Reconhecimento e racismo no Grande ABC 1



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Transcrição:

Grupo de trabalho Cidadania e Reconhecimento Racismo e Reconhecimento no Grande ABC: Autor: Fernando Luiz Monteiro de Souza Resumo: Reconhecimento e racismo no Grande ABC Este artigo trata do enquadramento do tema do reconhecimento e do racismo na região do Grande ABC paulista. Especificamente, dirige sua atenção à cobertura da imprensa sobre a investigação da política racial implementada pelo poder público e a sua incorporação na gestão corporativa das empresas. O desenvolvimento percorre a análise da bibliografia brasileira sobre diversidade e ação afirmativa, juntamente com o levantamento da produção jornalística dos veículos DGABC e Diário Regional, estabelecendo um quadro das disputas sobre a interpretação do fenômeno do racismo. A partir dos jornais analisa-se como o contraste entre às lógicas: da gestão da diversidade, a ação afirmativa e o ativismo racista tornaram-se fato de relevância social e interpretação jornalística, demarcando o debate sobre a igualdade racial na região do grande ABC. Reconhecimento e racismo no Grande ABC 1 Desigualdade, Racismo e Reconhecimento A desigualdade social no período pós fordismo parece não mais se restringir a uma condição exclusiva de classe social nos moldes da sociedade industrial, isto porque, registram-se também distinções que levam em conta as diferenças entre os indivíduos recriando, muitas vezes, formas de trabalho servil semelhantes à escravidão baseada em discriminações étnicas e raciais. (VASAPOLLO, 2000). Neste quadro os embates sociais não se limitariam mais às transformações no mundo do trabalho e aos impasses da política neoliberal, distanciando-se de uma consciência política e de identidade classe, agora, a luta reivindicativa deslocaria sua representação social para 1 Este artigo é em parte derivado dos meus estudos sobre racismo no PPGS/FFLCH/USP e da pesquisa que desenvolvi em 2008 na USCS (Universidade Municipal de São Caetano) sobre diversidade e solidariedade nos veículos de comunicação de massa no ABC Paulista.

2 a luta pelo reconhecimento das diferenças e o enfretamento da desigualdade (CANCLINI, 1999), (HALL, 2005) e (ORTIZ, 2008) Neste início de século no Brasil a luta de setores da sociedade civil brasileira contra a desigualdade passou também a expressar a adoção de uma política de reconhecimento, particularmente, na ação afirmativa e na promoção da diversidade racial, como forma de enfrentamento do racismo. Baseada numa crença social da idéia de raça, a luta pelo reconhecimento e contra o racismo configurou-se em um importante signo da mobilização dos movimentos sociais, organizações privadas e o poder público, sobretudo em relação ao fenômeno das desigualdades. (ANTUNES, 2000) e (COSTA, 2006). Para entendimento da luta contra o racismo, parte-se da definição que a prática do racismo pode ser concebida como opressão, exclusão ou mesmo eliminação de indivíduos e coletividades. O racismo se articulando em um sistema de reprodução da desigualdade material e simbólica conformado em estigmas de raça, cor, etnia e classe. O resultado é de um campo político que consubstancia diferentes práticas de discriminação pela sobreposição e hierarquização das diferenças. Por isso, não é estranho que parte dos discriminados por suas particularidades termine por operar algum tipo de discriminação dentro do sistema de estigmatização sobre aqueles tidos com menor valor social. (GUIMARÃES, 2003) O tema da raça como percepção das diferenças e mobilização não é algo novo ao processo de formação histórica da sociedade brasileira, sua presença no percurso dos séculos XIX e XX, pode ser verificada pela atuação de intelectuais, abolicionistas, políticos, religiosos e cientistas. Todos que se debruçaram sobre o caráter de formação racial da sociedade brasileira, refletiram sobre os efeitos da presença dos negros e indígenas na constituição da nação, além dos debates, mobilizaram o repertório político do período na aplicação de políticas raciais de branqueamento da população, de miscigenação racial e, ou, de segregação racial. De outro lado, vários ativistas de movimentos sociais ao longo da trajetória histórica do Brasil questionaram a escravidão e a ênfase na miscigenação, ilustrada, principalmente, pela noção de democracia racial, denunciando a desigualdade social instituída a partir da idéia de raça sobre a população negra. Pode-se definir de forma

3 breve que do século XVIII ao XIX o ativismo abolicionista esteve orientado a livrar os negros da escravidão, no século XX sua atuação foi direcionada ao enfretamento da desigualdade e do racismo, como exemplo a organização da Frente Negra Brasileira (FBN) nos anos 1920 e 30, nos anos 40 o Teatro Experimental do Negro (TEN), nos anos 50 e 60 a imprensa negra com o jornal Quilombo, nos de 1970 a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), somando-se, ainda, uma variada gama de organizações religiosas e culturais de matriz afro-brasileira (RISÉRIO, 2007) Assim sendo, grande parte do repertório do ativismo negro brasileiro contemporâneo e das práticas contra o preconceito e as discriminações têm como referências históricas e teóricas além da experiência nacional, a influência da política de reconhecimento. Esta política traduzida na luta por direitos civis nos Estados Unidos e no ativismo de seus diversos grupos durante os anos 1960 e 70, deu visibilidade a uma série de reivindicações com base no conceito de Justiça Distributiva, estimulando a ação política para um tratamento igualitário por parte das políticas públicas e da legislação vigente. (FLEURY, 2000) e (HANCHARD, 2002). Reconhecimento: entre o mérito e a reparação No campo teórico a influências da luta pelo reconhecimento como conquista do direito à diferença se relaciona ao entendimento da democracia liberal, enquanto uma invenção moderna que tem seu registro histórico no continente americano a partir do processo de independência iniciado em 1776, e da criação de sua nova constituição em 1787. Na Europa, outro acontecimento significativo para o ideário liberal foi o processo de supressão do antigo regime absolutista, como na Inglaterra com Revolução Gloriosa em 1688 que instituiu a monarquia parlamentar e na França a Revolução de 1789 que instaurou a ordem republicana. Na experiência francesa de acordo com GAUCHET (1989), a preservação da igualdade estaria no sentido da fraternidade e caberia à República o dever de dar assistência, como forma de assegurar e reparar a condição do cidadão mais necessitado, sua intenção era de se constituir um direito coletivo, no caso o direito social que teria por finalidade corrigir as desigualdades entre os homens. (EWALD, 1996).

4 Conforme FURET (1998), no caso norte americano, a transposição dos ideais liberais correspondeu, nas observações Alexis Tocqueville a uma espécie de estado social no qual o princípio da igualdade seria o elemento constitutivo da ordem social democrática; pois, embora, materialmente os homens não fossem iguais, a percepção igualitária da relação social modificou a natureza e herança das relações hierarquizadas, definidas a partir da diferença e manifestadas como desigualdade. Estes ideais do liberalismo permitiram aos homens a construção de um imaginário de uma sociedade livre de tal forma que aos indivíduos fosse possível expressar e exercer a sua vontade a partir da igualdade de condições, buscando suplantar os parâmetros de uma sociedade fortemente hierarquizada e desigual. Especificamente, a influência do direito consuetudinário inglês, sobretudo, o conceito de equidade equity define a aplicação da justiça de acordo com uma situação particular, contrastando ao uso de normas estritamente legais e abstratas que tivessem conseqüências cruéis. Isto é que levou a formação de uma primeira referência à idéia de ação afirmativa, corroborando para o debate sobre as diferenças nos Estados Unidos. (GUIMARÃES, 1999) No século XX, a transposição do ideário liberal influenciou parte das lutas reivindicativas do ativismo social nos anos 60, e ficou marcada na sociedade norte americana por reivindicações de reconhecimento. Nesta nova perspectiva política as demandas se articularam a percepção sobre a identidade pessoal e o seu reconhecimento passou a ser um importante critério normativo de justiça em uma sociedade. (NEVES, 2004) (GRIN, 2006). Do ponto de vista teórico, no percurso dos anos 70 e 80, a temática do reconhecimento esteve relacionada às teorias da justiça distributiva, principalmente, nos trabalhos de RAWLS (2000) que influenciou vários autores, gerando um amplo quadro de debates sobre os critérios efetivos para se considerar uma sociedade como justa. De acordo com NEVES (2004) este embate teórico sobre o reconhecimento pode ser posicionado a partir de dois segmentos: os autores liberais que baseados em princípios individualistas imputaram à noção de justiça distributiva a determinação do grau de justiça de uma sociedade, e os comunitarista que defenderam na análise dos

5 critérios de justiça a necessidade de se levar em conta o caráter social da identidade humana, observando os fatores morais e simbólicos na definição de justiça. Na perspectiva comunitarista outros autores apontaram como o eixo analítico a simultaneidade entre o cultural e econômico, destacando que o respeito e a dignidade se colocariam acima da questão igualitária dos bens. Assim, a luta por justiça distributiva também corresponderia a um princípio ético de reconhecimento das diferenças. De fato as narrativas da experiência liberal americana têm inspirado até o início do século XXI, sobre o paradigma do multiculturalismo as concepções da política de reconhecimento no Brasil, especificamente, de movimentos sociais que passaram a se articular em torno de uma política racialista que tem por objetivo desracializar à estrutura social em termos do acesso aos direitos e oportunidades (SILVÉRIO, 2003). Estas ações procuram alterar o quadro da cultura política dominante no país, com a criação e a mediação das diferenças num espaço de representação comum entre os indivíduos, assegurando o sentido de justiça para todos. (DAGNINO, 2000), (GRIN, 2004), (PAOLI & TELLES, 2000). Este processo gerou a percepção de que a igualdade não poderia mais ser pensada, exclusivamente, como a conquista de bens materiais e equipamentos de uso coletivo, mas também, seria direcionada ao respeito das garantias individuais, alterando a dimensão da política cultural em relação ao racismo. A mudança da cultura política da sociedade civil brasileira pode ser entendida como a ampliação de um espectro de ação a partir da inclusão da luta pelo direito à diferença, especialmente o debate sobre o racismo.(alvarez, 2000) A complexidade desta mudança e por vezes suas ambigüidades podem ser percebidas quando se considera que a formulação da diferença seria decorrente do pensamento de ultra direita desenvolvido na Europa Ocidental desde o século XVIII, e nas primeiras décadas do XIX a partir de uma vertente política conservadora. Seria, no caso, uma reação contra os ideais republicanos de igualdade, fraternidade e liberdade expressos pelo imaginário liberal das revoluções burguesas e das revoltas populares. (PIERUCCI, 1990). Para pensamento conservador, as diferenças explicariam e fundamentariam do ponto de vista das evidências sociológicas o fato das desigualdades

6 serem naturalmente constitutivas das relações sociais entre os indivíduos. (PIERUCCI, 1990). As dificuldades de se distinguir a diferença cultural da desigualdade social marcou a luta pelo direito à diferença, especificamente no uso discursivo da noção de pluralismo cultural que deu ênfase a preservação das particularidades culturais e a impossibilidade de reduzir a sua diversidade. Nesta tônica há certa desvinculação da realidade material dos indivíduos, com uma maior ênfase na identidade cultural, tornando o racismo apenas um problema de expressão das liberdades individuais e não da desigualdade social. GRIN (2004) destaca, também, as complicações na transposição do referencial multiculturalista norte americano para o Brasil, do embate gerado entre o universalismo e o relativismo, as diferentes concepções, até a corrente de intelectuais e ativistas sociais que vê na racialização da política a ampliação as tensões raciais e sociais no país. Estas experiências demonstram que na democracia brasileira é perceptível quanto o fortalecimento das instituições democráticas e os valores de igualdade e liberdade não dependem exclusivamente de uma política pública, mas, também, da incorporação pela sociedade civil, de um universo de representações e práticas democráticas que permitam a manifestação, o diálogo e a dignidade dos indivíduos. (SCHARTZMAN, 2009) Na ótica do debate democrático PAOLI & TELLES (2004) afirmam que a luta pelos direitos tem o sentido de constituir um novo horizonte para a convivência pública, instaurando novos princípios de uma sociabilidade democrática entre os indivíduos. Porque em uma sociedade marcada por estado social hierarquizado que estrutura as diferenças, dando base à desigualdade, resta aos indivíduos a condição de que para lutar pela efetividade dos direitos sociais devem lutar, também, pelo reconhecimento de um tratamento equânime, assegurando desta forma que as diferenças não sejam transformadas em desigualdades. (DA MATTA, 1985) Nos anos 80, influenciados por este ideário segmentos do empresariado norteamericano desenvolveram mudanças na cultura organizacional representadas pela noção de Responsabilidade Social e da Diversidade, esta concepção definiu para o ativismo empresarial um papel para além da visão liberal clássica, restrita a obtenção

7 de lucro. O discurso do setor empresarial apontou para uma nova perspectiva ética de solidariedade e co-responsabilidade com as desigualdades e injustiças existentes na sociedade. (ALMEIDA, 2007), (ALVES, 2004), (BULGARELLI, 2002). A ressignificação do tema da diversidade no âmbito da cultura organizacional brasileira ocorreu nos anos 90, através várias empresas subsidiárias de companhias norte americanas e européias que por orientação da matriz adotaram programas de diversidade para enfrentamento do preconceito. Paralelamente, o caráter transnacional dos ativistas dos movimentos anti racismo, como o movimento negro e, articulação de outros movimentos étnico-raciais em fóruns políticos e novas bases comunicacionais permitiram que o direito à diferença ganhasse visibilidade pública, principalmente, a partir do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso com a participação do país na conferência de Durban na África, onde foram assinados uma série de acordos para adoção de políticas antiracistas.(heringer, 2002) e (IPEA, 2004) Já no início do século XXI, no primeiro governo Lula em 2003, ocorreu à criação da SEPPIR, uma secretaria com status de ministério que passou a desenvolver uma política racialista como forma de enfrentamento do racismo. Várias ações no percurso do primeiro e segundo mandato permitiram a expansão da política de reconhecimento para os estados e municípios. Em paralelo, no circuito empresarial companhias nacionais passaram a relacionar sua marca a diferentes práticas de responsabilidade social, com os temas da diversidade, inclusão e sustentabilidade, em fortes estratégias de marketing social. (MYERS, 2003) Os fatos gerados por esta dinâmica foram alvo da cobertura da imprensa sobre a questão da diferença e da responsabilidade social articuladas ao universo corporativo das empresas na noção de gestão da diversidade. A transformação da política de reconhecimento como pauta para a grande mídia pareceu derivar não apenas do ativismo civil contra o racismo, mas também, da configuração de uma política pública que estrategicamente soube mobilizar os atores sociais e um discurso racialista, despertando o interesse sobre a implementação da política de reconhecimento, especificamente, na ação afirmativa. Ainda que tradução do conceito de ação afirmativa conte com uma definição elástica no seu uso, o foco estaria reparação à discriminação social, étnica e racial

8 sofrida por amplos setores sociais, o que estenderia o reconhecimento das diferenças a um entendimento sobre o contexto social de forma mais ampla. Por sua vez, outra iniciativa, nomeada de gestão ou promoção da diversidade propagou na diferença do desempenho individual e reconhecimento do mérito, a forma de superação do preconceito e a possibilidade de alavancar o capital humano, enfatizando que a criatividade e produtividade individual trariam benefícios para empresa e por extensão a toda sociedade. (BARBOSA, 2003), (ALMEIDA, 2007), (SAJI, 2005) e (HERINGER, 2002). Sobre o mesmo campo de enfrentamento do racismo, duas lógicas distintas podem ser observadas: uma da ação afirmativa que destaca a noção de reparação a um grupo étnico-racial que esta em situação desfavorável no acesso desigual aos direitos e as oportunidades; outra articulada a idéia da diversidade que deu maior importância a um pluralismo de distinções e vê na ênfase do mérito individual o fator da mobilidade social e de diluição da desigualdade. O contraste descrito entre as lógicas é um dos principais pontos de referência que permite o enquadramento das representações sociais sobre a construção da igualdade, principalmente quando se observa uma série de indicadores sociais que levam em consideração o atributo raça, apontando a condição de desigualdade a que estão submetidos os negros no país e, especialmente, na região do Grande ABC. Raça e desigualdade no Grande ABC O INSPIR e DIEESE (1999), 2 nos anos 90, constataram as seguintes condições de emprego e desemprego em algumas regiões metropolitanas do país (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo): na região metropolitana de São Paulo a população negra representa 33% (5.626.000) de um total 17, 039 milhões de habitantes residentes na região metropolitana, sendo definida como uma minoria relativa. De acordo com a pesquisa, em São Paulo também se encontra o maior contingente da força de trabalho negra efetiva (economicamente ativa, que está 2...ao agregar pretos e pardos como negros, o DIEESE segue não apenas um procedimento já utilizado em estudos a anteriores como o PED, como também acredita esta reproduzindo com fidelidade a agregação feita pelas lideranças dos movimentos negros(...) trata-se de um reagrupamento estatístico de pessoas com características físicas semelhantes, ainda que sua identificação ou representação sobre a sua própria cor possa ser diferente da classificação que lhes foi atribuída (INSPIR:1999;13).

9 trabalhando ou procurando por um posto de trabalho). De um total de 8.710.000 de PEA (População Economicamente Ativa), 2.855.000 são de negros e 5.854.000 não negros. No que tange a quadro sobre o desemprego na região metropolitana de São Paulo, observa-se que no ano de 1998 o patamar do desemprego chegou a 18,3% isto considerando a PEA total, alcançando 22% no caso da PEA de raça negra e 16,1% dos não negros. (INSPIR, 1999) Um relatório organizado pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pelo PNUD sobre jornada de trabalho e raça no Brasil de 1992 a 2006, descreve o fato de mais negros estarem trabalhando sem cobertura da previdência social, sinalizando sua exclusão do mercado formal de trabalho. (PNUD, 2008) As informações permitem a identificação do problema de que mesmo ao levar em consideração o registro dos índices de variação do emprego e desemprego os fatores discriminatórios existentes tornam os indivíduos portadores dos atributos da raça negra, mais suscetíveis ao desemprego e a condição do trabalho precário do que os não negros. Esta condição suscetível ao desemprego encontrada na população negra se relaciona também a níveis de escolaridade inferiores aos registrados na população não branca. O que corresponde a uma maior inserção nas ocupações com mais baixa qualificação, uma vez que não podem atender às exigências e requisitos de escolaridade e méritos solicitados, constituindo um processo contínuo que alimenta a exclusão social. A desigualdade do cenário descrito anteriormente não correspondeu até 2008 nos órgãos do estado de São Paulo em uma diretriz política racialista que trate da relação desemprego e população negra, como algo diferenciado. O que se tem são programas e ações desenvolvidas direcionadas ao trato das vítimas da discriminação, ou seja, as garantias individuais e civis - via o conselho estadual de participação e desenvolvimento da comunidade negra (que orienta e encaminha denúncias e presta apoio jurídico) - e a delegacia de crimes raciais (que recebe denúncias e presta assistência jurídica). (GESP, 2006)

10 Na municipalidade, dentre o conjunto dos 38 municípios que compõem a região metropolitana de São Paulo, as setes cidades do grande ABC (Santo André, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) se destacam por apresentar dois municípios com uma população negra acima da média estadual que é de 27%, respectivamente: Diadema com 41%, Rio Grande da Serra 42% de acordo com os dados do Censo do IBGE de 2000. Numa análise temporal dos censos de 1991 e 2000, observa-se que no estado de São Paulo, o município de Santo André apresenta um acréscimo de 2% de negros na população, divergindo da média nacional que é da redução de dois pontos percentuais. Este percentual ilustra, mas não explica, o crescimento de uma população que se auto declara negra, reconhecendo uma identidade afrodescendente. Santo André, conforme os dados da prefeitura do município, tem um porte médio e conta cerca de 650 mil habitantes, sendo 51% de mulheres e 49% de homens. (PMSA, 2000). Parte do seu desenvolvimento, como de outras cidades que compõem o grande ABC, tem relação com a implantação de indústria do setor automobilístico cujo ápice ocorreu na década de 70. Contudo, desde os anos 80, a cidade passa por um processo de transformação na sua estrutura produtiva e na geração de empregos, alterando o seu perfil industrial para o de prestadora de serviços. O fato é que parte das indústrias demitiu um grande número de trabalhadores e transferiu setores de sua estrutura produtiva para outras localidades, este processo gerou uma maior pauperização dos setores frágeis social e economicamente. A região conta desde anos 90, com uma série de políticas públicas setoriais inclusivas: combate a exclusão, pessoas com deficiência, direitos da mulher, desenvolvimento econômico, saúde, educação, participação popular e desenvolvimento sustentável. Em 2003, a SEPPIR em parceria com a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a prefeitura municipal implantou o núcleo do GRPE (gênero, raça, pobreza e emprego) que articulou uma política de ação afirmativa de Santo André com a do governo federal, gerando um novo modelo a ser multiplicado nas cidades da região. (OIT: 2006) Desde 2005, a Câmara Regional do ABC e o Consórcio Regional do Grande ABC (composto pelas sete cidades da região) em convênio com a OIT e a SEPPIR

11 desenvolveu um programa de formação de gestores baseados nos parâmetros do GRPE. O objetivo foi o de gerar multiplicadores da política de ação afirmativa na região. O primeiro resultado do programa, ainda em 2005, foi assinatura de um convênio como município de São Paulo e, em 2006, os municípios de Diadema e de Mauá criaram as suas assessorias de promoção da igualdade racial. (PMD, 2006) (PMM: 2006) Política afirmativa, Propaganda e Responsabilidade Social Corporativa 3 Simultaneamente, ao desenvolvimento da política de reconhecimento direcionada a população negra tornou-se foco de um maior interesse não apenas aos ativistas do movimento negro e gestores das políticas públicas da região, parte da mídia local ao cobrir os acontecimentos terminou por gerar uma série de representações sobre este processo político. Quando se analisa o período do primeiro governo Lula de 2003 a 2006, nos dois jornais de maior circulação na região, o Diário do Grande ABC e o Diário Regional encontra-se, respectivamente, 158 notícias no DGABC e 192 no DR relacionadas direta e indiretamente a política afirmativa direcionada aos negros. Esta visibilidade na mídia mostra a significância do tema na região, algo coincidente com a pesquisa de Santos (2004a) sobre o tratamento dado por dois grandes jornais de circulação na região metropolitana de São Paulo: Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo sobre às políticas de afirmação no período de 1995 a 2002. Nela se constatou que ação afirmativa foi uma importante pauta, principalmente, quando passou a ser um elemento da esfera do Estado, gerando um debate entre as perspectivas políticas: monocultural e multiculturalista. No geral, tanto a Folha como o Estadão constituíram uma cobertura nacional e democrática por buscarem refletir sobre o processo social e histórico que marca a condição dos negros no Brasil, os diferentes grupos sociais, as organizações da sociedade civil, as redes internacionais, os eventos e empreendimentos relativos à questão étnico-racial no país. Todavia, a partir de um enfoque pormenorizado da cobertura foi possível detectar um forte embate na discussão sobre a questão racial, 3 Agradeço aos orientandos de iniciação científica na USCS: Rodrigo Foganholi e Tales Jaloretto pelas informações levantadas.

12 caracterizado por uma interpretação desfavorável ao tema, especialmente no que concerne ao implemento da política de reconhecimento. O alvo principal das críticas foi à modalidade de cota racial pelo fato agregar critérios de reparação do acesso ao ensino universitário público ao invés de apenas os de mérito. (SANTOS: 2004: a). Observa-se que no caso do Grande ABC, o jornal Diário Regional,sediado em Diadema, publicou matérias que relacionaram a política da ação afirmativa com o enfrentamento do racismo, o primeiro grupo de 91 matérias destaca a cobertura sobre a modalidade de cota racial com foco na implantação da UFABC (Universidade Federal do ABC); a obrigatoriedade na implementação curricular para desenvolvimento sobre o ensino da cultura afro; juntamente a ação da SEPPIR para criação de órgãos municipais de promoção da igualdade racial na região. Um segundo grupo pode ser caracterizado por apresentar a cobertura de Ações Culturais como ato de enfrentamento do racismo, um total de 101 notícias tratam da construção e afirmação da identidade negra a partir da apresentação de shows e espetáculos de artistas negros de projeção comercial, cultural, local, nacional e internacional. A presença do Movimento Hip Hop aparece, neste segundo grupo, em 31 notícias que na sua forma traçam uma interpretação positiva, principalmente pelos elogios aos projetos sociais desenvolvidos pela Casa do Hip Hop e sua articulação a uma rede transnacional de movimentos sociais de afirmação da identidade negra, que se estenderia a países como os Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha. A cobertura das notícias do DR corresponde a uma característica mais próxima da propaganda do que um tratamento jornalístico dos fatos, pois o trato da política de ação afirmativa não apresenta nenhum tipo de controvérsia entre os atores sociais e suas práticas identificadas na mobilização social. O uso dos recursos de comunicação como estratégias de propagação de mensagens em torno da política de afirmação não está restrita a este caso da cobertura jornalística ou ao âmbito do ativismo negro. Na região a estratégia desenvolvida pelas organizações privadas foi a de buscar articulação a entidades sociais já existentes, a movimentos sociais ou a criação de fundações e associações

13 próprias com o objetivo captar recursos e executar a gestão das ações de filantropia. (COELHO, 2000) O reconhecimento da filantropia empresarial pela ação de responsabilidade social foi à estratégia de marketing social, cuja finalidade foi a de agregar valor simbólico à empresa e, conseqüentemente, aos seus produtos em favor da cidadania. Nesta perspectiva o consumidor tenderia a valorizar empresas que, do ponto de vista da ética cidadã e solidária, desenvolveriam ações assistenciais a setores atingidos pela desigualdade social. 4 A multiplicidade das ações e imagens fragmentadas da atuação voluntária funcionou na mídia como revelação do mundo e de novos horizontes a diferença, agenciando, ao mesmo tempo, uma multiplicidade de eventos atomizados, costurando-os e adensando-os a novos recursos informacionais, distribuindo o poder e o contra poder, num embate sobre a representação social de cidadania. (ARNT: 1999) O fato é que empresas identificadas no terceiro setor assumiram pelas iniciativas de marketing social as ações de mobilização tradicionalmente desenvolvidas por setores atuantes pelos direitos humanos. Especificamente, no grande ABC isto se refere às empresas que adotaram uma política reconhecimento da diversidade como forma de propaganda. Em pesquisa realiza por GIACOMINI (2004) ao analisar a responsabilidade social e a diversidade nas organizações do ABC paulista e suas práticas comunicativas foi perguntado se as empresas possuíam cotas para minorias, os índices de respostas positivas foi 16,4%, demonstrando que as empresas passaram a adotar a gestão da diversidade. No conjunto das empresas relacionadas ao tema observa--se o seguinte quadro: nulo para as pequenas empresas, (14,3%) para a microempresa, (12,5%) na média empresa e, (53,35%) para a grande empresa. Um caso ilustrativo foi à estratégia de marketing social adotada pela Camisaria Colombo, a empresa incorporou cotas raciais para contratação de funcionários negros e/ou afrodescendentes, assumindo a diversidade racial em sua estrutura organizativa e 4 Como exemplo Cia. BASF que passou a ter como uma de suas metas a ampliação da diversidade racial no seu quadro de funcionários. (BASF, 2004)

14 na propaganda veiculada em outdoors e jornais de grande circulação na região metropolitana de São Paulo. No conjunto estas empresas o discurso sobre tais iniciativas de promoção da diversidade entre pessoas ou grupos, apontou para uma representação social positiva, como um instrumento de integração social que beneficiaria a produtividade da empresa e democratizaria as oportunidades de acesso ao mercado de trabalho a todos (MYERS, 2003). O impacto e extensão da política de reconhecimento resultaram na ampliação e visibilidade pública de parte das reivindicações de movimentos sociais de caráter étnico-racial. Ao mesmo tempo, mídia passou a expressar o novo enfoque dado ao tratamento da população negra, especificamente, pautando parte do debate público debate sobre a ação afirmativa e a diversidade. Novos produtos de comunicação incorporam, em parte, esta nova ótica e estética correspondendo a um contexto específico para indivíduos e organizações no trato do racismo. Esta visibilidade expressou à imagem de incorporação da população negra ao mercado de trabalho e a possibilidade de mobilidade social daqueles classificados socialmente na linha de pobreza ou abaixo dela. As agências de propaganda passaram a ter em seus anúncios a representação social do negro que rompeu com a imagem tradicional de assistidos ou carentes sociais. Ou seja, os afrodescendentes passaram a ser representados a partir de uma nova condição de consumo, como percepção de uma classe média negra emergente e suas disposições de classe. (LIMA, 2000). DGABC: A produção da notícia e a clipagem do ativismo racista Se no Diário Regional e na mídia empresarial a representação social da política de reconhecimento pode ser interpretada como uma propaganda pautada pelo pluralismo cultural e pela promoção do mérito individual, numa perspectiva positiva e integradora. Por sua vez, o corpo de 159 notícias DGABC aponta para enquadramento diferenciado das notícias, pois nele foi constatado um conjunto de matérias que expressam as diferentes posições sobre o encaminhamento da política de ação afirmativa, em particular, no debate sobre a criação da UFABC e a adoção

15 de cotas raciais e sociais para o processo seletivo do vestibular; as ações do movimento negro pela oficialização nos municípios do Dia da Consciência Negra ; os programas de implantação de coordenadorias e assessorias municipais para a promoção da igualdade na região e sua articulação com a SEPPIR; o debate opinativo sobre o quesito cor e as dificuldades da auto declaração racial; os negros e mercado de trabalho e, o intercâmbio transnacional entre entidades do movimento negro. Um grupo de notícias descreve o ativismo racista na região, significativamente, próximo ao dia da Consciência Negra, o dia 20 de novembro de 2006, foram registrados os seguintes títulos: Grupo neonazistas ataca salão de beleza afro em 22/11/2006, Judeus são alvo de ataque racista 25/11/2006, tais fatos são expressivos da presença e da reação do ativismo racista (Neonazista, Skinheads e Carecas do ABC) contra negros, nordestinos, gays, judeus e a política de reconhecimento. Todavia a presença da prática organizada do racismo na região não é algo novo, em um estudo desenvolvido por Khan (1999) a partir de levantamentos de jornais impressos dos anos 90 tenha se constatado a existência de 30 diferentes gangues que professam ideais nazistas, tendo como alvos: negros, judeus, nordestinos, não paulistas em geral, homossexuais, ou qualquer atributo que entre em choque a moralidade e a representação social dominante da região. A intolerância expressa pelo ódio racial destes grupos traduz um universo simbólico e uma sociabilidade marcada pela noção de raça e hierarquia social. A problemática do desemprego pareceu tornar mais complexa essa situação do preconceito na região. Porque, com um alto grau de desempregados na cidade é possível que mesmo os nordestinos que já vivem a região estejam se opondo aos que chegam. Os migrantes nordestinos que chegam ao sul do país, em grande parte, sem qualificação são discriminados em geral pelos setores de classe média e os mais pobres estabelecidos, mas afetados pela reestruturação produtiva. Estigmatizados, são tratados como baianos e paraíbas, traduzindo uma representação social do atraso, a condição de usurpadores de empregos, marginais e sinônimos da ralé. (GUIMARÃES, 1999) & (ELIAS & SCOTSON, 2000)

16 Assim, a cobertura jornalística do DGABC na busca por fatos diferenciados ou de interesse público retratou o ativismo racistas presente na região, todavia o efeito desta cobertura não se restringe ao objetivo do jornal de informar o leitor. Através o uso da técnica de clipagem os neonazistas utilizaram a própria cobertura como uma espécie de coleção de notícias e reportagens sobre os ataques que foram posteriormente reproduzidos em sites de relacionamento como demonstrativos de sua força de protesto. O tratamento dado pela mídia impressa local a estes atos, em matérias que reproduzem formas de afrontamentos aos direitos civis e a dignidade humana, apresentando cartazes, fotos e slogans de conteúdo ilegal, sem uma análise crítica do jornalista terminam por permitir uma visibilidade pública do ativismo racista e um pensamento antidemocrático. Considerações Finais Dada a complexidade do debate teórico e empírico sobre a política de reconhecimento como forma enfrentamento do racismo, o enquadramento da mídia tem sido um importante recurso para análise do racismo e o debate contemporâneo travado no Brasil, especificamente, na região do Grande ABC, por suas peculiaridades históricas, políticas e sociais. A característica dos produtos de comunicação que buscam retratar o mundo social permite a observação sobre parte das representações sociais sobre a política de reconhecimento direcionado aos negros. Esta tradução do enfrentamento das desigualdades derivadas do racismo aponta para novas pistas de interpretação sobre as manifestações do preconceito racial, da intolerância e da reprodução das desigualdades. O uso e as estratégias de comunicação demonstram ser um importante elemento que apropriado pelos movimentos sociais, empresas privadas e agências governamentais mobilizam a opinião pública a favor ou contra a adoção da política de afirmação positiva. Este processo compreende uma importante batalha de interpretação e produção de sentidos em torno das representações sociais que configuram a disposição dos indivíduos na sua cognição, adesão e ação no enfrentamento do racismo.

17 Por fim, a força das representações sociais do anti racismo e do racismo podem mobilizar a atenção da sociedade, em parte pelas estratégias de comunicação adotadas, mas também na forma como elas operam com a subjetividade dos indivíduos e na sua realidade material, no reconhecimento de suas identidades étnico-raciais, na prática e na lógica de pertencimento e, na sua cultura política. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, F.J.R., Responsabilidade social das empresas e valores humanos: um estudo sobre gestores brasileiros. FGV, RJ, 2007. [Tese de doutorado] ALVAREZ, S. E. e outros. O cultural e o político nos movimentos sociais latinoamericanos. Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Humanitas/UFMG, BH. 2000. ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Boitempo, SP, 2000. ARAÚJO, J. Z., A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. SENAC, SP, 2000. ARNT, Ricardo. A desordem do mundo e a ordem do jornal. In: Rede Imaginária: televisão e democracia. SP, Cia das Letras, 1999. BARBOSA, L. Igualdade e meritocracia. FGV,RJ, 2003 BENFORD, R. & SNOW, D. Framing processes and social moviments: on overview and assessment. In: Annual review of sociology, n.26, USA, 2000 BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, Rio de Janeiro:Bertrand, 1989. CANCLINI, N.G. Consumidores e cidadãos. UFRJ, RJ, 1999. COELHO, SIMONE de C. T. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. SP, SENAC, 2000. COSTA, S.,Dois atlânticos: teoria social,... HUMANITAS, UFMG, 2006 DAGNINO, E. Cultura,cidadania e democracia. Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Humanitas/UFMG, BH. 2000. DOIMO, ANA. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro, Relume Dumará/ANPOCS, 1995. EWALD, F. Sécurité et liberté in: L Etat Providence. (Responsabilité). Paris, Grasset, 1986, pp.85-107.

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