É o sucinto relato. As fundações públicas encontram supedâneo legal na Lei n.º 7.596/87 que, ao modificar o Decreto-lei n.º 200/67, promoveu o reingresso definitivo do dito instituto à estrutura da Administração Pública Indireta. Aludido decreto disciplinou sua forma de instituição, natureza jurídica e até mesmo sua subordinação fiscalizatória. Conforme preconiza o art. 5º, inc. IV do Decreto-lei n.º 200/67, fundação pública "é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes". Vale ressaltar que ordinariamente são dotadas de personalidade
- 2 - jurídica de direito privado, embora possa haver fundação pública criada como pessoa jurídica de direito público. Detalhe importante que merece destaque é o fato de a Lei n.º 7.596/87 ter acrescentado o 3º do art. 5º do Decreto-lei 200/67, excluindo a aplicabilidade de alguns preceitos do Código Civil relativos à fiscalização do Ministério Público às ditas fundações. Dessa forma, as fundações públicas sujeitam-se à "tutela administrativa da Administração central, ante sua reintegração à Administração indireta". Não poderia ser diferente, vez que a própria definição do instituto estipula que seu funcionamento será custeado com recursos públicos. Assim, verifica-se que essa espécie fundacional, no que tange à sua fiscalização, está sujeita ao controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, como preconiza o art. 75 do Decreto-lei n.º 200/67. É cediço que o inciso II do art. 71 da Carta de Outubro aduz competir ao Tribunal de Contas da União o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público. Apesar de existir a conjunção coordenativa aditiva e entre os vocábulos instituídas e mantidas, não há idéia de dupla condição (autorização legislativa e manutenção pelo Poder Público) para submissão ao Tribunal de Contas. Tanto é que a Constituição do Estado de Mato Grosso não traz nenhum desses requisitos. Sabendo que as fundações públicas (mesmo de direito privado) integram a administração indireta, impende transcrevermos o inciso II do art. 47 da Lei Máxima Estadual: Art. 47 O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete: II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
- 3 - bens e valores públicos da Administração Pública direta e indireta, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; De qualquer sorte, independentemente de ter sido desvinculada da Administração Pública, de ser mantida em grande parte com recursos próprios, ou de ser regida pelo direito privado, deve a Fundação prestar conta a este Tribunal, porquanto o disposto no inc. II do art. 71 da Carta Federal não distingue a atividade de controle externo sobre fundações privadas ou públicas, mas tão-somente àquelas instituídas e mantidas pelo poder público, portanto, qualquer que seja sua natureza. A fiscalização dos Tribunais de Contas, vale lembrar, está respaldada no princípio constitucional de prestação de contas erigido no art. 70 e seu parágrafo único da Carta Federal, que obriga a todos quantos utilizaram dinheiros públicos a prestarem contas aos órgãos integrantes do sistema de controle externo. Nessa senda é o enunciado n. 8 da sumúla do Tribunal de Contas da União, vejamos: SÚMULA Nº 008 - Compete ao Tribunal de Contas o julgamento da regularidade das contas globais das entidades criadas pelo Poder Público, sob a forma de Fundação, com personalidade jurídica de direito privado, quando recebam subvenções ou transferências à conta do Orçamento da União. Dessarte, mesmo as fundações instituídas e não-mantidas pelo Poder Público, que se mantém financeiramente por conta de recursos próprios, decorrentes de seus serviços, não recebendo qualquer auxílio financeiro dos cofres públicos municipais e estaduais, devem ser fiscalizadas pelo Tribunal de Contas de Mato Grosso, sob o fundamento de que as entidades são instituídas a partir da transferência de patrimônio público, e que por essa razão, estariam sujeitas ao poder fiscalizatório da Corte de Contas.
- 4 - Ademais, a transferência de bens é da essência do instituto das fundações. Não há como se instituir fundação sem transferência de patrimônio para a mesma. A título ilustrativo, registra-se a louvável iniciativa do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, que através da Resolução n.º 005/2003 do Colégio de Procuradores de Justiça, de 04/09/2003, normatizou as atribuições do Promotor de Justiça de Fundações e criou, no âmbito daquele Parquet, o Banco de Dados de Fundações. Esta ação pró-ativa demonstra a preocupação daquele Estado com a criação de mecanismos eficazes à fiscalização dos entes fundacionais instituídos. Seu artigo 1º, inc. IV, assim estipulou, verbis: Artigo 1º - Caberão aos Promotores de Justiça designados por Resolução do Colégio de Procuradores de Justiça para a fiscalização de Fundações as providências judiciais e extrajudiciais que julgarem necessárias em face das seguintes atribuições: IV. Examinar as contas prestadas anualmente pelas Fundações e Entidades de Interesse Social, aprovando-as ou não, independentemente das decisões prolatadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, Câmara Legislativa e demais órgãos do sistema de controle;" Com efeito, há um duplo controle das fundações públicas. Tanto pelo Tribunal de Contas, quanto pelo Ministério Público matogrossense. O Estado sempre exerceu ininterrupta atividade financeira que lhe garantisse recursos suficientes para que pudesse de manter. Consequentemente, para proteger os dinheiros públicos de eventuais desvios por parte dos servidores responsáveis pelas suas aplicações, desde a antiguidade apareceram órgãos exclusivamente voltados à fiscalização das finanças públicas. Tais órgãos são os fundamentos históricos dos Tribunais de Contas. Atualmente, todo aquele que administre bens, valores ou dinheiros públicos deve
- 5 - prestar contas. Assim, as contas dos dirigentes de empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público são também submetidas ao Tribunal de Contas. E justamente a fiscalização destas últimas pessoas, as fundações, suscitou um problema, qual seja, o das fundações "em tese" privadas. Não cabe a nenhum ramo do Direito, público ou privado, reivindicar a prioridade do instituto da fundação, que é uma categoria jurídica que se subdivide em duas espécies: a fundação privada e a fundação pública. Como categoria jurídica, fundação é "patrimônio personalizado dirigido a um fim", e as características de cada espécie formarão o regime jurídico respectivo, público ou privado, conforme a espécie considerada. A criação de fundações privadas vinculadas especialmente às autarquias, embora sejam tais fundações formalmente de direito privado, efetivamente dependem de recursos oriundos das respectivas autarquias. São fundações que se localizam em imóveis públicos, com servidores públicos nelas trabalhando, utilizando material público e que prestam serviços exclusivamente às devidas autarquias que lhes fornecem simplesmente tudo. Principalmente agora, que o Tribunal de Contas tem ampliadas as suas competências pelo controle social, essa fiscalização não pode deixar de ser feita, para que assim, cada vez mais, se torne transparente a Administração Pública. As fundações instituídas pela Administração Pública destinam-se à realização de atividades não lucrativas e de interesse público, a exemplo da educação, da cultura e da pesquisa. É o que estabelece o art. 2º, c, do Decreto-Lei nº 900, de 1969, que alterou o Decreto-Lei nº 200, de 1967. Assim, qualquer que seja a natureza, pública ou privada, sua finalidade há de ser, sempre, de interesse público. Fundação estatal é entidade pública integrante da Administração
- 6 - Pública Indireta, criada por lei, para gerir serviços públicos, desde que não exerçam atividades típicas de estado, ou seja, aquelas onde se faz necessário o uso do poder de polícia do Estado. A fundação estatal é uma categoria jurídica da administração pública, sendo um ente que a integra e que se sujeita ao Estado, com contratação de pessoal mediante concurso público, licitação, controle interno e externo e submissão aos princípios da administração pública. Nesse sentido, é necessário demarcar a diferença entre fundação de direito privado e fundação pública de direito privado (FUNDAÇÃO ESTATAL). A fundação de direito privado é instituída por pessoas físicas ou jurídicas no campo da iniciativa privada. A fundação pública de direito privado (FUNDAÇÃO ESTATAL) é instituída, mediante autorização em lei, pelo Estado. Assim, a fundação de direito privado pura e simples está fora do Estado, e a outra integra a administração pública, compondo o Estado. Essa diferença é fundamental. A FUNDAÇÃO ESTATAL faz parte da estrutura do Estado. A sua propriedade é 100% pública e estatal. O Estado tem a opção de instituir fundações com personalidade de direito público ou privado. Na primeira hipótese, as fundações têm precisamente o mesmo regime jurídico das autarquias, sendo, por isso mesmo, chamadas de autarquias fundacionais. As fundações estatais de direito privado são de categoria diversa e têm seu suporte normativo básico no Código Civil. Aplica-se às fundações públicas o mesmo raciocínio utilizado para autarquias in genere: autonomia administrativa; atividades essencialmente públicas no âmbito social, que normalmente são cometidas às autarquias; regime jurídico e natureza das normas que regulamentam a fundação pública; submissão dos funcionários da fundação pública ao teto remuneratório do funcionalismo público, nos termos do artigo 37º, inciso XI da Constituição Federal; nos limites da lei, sujeição ao controle da administração direta a que estiver subordinada.
- 7 - As entidades públicas com estrutura de direito privado, como as empresas estatais, devem adotar sempre o regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) na contratação de seus empregados públicos. Desse modo, as FUNDAÇÕES ESTATAIS, por serem pessoas jurídicas públicas dotadas do regime do direito privado, devem pautar-se pelo modelo privado no tocante à contratação de pessoal, que é o regime da CLT. Mas é importante ressaltar que o regime da CLT na área pública não segue as mesmas regras da iniciativa privada. Na FUNDAÇÃO ESTATAL, a admissão só pode ser feita mediante concurso público, com ou sem avaliação de títulos. E, para a demissão, é preciso que seja aberto um processo administrativo para avaliar se há justa causa. Os atuais funcionários das fundações de apoio serão aproveitados até que a fundação tenha condição de fazer seus respectivos concursos públicos. Hoje, mesmo os hospitais e o Instituto Nacional de Câncer, por exemplo, estão sendo obrigados a substituir os funcionários das fundações por estatutários. Esse processo continuará desse modo, sendo que as fundações farão tais concursos, não mais para estatutários, mas para empregados regidos pela CLT. Estima-se que serão necessários pelo menos dois anos para que as fundações, depois de implantadas, possam ter esse processo de substituição equacionado por completo. É possível supor que, com concursos organizados pelas respectivas fundações, haja melhor especificação dos editais, de modo que não haja perda de competências fundamentais. Deve-se lembrar no entanto que, por se tratar de concurso público, os que obtiverem melhor classificação, estejam ou não contratados por fundação de apoio, serão selecionados. A FUNDAÇÃO ESTATAL faz parte da estrutura do Estado. Sua propriedade é 100% pública e estatal. Dar autonomia a uma entidade não significa que ela seja soberana. O Estado continua soberano. A FUNDAÇÃO ESTATAL é
- 8 - um modelo para a atuação direta do Estado em setores em que for considerada importante a prestação de serviços pelo poder público, especialmente nas áreas sociais. A Fundação de Apoio ao Ensino Superior Público Estadual FAESPE passa pelos mesmos controles das outras entidades da administração pública indireta. Ela tem supervisão da Secretaria de Educação e controle do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (origem dos recursos). Esses controles serão ainda maiores, porque será feito um contrato entre a Fundação e o seu órgão supervisor para estabelecer os resultados que a Fundação deverá alcançar. Trata-se de controle da gestão e dos resultados da entidade. Ademais, todos os processos de compra e contratos, inclusive da FUNDAÇÃO ESTATAL, devem seguir as regras públicas para licitação, como consta na Constituição. Alfim, o Ministério Público de Contas epiloga que a Fundação de Apoio ao Ensino Superior Público Estadual FAESPE, de acordo com o disposto no artigo 165, 5º e 9º da CF/88; e com a alínea b, inc. I, 3º do art. 1º da LC 101, está sujeita à fiscalização pelo Tribunal de Contas e às exigências da Lei Fiscal, devendo, portanto estar integrada ao Balanço Orçamentário e a todas as regras de controle. Consequentemente sua contabilidade deverá atender tanto a Lei 4.320/64, no que se refere à execução orçamentária, como a Lei 6.404/76, a exemplo das empresas estatais dependentes. MPC em Cuiabá, 28 de maio de 2009. Getúlio Velasco Moreira Filho
- 9 - procurador do Ministério Público