ATRIBUIÇÃO PARA APURAÇÃO DE HOMICÍDIO DOLOSO PRATICADO CONTRA CIVIS POR POLICIAIS MILIARES EM SERVIÇO OU EM RAZÃO DO SERVIÇO



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Transcrição:

1 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR ESCOLA DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS ATRIBUIÇÃO PARA APURAÇÃO DE HOMICÍDIO DOLOSO PRATICADO CONTRA CIVIS POR POLICIAIS MILIARES EM SERVIÇO OU EM RAZÃO DO SERVIÇO WELLINGTON GONÇALVES DOS SANTOS Belo Horizonte 2012

1 Wellington Gonçalves dos Santos ATRIBUIÇÃO PARA APURAÇÃO DE HOMICÍDIO DOLOSO PRATICADO CONTRA CIVIS POR POLICIAIS MILIARES EM SERVIÇO OU EM RAZÃO DO SERVIÇO Monografia apresentada à Escola de Formação de Oficiais, da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, como requisito para a aprovação no Curso de Formação de Oficiais. Bacharelado em Ciências Militares com ênfase em Defesa Social. Orientador: Maj PM Cláudio Vítor Rodrigues Rocha Belo Horizonte 2012

2 Dedico este trabalho à Deus por me dar vida e saúde para realizar este trabalho. A todos os meus familiares e pessoas amadas que sempre me incentivaram para o alcance dos meus sonhos.

2 Agradeço à Deus pela dádiva de poder alcançar o meu sonho de realizar o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar. À minha mãe, agradeço pelo amor sem limites, dedicação incondicional e o apoio irrestrito. Sem o apoio dela nada neste seria realizado. Agradeço ao meu pai pelo carinho, amor compreensão e incentivo à minha carreira. À meus irmãos, irmãs e sobrinhos, pelas palavras de carinho e por entenderem as ausências que os compromissos profissionais impõem. À minha amada Patrícia pelo amor, compreensão e apoio à realização deste trabalho. Ao meu orientador, Maj Cláudio Vítor, pela paciência, humildade e dedicação em me apoiar.

2 RESUMO Estudo sobre a atribuição para apuração de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares de serviço ou atuando em razão do serviço. Foi examinado o conceito analítico de crime e o que é definido como crime comum e como crime militar. Verificação sobre atribuição das polícias Federal, Civil e Militar para apuração do crime homicídio doloso praticado por civil e por militar em serviço ou em razão do serviço. Realizado estudo sobre a competência para julgamento dos crimes de homicídio quando o autor é civil ou militar fora do serviço e quando o autor é policial militar em serviço ou atuando em razão do serviço. Foram pesquisados documentos que expressam o entendimento de doutrinadores, das policias militares e civis, do Ministério Público e da justiça militar. Concluiu-se que é necessária a edição outra lei para dirimir os conflitos gerados pela Lei N. 9299/96. Enquanto não é editada nova lei, é importante que seja estabelecido um diálogo entre os órgãos já mencionados, visando estabelecer outra norma que discipline a atuação especifica desses órgãos nos casos em estudo. Palavras-chave: Crime Militar - Crime doloso Contra Vida de Civil - Homicídio - Militar de serviço - inquérito policial inquérito policial militar

2 ABSTRACT Studding on assignment for investigation of crimes against life committed against civilians by military in service or acting on grounds of service. It way studied the analytical concept of crime and what is defined as common and as a military crime. Verification on the allocation of Federal Police, Civil and Military to calculate murder committed by civil and military in service or due to the service. The study was performed on the jurisdiction for the trial of crimes of homicide when the offender is civil or military outside service and police when the offender is in service or due to the service. It way searched documents that express the understanding of scholars, the military police and civilian police, prosecutors and military justice. It was concluded that editing is needed to resolve any other law conflicts created by Law No. 9299/96. While there is in it a new law, it is important to establish a dialogue between the agencies already mentioned, aiming to establish a rule for the performance of each of these organs in the cases under study. Keywords: Military Crime - Crime Against Life Civil felony - murder-military service - the police investigation - the military police inquiry

2 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADEPOL Associação dos Delegados de Polícia Civil do Brasil ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade BO Boletim de Ocorrência CP Código Penal CPM Código Penal Militar CPP Código de Processo Penal CPPM Código de Processo Penal Militar CR/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 EC Emenda Constitucional EMEMG Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais IP Inquérito Policial IPM Inquérito Policial Militar RGPM Regulamento Geral da Polícia Militar de Minas Gerais STJ Superior Tribunal de Justiça STF Supremo Tribunal Militar STM Superior Tribunal Militar TCO Termo Circunstanciado de Ocorrência TJM-MG Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais TJM-SP Tribunal de Justiça Militar de São Paulo

2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 8 2 CRIME... 11 2.1 Crime Culposo... 20 2.2 Crime Doloso... 22 2.2.1 Crime Doloso Contra a Vida... 23 2.3 Crime Comum... 24 2.3.1 Crime Comum Doloso Contra a Vida... 24 2.4 Crime Militar... 24 2.4.1 Crime Militar Doloso Contra a Vida... 28 3 ATRIBUIÇAO PARA A APURAÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO... 29 3.1 Atribuição para Apuração de Homicídio... 30 3.1.1 oloso...pesquisa... Atribuição da Polícia Federal para Apurar Crime de Homicídio... 31 3.1.2 Doloso Atribuição Comum da Polícia.. Civil para Apurar Crime de Homicídio Doloso... 32 3.2 Comum. Atribuição para Apuração de Homicídio Doloso Praticado Contra... Civil por Militar em Serviço ou em Razão do Serviço... 33 4 COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO CRIME HOMICÍDIO... 44 4.1 Competência para Julgamento do Crime de Homicídio Comum. 44 4.2 Competência para julgamento de Homicídio Praticado Contra Civil por Militar em serviço ou em razão do serviço... 46 5 Contra CONSIDERAÇÕES Civil por Militar FINAIS... em serviço ou em razão do serviço 52 REFERÊNCIAS... 55

8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objeto o estudo das atribuições institucionais das polícias judiciárias comum e militar para apurar o crime de homicídio praticado por militar em serviço ou em razão do serviço contra vítima civil. O tema é controverso e desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88), aliada a edição da Lei n. 9299/96 tem suscitado diversas discussões no âmbito das instituições policiais, Poder Judiciário, Ministério Público e demais estudiosos e operadores do direito. Após a promulgação CR/88, foi instituída, na alínea d do inc. XXXVIII do art. 5 da CR/88, a competência do Tribunal do Júri, para julgar os crimes dolosos contra a vida. Em 1996, foi sancionada a Lei n. 9299 que alterou dispositivos dos Decretos- Leis n. 1.001 e 1.002, de 21 de outubro de 1969, Códigos Penal Militar e de Processo Penal Militar, respectivamente, a qual definiu que os crimes dolosos contra vida de civis praticados por militares durante o serviço ou em razão do serviço seriam julgados pelo Tribunal do Júri, e não pela Justiça Militar. A citada lei, editada no ano de 1996, foi o fruto de um projeto de lei confeccionado em 1995, pelo Deputado Federal Hélio Bicudo. O projeto de lei visava que os crimes dolosos contra a vida praticados por militares em serviço fossem julgados pela justiça comum, no Tribunal do Júri. Esse projeto foi aprovado de forma ágil e com bastante apoio popular, devido a algumas ações das polícias militares em que ocorreram homicídios. O principal caso foi o de uma rebelião em uma casa de Detenção em São Paulo, em que 111 (cento e onze) detentos morreram no ano de 1992. No ano de 1993, ocorreu uma chacina na Cidade do Rio de Janeiro, em que 8 (oito) pessoas foram mortas, sendo seis menores de idade, segundo Lima Filho (1996). Além desses casos, o autor do projeto afirmou que diariamente havia confrontos entre policiais e cidadãos infratores e que os cidadãos infratores sempre morriam. O citado deputado afirmou que ocorriam essas catástrofes porque os inquéritos eram confeccionados pelas próprias policias e os militares julgados na justiça militar. Ele alegava que isso gerava uma sensação de impunidade, fato que incentivava os militares a cometerem crimes. O projeto de lei, portanto, foi aprovado

por causa do clamor público gerado por casos de confronto entre policiais e bandidos. 9 Isso gerou um conflito positivo de competência, pois as instituições militares entendem que a atribuição para a investigação de crimes dolosos praticados contra civis por militares durante o serviço ou em razão do serviço continua sendo da Polícia Judiciária Militar. Já as polícias civis entendem que a responsabilidade para a investigação foi transferida para a Polícia Judiciária Comum, após a mudança na constituição já que o julgamento passou para o Tribunal do Júri. As posições são controversas inclusive entre juízes de direito do juízo militar e juízes de direito do Tribunal do Júri. Assim, torna-se relevante a pesquisa no sentido de aprofundar o estudo do tema sobre o conflito positivo investigatório entre a Polícia Judiciária Militar e a Polícia Judiciária Comum, fato este que tem gerado desgaste entre as instituições, investigações paralelas e gastos desnecessários ao erário público. O objetivo principal do estudo foi entender, diagnosticar e apresentar sugestões para reduzir o problema, mediante o embasamento nas legislações vigentes e nos conceitos fornecidos por diversos doutrinadores especialistas no tema. O objetivo secundário se pautou em verificar a atribuição institucional para apurar crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por policiais militares em serviço ou em razão do serviço. O problema cerne a ser esclarecido é qual a instituição de polícia judiciária tem atribuição para apurar os crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por policiais militares durante o serviço ou em razão do serviço, no Estado de Minas Gerais, após a edição da Lei n. 9299/1996. Tem-se como a hipótese básica que a Polícia Militar de Minas Gerais é a instituição com atribuição para a apuração dos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civis por policiais militares durante o serviço ou em razão do serviço, no Estado de Minas Gerais, atribuição essa ratificada pela Lei n. 9299/1996. As principais variáveis a serem estudas sobre o tema são: 1) crime doloso contra a vida;

10 2) crime militar doloso contra a vida; 3) militar estar em serviço ou atuando em razão do serviço; 4) verificar de quem é a atribuição para apurar um crime militar doloso contra a vida; 5) verificar a competência para julgamento do crime comum doloso contra a vida e crime militar doloso contra vida de civis. Para realizar o estudo foi utilizado o método hipotético no qual a partir da identificação do problema: o conflito de atribuição para apuração dos crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por policiais militares durante o serviço ou em razão do serviço, foi definida a hipótese analisada por meio de pesquisa documental e bibliográfica. O objetivo foi a familiarização com o tema e a possível definição de sugestões para redução do problema, que gerou um estudo com foco aplicado. Foram verificados dados tanto de forma qualitativa quanto de forma quantitativa. A pesquisa foi qualitativa, pois foram coletados dados em bibliotecas, sites e em sedes de órgãos públicos, por meio de pesquisa indireta através da leitura de livros, monografias, artigos e demais trabalhos acadêmicos, além da jurisprudência sobre o assunto em estudo. Também foi realizada uma pesquisa direta por meio da pesquisa de normas editadas sobre o tema apresentado. Para confecção desse estudo, foram confeccionadas 5 (cinco) seções. Na segunda seção, foi definido o conceito de crime e de seus elementos. Também foram definidos os conceitos de crime militar e crime doloso contra a vida de civil. A terceira seção reflete um estudo sobre a atribuição para apuração de crimes dolosos contra a vida, em especial o crime de homicídio praticado contra civil por militar em serviço ou em razão do serviço. Na quarta seção, estudou-se a competência para o julgamento do crime de homicídio cometido por civil. Também, a competência do Tribunal do Júri para julgar o homicídio praticado por militar em serviço ou em razão do serviço. A última seção demonstra algumas considerações do pesquisador sobre o tema estudado e apresenta sugestões para o caso.

11 2 CRIME Está seção tem por objetivo apresentar de forma sintética os conceitos de crime. Também foi proposto a definição dos elementos que compõem o crime, a definição das modalidades dolosa, culposa e a diferenciação entre crime comum e crime militar. O crime pode ser entendido como uma conduta que não é aprovada, aceita, reconhecida e nem suportada pela sociedade e que em virtude disso é estabelecida uma sanção para quem o comete. A vida em sociedade é gerida por regras que em alguns casos são editadas pelo Estado na forma de leis, decretos, portarias. Segundo Greco (2010), essas normas são de âmbito administrativo, cível, ambiental, eleitoral e observando o Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, quando os demais ramos do Direito não solucionam o problema, o Direito Penal é acionado para resolver o problema que aflige a sociedade. Em resumo, quando os demais ramos do Direito não conseguem sanar contendas sociais o Direito Penal é acionado para resolver o problema. Nem todas as violações das regras na vida em sociedade são taxadas como crime, mas aquelas que são consideradas mais graves. Assim, existem as leis penais que estabelecem as condutas que não são aceitas pela sociedade e as sanções que serão impostas a quem cometa essas ações ou omissões transgressoras à norma. O conceito formal de crime é que o Crime é uma conduta (ação ou omissão) contrária ao Direito, a que a lei atribui pena. (FERREIRA, 1983, p. 2). Já o conceito analítico de Crime é que trata-se de um fato tido como típico, antijurídico e culpável (GRECO, 2010). Outros doutrinadores entendem analiticamente que o crime é um fato típico e antijurídico sendo que a culpabilidade é apenas um pressuposto para aplicação da pena já que é a mera reprovação, desabonamento da ação ou omissão realizada (MIRABETE, 2010). O entendimento majoritário da doutrina é que a culpabilidade, juízo de reprovação, também é integrante do conceito de crime. Além disso, tanto o fato típico quanto o antijurídico também são pressupostos para aplicação da pena. Para melhor

entendimento será feito um estudo separado do fato típico, do antijurídico e da culpabilidade. 12 O Tipo ou Fato Típico é o amoldar da conduta praticada a conduta prevista em norma. O Princípio da Anterioridade da Lei Penal rege que alguém só pode ser punido por uma conduta que já era descrita como crime em lei, antes do autor praticar a conduta descrita no tipo (GRECO, 2010). Esse princípio esclarece que ninguém poderá ser punido por um fato que foi definido como crime, após a pessoa ter praticado a conduta. Assim entende-se que tipo é o encaixar da conduta praticada a uma conduta já definida como crime. O Fato Típico é dividido em quatro elementos, a saber: a) Conduta que pode ser uma ação ou omissão; b) resultado; c) nexo causal ou relação de causalidade; d) tipicidade. (MIRABETE, 2010). A conduta seria uma ação que é um ato positivo ou uma omissão que pode ser entendida como uma não ação, como uma imobilidade. Tanto a ação como a omissão seriam realizadas com alguma finalidade não importando se a finalidade da ação inicial foi lícita ou ilícita. Além disso, essa conduta deve ser consciente, ou seja, ou autor deve ter consciência da conduta praticada. A conduta possui os elementos vontade e ação (MIRABETE, 2010). A vontade é o desejo, o querer, o almejar de se praticar a conduta. O segundo elemento é a ação que pode ser tanto um fazer, o ato de realizar algo quanto ou de não realizar algo, já que a conduta pode ser omissiva também. A omissão pode ser entendida como uma ausência de fazer, como bem define Greco (2010). Como já descrito acima as formas de conduta são a omissão e a ação. A ação é um ato positivo e a omissão é o ato negativo: deixar de fazer algo. A omissão é o não fazer algo que deveria ser feito. O resultado pode ser entendido como a mudança do mundo devido à conduta, ação ou omissão, de um agente. O resultado é a alteração de algo, graças a um ato de

13 um ser. No Direito Penal, o resultado é a lesão praticada a um bem jurídico de terceiro ou o mero perigo da lesão de um bem de terceiro. Bem esse que deve ser protegido pelo Direito Penal. E para que haja o crime deve existir uma relação da conduta como resultado: o chamado nexo de causalidade, conforme entende Mirabete, (2010). Para Greco (2010) e Mirabete, (2010). a causa é o motivo que gerou a mudança no mundo. Com o estudo da relação de causalidade é possível analisar, se a conduta praticada por uma pessoa tem a ver ou não com resultado que ocorreu. No estudo do nexo causal, o objetivo é verificar se a conduta do agente tem relação com o resultado. Se a conduta nada tem a ver com o resultado, não pode ser imputado o fato tido como crime aquele autor. Na análise da tipicidade, realiza-se um estudo na busca de verificar se o fato ocorrido se adapta ao tipo penal, a descrição da conduta de crime prevista em lei. Se o ato realizado não se enquadra em nenhum tipo penal, a conduta é atípica e, portanto, não existe o crime. Se o fato praticado amolda-se a descrição prevista em lei, passa-se então ao estudo da antijuridicidade de acordo com os mesmos autores citados acima. Entende-se por antijuridicidade ou antijurídico um fato que seja contrário ao ordenamento jurídico, ou seja, uma conduta vai contra ao que é desejado pelo ordenamento jurídico. Segundo Mirabete, (2010) a antijuridicidade seria um julgamento feito sobre a conduta do agente. O estudo da antijuridicidade é muito importante, pois muitas vezes o réu é absolvido com bases em excludentes de ilicitude ou antijuridicidade. Dessa forma, vários fatos típicos não serão entendidos como crime porque a conduta será realizada com base em excludentes de antijuridicidade. São exemplos de excludente de ilicitude a legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal. Existe, ainda, causa supra legal de exclusão de ilicitude que é o consentimento do ofendido, de acordo com Greco (2010).

14 Uma das causas mais conhecidas de exclusão de antijuridicidade é a legítima defesa. Ocorre o uso da legítima defesa quando alguém faz uso dos meios moderados disponíveis, a fim de repelir uma injusta agressão que pode estar ocorrendo naquele momento ou que está prestes a acontecer, de acordo com Greco (2010). Essas agressões são denominadas pelo Código de Penal, (BRASIL, 1941), de agressão atual ou iminente, respectivamente. O Pressuposto da legítima defesa pode ser invocado tanto para a proteção da pessoa ofendida ou ainda por um terceiro que defende o bem alheio. Muitas vezes, os policiais militares atuam em legítima defesa de um terceiro. O conceito de legítima defesa é ainda caracterizado pela legítima defesa real quando um bem jurídico está prestes a sofrer uma agressão ou já está sofrendo uma agressão e a legítima defesa putativa que ocorre quando o individuo imagina que será agredido. O exemplo clássico de legítima defesa putativa é a de um policial que vai abordar um indivíduo e ao determinar que o cidadão coloque as mãos para cima; o cidadão coloca a mão na cintura retirando um objeto escuro parecido com uma arma e o policial atira imaginando ser uma arma, só que na verdade o objeto era um telefone celular. O policial agiu por entender que estava prestes a sofrer uma injusta agressão. O legislador deixa bem claro que o autor da ação deve utilizar meios moderados e que o excesso será punível, ou seja, o agente deve causar o mínimo de lesão possível no uso da legítima defesa, segundo o CP (BRASIL, 1941); ao afirmar que devem ser utilizados os meios necessários mínimos, para se defender da agressão injusta.. Outra excludente de ilicitude é o estrito cumprimento do dever legal. Segundo Greco (2010), essa excludente pode ser invocada pelos funcionários públicos que tem o dever legal de agir, porém só dentro da competência legal deles. Um exemplo clássico é do policial que vai a uma casa para cumprir uma ordem judicial de penhora e retira um televisor da residência do arrolado sem a vontade dele. Essa

conduta se amolda ao tipo penal de furto, mas não é crime porque o policial atua em estrito cumprimento do dever legal. 15 O exercício regular do direito é outra excludente ilicitude prevista no art. 23 do Código Penal (CP) e não tem seu conceito definido no mesmo código como a legítima defesa. Os doutrinadores realizaram uma análise dos elementos e entendem que essa excludente de ilicitude pode ser invocada quando a norma permite a conduta. Um exemplo clássico é do lutador que causa uma lesão corporal em outro atleta durante uma luta. De Acordo com Mirabete, (2010), essa conduta está amparada, pois o regulamento da luta estabelece as permissões dos golpes. Mas, se o atleta descumprir o regulamento e aplicar um golpe proibido para o esporte ele não pode invocar essa excludente antijuridicidade. O estado de necessidade é uma causa excludente de ilicitude prevista e conceituada no CP que estabelece quais os requisitos para que o autor invoque essa excludente: Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (BRASIL, 1940, p. 22). Uma pessoa pode cometer um fato tido como crime para evitar um mal atual que não causou e que nem poderia evitar. O Código Penal ainda estabelece que o estado de necessidade pode ser invocado para justificar conduta em defesa de bem próprio ou alheio. Outro requisito para a invocação do estado de necessidade é de que não seria razoável exigir outra conduta do agente. Em análise a causa do estado de necessidade comparada a legítima defesa percebe-se que a grande diferença é que na legítima defesa comete-se um ato contra uma agressão injusta; já o estado de necessidade pode ser alegado para explicar uma conduta contra uma agressão justa. Assim, o estado de necessidade permite que um bem seja ofendido para se proteger outro bem tutelado pelo Direito. De acordo com Greco (2010) e outros doutrinadores, o exemplo clássico é o de duas pessoas se afogando em alto mar e existência de apenas uma boia. Qualquer das pessoas poderá fazer uso da força para pegar a boia e proteger sua vida.

16 Greco (2010) em consonância com o previsto no Código Penal, afirma que o estado de necessidade só pode ser alegado na defesa de um bem e valor igual ou superior ao bem que foi ofendido devido à análise do principio da razoabilidade. Se o bem ofendido for de valor superior ao bem protegido, pode ser solicitada a redução de pena prevista no 2 do art. 24 do CP e não a excludente de ilicitude estado de necessidade. Mas, Bitencourt (2000) indica que o estado de necessidade pode ser invocado na defesa de um bem de valor inferior ao bem ofendido mediante a análise da inexigibilidade de conduta diversa, suscitando-se a exclusão da culpabilidade no lugar da exclusão da ilicitude. Vale deixar bem claro que o perigo não pode ter sido causado pela vontade do agente. Alguns doutrinadores, como Hungria (1958) e Noronha (1980), entendem que tanto faz se o perigo foi causado de forma dolosa ou culposa pelo agente. Esses doutrinadores entendem que mesmo que o perigo foi causado de forma culposa o autor não poderá alegar como excludente de antijuridicidade estado de necessidade. Em Posição contrária, Greco (2010) corrobora Fragoso (1993) afirmando que o estado de necessidade só não pode ser alegado por quem causou o perigo de forma dolosa seja o dolo direto ou indireto. Observando o in dúbio pro réu o mais correto é aplicar o entendimento destes autores, já que o Direito Penal não pode ser aplicado de forma extensiva para prejudicar o réu, mas somente para o benefício dele visto que a aplicação extensiva de ser para o benéfico do réu processado. O 1 do art. 24 do CP normatiza que o individuo que tem o dever legal de agir não pode alegar o estado de necessidade. Neste caso entra o exemplo do salva-vidas que deve entrar no mar para salvar uma pessoa se afogando; do policial militar que não pode deixar de enfrentar o cidadão em conflito com a lei. Porém, Greco (2010) alerta novamente para o princípio da razoabilidade, esclarecendo que uma pessoa não poderia exigir que um bombeiro arriscasse a vida entrando numa casa em chamas para salvar bens materiais. Outro aspecto abordado é que o disposto no citado paragrafo estabelece que o dever necessita de previsão legal (constituição lei, decreto) e não somente previsão contratual. Dessa forma, um segurança pode alegar o estado de necessidade no caso de estar com seu patrão em um barco durante uma tempestade e no caso do barco afundar ele pode disputar o colete salva-vidas com o patrão.

17 Outra causa excludente e ilicitude não prevista em lei é o consentimento do ofendido. Essa causa é supralegal e pode ser invocada pelo agente de uma conduta tida como crime. O legislador não a previu, mas ela é aceita normalmente sendo observados alguns requisitos que, segundo Greco (2010), são quatro. O primeiro desses requisitos é que o bem seja disponível: a vítima deve ter o direito de poder dispor do bem. Um exemplo de bem disponível é o patrimônio, então, uma pessoa poderia permitir que outra pessoa causasse um dano no patrimônio dela. Já a vida é um bem indisponível, dessa forma, ninguém pode permitir que uma pessoa pratique um homicídio contra ela. Esse requisito existe devido à indisponibilidade de alguns bem jurídicos como a vida. O livre consentimento do ofendido também e requisito para aceitação da excludente de ilicitude em voga. Se o ofendido consentiu que o fato típico fosse praticado mediante coação moral irresistível, esse consentimento não vale porque o consentimento não foi de livre e espontânea vontade do ofendido. O terceiro requisito é que o ofendido tenha potencial consciência do fato a ser praticado. O ofendido deve saber o tamanho da ofensa que será praticada contra ele. Assim, o consentimento de uma pessoa embriagada ou sobre efeito de remédios não tem valor jurídico. Muito menos, o consentimento de uma criança ou de um alienado mental. O último requisito é que seja praticado o fato que o ofendido permitiu. Se uma pessoa permite que alguém arranque o retrovisor do carro dela, o autor não tem autorização para arrancar o para-brisa do veículo. Dessa forma, não pode ser alegado consentimento do ofendido, nesse exemplo, para elidir a conduta praticada e tida como crime. Resta, agora o estudo da culpabilidade estabelece que ela é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. (GRECO, 2010, p. 363). Assim, para que o fato seja crime, além dele ser típico e antijurídico, necessita de ser reprovado pela sociedade. Para facilitar o entendimento da culpabilidade será feito um estudo dos elementos definidos por Welzel (1987). Os

elementos são a imputabilidade, consciência da ilicitude e a exigência de conduta diversa. 18 O primeiro elemento é a imputabilidade que é a possibilidade de ser imposta sanção a alguém que cometeu um ato proibido. O CP pressupõe de maneira genérica que não pode ser imposta pena aos menores de dezoito anos, os quais ficarão sobre a égide do Estatuto da Criança e do Adolescente; e as pessoas com desenvolvimento mental incompleto ou retardado que não conseguiram ter consciência da ação quando praticaram o fato. O art. 28 2 do CP (BRASIL, 1941) ainda estabelece isenção de pena as pessoas que tiveram embriaguez completa de forma involuntária, por motivo de caso fortuito ou força maior e que no mento da conduta não tinham consciência do que praticaram. O Código Penal não isenta de pena as pessoas que tiveram embriaguez voluntaria completa ainda que de forma culposa. O Código, também, não isenta de pena as pessoas que no momento da ação não tinham total consciência da ação devido a um problema de saúde mental. A norma também não isenta de pena quem agiu devido à violenta paixão ou emoção. Nesses casos elencados o Código Penal, estabelece a possibilidade da redução de pena de um a dois terços, conforme narra Greco(2010). O segundo elemento é a consciência da ilicitude do fato descrita por Welzel (1987) como potencial consciência da ilicitude do fato. O Código Penal Brasileiro estabelece no art. 21 que se uma pessoa desconhece a norma ela não é isenta de pena, mas que se ela de forma inevitável desconhecia a ilicitude do fato, a pena isenta. Isso mostra que para que ocorra um crime a pessoa precisa ter consciência de que está praticando um fato criminoso. Greco (2010) traz o exemplo de um turista que no país de origem o uso de maconha é permitido e que ele vê num folheto turístico do Brasil pessoas fumando um cigarro semelhante ao da maconha. Se ele desembarcar no Brasil e fumar um cigarro de maconha, ele não cometerá crime porque tem total inconsciência do fato tido como crime e supõe não o cometer. O Código Penal no mesmo artigo estabelece que a pena pode ser reduzida se o erro era evitável.

19 O terceiro aspecto observado para se verificar se o fato é culpável ou não é a exigência de conduta diversa entendida por Greco (2010) que é a exigência do autor agir conforme a lei no momento do fato em questão. Em alguns casos mesmo que o autor atue de forma contrária a lei pode ser retirada a culpabilidade. A parte geral do Código Penal no art. 22 traz como possibilidade de exclusão da culpabilidade o agente ter agido por coação moral irresistível ou agido em obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior. Nesses casos serão punidos apenas os autores da coação ou da ordem, segundo Greco (2010). A coação irresistível é uma coação moral da qual não se pode exigir uma conduta diversa da pessoa que é coagida. O exemplo clássico é o da pessoa que é obrigada a matar alguém, para que o filho dela, que está sequestrado não morra, de acordo com Greco (2010). Nessa situação o coator é que responde pelo crime. A exclusão da culpabilidade não cita a coação física irresistível porque não coação física não existe conduta do agente já que quem força o movimento muscular é o coator. Nos casos de coação moral resistível o Código Penal estabelece a redução de pena, sew acordo com Greco (2010). No caso da obediência de ordem não manifestamente ilegal, a doutrina entende que quem obedece a ordem deva ser subordinado ao mandante da ordem. Também se manifesta que ordem deve ser de competência do autor e que ele não deve fazer nada além da ordem proferida pelo superior. Assim, se um policial recebe a ordem de cumprir um mandado de busca e apreensão ele não pode alegar obediência a ordem não manifestamente ilegal para torturar uma pessoa a fim de obter o objeto procurado. Além disso, a ordem deve ser entendida na normalidade que é legal. Dessa forma, se um policial receber a ordem para torturar alguém, não pode alegar o princípio em questão, de acordo com Rosa (2009). O Direito Penal Brasileiro, também, aceita as causas supralegais de exclusão de culpabilidade embarcadas nas causas de inexigibilidade de conduta diversa. Autores apontam que uma pessoa possa alegar inexigência de conduta diversa para recusar a fazer algo em virtude de crença religiosa política ou filosófica. O Código de Processo Penal, no art. 483, prevê que um dos quesitos formulados ao conselho de sentença, nos casos de crimes dolosos contra a vida, é se o réu deve ser absolvido