Geografia e Trabalho: A precarização do trabalho na periferia urbana de Vitória da Conquista-BA.



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Transcrição:

1 Geografia e Trabalho: A precarização do trabalho na periferia urbana de Vitória da Conquista-BA. Weldon Pereira Silva de Novais Discente de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) novais.weldon@gmail.com Suzane Tosta Souza Docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) suzanetosta@gmail.com Este trabalho foi desenvolvido por acreditar na possibilidade da realização de uma Ciência Geográfica crítica, ou seja, capaz de ler e compreender o mundo de modo a servir de instrumento de luta no processo de consciência de classe dos trabalhadores do campo e da cidade. Nesses termos, o subprojeto Precarização do trabalho na periferia urbana de Vitória da Conquista/BA é parte integrante da pesquisa intitulada: Luta pelo trabalho na periferia urbana de Vitória da Conquista, que busca analisar as diversas formas de luta pelo trabalho implementada pela classe trabalhadora conquistense, compreendida como parte de um processo mais geral de crise estrutural do sistema sociometabólico do capital. Nesse sentido a investigação científica teve como objetivo principal compreender a complexidade do mundo trabalho, os limites e a singularidade da precarização do trabalho na periferia Urbana de Vitória da Conquista Bahia. A pesquisa foi desenvolvida na unidade entre teoria e prática, através da apreensão do método do materialismo-histórico-dialético. Nesse sentido, a Ciência Geográfica destacou-se no papel de compreensão das questões da geografia e trabalho, sobretudo, na análise da subsunção dos trabalhadores ao capital nas suas mais variadas funções sociais no campo e na cidade. Palavras-chave: Precarização do Trabalho; Geografia e Trabalho, Periferia Urbana. Introdução A presente pesquisa foi direcionada para os estudos da Geografia e do Trabalho e tem por objetivo principal compreender a luta dos trabalhadores da periferia urbana de Vitória da Conquista-Bahia-, nas suas mais variadas funções sociais no campo ou na cidade, para garantir sua reprodução social.

2 A fim de compreender essa plasticidade do mundo do trabalho na atualidade torna-se de extrema importância a leitura dos clássicos nos grupos de pesquisa, as leituras individuais sobre a precarização do trabalho e, também, garantindo a unidade entre teoria e prática, as atividades de campo, com realização de entrevistas individuais e em grupo, mantendo o contato com a realidade concreta dos trabalhadores da periferia urbana de Vitória da Conquista. Nesse sentido, o materialismo histórico dialético foi o método utilizado para desdobramento da pesquisa, por entendermos que, através desse método, foi possível ler a realidade tal como ela é, isto é, ir para além da aparência e compreender a essência das relações sociais e históricas. Compreende-se que a Ciência Geográfica por meio dos estudos da Geografia e do Trabalho contribui para se pensar as complexidades do mundo do trabalho, e assim analisar a realidade dos trabalhadores da cidade de Vitória da Conquista. Para tanto, entendeu-se a periferia urbana como lócus de reprodução da classe trabalhadora e expressão concreta das contradições do sistema do capital. Evidencia-se que a crise estrutural do capital e a reestruturação produtiva tem rebatimentos nas relações de trabalho, que se tornam mais precarizadas e os trabalhadores cada vez mais mutilados como condição para a extração crescente da mais-valia. Os rebatimentos espaciais desse processo podem ser observados na realidade. Os trabalhadores vivenciam maiores dificuldades para venda de sua força de trabalho e, muitas vezes, dadas condições materiais em que se encontram, sequer conseguem garantir sua reprodução social. Ora são informais, ora formais, ora desempregados. No campo ou na cidade, os trabalhadores travam uma luta diária e buscam desenvolver estratégias para conseguir vender a força de trabalho a fim de garantir a reprodução (ainda que precarizada) da vida. Uma leitura da realidade concreta: Trabalho e trabalho abstrato. Antes de iniciar a discussão sobre a precarização do trabalho em Vitória da Conquista, é essencial conceituar o que se entende por trabalho. O conceito de trabalho adotado é o da teoria marxista que compreende o trabalho como um

3 processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza (MARX, 1988, p. 142). Nesses termos, o trabalho é central na condição ontológica do ser social, pois através do trabalho o homem se relaciona com a natureza e a transforma para seu uso. O trabalho na sua condição ontológica do ser social se estabelece na relação entre sociedade e natureza. Nessa relação o homem através do trabalho modifica a natureza para seu uso, isto é, cria valores de uso (MARX, 1988, p. 142). Como exemplo, podemos citar a criação de um determinado objeto, como uma cadeira de madeira. A cadeira de madeira é produto da realização de trabalho humano. Para se construir uma cadeira, é necessária a relação entre o homem - natureza, transformação da natureza (madeira) e criação de valor de uso. Nesse caso, o valor de uso da cadeira, a princípio, é servir para sentar. O trabalho é ontológico ao ser social, pois, é condição universal de existência da vida social da história humana. Independente do modo de produção vigente seja ele o modo de produção capitalista, o feudalismo, ou qualquer outro modo de produção, o trabalho estará presente como condição de existência da história social do mundo dos homens. O trabalho é o fundamento do ser social porque ao transformar a natureza, cria a base, também material, indispensável ao mundo dos homens (LESSA E TONET, 2011, pág. 26). Nesses termos, a relação metabólica entre o homem e a natureza, por mediação do trabalho, permite ao homem apropria-se da natureza para a produção de valores de uso. Em outras palavras, por mediação do trabalho o homem transforma a natureza para satisfazer necessidades humanas. No modo capitalista de produção os valores de uso são subordinados aos valores de troca, ou seja, a produção insaciável de lucro pelos capitalistas, como condição de existência e reprodução da sociedade capitalista de produção. Por esse motivo, o trabalho como condição ontológica do ser social fica sobredeterminado pelo trabalho abstrato (aquele que produz valor de troca). Podemos assim fazer a distinção entre trabalho (produtor de valor de uso) e trabalho abstrato (produtor de valor de troca) ao afirmar que:

4 O trabalho é o intercambio orgânico com a natureza, categoria fundante do mundo dos homens. O Trabalho abstrato é aquele que produz maisvalia. Como a mais-valia pode ser produzida não apenas no intercâmbio orgânico com a natureza, mas na prestação de uma enorme gama de serviços, o trabalho abstrato é muito mais amplo que o trabalho. O trabalho abstrato inclui toda e qualquer atividade que produza mais-valia seja ela uma posição teleológica primária ou não (LESSA, 2012, 169 e 170). O trabalho abstrato, apesar de sobredeterminar o trabalho é, ao mesmo tempo, dependente da produção do valor de uso. Ora, o trabalho é a condição ontológica do ser social, logo, sem trabalho não existiria sociedade e, também, não existiria o trabalho abstrato. Assim, o trabalho abstrato depende da existência do trabalho. Por isso, o capital para se reproduzir sobredetermina o trabalho às determinações do trabalho abstrato. Nessa necessidade orgânica de reprodução do modo de produção capitalista o trabalho abstrato nas suas mais diversas formas de personificação utiliza mecanismos para extrair mais-valia de várias atividades, até mesmo, atividades que não são trabalho ontológico. Lessa (2012, pág. 167) cita o exemplo do professor da escola particular. O professor, nessa situação, vende sua força de trabalho e o dono da escola lucra com essa troca. Apesar de não haver a transformação da natureza, ou seja, o trabalho na sua condição ontológica da história social dos homens existe a obtenção do lucro pelo capitalista. Portanto, no modo burguês de produção, isto é, na sociedade capitalista de produção, as relações de trabalho são condicionadas à lógica de reprodução do sistema orgânico do capital. Assim, a realização do trabalho na sociedade capitalista se dá de maneira extremante desumana, pois o trabalho não é realizado com sua finalidade última - produzir valores de uso. Pelo contrário, o valor de uso é sobredeterminado pelo valor de troca. Na sociedade capitalista o trabalho não é realizado para satisfazer as necessidades humanas de reprodução, mas, sim, para atender as necessidades capitalistas de reprodução no campo e na cidade.

5 A precarização do trabalho em Vitória da Conquista-BA: a realidade concreta. Dentre os problemas relacionados ao mundo do trabalho na sociedade capitalista é possível destacar: a mobilidade da força de trabalho, a intensificação da relação campo-cidade e a precarização e informalização das relações de trabalho, bem como a constante ameaça do desemprego. Dentre esses problemas a precarização do trabalho foi o objeto/sujeito de análise de maior atenção investigativa na presente pesquisa. Compreender a precarização do trabalho em Vitória da Conquista é, sobretudo, compreender o mundo do trabalho na sua totalidade. Para essa compreensão foi utilizado o método materialismo histórico e dialético. Acreditamos que por meio desse método é possível analisar o movimento histórico, material e contraditório das condições materiais dos trabalhadores contemporâneos. Assim, relacionar a teoria e a prática como uma unidade e a singularidade da luta pelo trabalho em Vitória da Conquista como um processo integrante da totalidade do mundo do trabalho. Nesse sentido, o processo de formação histórica de produção do espaço em Vitória da Conquista deve ser compreendido como uma singularidade integrante a uma totalidade do modo capitalista de produção, pois: Ao tratar, mais especificamente, da realidade do Sudoeste da Bahia, enquanto uma singularidade numa totalidade, que, portanto, não se explica e nem se encerra em si mesma, mais que encontra inserida numa lógica capitalista de produção, pode-se considerar que a expansão dessas relações de assalariamento no campo vem acompanhada da consolidação da propriedade privada sobre as terras, pois, dessa forma, além do controle sobre esse meio de produção e proletarização de parte dos camponeses (SOUZA, 2013, pág. 329) Portanto, a realidade concreta da cidade de Vitória da Conquista-BA deve ser compreendida através do processo histórico de formação da inserção da lógica capitalista de produção no Sudoeste Baiano. Segundo Souza (2008) a década de 1970 é fundamental para a compreensão do processo histórico de consolidação do modo capitalista de produção na Região Sudoeste. Pois, nesse período, iniciam-se os projetos direcionados para afirmação dos latifundiários produtores de café, ao mesmo

6 tempo em que se inicia a instalação do Distrito Industrial dos Imborés e a vinda de grupos capitalistas para a Região Sudoeste. Nesse contexto histórico intensifica-se o processo de proletarização dos camponeses, pois, com a afirmação dos grandes latifúndios produtores de café os camponeses foram condicionados a buscarem no assalariamento a alternativa para garantir a sua reprodução social. O assalariamento em massa de trabalhadores nas Indústrias instaladas no Distrito Industrial dos Imborés, nos setores de comércio e serviços ou nas fazendas produtoras de café, torna-se de fundamental importância para a compreensão da consolidação da lógica capitalista na Região. Assim, a década de 1970, na cidade de Vitória da Conquista, é caracterizada pela afirmação do processo pelo qual a necessidade de reprodução capitalista sobredetermina a necessidade de reprodução humana. Pois, no modo de produção capitalista a riqueza produzida socialmente, através do trabalho, é apropriada individualmente pelos possuidores dos meios e/ou recursos de produção. Nessa reprodução contraditória e desigual do capital, a riqueza é produzida à custa da miséria da classe trabalhadora. Assim, sob a lógica de acumulação capitalista, por meio do lucro, o trabalho torna-se precarizado. O trabalho na perspectiva de atender a lógica do capital, o lucro, passa a ser motor fundamental do sistema capitalista por ser o único capaz de gerar outras mercadorias, é o trabalho que gera mercadoria-valor- - capital. Para poder se reproduzir o capital tem que se apropriar do trabalho para gerar e acumular mais capital, mais para que o trabalho produza mercadoria tem de se alienar (COSTA e CONCEIÇÃO, 2010, p. 02) No modo de produção capitalista existe uma subsunção do trabalho ao capital. O trabalho concreto, produtor de valor de uso sofre sobredeterminações do trabalho abstrato, ou seja, o trabalho alienado, produtor da mais-valia. O capital se apropria do trabalho socialmente produzido na busca incessante pela ampliação do lucro e acumulação de capital. Nesse percurso, a produção do trabalho alienado sob a lógica capitalista de produção concentra a riqueza socialmente produzida nas mãos dos

7 possuidores dos recursos e/ou meios de produção precariza o trabalho e produz miséria. Redesenhando novas e velhas formas de subsunção do trabalho ao capital, é possível analisar, que a lógica de produção torna o trabalho cada vez mais precário para obtenção do lucro e garantia da lógica de acumulação e expansão capitalista (COSTA e CONCEIÇÃO, 2010). A classe trabalhadora de Vitória da Conquista, nas suas mais diversas funções sociais, trabalhadores assalariados, informais, desempregados, trabalhadores rurais e outros, expressa a singularidade do processo de totalidade da lógica do modo de produção capitalista no mundo do trabalho. Com os trabalhos de campo realizados na Cidade de Vitória de Conquista foi possível perceber que os trabalhadores estão ligados às condições comuns de precarização do trabalho. Trabalhadores das mais variadas funções sociais estão sujeitos à lógica de reprodução capitalista. As longas jornadas de trabalho foi um dos pontos identificados na realidade concreta da maioria dos trabalhadores, sejam eles informais ou assalariados. Essa realidade pode ser observada em um depoimento de um trabalhador da feira do CEASA, 47 anos, casado e com três filhos. Segundo seu relato, o mesmo trabalha há mais de 20 anos vendendo lanches na feira. Sua jornada começa cedo, chegando ao trabalho às 7 da manhã, almoça no próprio trabalho e volta para casa por volta das 18 horas, tendo uma média diária de 11 horas de trabalho. Nesse ritmo, atinge uma carga horária de mais de 50 horas semanais. Esse trabalhador informal, assim como outros informais e formais, é um exemplo de muitos outros trabalhadores subordinados pela subsunção do trabalho ao capital. O trabalhador informal é condicionado de tal maneira ao modo de produção capitalista que atinge limites exorbitantes de jornada de trabalho. Na maioria das vezes, o trabalhador informal excede a carga horária convencional de 08 horas diárias de um trabalhador formal e ainda não fica assistido pelos direitos trabalhistas. Caso venha adoecer, por exemplo, ficará impedido de trabalhar e não terá nenhuma assistência durante o tempo em que ficou parado. Segundo Gonçalves e Thomaz Junior (2010) os efeitos do processo de precarização dos trabalhadores informais deve ser compreendido como um processo da

8 crise estrutural do capital. Essa crise reproduz novas configurações no modelo de produção e na reestruturação produtiva do capital. Com o desemprego estrutural e o aumento do número de desempregados, os trabalhadores são condicionados a comercializarem sua própria força de trabalho. Os trabalhadores formais de Vitória da Conquista também são assujeitados ao modo capitalista de produção. Essa realidade foi verificada no depoimento de um dos trabalhadores entrevistados, de aproximadamente 28 anos, que trabalhava em uma empresa de segurança da cidade na função de tesoureiro. Segundo relato desse trabalhador, apesar de possuir carteira assinada ele excedia às 08 horas de trabalho diárias atingindo até mais de 10 horas diárias de trabalho sem remuneração extra. Por não suportar às longas e tortuosas jornadas de trabalho, foi condicionado a pedir demissão do emprego. Na condição de desempregado o trabalhor afirmar que ficar desempregado, é meio entediante, sem contar que eu não gosto de ficar sendo sustentado pelos pais. Atualmente, esse trabalhador é funcionário contrato em uma universidade no setor de informática conhecido como Central de Processamento de Dados (CPD). A realidade concreta que os trabalhadores vivem está permeada com uma constante mobilidade da sua força de trabalho. Sejam eles camponeses ou já proletarizados, expressam as formas de intervenção do capital sobre o trabalho e as degradações dessas condições, apresentadas aqueles que precisam vender sua força de trabalho como condição única de sobrevivência. A baixa qualificação acaba por intensificar a exploração da força de trabalho e, ao mesmo tempo, a extração da maisvalia para os proprietários dos meios de produção. Nesses termos, o capital na tentativa de garantir sua lógica de reprodução sociometabólica, acumulativa e expansiva, explora cada vez mais dos trabalhadores de Vitória da Conquista, para conseguir extrair mais lucro. Assim, a singularidade dos trabalhadores de Vitória da Conquista-Bahia, inseridos na lógica totalizadora do capital, é caracterizada pelas sobredeterminações da subsunção do trabalho ao capital. Nessa corrida desenfreada do capital para obtenção e ampliação dos lucros, o modo de produção capitalista condiciona os trabalhadores da cidade às mais perversas formas de precarização do trabalho. Sejam eles trabalhadores formais, informais,

9 desempregados, do campo ou da cidade, o sistema orgânico do capital, presente na realidade concreta dos trabalhadores de Vitória da Conquista, sobredetermina o trabalho ao capital, precarizando-o através da ampliação da jornada de trabalho, condicionado o trabalhador a multifuncionalidade de exercer várias funções no mesmo trabalho, ou mesmo fazendo com que um mesmo trabalhador exerça atividades formais e informais para poder sobreviver, executando uma dupla ou tripla jornada de trabalho, mutilando-se cada vez mais. A presente pesquisa constatou ainda a realidade concreta de trabalhadores que já não conseguem vender a sua força de trabalho através do vínculo formal, vivendo de bicos, pequenos serviços, passando parte do ano sob a dura condição de trabalhador desempregado. Por isso, é que mesmo considerando a condição de precarização das relações de trabalho apresentada aos trabalhadores entrevistados de Vitória da Conquista, sejam esses formais ou informais, esses, no geral, ainda se apresentam com uma condição diferenciada se comparada àqueles que já não conseguem se inserir no mundo do trabalho, conforme demonstrado em entrevistas, sobretudo com trabalhadores com idade acima dos 40 anos, pois esses declaram que não arranjam mais trabalho. Ou seja, no meio de uma gama enorme de trabalhadores jovens que compõem o exército de reserva, os mais velhos passam a ser considerados, na maioria das vezes, como supérfluos. Muitos desses trabalhadores, conforme constatado em campo, são condicionados a buscarem formas de reprodução da vida através das atividades informais: vendedores ambulantes, camelôs, feirantes, carregadores de feira, dentre outras funções laborativas, ou mesmo se juntam as trincheiras da luta pela terra, por meio do qual buscam, muitas vezes, formas de retornarem ao campo, onde já viveram outrora como pequenos agricultores ou como trabalhadores assalariados. Essa realidade intensifica a compreensão da relação campo cidade, tomando como foco central a luta pelo trabalho. Assim, o espaço geográfico (das cidades e do campo) é compreendido como expressão concreta da sociedade contraditória e desigual do capital e a leitura sobre o trabalho permite um olhar mais crítico e mais real sobre este mesmo espaço. Por isso, compreende-se que os trabalhadores de Vitória da Conquista, são subordinados pela lógica da acumulação e ampliação do capital, e o

10 espaço da periferia urbana é a expressão e, ao mesmo tempo, a condição indispensável para esse processo. Considerações finais Os resultados de nossa pesquisa contribuiu para compreender a precarização do trabalho nas mais diversas funções sociais na cidade de Vitória da Conquista possibilitou pensar a subsunção do trabalho ao capital e às formas perversas de reprodução do sistema. A classe trabalhadora da cidade é apenas um processo particular existente na complexidade dinâmica, contraditória e material do mundo do trabalho em sua totalidade. A precarização do trabalho presente na realidade concreta dos trabalhadores de Vitória da Conquista permitiu compreender o processo de sobreterminação do trabalho como produtor de valor de uso à lógica de produção de valor de troca, tornando-o alienado. A alienação do trabalho é um processo da lógica do capital. Essa lógica é reproduzida no cotidiano dos trabalhadores da periferia urbana de Vitória da Conquista que são condicionadas às mais perversas formas de sujeição ao capital para garantir a reprodução da vida. Nesse processo, vendem, quando lhes é possível, a força de trabalho no comércio, nas indústrias, no campo, nas mais diferentes atividades. Os trabalhadores que não conseguem vender sua força de trabalhado são condicionados ao desemprego estrutural. Muitos deles irão buscar na informalidade, ou seja, comercializando a própria força de trabalho como condição de reprodução da vida. Portanto, o estudo da Geografia e do Trabalho, possibilitou a reflexão sobre o capital e sua lógica acumulativa e desigual que condiciona os trabalhadores às mais perversas formas de precarização do trabalho sob o lócus da ampliação do lucro em detrimento da apropriação da riqueza socialmente produzida.

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