A Física na Grécia Antiga Primeira Parte: Os Pré-Socráticos. Antônio Roque USP Ribeirão Preto



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Questão (1) - Questão (2) - A origem da palavra FILOSOFIA é: Questão (3) -

Transcrição:

A Física na Grécia Antiga Primeira Parte: Os Pré-Socráticos Antônio Roque USP Ribeirão Preto

Grécia antiga

Etapas da Filosofia Grega Período pré-socrático (c. 630 a.c. a 450 a.c.). Período clássico: Sócrates (c.469 a.c. a 399 a.c.) Platão (427 a.c. a 347 a.c.). Aristóteles (384 a.c. a 322 a.c.). Período Helenístico (c. 320 a.c. A c. 300 d.c.).

Escola de Mileto (Jônia, séc. VI a.c.) Tales, Anaximandro e Anaxímenes Primeiros filósofos da Grécia antiga. Explicações baseadas em causas naturais e não em sobrenaturais. Todas as coisas têm uma origem (arché) ou princípio natural comum. Foram chamados por Aristóteles de physikoi, devido ao seu interesse pela physis (natureza). Nosso conhecimento sobre esses filósofos é muito precário. Todas as fontes disponíveis são fragmentos secundários escritos por comentadores posteriores (200 anos ou mais).

Aristóteles sobre os milésios: (Metafísica, A3, 983b6; trad. Kirk & Raven, 1966, pp. 82-83) Na sua maior parte, os primeiros filósofos pensaram que os princípios, sob a forma de matéria, foram os únicos princípios de todas as coisas: pois a fonte original de todas as coisas que existem, aquela a partir da qual uma coisa é primeiro originada e na qual por fim é destruída, a substância que persiste mas se modifica nas suas qualidades, essa, afirmam eles, é o elemento e o primeiro princípio das coisas que existem, e por essa razão consideram que não há geração ou morte absolutas, com base no fato de uma tal natureza ser sempre preservada... pois deve haver alguma substância natural, uma ou mais do que uma, de que provêm as outras coisas, enquanto ela é preservada.

Tales de Mileto (~624 a.c. a ~546 ac) Criador da ideia de que todas as coisas são feitas de apenas uma substância material. A água é a substância original e a Terra flutua sobre ela. Com isso ele explicou os terremotos. A partir da observação de que a pedra de Magnésia e o âmbar podem deslocar outros corpos, teria dito que mesmo corpos inanimados podem estar vivos ou ter alma.

Anaximandro de Mileto (~610 a.c. a ~546 a.c.) Substância primordial: ápeiron (indefinido, ilimitado). Toda a multiplicidade de coisas e de mundos que existem provêm do ápeiron e para ele retornam em um movimento eterno de geração e destruição segundo a necessidade e de acordo com a ordem do tempo.

Modelo cosmológico de Anaximandro A Terra tem forma cilíndrica, como um tambor, com altura igual a 1/3 da largura; habitamos uma das superfícies planas. O universo é infinito e a Terra está suspensa no centro, imóvel e sem nada a suportá-la; a imobilidade da Terra é explicada por sua equidistância de todos os pontos do universo. O sol e a lua são explicados por anéis com fogo em seu interior que giram em torno da Terra de forma inclinada em relação ao seu plano; cada anel tem uma abertura circular voltada para a Terra e as luzes que saem pelas aberturas são vistas por nós como o sol e a lua, respectivamente; as fases da lua e os eclipses do sol e da lua são explicados por variações no tamanho da abertura dos seus respectivos anéis; o anel do sol é 27 vezes maior que a Terra e o da lua é 18 vezes maior.

Novidades introduzidas por Anaximandro Pela primeira vez a Terra é pensada como uma rocha suspensa no espaço. O espaço que está acima é o mesmo que está abaixo; A explicação do porquê a Terra não cai é que ela está equidistante de todos os pontos; O espaço é infinito e os corpos celestes estão a diferentes distâncias da Terra.

Outras teorias de Anaximandro Os fenômenos meteorológicos têm causas naturais (e não divinas). A chuva resulta da exalação da água do mar e dos rios por causa do calor do sol. Ela é carregada pelos ventos e depois cai sobre a terra. Os trovões e relâmpagos são causados por nuvens que colidem empurradas pelo vento e se rompem. Os terremotos são causados por fissuras na terra em decorrência de excesso de calor ou de chuva. Todos os animais originalmente vieram do mar ou da umidade primordial que cobria a terra no início. Os primeiros animais eram criaturas como peixes. Alguns deles se mudaram para a terra quando esta secou e deram origem aos animais terrenos. Os seres humanos também tiveram sua origem no mar e, inicialmente, eram criaturas como peixes.

Anaxímenes de Mileto (~585 a.c. a ~525 a.c.) A substância fundamental é o ar; as variadas coisas do mundo são produzidas por condensações e rarefações dele. A alma é ar; o fogo, ar rarefeito; à medida que se condensa, o ar transforma-se primeiro em água, depois em terra e, finalmente, em pedra. O mérito dessa teoria é que ela permite estabelecer diferenças quantitativas entre substâncias diferentes, dependendo do grau de condensação.

Devemos encarar a ideia de que tudo é feito de uma única substância sob uma perspectiva histórica, pondo-nos na situação dos primeiros filósofos na aurora do pensamento humano. A idéia de que existe uma substância única da qual tudo o mais é constituído pressupõe que a diversidade das coisas observadas é ilusória e que existe uma unidade material por trás delas. A proposta de uma substância material, como a água ou o ar, constitui uma mudança em relação ao tipo de explicação dado pelas mitologias, pois os deuses são deixados de fora.

Heráclito de Éfeso (Jônia) (~535 a.c. a ~475 a.c.) O mundo é um fogo sempre vivo; partes desse fogo estão sempre sendo extintas para formar as duas outras principais massas do mundo, o mar e a terra. As mudanças entre o fogo, o mar e a terra equilibram-se mutuamente. O fogo é o principal agente das mudanças no mundo, a tudo consumindo, dissipando e transformando eternamente. Tudo é transitório e está em perpétua transformação. Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio.

Leucipo de Mileto (~440 a.c.) Demócrito de Abdera (~410a.C.) Origem do atomismo: O mundo consiste de átomos movendo-se no vazio infinito. Os átomos são corpúsculos sólidos, muito pequenos para serem vistos, e possuem uma infinidade de formas. A diversidade de substâncias e a complexidade dos fenômenos observados são explicadas pelas diferentes configurações transitórias dos átomos no vazio.

Aristóteles sobre os atomistas: (Metafísica, A4, 985b4; trad. Kirk & Raven, 1966, pp. 421-422) Leucipo e o seu associado Demócrito sustentam que os elementos são o cheio e o vazio; eles chamam-lhes ser e não-ser, respectivamente. Ser é cheio e sólido, não-ser é vazio e não-denso. (...) Os dois juntos são as causas materiais das coisas existentes. E tal como aqueles que fazem a substância una subjacente gerar outras coisas pelas suas modificações, da mesma maneira também estes homens dizem que as diferenças dos átomos são as causas das outras coisas. Eles sustentam que estas diferenças são três forma, disposição e posição; o ser, dizem eles, difere só em ritmo, contato e revolução dos quais o ritmo é a forma, o contato é a disposição e a revolução é a posição; pois A difere de N na forma, AN de NA na disposição e Z de N na posição.

Atomismo e Materialismo Os atomistas ofereceram explicações engenhosas para muitos fenômenos naturais, mas a contribuição realmente importante deles é a visão sobre a realidade como uma peça de maquinaria sem vida em que tudo o que existe resulta necessariamente de átomos materiais movendo-se sem propósito no vazio. Não há mente ou divindade neste mundo. A própria vida é reduzida ao movimento de corpúsculos inertes. Não há lugar para uma finalidade ou liberdade (livrearbítrio). Tudo está determinado pelas regras mecânicas que governam o movimento dos átomos.

Empédocles de Ácragas (~490 a.c. a ~430 a.c.) Tudo é formado por quatro elementos imutáveis (ou raízes ): fogo, ar, terra e água. As substâncias materiais, no entanto, não são suficientes para explicar os movimentos e as mudanças observadas. Há dois princípios não-materiais, que ele chamou de amor e ódio, para promover interações entre os quatro elementos e agregálos ou separá-los.

Pitágoras de Samos (~570 a.c. a ~495 a.c.) Natural da ilha de Samos na Jônia, Pitágoras teve que se exilar por motivos políticos nas colônias gregas do sul da Itália e lá fundou a escola dos pitagóricos. A doutrina dos pitagóricos, se a entendemos bem, alega que a realidade última é numérica e não material.

Aristóteles sobre os pitagóricos: (Metafísica, A5, 985b23; trad. Kirk & Raven, 1966, p. 442) Os pitagóricos dedicaram-se à matemática; foram os primeiros a fazer progredir o seu estudo e, por terem sido educados nela, pensavam que os princípios dela eram os princípios de todas as coisas. Visto que, dentre estes princípios, os números são por natureza os primeiros, e nos números eles pareciam ver muitas semelhanças com as coisas que existem e são geradas mais do que no fogo, na terra e na água (...); dado que, mais uma vez, eles viram ainda que os atributos e as proporções das escalas musicais eram exprimíveis por números; uma vez que, portanto, todas as outras coisas pareciam, na sua natureza total, ser modeladas segundo números e que os números pareciam ser as primeiras coisas no conjunto da natureza, eles supunham que os elementos dos números eram os elementos de todas as coisas, e que todo o céu inteiro era uma escala musical e um número. (...) Estes pensadores também consideram que o número é o princípio, não só enquanto matéria das coisas mas também como agente das suas modificações e dos seus estados permanentes...

O Problema da Mudança Pode-se aceitar que os ingredientes fundamentais do mundo são mutáveis? Em princípio, não, pois uma substância fundamental seria realmente fundamental se mudasse de forma ou viesse a ser ou deixasse de existir? Se este fosse o caso, então deveria haver algo mais fundamental ainda e, ao final, se acabaria por encontrar algo fixo e imutável. Se concordarmos que a essência última da realidade é imutável, seria possível descrever, ou mesmo aceitar, a realidade observada das mudanças no mundo? Como compatibilizar a estabilidade da realidade última com o fato genuíno que se observam mudanças e transformações em níveis menos fundamentais? Como pode o mundo ser, ao mesmo tempo, estável e mutável?

Um dos primeiros a abordar o problema da mudança foi Heráclito. Ele acreditava na realidade da mudança e o seu aforismo de que nunca entramos duas vezes no mesmo rio fez com que ele se transformasse no símbolo, tanto na Antiguidade como em épocas mais modernas, da idéia de que todas as coisas fluem. Heráclito também argumentava que por trás de uma condição de equilíbrio ou estabilidade geral pode haver uma mudança perpétua na forma de forças que se contrabalançam ou na luta entre opostos. Talvez se possa ver nessas idéias de Heráclito uma primeira intuição a respeito da noção de equilíbrio dinâmico.

Parmênides de Eléia (~530 a.c. a ~460 a.c.) Toda mudança é logicamente impossível. Partiu da premissa de que o ser é e o não-ser não é. Daí se pode obter os atributos do ser: O ser não teve origem, pois para tal seria necessário haver algo que não é antes dele (o não-ser), o que é impossível. O ser é eterno, pois, pelo mesmo argumento, se ele deixasse de ser haveria o não-ser. O ser é infinito, pois se tivesse um fim espacial haveria o não-ser além de suas fronteiras. O ser é indivisível, portanto contínuo, pois se pudesse ser dividido haveria o não-ser entre suas partes. O ser é imóvel, pois para se mover precisaria ir para um espaço que não é.

O argumento de Parmênides leva à conclusão de que só há uma coisa, una e permanentemente idêntica a si mesma, sem passado e sem futuro. Esse argumento, se aceito em todas as suas consequências, implica que as idéias de transitoriedade, mudança, pluralidade, e mesmo de tempo são ilógicas, devendo ser tidas como irreais e ilusórias.

Zenão de Eléia (~490 a.c. a ~430 a.c.) Pupilo de Parmênides, Zenão defendeu a doutrina de seu mestre e a aplicou ao problema da mudança. Mostrou, com uma série de paradoxos, a impossibilidade lógica do movimento de um lugar para outro. Os mais famosos dos paradoxos de Zenão são o de Aquiles e a tartaruga e o da flecha. Para consulta: http://plato.stanford.edu/entries/paradox-zeno/

Paradoxo do Estádio (Zenão) É impossível cruzar um estádio de uma ponta à outra, pois para cruzá-lo todo é necessário primeiro cruzar a sua metade; e antes de cruzar a sua metade é necessário cruzar um quarto dele; e antes de cruzar um quarto dele é necessário cruzar um oitavo; e antes de um oitavo, um dezesseis-avos; e assim sucessivamente até o infinito. Para se cruzar um estádio seria necessário, portanto, cruzar uma sequência infinita de metades, e é impossível cruzar, ou mesmo entrar em contato com (como diz Aristóteles em sua exposição deste paradoxo), uma infinidade de intervalos em um tempo finito. Esse mesmo argumento pode ser aplicado a qualquer intervalo espacial, do que se segue que todo o movimento é impossível.

Obviamente, tanto Parmênides quanto Zenão podiam observar inúmeros tipos de movimento à sua volta, inclusive o deles mesmos. Eles tinham perfeita consciência daquilo que a nossa experiência sensorial nos mostra. A questão para eles era outra: o que nos é mostrado pela experiência é confiável ou não? O que se pode fazer se a experiência nos sugere a realidade da mudança, mas a argumentação lógica nos ensina que ela é impossível? Para Parmênides e Zenão a resposta era clara: o processo racional deve prevalecer. Parmênides distinguia entre a via da opinião (ou da aparência ), associada à observação, e a via da verdade, associada à razão. Para ele, a primeira apenas nos revela aquilo que é ilusório, enquanto que a segunda nos revela aquilo que é real.

O Problema do Conhecimento (Epistemologia) Se os sentidos não nos revelam a unidade das coisas, então devemos encontrar outros guias para nos levar à verdade. A visão radical de Parmênides sobre o problema da mudança tem implicações epistemológicas claras: a verdade só pode ser alcançada pelo exercício da razão; se os sentidos nos revelam mudança, ela não é confiável. Os atomistas também denegriam a experiência sensorial: os sentidos nos revelam as qualidades secundárias cores, sabores, odores, sons e qualidades táteis enquanto que a razão nos ensina que apenas os átomos e o vazio existem de fato. Nem todos os primeiros filósofos gregos condenavam o uso dos sentidos. Empédocles, por exemplo, defendia o seu uso. Para ele, os sentidos podem não ser perfeitos, mas são guias úteis se usados com discriminação, cada qual para o seu tipo de percepção particular.

Referências Kirk, G.S. e Raven, J. E., Os Filósofos Pré-Socráticos, 2 a Edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1966. Lindberg, D.C., The Beginnings of Western Science: The European Scientific Tradition in Philosophical, Religious, and Institutional Context, 600 B.C. to A.D. 1450. University of Chicago Press, Chicago, IL, EUA, 1992. Leituras para a discussão em sala Presocratic Philosophy (Stanford Encyclopedia of Philosophy) http://plato.stanford.edu/entries/presocratics/ A contemporary look at Zeno s paradoxes http://plato.stanford.edu/entries/presocratics/