A MODELAGEM MATEMÁTICA COMO FERRAMENTA PARA UM ENSINO SIGNIFICATIVO Ranieri Miranda Imperatori (IF-Sudeste/Rio Pomba) Silvana Lucas Bomtempo Matos (IF-Sudeste/Rio Pomba) RESUMO Este artigo tem como objetivo, relatar a experiência do uso da Modelagem Matemática em sala de aula como ferramenta para o ensino da Matemática e mostrar suas contribuições para aprendizagem. Através da atividade desenvolvida, buscou-se mostrar que a metodologia de ensino geralmente usada nas escolas, nem sempre favorece a assimilação dos conteúdos estudados pelo aluno. Dessa forma, cria-se uma concepção limitada destes em relação à Matemática, ou seja, a vêm como pura abstração de conceitos e fórmulas, não sendo capazes de compreender sua aplicação em situações do dia a dia. A pesquisa foi desenvolvida numa escola da rede pública, no município de Guarani/MG. Numa primeira etapa foi aplicado um questionário para diagnosticar o conhecimento dos alunos à respeito do tema Análise Combinatória. Posteriormente, os alunos deveriam pesquisar algum tema de seu interesse que pudesse ser trabalhado na sala de aula. Na terceira etapa, o professor apresentou uma situação problema vivida no contexto da escola e a partir das discussões e interação entre os alunos, percebeu-se que o uso da modelagem matemática pode contribuir significativamente para a construção do conhecimento matemático. Palavras-chave: Modelagem Matemática. Ensino da Matemática. Metodologia. 1. INTRODUÇÃO Ainda observamos uma visão distorcida sobre o que é ensinar a matemática e é comum a ideia principalmente por parte dos alunos de que aprendemos matemática somente para sermos aprovados nas avaliações escolares e em vestibulares. Essa ideia é resultado de uma concepção onde se tem a matemática como uma disciplina destinada a ensinar fórmulas e estas devem ser decoradas, pois caso contrário, julga-se que o aluno não aprendeu o conteúdo. 411
Nós como professores ou futuros professores, devemos nos atentar em corrigir essa visão totalmente equivocada citada acima. Nosso papel não se consiste em apenas lecionar um conteúdo específico, mas acima de tudo, formar cidadãos. É na sala de aula, através dos conteúdos abordados, que devemos salientar as relações da matemática com o mundo atual. Seguindo essa linha de raciocínio, D Ambrosio (1996, p. 86), afirma que a responsabilidade maior do professor vai, portanto, além da sua disciplina específica. Segundo Biembengut [...] quando falamos sobre o ensino de matemática, é importante que tenhamos a consciência de que estamos falando sobre a promoção do conhecimento matemático e da habilidade em utilizá-lo. Produzir o conhecimento matemático é mais do que ensinar fórmulas; ele será produzido ao levar o aluno pensar. (BIEMBENGUT, 2007, p. 18) Para fugirmos das simples resoluções de exercícios e promover o conhecimento matemático, é necessário tomar como ferramenta, metodologias de ensino que despertam no aluno, o interesse por conteúdos matemáticos. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho consiste em apontar observações sobre a metodologia usada nas escolas para o ensino da matemática. 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE MODELAGEM MATEMÁTICA Recorrendo aos aspectos investigativos da educação matemática, temos na modelagem matemática, um amplo campo de possibilidades para trabalhar e desenvolver o conhecimento matemático. Biembengut aponta que Modelagem matemática é o processo que envolve a obtenção de um modelo. Este, sob certa óptica, pode ser considerado um processo artístico, visto que, para se elaborar um modelo, além de conhecimento de matemática, o modelador precisa ter uma dose significativa de intuição e criatividade para interpretar o contexto, saber discernir que conteúdo matemático melhor se adapta e também ter senso lúdico para jogar com as variáveis envolvidas. (BIEMBENGUT, 2007, p. 12) Através de tal processo, pode-se dar ao aluno, a liberdade para sair dos exercícios imutáveis dos livros didáticos e montar sua própria situação problema. Cria-se, dessa forma, um ambiente rico em discussões que são geradas naturalmente pelo processo da investigação dos temas tratados pelos alunos. Ao tratar de temas que provavelmente não serão abordados, 412
sob o ponto de vista curricular do ensino matemático em salas de aula, o aluno deverá recorrer a outras formas de obter as informações necessárias para desenvolver seu trabalho, aonde este vai solidificando seus conhecimentos. Afinal, a pesquisa é o elo entre teoria e prática como afirma D Ambrosio (1996, p. 92). Mendes define que a metodologia da modelagem matemática Consiste em uma análise de problemas reais e a busca de modelos matemáticos apropriados para resolvê-los. O conteúdo sistematizado e estruturado, cujos tópicos exigem uma cadeia de pré-requisitos, é abandonado para que se trabalhe os conceitos matemáticos numa situação francamente investigatória. (MENDES, 2009, p. 83) A própria natureza de um ambiente onde o aluno encontra a liberdade de poder trabalhar a matemática fora dos programas estanque, impostos pelas instituições de ensino e que muitas vezes se apresenta sem sentido ao educando, faz com que desperte interesse ao observar as aplicabilidades da matemática, em áreas diversas. Bassanezi (2009) ressalta alguns obstáculos que podem ser encontrados na aplicação da modelagem matemática, como por exemplo: ao fugir da rotina do ensino tradicional, os estudantes podem se perder e se tornar apáticos nas aulas devido ao fato de não estarem acostumados ao processo. Ainda nos obstáculos, em relação ao professor, diz que Muitos professores não se sentem habilitados a desenvolver modelagem em seus cursos, por falta de conhecimento do processo ou por medo de se encontrarem em situações embaraçosas quanto às aplicações de matemática em ares que desconhecem. Acreditam que perderão muito tempo para preparar as aulas e também não terão tempo para cumprir todo o programa do curso. (BASSANEZI, 2009, p. 37) De fato existem os obstáculos, mas, é preciso defender os argumentos para a inclusão da modelagem. Bassanezi (2009, p. 37) deixa bem claro os aspectos positivos desse método significativo de ensino onde fala sobre o Argumento da aprendizagem; que faz o aluno compreender melhor os argumentos matemáticos, guardar conceitos e os resultados, e valorizar a própria matemática. Através da Modelagem Matemática, além de assimilar melhor os conteúdos matemáticos, o educando desenvolve sua formação como cidadão através das interações e trocas sócio-culturais, diz Barbieri (2005). 3. SOBRE A ATIVIDADE DESENVOLVIDA 413
Com a finalidade de avaliar as considerações levantadas neste trabalho sobre o uso da modelagem matemática como metodologia de ensino nas escolas, foi desenvolvida uma atividade sobre modelagem envolvendo o conteúdo de Análise Combinatória, em uma escola da rede pública do ensino médio através do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência Pibid. A atividade foi dividida em três etapas. Na primeira etapa, foi conversado com os alunos de modo superficial como seria trabalhada a atividade investigativa proposta. Nesse momento, foi distribuído um questionário para cada aluno perguntando como considerava seu conhecimento sobre o conteúdo de Análise Combinatória e qual eram o interesse e a importância associada pelos alunos a este conteúdo. A intenção deste primeiro questionário era obter uma visão geral da relação dos alunos com o conteúdo em questão, visto que eles haviam acabado estudar tal conteúdo com o professor da turma. Na segunda etapa, foi pedido para que os alunos formassem grupos entre si e, fora do ambiente escolar, pesquisar algum tema que fosse de interesse para o grupo e levar para sala de aula para discutir e estudar como a matemática poderia ser aplicada ao tema de cada grupo. Foi usado um dos casos de modelagem classificados por Barbosa (2001, p. 9), do qual diz que a partir de temas não-matemáticos, os alunos formulam e resolvem problemas. Eles também são responsáveis pela coleta de informações e simplificação das situações-problema. Na terceira e última etapa da atividade investigativa, foi usado outro caso de modelagem classificado por Barbosa (2001, p. 8) onde o professor apresenta a descrição de uma situação problema, com as informações necessárias à sua resolução e o problema formulado, cabendo aos alunos o processo de resolução. Foi apresentada aos grupos a seguinte situação problema montada com base no cardápio da merenda escolar: Na cozinha da escola, as cozinheiras têm as seguintes opções de cardápio, que seguem abaixo, para fazer a merenda dos alunos: Arroz Feijão Farofa Ovos Legumes Frango Carne moída Angu Canjiquinha Macarrão Salada de Alface Salada de couve Vinagrete Linguiça Batata com Frango Polenta As cozinheiras estão analisando sobre como podem montar o cardápio para o mês (considerando 20 dias). É discutido como podem fazer um cardápio variado, juntando quatro das opções 414
escritas acima para cada dia, de forma que somente Canjiquinha e Polenta seriam servidas separadamente. Também está sendo discutido se, dessa forma, haveria possibilidades de montar o cardápio para o próximo mês. Como poderíamos ajudá-las em relação à quantidade das possibilidades, usando conceitos do conteúdo Análise Combinatória? Tabela 1: Situação-problema apresentada aos alunos 3.1 Resultados obtidos Sobre a primeira parte da atividade, dos 21 alunos que responderam o questionário, seis julgaram o nível de conhecimento da disciplina como baixo, e o restante dos alunos julgaram como regular ou bom. Os alunos falaram ter pouco interesse sobre a disciplina justificando pelo fato de não conseguirem associar algum uso para o conhecimento adquirido em sala de aula; fazendo uma ressalva para os que consideraram um grau de importância para o conteúdo, porém relacionando apenas para fins de aprovação em provas e vestibulares. Na segunda parte da atividade, os grupos não obtiveram muito êxito. Alguns alunos desistiram de continuar o trabalho; os grupos não conseguiram levar nenhum tema para discussão em sala de aula julgando não terem conseguido associar nada que fosse interessante para empregar o uso dos conceitos por eles vistos no conteúdo de Análise Combinatória. Os alunos justificaram a dificuldade encontrada, no fato de nunca terem trabalhado atividades desse tipo antes e também afirmando não conseguirem aplicar as fórmulas aprendidas na sala de aula em situações reais. Apenas dois dos sete grupos formados inicialmente, levantaram questões, mas que de certa forma eram idênticas com os exercícios geralmente presentes nos livros didáticos como, por exemplo, calcular as chances de ganhar na mega-sena e calcular os modos de se vestir baseado em um número de peças de roupa que cada um tinha em seu guarda roupa. Estes dois grupos citados desenvolveram de forma rápida os cálculos para chegarem às respostas procuradas, devido ao fato de associarem ao modo de como foi resolvido exercícios semelhantes anteriormente. Esta situação justifica, também, o que Bassanezi (2009) argumenta sobre a deficiência que existe na formação do professor de matemática, citando que [...] as disciplinas são tratadas geralmente, de modo independente uma das outras, consideradas como prontas/acabadas, sem origem e sem futuro e, quase sempre apresentadas/desenvolvidas sob o regime formalista dos teoremas e suas demonstrações; as aplicações, quando sugeridas, só dizem respeito ao próprio conteúdo recém-ensinado. (BASSANEZI, 2009, p. 180) 415
O ponto da deficiência nos cursos de Licenciatura destacado por Bassanezi, traz consequências como esta citada na segunda parte da atividade em questão: o professor, incapacitado de elaborar aulas mais interessantes, deixa de mostrar ao aluno, como a matemática pode ser usada em diferentes situações àquelas geralmente apresentadas na sala de aula. Para que esta visão limitada da matemática não seja passada aos alunos, o primeiro passo deve ser a mudança da postura do professor em sala de aula. Ainda sobre o papel do professor em sala de aula, Meyer (2013) afirma que O nosso papel, como professores, não é simplesmente colocar a Matemática neutra do currículo para os estudantes, mas fazer com que eles também tragam situações de fora para dentro da escola. Nesse cenário, a escola vai oferecer e ensinar a Matemática necessária para melhorar a compreensão daquelas situações, sempre levando em consideração também ferramentas que eles possam trazer de suas experiências externas ao contexto educacional. As ferramentas matemáticas que serão problematizadas, ensinadas e aprendidas serão aquelas necessárias para estudar e compreender esses problemas colocados por eles mesmos, de fora da escola (ou não) para dentro do ambiente escolar. (MEYER, 2013, p. 49) A terceira parte do trabalho foi realmente produtiva. Houve uma interação significante entre os integrantes dos grupos e de todos os grupos, onde discutiram como poderiam montar os cálculos de acordo com o que era pedido. Durante o desenvolvimento da questão, auxiliei os grupos, porém sem falar de forma direta como deveriam proceder na resolução, deixando que trabalhassem entre si e desenvolvessem o raciocínio em grupo. Ao fim, foi mostrado aos alunos como estava montado o cardápio real e nesse momento ainda houve discussões produtivas indagando se, após terem realizado os cálculos, haveria possibilidades de diversificar ainda mais o cardápio montado na conzinha da escola, ou seja, foi mostrada a importância dos conhecimentos matemáticos adquiridos quando usados para tomar decisões no meio em que se vive. Logo após, foi distribuído um segundo questionário do qual consistia em apenas duas perguntas diretas que eram sobre a opinião do grupo sobre a metodologia usada na atividade desenvolvida em relação com a metodologia tradicional usada na escola e se após a atividade realizada, eles associavam alguma nova concepção ao conteúdo de Análise Combinatória. De forma geral, todas as respostas relatavam uma aceitação dos alunos pelo método usado, onde responderam terem achado interessante a experiência, e afirmaram terem reconhecido que usam em vários momentos os conceitos utilizados para resolver o problema apresentado que são os conceitos vistos na sala de aula, mas nem sempre se dão conta de que estão usando. 416
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O método tradicional que é usado para ensinar a Matemática em salas de aula, nem sempre se faz eficiente. Através da atividade desenvolvida, fica em evidência que para os alunos, não existe relação entre o que é aprendido na sala de aula com o mundo que está a sua volta. Para que aconteça uma aprendizagem significativa dos alunos, pode ser necessário que o professor tenha a coragem de sair da rotina e inovar sua postura em sala de aula. Dessa forma, é preciso valer-se de metodologias significativas para o ensino onde possamos deixar que o aluno trabalhe sua criatividade e assim, ir se inteirando ao conteúdo com o auxílio do professor; ao invés deste último impor de forma fixa e imutável. Neste aspecto, temos a modelagem matemática como via para uma educação significativa. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBIERI, Daniela Donisete. Modelagem Matemática: Favorecendo a Aprendizagem Significativa. In: XVII Seminário de Pesquisa e XI Semana de Iniciação Científica da Unicentro, 2005, Guarapuava. UNIVERSIDADE-Pesquisa, Sociedade e Tecnologia, 2005. BARBOSA, J. C.. Modelagem na Educação Matemática: contribuições para o debate teórico. In: 24ª, Reunião da ANPED, 2001, Caxambu. Anais da 24ª. Reunião Anual da ANPED. Rio de Janeiro: ANPED, 2001. v. único. BASSANEZI, Rodney Carlos. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2009. BIEMBENGUT, Maria Sallet; HEIN, Nelson. Modelagem Matemática no Ensino. Edição Revista. São Paulo: Contexto, 2007. D'AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da Teoria à Prática. 21ª Edição. Campinas, SP: Papirus, 1996. MENDES, Iran Abreu. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. 3ª Edição. São Paulo: Livraria da Física, 2009. MEYER, João Frederico da Costa de A.; CALDEIRA, Ademir Donizeti; MALHEIROS, Ana Paula dos Santos. Modelagem em Educação Matemática. 3ª Edição. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. 417