4 AS TUTELAS DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA NO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Felipe Maciel Pinheiro Barros 1 INTRODUÇÃO O Código de Processo Civil vigente CPC encontra-se obsoleto não apenas pelo tempo de sua promulgação, mas principalmente por ter como paradigma um Estado brasileiro que não existe mais. Em 1973, vivia-se o auge da ditadura militar, sob a égide da Constituição (?) de 1969, realidade profundamente transformada com o Estado Constitucional instaurado pela Constituição de 1988. Nesse sentido, o CPC é omisso a respeito de diversos institutos e instituições, como ocorre em relação à arbitragem e à Defensoria Pública, além de se referir a um modelo de Ministério Público completamente remodelado. E o cenário se agrava ainda mais quando se observa a total incompatibilidade da legislação codificada atual com o processo judicial eletrônico, que já virou realidade e atingirá a totalidade das novas ações ajuizadas até 2015. Por outro lado, a morosidade do Poder Judiciário mantém latente a discussão a respeito da necessidade de novos mecanismos e instrumentos processuais que possibilitem uma prestação jurisdicional mais efetiva e célere, o que necessariamente precisa passar por uma reforma legislativa. É nesse contexto que se inseriu o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, cujo texto já foi aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, havendo grande expectativa de ser promulgado ainda em 2014. Entre as inovações que serão trazidas, estão a unificação das tutelas de urgência e a criação da tutela de evidência, que ensejarão a adoção de um total sincretismo processual e a simplificação dos procedimentos, sendo este o objeto do presente ensaio. Mestre e especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Conselheiro Estadual e Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RN. Acessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Natal/RN. Professor de Direito Constitucional e Processual Civil da UNIRN e do Instituto da Educação a Distância Interativa.
5 2 SISTEMA ATUAL DAS TUTELAS DE URGÊNCIA Através da tutela de urgência, garante-se ao autor da ação um provimento provisório, de natureza satisfativa ou assecuratória, a fim de que seja removido risco de dano irreparável ou de difícil reparação. No primeiro caso, tem-se a tutela antecipada, cujo objetivo é a satisfação fática do direito da parte, que garantirá o resultado útil do processo. Já no segundo, o resultado útil do processo é assegurado para que, ao final, seja garantido o resultado útil do processo. Até o surgimento da tutela antecipada, introduzida pela Lei 8.952/94, não havia no sistema processual brasileiro um instrumento genérico de tutelas de urgência satisfativas. O que se tinha, até então, eram as liminares consagradas em procedimentos específicos, presentes no próprio Código de Processo Civil - CPC, como se dá no rito das ações possessórias (art. 928), ou na legislação esparsa, como previsto no mandado de segurança (Lei 1.533/51 revogada) e na ação popular (Lei 4.717/65). Como resultado, as tutelas de urgência de caráter satisfativo, requeridas fora dos procedimentos que previam as liminares, passaram a ser concedidas sob a forma de cautelares inominadas. Com a mudança do art. 273 do CPC, passamos a ter, dessa forma, três espécies de tutela de urgência: a tutela cautelar, a tutela antecipada e as liminares específicas, sendo estas duas últimas, em regra, de natureza satisfativa. Além da hipótese de dano irreparável e de difícil reparação, o art. 273 prevê outras possibilidades de tutela antecipada: a) quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, inciso II); b) quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostra-se incontroverso (art. 273, 6º). A tutela cautelar pode ser concedida de forma preparatória, isto é, antes do ajuizamento da ação principal ou, após o ajuizamento da ação principal, de forma incidente, no bojo do próprio processo ou através de processo cautelar autônomo. Nesse último caso, o CPC prevê um procedimento genérico para o processo cautelar e diversos procedimentos específicos, que correspondem às medidas cautelares em espécie, tais como o arresto, o sequestro e o arrolamento de bens. Todavia, diante da possibilidade de obtenção de medidas cautelares de forma incidental, sem a necessidade de processo cautelar autônomo, esta última maneira terminou caindo em desuso.
6 Os requisitos para obtenção das tutelas cautelar e antecipada são semelhantes, embora tenha a legislação optado por terminologias distintas. Em ambas, se exige o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Contudo, enquanto que para a concessão da tutela cautelar se exige a chamada fumaça do bom direito (fumus boni juris), para a tutela antecipada exige-se a prova inequívoca da verossimilhança das alegações. Apesar de procedimentos, requisitos e consequências distintas, o CPC passou a admitir a fungibilidade entre as tutelas cautelar e antecipada, através do 7º do art. 273, introduzido pela Lei 10.444/02. Segundo o dispositivo, se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental no processo ajuizado. O referido dispositivo teve a importância de pôr fim ao embate doutrinário que ainda existia àquela época acerca da possibilidade de concessão de medidas cautelares em caráter incidental. Com efeito, a alteração praticamente extinguiu o processo cautelar autônomo, tendência confirmada na sistemática do NCPC, conforme será demonstrado a seguir. 3 TUTELAS DE URGÊNCIA E DE EVIDÊNCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL A primeira importante mudança na sistemática vindoura diz respeito ao fim do processo cautelar autônomo e dos ritos especiais cautelares e à unificação das tutelas de urgência sob a única denominação de tutela antecipada, que poderá ter natureza satisfativa ou cautelar e ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Como regra geral, a tutela antecipada agora é precária, conservando, em regra, sua eficácia, mas podendo perdê-la por revogação ou modificação a qualquer tempo (art. 297). Se concedida em caráter antecedente, a petição inicial deverá indicar a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito que se visa assegurar e o perigo na demora da prestação jurisdicional (NCPC, art. 304). Na sistemática atual, fala-se em cautelar preparatória, uma vez que efetivação da medida dependerá do ajuizamento da ação principal. No modelo futuro, não haverá ação principal, mas pedido principal, que deverá ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias a contar da efetivação da medida cautelar requerida.
7 Concedida a tutela antecipada em caráter antecedente, o autor deverá aditar a petição inicial com a complementação de sua argumentação, juntando novos documentos e confirmando o pedido de tutela final. Se não houver o aditamento da inicial, o processo será extinto sem resolução de mérito ( 2º). Depois de apresentado o pedido principal, tem-se início à fase de conhecimento, com a intimação das partes para a audiência de conciliação e mediação, regra geral estabelecida pelo art. 335 do novo diploma, sem a necessidade de nova citação do réu. Segundo o art. 305, a decisão que conceder a tutela antecipada satisfativa em caráter antecedente torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto recurso de agravo de instrumento, caso em que o processo será extinto. Nesse caso, qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Tal direito se extingue em dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo. Seguindo a ótica do modelo em vigor, cessará a eficácia da medida concedida em caráter antecedente se: I o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal; II não for a medida efetivada em trinta dias; III o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito (NCPC, art. 311). O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela antecipada (art. 298), havendo menção expressa às seguintes medidas: arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação (art. 301, 1º). Os dois primeiros, inclusive, são conceituados ( 2º). Também haverá a uniformização dos requisitos para a concessão: elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo na demora da prestação jurisdicional (art. 301), acabando, ao que nos parece, com a celeuma ainda hoje existente sobre eventuais diferenças entre as atuais tutela antecipada e cautelar. Para a concessão da tutela de urgência, o juiz poderá exigir caução real ou fidejussória para ressarcir os danos que a outra parte vier a sofrer. Haverá dispensa se a parte for hipossuficiente (art. 301, 1º). O NCPC dedica capítulo específico para a tutela de evidência, espécie de tutela antecipada que poderá ser concedida nos seguintes casos: I - quando houver abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte; II quando as alegações de fato
8 puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa. Como se observa, na tutela da evidência, autoriza-se a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional ainda que não haja o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, sendo suficiente para tanto o intenso grau de plausividade do direito alegado pelo autor. A primeira hipótese, inclusive, já é atualmente prevista como hipótese de tutela antecipada (CPC, art. 273, inciso II), ficando como novidades as demais previsões, que poderão ser proferidas liminarmente. Importante ressaltar, por fim, a preocupação do NCPC com o dever do magistrado de fundamentar suas decisões, o que se observa na redação do art. 299, que determina que o juiz, ao proferir decisão que conceda, negue, modifique ou revogue a tutela antecipada, deverá justificar as razões de seu convencimento de modo claro e preciso. 4 CONCLUSÃO A uniformização de procedimentos e de nomenclaturas ensejará um sistema de tutelas de urgência mais simplificado, encerrando discussões desnecessárias que ainda hoje existem a respeito da diferenciação entre as tutelas cautelar e antecipada. O fim do processo cautelar autônomo, inclusive, já é uma realidade, na medida em que as dificuldades de sua utilização o fizeram cair em total desuso. Haverá, portanto, um processo totalmente sincrético, onde haverá uma fase de conhecimento e uma de execução, além de outra de natureza cautelar ou satisfativa, que poderá ser antecedente ou concomitante às anteriores, sem que haja, contudo, a instauração de nova relação jurídica processual. Sob o aspecto substancial, a principal modificação diz respeito, sem dúvidas, à possibilidade de estabilização da tutela antecipada satisfativa concedida em caráter antecedente caso a decisão que a concedeu não seja recorrida. Surge, nesta hipótese, uma espécie de ação rescisória específica, com prazo decadencial diferenciado, que terá a
9 possibilidade de rever a decisão estabilizada. Em princípio, trata-se de grande inovação na busca de um processo mais célere e efetivo, mas que certamente enfrentará duras críticas, especialmente em razão da mitigação do contraditório e da ampla defesa. REFERÊNCIAS BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativas de sistematização). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2014. TOLENTINO, Fernando Lage; PEDRO, Flávio Quinaud. Sumarização da cognição nas tutelas de urgência e de evidência no projeto de Novo Código de Processo Civil: expectativas e frustrações. In: FREIRE, Alexandre (et al) (Org.). Novas tendências do Processo Civil: estudos sobre o projeto do Novo Código de Processo Civil. V. II. Salvador: Editora JusPodvm, 2014.