XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 1



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Transcrição:

1 EXPERIÊNCIAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL CAPIXABA Charles Moreto Instituto Federal do Espírito Santo Campus Santa Teresa charlesm@ifes.edu.br RESUMO O estudo em questão é o resultado de um Levantamento, de caráter exploratório, que utilizou como instrumento para obtenção de dados questionário encaminhado às Secretarias Municipais de Educação dos setenta e oito (78) municípios do Estado do Espírito Santo. Com o objetivo de identificar e analisar as experiências de educação no meio rural, no ensino fundamental das respectivas redes municipais, bem como de identificar as modalidades de parcerias interinstitucionais para financiamento e assessoramento pedagógico que ocorrem para a manutenção das experiências e verificar o conhecimento das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo colocamo-nos como questão de investigação: Quais experiências de educação no meio rural, no ensino fundamental, estão sendo desenvolvidas nos municípios capixabas? Entre os resultados obtidos destacamos que as escolas do meio rural atendem a uma população complexa e diversificada, com especificidades étnicas e culturais marcantes, onde destacamos as comunidades de pomeranos e de quilombolas. No meio rural capixada, número expressivo de escolas são multisseriadas. Entre as experiências pedagógicas destacam-se a escola rural regular (escola tradicional) e o Programa Escola Ativa - PEA. Discute-se que nos municípios que vinham desenvolvendo experiências pedagógicas para o meio rural, o diálogo entre os projetos locais, como as escolas em semi-alternância, o Programa de Valorização da Educação Rural PROVER, as experiências em pedagogia da alternância PA, os Centros Municipais de Educação Agroecológica - CMEA e o PEA é necessário, ao invés da substituição de um (local) por outro (nacional). Todas as escolas são mantidas pelas Prefeituras e têm parcerias estabelecidas seja com a Secretaria de Estado da Educação SEDU, o Ministério da Educação MEC ou ambos. PALAVRAS-CHAVE: Educação no meio rural. Espírito Santo. Experiências pedagógicas. INTRODUÇÃO O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE apresentou, recentemente, relatório preliminar com dados referentes ao Censo 2010. Nele, a população rural brasileira representava 15,65% de sua população total. Eram 29.852.986 habitantes que tinham seus domicílios no meio rural. Livro 3 - p.006800

2 Ao considerar os dados por regiões geográficas, os valores percentuais de população residente no meio rural são os que seguem: 1º) Nordeste (26,87%); 2º) Norte (26,49%); 3º) Sul (15,07%); 4º) Centro-Oeste (11,18%); 5º) Sudeste (7,08%) (IBGE, 2010). Contudo, quando observamos os valores absolutos, a posição das regiões sofre ligeira alteração. Assim, temos em ordem decrescente: Nordeste (14.261.242 hab.), Sudeste (5.691.847 hab.), Norte (4.202.494 hab.), Sul (4.126.935 hab.) e Centro-Oeste (1.570.468 hab.) (IBGE, 2010). Em relação aos dados demográficos sobre as Regiões, queremos chamar a atenção para dois casos em particular: o primeiro refere-se à Região Nordeste que possui praticamente a mesma população residente no meio rural das demais regiões (são 47,77% da população rural brasileira). O segundo caso diz respeito à Região Sudeste que, apesar de ter apenas 7,08% de sua população total residindo no campo, quando consideramos os valores absolutos referentes a essa população, a região em questão responde por 19,07% da população rural brasileira. Sobre o Estado do Espírito Santo, os dados apurados pelo Censo 2010 mostram que, 16,62% de sua população reside no meio rural. São, aproximadamente, 583.679 pessoas que vivem NO campo, sendo o número de habitantes que vivem DO campo muito maior quando levamos em conta que a base da economia da maior parte dos municípios capixabas está relacionada ao setor primário, além de inúmeros profissionais que não estão diretamente ligados ao trabalho no setor em questão, mas que desenvolvem trabalhos nos setores secundário e terciário da economia NO campo e PARA o campo. Somado a isso, temos interessantes discussões que problematizam a metodologia oficial de cálculo do grau de urbanização do Brasil, afirmando que a mesma é anacrônica e obsoleta, o que contribui para que o país seja mais urbano do que efetivamente é (VEIGA, 2003). Em que pese esse amplo contingente que habita o meio rural brasileiro, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2008 analisados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA mostram que a população rural continua menos favorecida que a urbana. Em relação à escolarização, a Pesquisa aponta que: [...] A taxa de analfabetismo para pessoas acima de 15 anos é de 7,5% na zona urbana e de 23,5% na zona rural. Enquanto, nas cidades, 9% da população têm pouca ou nenhuma instrução, no campo, tal proporção ultrapassa 24%. Em outro extremo, a população mais escolarizada, acima de 11 anos de estudo, representa mais de 40% da população urbana e apenas 12,8% Livro 3 - p.006801

3 da população rural. A maioria da população do campo 73% - não completou o ensino fundamental (IPEA, 2010, p. 5). A temática da educação no meio rural, assim como a educação em geral, está intimamente relacionada às relações de poder que envolvem a produção do rural na sociedade brasileira. Essa produção pautou-se (e/ou ainda pauta-se) sob uma lógica excludente, discriminatória, injusta, originada no processo de divisão das terras no Brasil, desde o início da Colônia. Diante disso, ocorreu/vem ocorrendo um movimento de ressignificação do rural como espaço de vida e de vivências, de saberes e práticas, como CAMPO; um campo de possibilidades. O termo Educação do Campo foi gestado a partir de diferentes sujeitos coletivos, entre os quais podemos destacar os movimentos sociais do campo, as universidades, as organizações não-governamentais, as instituições religiosas e as instituições públicas entre outras. Esses sujeitos coletivos, de forma processual, revelaram que a educação rural ofertada, além de não atender ao direito de acesso à educação básica a todos os indivíduos, em idade escolar ou que a ela não tiveram acesso na idade própria, também não garantia a permanência (e uma permanência com sucesso) de todos que a ela tinham tido acesso. Em muitos casos, mesmo quando a permanência era garantida, esta acabava sendo permeada por uma oferta de qualidade duvidosa. A esse respeito merecem destaque as denúncias das precárias condições de conservação dos espaços escolares (prédios, pátios e demais dependências); da falta de recursos financeiros específicos e diferenciados que contemplassem as especificidades dessas escolas; da organização dos tempos e dos espaços da escola de forma mais adequada à vida dos alunos e de suas respectivas famílias, bem como de suas comunidades; da falta de propostas de formação inicial e continuada para os docentes (HENRIQUES, 2007; INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP, 2007), potencializando entre os professores discutir sobre essa escola, seus sujeitos, seus tempos, seus espaços, seu valor simbólico para as comunidades onde estão inseridas e suas populações. Diante do exposto, elaborou-se e difundiu-se no imaginário coletivo nacional que esse tipo de escola (sobretudo as escolas com salas multisseriadas), assim como o local onde a mesma está localizada, são resquícios de um passado (rural) sinônimo do atraso e que estariam fadadas ao desaparecimento com o processo de urbanização. Era apenas uma questão de tempo que essa população extinguisse-se e, consequentemente, Livro 3 - p.006802

4 não necessitasse mais de escolas rurais. No entanto, há um engano na crença de que o rural desaparecerá (VEIGA, 2003). Centrada no protagonismo dos sujeitos coletivos, na luta por uma educação de qualidade e no compromisso com a construção do campo e da cidade como espaços de construção da vida de forma sustentável, a Educação do Campo vai firmando-se como princípio, conceito, método, política pública, etc., cujo referencial germina e frutifica a partir da luta pela terra. Muito mais que uma mudança de nomenclatura (de educação rural para educação do campo), esta se caracteriza como um movimento de constituição de políticas públicas que garantam à população rural uma educação que seja NO e DO CAMPO (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009; FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009; ARROYO, 2009; CALDART, 2009a; 2009b; FERNANDES, 2009). Ela defende o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada a sua cultura e as suas necessidades humanas e sociais e não a implantação de experiências de escolas alienígenas a esse cenário/contexto. Assim, considerando o cenário capixaba, desde a década de 1960 vêm sendo desenvolvidas experiências diferenciadas de educação no meio rural, com destaque para as Escolas Famílias Agrícolas EFA s e o emprego da Pedagogia da Alternância - PA. Diante dos argumentos apresentados, o problema que abordamos para o desenvolvimento deste estudo buscou responder à seguinte questão: Quais as experiências de educação no meio rural, no ensino fundamental, estão sendo desenvolvidas pelos municípios do Estado do Espírito Santo? Nossos objetivos com este trabalho, portanto, foram: a) Identificar as experiências de educação no meio rural, no ensino fundamental, desenvolvidas pelos municípios do Estado do Espírito Santo; b) Identificar as modalidades de parceria interinstitucionais e de financiamento que ocorrem para a manutenção dessas experiências educativas; c) Verificar o conhecimento, por parte das Secretarias Municipais de Educação do Estado do Espírito Santo, das Diretrizes Operacionais da Educação do Campo e de como as mesmas estão sendo implantadas. Este trabalho é um Levantamento e caracteriza-se como uma pesquisa exploratória. Para a obtenção dos dados empregamos o questionário, encaminhado a todas as 78 Secretarias Municipais de Educação do Estado do Espírito Santo. Junto do questionário, foi encaminhado um Guia de Orientação para auxiliar no processo de preenchimento e, também, envelope selado para devolução do questionário respondido. Livro 3 - p.006803

5 Obtivemos retorno de 52 Secretarias Municipais de Educação. No entanto, 01 informou não ter escolas localizadas no meio rural sob sua jurisdição e 02 tiveram seus questionários desconsiderados por problemas no preenchimento. Portanto, 49 municípios capixabas tiveram seus questionários considerados para tabulação e análise neste estudo, o que representa 62,82% dos municípios. As fontes, portanto, com as quais trabalhamos foram, prioritariamente, primárias, ou seja, constituídas por dados que ainda não sofreram estudo e análise. APRESENTANDO OS DADOS DA PESQUISA Segundo dados do Censo da Educação 2010 (INEP, 2011), no Brasil 4.664.770 alunos estavam matriculados nas séries iniciais e finais do ensino fundamental do ensino regular, nas redes estaduais e municipais, em escolas localizadas no meio rural. Esse quantitativo representava 17,49 % do total de matrículas do país, nesse nível de ensino. Em relação ao Espírito Santo, eram 60.014 matrículas no meio rural, em escolas municipais e estaduais, o que representava 12,76% do total de matrículas dessas redes e nível de ensino no Estado. No estudo em questão, consideramos apenas os dados relativos às redes municipais e informados por suas respectivas Secretarias de Educação. Como já explicitamos são 49 (62,82%) dos 78 municípios capixabas que tiveram seus questionários validados para compor nosso corpus de análise. Essas Secretarias informaram a existência de um total de 771 escolas localizadas no meio rural dos municípios respondentes, responsáveis por atender a uma população diferente e diversa em suas características sociais, culturais, étnicas e econômicas. Nesse sentido, 72,89% das escolas localizadas no meio rural capixaba atendem especificamente a população campesina tradicional. Aqui é importante esclarecer que populações campesinas tradicionais englobam também as populações indígenas, quilombolas (DIEGUES apud SANTANA; OLIVEIRA, 2005), pomeranas, entre outras. No entanto, no estudo em questão, estamos considerando-as separadamente. Outras 0,52% e 0,65% atendem, respectivamente, a acampados e assentados da Reforma Agrária. Em 0,91% das escolas do meio rural no Espírito Santo, são atendidos alunos de populações indígenas, enquanto que em 2,20% estudam alunos provenientes Livro 3 - p.006804

6 de comunidades quilombolas e em 3,63% estudantes de comunidades étnicas que não indígenas e quilombolas. Estas últimas atendem alunos de comunidades de origem germânica, sobretudo alemães e pomeranos que representam significativo grupo formador do povo capixaba. Há também, escolas que atendem alunos provenientes de dois ou mais grupos, sendo: 0,26% - população campesina tradicional e acampados; 0,78% - população campesina tradicional e assentados; 0,13% - população campesina tradicional e quilombolas; 4,80% - população campesina tradicional e comunidades étnicas que não indígenas e quilombolas. Outras 13,23% do total de escolas não informaram a população que atendem. Essas escolas, tendo em vista sua localização geográfica combinada com reduzido número de alunos, são unidocentes ou pluridocentes, compostas por turmas multisseriadas em 77,55% dos casos. Aspecto importante a considerar é que todas essas escolas atendem alunos matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental. Outras 14,66% das escolas são organizadas em turmas unisseriadas, sendo que entre as mesmas destacam-se as que atendem às séries finais do ensino fundamental. Em 1,43% dos casos, as escolas possuem turmas multisseriadas (séries iniciais do ensino fundamental) e unisseriadas (séries finais do ensino fundamental). Por fim, 0,91% das escolas são organizadas em ciclos/outra forma e 5,45% das escolas não tiveram sua forma de organização das turmas informada. Ao considerarmos os dados acima e compararmos os mesmos com os que seguem, podemos perceber a relevância das escolas unidocentes e pluridocentes (com turmas multisseriadas) para as populações do meio rural. Das 771 escolas localizadas no meio rural dos 49 municípios capixabas considerados neste trabalho, 42,67% não são escolas nucleadas. Ou seja, são escolas isoladas, localizadas em fazendas, em sedes de pequenas comunidades rurais. Outras 26,59% são escolas nucleadas, no entanto, localizadas no meio rural. Essas escolas são, em sua maioria, compostas de turmas unisseriadas, com destaque para as séries finais do ensino fundamental. Por fim, 30,74% das escolas não foram identificadas se são nucleadas ou não por suas respectivas Secretarias de Educação. PROGRAMAS / EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS Livro 3 - p.006805

7 Considerando as respostas dadas pelas Secretarias Municipais de Educação, podemos afirmar que a diversidade de projetos e programas de educação própria e apropriada para as escolas do meio rural dos municípios capixabas é bastante reduzido. Em um universo de 771 escolas, foram informados oito projetos/programas que de educação para o meio rural que acabam por engendrar uma ação pedagógica segundo os princípios filosóficos, epistemológicos e políticos propostos pelos mesmos. Os projetos/programas (ou ausência deles) e suas respectivas experiências são: a) Escolas Rurais Tradicionais; b) Programa de Valorização da Educação Rural PROVER; c) Experiências em Pedagogia da Alternância PA; d) Experiências em Semi-Alternância; e) Escola Indígena; f) Centos Municipais de Educação Agroecológica CMEA e; g) Programa Escola Ativa - PEA. Também foi informada a formação ofertada pela UFES em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, voltada exclusivamente para os professores do meio rural como uma experiência de formação docente. Em termos de abrangência das escolas do meio rural, as experiências acima mencionadas correspondem a: a) Programa Escola Ativa PEA: 71,73%; b) Escolas Tradicionais Rurais: 13,62%; c) Experiências em Semi-Alternância: 5,45%; d) Programa de Valorização da Educação Rural PROVER: 2,33%; e) Experiências em Pedagogia da Alternância PA: 1,30%; f) Escola Indígena: 0,91%; g) Centros Municipais de Educação Agroecológica CMEA: 0,40%. A formação oferecida pela UFES em parceria com a Secretaria Municipal de Educação abrange 1,80% das escolas do meio rural, enquanto a situação de 2,46% das escolas não foi informada. FINANCIADORES E MANTENEDORES Por estarmos trabalhando apenas com as escolas das redes municipais de educação, em 99,48% dos casos seus principais financiadores ou mantenedores foram as Prefeituras Municipais, por meio das Secretarias Municipais de Educação. Outras 0,52% das escolas não tiveram seus financiadores ou mantenedores informados. Livro 3 - p.006806

8 Dentre as escolas com financiadores e mantenedores informados, em 79,14% o mantenedor é, exclusivamente, a Prefeitura Municipal por meio da Secretaria Municipal de Educação. Em 11,08% das escolas, o município continua sendo o principal mantenedor, porém tendo como co-financiador o Ministério da Educação - MEC. Em 9,26%, além da Prefeitura e do co-financiamento do MEC, as escolas também recebem recursos da Secretaria de Estado da Educação - SEDU. Por fim, em 0,52% das escolas, as famílias são apresentadas como co-financiadoras, sendo o município seu principal mantenedor. PARCERIAS Em relação às parcerias, em 9,99% das escolas as mesmas se dão exclusivamente com as Secretarias Municipais de Educação. Em 25,42% elas se dão, exclusivamente, com o MEC. No entanto, a maior parte das escolas possui parcerias com dois ou mais órgãos/instituições, conforme explicitado a seguir: a) Em 28,92% são parceiros a SEDU e o MEC. b) Em 8,43% os parceiros são, além da SEDU e do MEC, a própria Secretaria Municipal. c) Em 6,87% são parceiros a Secretaria Municipal e o MEC. d) Em 5,45% são parceiros a Secretaria Municipal de Educação, o MEC, a SEDU e a Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo RACEFFAES. e) Em 3,24% os parceiros são a Secretaria Municipal de Educação, o MEC, a SEDU e a UFES. f) Em 1,82% são parceiros a Secretaria Municipal de Educação e a UFES. g) Em 0,26% os parceiros são a Secretaria Municipal de Educação e a RACEFFAES. Importante salientar que 9,60 % das escolas não tiveram seus parceiros informados. CONHECIMENTO DAS DIRETRIZES OPERACIONAIS Livro 3 - p.006807

9 Das Secretarias Municipais de Educação que responderam ao questionário, 81,63% informaram ter conhecimento das Diretrizes Operacionais para Educação Básica do Campo, enquanto 18,37% informaram desconhecê-la. Dentre os conhecedores, 55,10% afirmaram ter tido conhecimento das Diretrizes através do Programa Escola Ativa, enquanto outros 44,90% informaram ter tido conhecimento por outros meios, tais como a participação de membros das Secretarias Municipais de Educação em reuniões do Território Pólo Colatina; através da realização de Cursos de Aperfeiçoamento e pelo Curso de Especialização em Educação do Campo ofertado pela UFES; por participar do Comitê Estadual de Educação do Campo; participação em reuniões e seminários, participação nas discussões sobre o Plano Nacional de Educação e na CONAE, pela Resolução CNE/CEB nº 01 de 03 de abril de 2002, participar do Seminário de Educação do Campo na UFES, lendo a legislação vigente sobre a educação, pesquisas, estudos realizados para elaboração do Plano Municipal de Educação e por ter uma pesquisadora sobre educação do campo trabalhando na Secretaria. Um aspecto importante a ser mencionado é que o Programa Escola Ativa foi universalizado para todo o território brasileiro em 2008 e começou a ser trabalhado no Espírito Santo em 2009. Nesse sentido, entendemos que, apesar das críticas ao Programa, foi graças ao mesmo que mais da metade dos municípios em questão tiveram conhecimento das Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo. Ainda segundo as Secretarias Municipais que responderam ao questionário, 69,39% delas implementam as Diretrizes. Outras 28,57% não as implementam. Outras 2,04% não informaram. Isso nos mostra que cerca de 12,24% (o que representa 06 municípios), conhecem as Diretrizes mas não as implementam. Entre os motivos alegados temos que as mesmas encontram-se em fase de estudo, formação dos professores e adequação das estruturas pedagógicas (SECRETARIAS 03, 21 e 23). Outra alegou que as Diretrizes não estão contempladas nas políticas municipais, sobretudo no Plano Municipal de Educação (SECRETARIA 09). A Secretaria 20 informou que um novo documento municipal (proposta curricular) está em fase de construção e que buscarão contemplar as diretrizes no mesmo. Por fim, uma Secretaria (19) manifestou que, mesmo já capacitados, os professores não implementam as Diretrizes em suas respectivas escolas. Livro 3 - p.006808

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir, com base nos dados obtidos, que as Secretarias Municipais de Educação dos municípios em questão vêm tentando desenvolver um trabalho de acompanhamento mais próximo das escolas do meio rural. No entanto, o Programa Escola Ativa - PEA, dada sua universalização em 2008 para todas as regiões do Brasil, é implantado nas escolas multisseriadas (que constituem o maior número), trazendo uma metodologia própria que tem, como objetivo, melhorar a qualidade da educação no meio rural. Entendemos que onde existiam vácuos, o PEA apresenta-se como importante elemento de fomento à discussão sobre como fazer da educação rural uma educação do campo. No entanto, entendemos também que nos municípios que vinham desenvolvendo experiências pedagógicas para o meio rural, o diálogo entre os projetos locais e o PEA é necessário, ao invés da substituição de um (local) por outro (nacional). REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel González. A educação básica e o movimento social do campo. In: ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLIINA, Mônica Castagna (Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. cap. 2, p.65 86. ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLIINA, Mônica Castagna. Apresentação. In:. (Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. Apresentação, p. 7 18. CALDART, Roseli Salete. A escola do campo em movimento. In: ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLIINA, Mônica Castagna (Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009a. cap. 3, p.87-132.. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em construção. In: ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLIINA, Mônica Castagna (Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009b. cap. 5, p.147-160. FERNANDES, Bernardo Mançano. Diretrizes de uma caminhada. In: ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLIINA, Mônica Castagna (Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. cap. 4, p. 133 146. Livro 3 - p.006809

11 FERNANDES, Bernardo Mançano; CERIOLI, Paulo Roberto; CALDART, Roseli Salete. Primeira Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo : texto preparatório. In: ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLIINA, Mônica Castagna (Orgs.). Por uma educação do campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. cap. 1, p.19 64. HENRIQUES, Ricardo et al. (Orgs.). Educação do campo: diferenças mudando paradigmas. Brasília: MEC. SECAD, 2007. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Primeiros dados do Censo 2010. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/primeiros_dados_divulgados/index.php>. Acesso em: 10 jun.2011. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. PNAD 2008: primeiras análises. O setor rural. Comunicados IPEA nº 42. 29 mar. 2010. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Panorama da Educação do Campo. Brasília: INEP, 2007. SANTANA, Luciano Rocha; OLIVEIRA, Thiago Pires. O patrimônio cultural imaterial das populações tradicionais e sua tutela pelo Direito Ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 750, 24 jul. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/7044>. Acesso em: 23 jul. 2011. VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. Livro 3 - p.006810