Anais da 64ª Reunião Anual da SBPC São Luís, MA Julho/2012 A CONSTRUÇÃO DO SUS E OS PROCESSOS DE PRIVATIZAÇÃO



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Transcrição:

Anais da 64ª Reunião Anual da SBPC São Luís, MA Julho/2012 A CONSTRUÇÃO DO SUS E OS PROCESSOS DE PRIVATIZAÇÃO Maria Valéria Costa Correia 1 Em plena ditadura militar, contexto em que o capital financeiro, sob condições monopolísticas, passou a determinar as ações do Estado brasileiro, situa-se o alinhamento da saúde aos interesses do capital por dentro do setor previdenciário, através da implementação de um complexo médico-industrial, que beneficiou empresas internacionais de produção de medicamentos e de equipamentos médicos; e através da compra de serviços médicos privados, a qual proporcionou o crescimento das empresas médicas lucrativas (Bravo, 2011). O questionamento deste alinhamento foi o que unificou os movimentos sociais no Movimento da Reforma Sanitária 2 em torno da defesa da saúde pública e contra a privatização. O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de lutas de setores progressistas organizados na sociedade civil que se congregaram no Movimento de Reforma Sanitária, travando uma batalha contra o modelo médicoassistencial privatista centrado no atendimento individual e curativo do sistema previdenciário, nos anos de 1970 e 1980. Constata-se que, mesmo com os avanços que a implementação do SUS trouxe para a saúde da população brasileira, muitos problemas persistem em termos de falta de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis da assistência e relacionados à baixa qualidade dos serviços prestados, devido ao sucateamento da rede pública com falta de pessoal, infra-estrutura e insumos necessários para os procedimentos mais elementares. Paralela a esta realidade observa-se que houve um crescimento no número de usuários de planos de saúde de 34,5 milhões para 44,7 milhões em seis anos (2000 a 2006). Na 1ª década do século XXI, houve um crescimento de 81,03% dos estabelecimentos privados de saúde, de 43,58% dos planos de terceiros e 48,64% do pagamento particular (Carvalho, Santos e Campos, 2012).O Brasil é o 2º mercado mundial de seguros privados perdendo apenas para os Estados Unidos da América(Siliansky, 2012). Na atualidade, o que continua em jogo é a histórica disputa na saúde: a defesa do seu caráter público e a sua utilização como mercadoria, como fonte de lucro. O SUS tem sido sabotado continuamente, desde a sua criação, pelos interesses do capital que se materializam nos grupos 1 Assistente Social. Pós-Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Professora da Graduação e da Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Políticas Públicas, Controle Social e Movimentos Sociais/UFAL. 2 O Movimento da Reforma Sanitária congregou, na segunda metade da década de 1970 e na década de 1980, movimentos sociais, intelectuais e partidos de esquerda na luta contra a ditadura, com vistas à mudança do modelo médico-assistencial privatista para um Sistema Nacional de Saúde universal, público, participativo, descentralizado e de qualidade. 1

privados de saúde e no complexo médico-hospitalar (indústria de medicamentos e equipamentos biomédicos). Vários autores vêm identificando os projetos em disputa para dar o tom da política nacional de saúde. Bravo & Matos (2002) apontam dois projetos para a saúde: o Projeto Privatista articulado ao mercado ou de reatualização do modelo médico assistencial privatista que está pautado na política de ajuste neoliberal que tem como principais tendências: a contenção dos gastos com a racionalização da oferta, a descentralização com isenção da responsabilidade do poder central e a focalização (idem, ibidem, p.200), e o Projeto de Reforma Sanitária que tem como uma de suas estratégias o SUS e, como premissa, a saúde como direito de todos e dever do Estado. O acesso universal à saúde foi garantido legalmente em um contexto de rebatimentos da crise econômica mundial no Brasil, nos anos 90, a qual impôs programas de estabilização econômica e ajuste estrutural e a consequente reforma do Estado brasileiro, promovendo flexibilização das relações de trabalho e a diminuição dos direitos sociais e trabalhistas, historicamente conquistados. Reforma que tem sido considerada, por alguns autores, como uma contrarreforma, pelo sentido regressivo do ponto de vista da classe trabalhadora. O eixo da contrarreforma, em consonância com as recomendações do Banco Mundial, é a necessidade de limitação das funções do Estado - que não deve mais responsabilizar-se pela execução direta das políticas sociais, mas, apenas, coordená-las e financiá-las - e o fortalecimento do setor privado na oferta de serviços de saúde. O setor privado da saúde tem se expandido no livre mercado e por dentro do SUS. A expansão do setor privado por dentro do SUS é o que denominamos de privatização. Ela vem se dando através da compra de serviços privados de saúde complementares aos serviços públicos por meio das contratualizações de serviços da rede filantrópica/privada e, mais recentemente, através do repasse da gestão do SUS para entidades privadas, com a implantação de novos modelos de gestão. Ressalta-se que a brecha constitucional que estabelece a complementariedade do setor privado ao setor público mediante contrato de direito público ou convênio (Artigo nº 199, 1º da CF/1988), quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área (arts. 24 a 26 da Lei n.º 8080/1990), permitiu a ampliação dos serviços privados de saúde por dentro do SUS, principalmente nas áreas mais lucrativas - média e alta complexidade -, distorcendo esta complementaridade na prática. A complementariedade está invertida, pois do total de internações realizadas no setor privado, entre 2001 e 2008, 74,5% foi custeada pelo SUS e do total de leitos privados disponíveis, 78,66% foram utilizados pelo SUS, neste período (IBGE, 2002, 2009). A outra forma de repasse de recursos públicos da saúde para o setor privado tem se dado através dos denominados novos modelos de gestão : Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), e Fundações Estatais de Direito Privado 2

(FEDPs) e, mais recentemente, através da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) (Correia, 2011). Trata-se da privatização do que é público, na medida em que o Estadoabdica de ser o executor dos serviços públicos, através da abertura à iniciativa privada como fornecedora destes serviços, mediante repasse de recursos, de equipamento e instalações públicas e de pessoal para entidades privadas. Esta forma de privatização tem sido considerada ilegal à medida que se admite a substituição da prestação de serviços públicos por serviços privados e não apenas a sua complementariedade. Trata-se da tendência em curso do fundo público ser colocado a serviço do financiamento da reprodução do capital. Não satisfeito apenas com o livre mercado da saúde, o setor privado busca, por dentro do Estado, se apropriar dos recursos disponibilizados à política pública da saúde. Destaca-se que os problemas enfrentados pelo SUS hoje não estão centrados no seu modelo de gestão, pelo contrário, a não viabilização dos meios materiais necessários à efetivação do modelo de gestão já assegurado na sua legislação - descentralizado, com uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços; com acesso universal e com integralidade da atenção à saúde; com financiamento tripartite; e com controle social - é que se constitui o problema a ser enfrentado. A Insuficiência de financiamento e precarização do trabalho em saúde são também problemas a serem enfrentados. Os denominados novos modelos de gestão têm sido apresentados como a resolução dos problemas do SUS. Restringe-se tudo à má gestão pública, apresentando-se como saída a sua terceirização, que em nome de uma suposta modernização, autonomia e flexibilização traria uma maior eficiência aos serviços de saúde prestados. O modelo que mais tem sido implementado na área de saúde, nos estados e municípios, é o das Organizações Sociais, devido à sua total imunidade aos controles próprios do regular funcionamento da coisa pública e ao Controle Social. A dispensa de licitação garantida às OSs para compra de material e cessão de prédios tem aberto precedentes para o desvio do erário público.em praticamente todos estados e municípios em que as OSs estão gerindo a Saúde têm irregularidades investigadas pelos Ministérios Públicos Estaduais e ou Federal, tais como os exemplos descritos a seguir. A Secretaria Municipal de Salvador e a Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB) estão sob investigação pela denúncia feita pelos Ministérios Públicos, Estadual (MPE-BA) e Federal (MPF-BA), em 2009, com relação aos vícios encontrados na execução de um contrato firmado pela SMS e RSEB para terceirização dos Programas Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), com prejuízo estimado em R$ 40 milhões 3.Em São Paulo, Organização Social Amplus deixou de operar serviços de raios-x e ultrassonografia em 58 unidades do estado de São Paulo sem ao menos ter instalado os equipamentos exigidos no 3 Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público da Bahia/ASCOM/MP, 08/01/2010. Disponível em: http://www.mp.ba.gov.br/visualizar.asp?cont=2035 3

contrato de R$ 108 milhões feito com a prefeitura. Essa OS é acusada de fraudes trabalhistas e sonegação de ao menos R$ 1,2 milhões, na qual a Secretaria Municipal de Saúde é considerada corresponsável. O progressivo aumento de repasse de recursos públicos para as OSs demonstra que o argumento de que a privatização traz o enxugamento de gastos públicos é um engodo. Com a adoção das OSs em São Paulo, a contrapartida de recursos públicos tem aumentado. Entre 2006 e 2009, os gastos com OSs aumentaram em 114%. No mesmo período o orçamento do estado cresceu 47%, ou seja, as despesas do estado de São Paulo com a terceirização da saúde cresceram mais que o dobro do aumento do orçamento público. 4 Os resultados de um recente estudo comparativo entre gerenciamento da administração direta e das organizações sociais da saúde de hospitais estaduais paulistas, realizado pelo TCE de São Paulo, também demonstram que os hospitais geridos por OSs, computados os gastos tributários, apresentam um prejuízo econômico maior que os geridos pela administração direta. A administração direta ainda é a melhor forma de gestão da saúde pública. Alguns ajustes precisam ser feitos, tais como: o investimento para a formação/profissionalização do gestor, que deve ser servidor público concursado; viabilizar a garantia da transparência da gestão e do controle social dos gastos; a eliminação do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal para despesa com pessoal na saúde; Implementação de uma política de valorização do trabalhador da saúde que considere a admissão dos trabalhadores por concurso público, a isonomia salarial, a estabilidade do trabalho, os Planos de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a qualificação profissional, entre outros. A questão principal é a defesa intransigente do caráter público estatal da saúde, com investimento público na ampliação da rede pública de serviços. O caminho estratégico é conduzir uma ruptura com as bases privadas do setor público de saúde, pressupostos que se opõem à redução da atuação do Estado e à regulação da saúde pelo mercado. É necessário resistir e inibir os interesses do capital no bojo do SUS, interesses que o sabotam e o desmontam, muitas vezes, falsamente, em nome da sua defesa. Barrar a implantação dos novos modelos de gestão é um caminho estratégico para evitar a destruição do SUS, patrimônio do povo brasileiro.enfim, deve-se defender a efetivação do SUS como parte de um projeto de sociedade em que todos tenham igualmente condições de vida digna, dentro do entendimento do conceito amplo de saúde. Referências 4 Vi o Mundo, 21/06/2011. Disponível em: http://www.viomundo.com.br/denuncias/hospitais-publicos-de-spgerenciados-por-oss-a-maioria-novermelho.html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=facebook 4

ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky de. O público e o privado na atenção à Saúde: notas para uma caracterização de trajetórias e desafios no Brasil. IN: BRAVO, Maria Inês Souza &MENEZES, Juliana Souza Bravo de (Orgs.) Saúde, Serviço Social, Movimentos Sociais e Conselhos: desafios atuais. São Paulo: Cortez, 2012. BRASIL. Senado Federal. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. BRASIL. Lei n o 8.080 de 19 de setembro de 1990. BRAVO, Maria Inês Souza & MATOS, Maurílio Castro de. A Saúde no Brasil: Reforma Sanitária e Ofensiva Neoliberal. In: BRAVO, Maria Inês Souza; PotyaraAmazoneida Pereira (Org.). Política social e democracia. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro: UERJ, 2002. BRAVO, Maria Inês Souza. Serviço Social e reforma sanitária: lutas sociais e práticas profissionais. 4. ed. Cortez. São Paulo. 2011. CARVALHO, Manoela de. SANTOS, Nelson Rodrigues dos. & CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. As instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde... ou será o contrário? In: Saúde em Debate. Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde v. 36, n.92. Rio de Janeiro jan./mar 2012. CORREIA, Maria Valéria Costa. Por que ser contra aos novos modelos de gestão do SUS?Saúde na atualidade: por um sistema único de saúde estatal universal, gratuito e de qualidade. Organizadoras, Maria Inês Souza Bravo, Juliana Souza Bravo de Menezes. 1ª Ed, p. 43-49 Rio de Janeiro: UERJ. Rede Sirius, 2011. 5