OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES ENQUANTO UMA CATEGORIA ESPECÍFICA DE DIREITOS HUMANOS Guilherme Pittaluga Hoffmeister 1 Luiz Henrique Silveira dos Santos 2 Eduardo da Silva Fagundes 3 1 INTRODUÇÃO A concepção de direitos humanos das mulheres enquanto categoria específica é ainda relativamente nova e pouco debatido na academia. Por outro lado, as violações aos direitos humanos das mulheres ocorrem desde há muito tempo. O presente trabalho pretende, a partir de uma análise histórica, compreender a forma a qual o os direitos das mulheres enquanto direitos humanos têm se desenvolvido. A relevância e a atualidade do trabalho, bem como a necessidade do debate sobre a temática, resta cristalina quando se pensa nos incontáveis casos de violência contra a mulher, em razão de gênero, que se dão todos os dias no seio da sociedade. Não por acaso, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio que ocorreu no dia 25 de outubro último gerou tanta repercussão. 2 OBJETIVOS O trabalho tem por objetivo introduzir a ideia de direitos humanos, traçando um histórico desde o seu surgimento, no Pós Segunda Guerra Mundial, bem como o seu processo de evolução. Em seguida, abordar o tema até o momento em que se consolidou a possibilidade de se falar em direitos humanos das mulheres enquanto categoria específica dos direitos humanos. Compreende-se que essas noções, bem como a percepção histórica do desenvolvimento, são fundamentais para uma necessária qualificação da discussão da matéria 1 Acadêmico do 10.º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano. Acadêmico do 6.º semestre do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: gphoffmeister@hotmail.com 2 Acadêmico do 6.º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano. E-mail: lh.silveira@hotmail.com 3 Acadêmico do 5.º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano. E-mail: efagundes626@gmail.com
atualmente. O presente artigo é mais um dos meios que buscam disseminar conhecimento sobre a matéria e incitar o debate aqui já enunciado 3 METODOLOGIA A fim de atingir os objetivos, o trabalho se utilizará dos métodos de abordagem dedutivo na busca de conclusões que derivam dos ensinamentos de doutrinadores e de procedimento histórico e monográfico, para avaliar a importância da discussão a partir de uma perspectiva de desenvolvimento do tema ao longo do tempo. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO A precisa noção e formulação jurídica do termo Direitos Humanos é algo bastante recente e associada à luta internacional do período posterior à Segunda Guerra Mundial, o que se deu principalmente em razão do combate e necessidade de prevenção às atrocidades como as cometidas no período. Como um marco fundamental, destaca-se o advento da Declaração Universal dos Direitos dos Homens, de 1948. A Declaração Universal dos Direitos dos Homens (DUDH), em conjunto com outros três documentos, compõe a Carta Internacional dos Direitos do Homem. A necessidade da iniciativa adveio do fato de a Declaração não possuir a força vinculante necessária, por si só, para obrigar os Estados a cumpri-la, sendo, portanto, necessária a elaboração de outros documentos que estimulassem a adesão. Assim, criados mais dois documentos: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Os Pactos foram assinados em 1966, mas entraram em vigor apenas em 1976, pois foi preciso aguardar dez anos para que 36 Estados os ratificassem. Rememora-se, ainda, o momento em que a Carta das Nações Unidas foi elaborada, em 1945, no qual as mulheres tinham direito a voto em apenas 31 países e eram tratadas como pessoas de segunda classe em quase todo o mundo (AZAMBUJA; NOGUEIRA, 2008). A complexidade das diferenças de gênero foi neutralizada durante muitas décadas, começando a ser denunciada apenas a partir do movimento de mulheres, em meados da década de 1960 (FERREIRA, 2005). Para Azambuja e Nogueira (2008), a noção de direitos humanos das mulheres enquanto categoria específica dos direitos humanos é particularmente visível na área do direito à saúde sexual e reprodutiva, onde, evidentemente, há circunstâncias específicas às
mulheres que não existem para os homens. Poder-se-ia afirmar, portanto, que há um rosto masculino e um rosto feminino em matéria de direitos humanos, caracterização que permite pensar uma ótica de direitos humanos das mulheres. O referido rosto feminino evidencia-se nas ausências ou nas violações dos direitos humanos, como por exemplo, o fato de a maior parte dos pobres do mundo serem mulheres; a maior parte dos analfabetos serem mulheres; a maior parte dos crimes sexuais serem praticados contra mulheres; as mulheres e jovens serem a maior parte da pessoas traficadas e exploradas sexualmente; quem mais sofre as consequências da falta de assistência e de cuidado na saúde sexual e reprodutiva são as mulheres e, por fim, a maior parte dos refugiados e deslocados em situações de guerra e conflitos armados, externos e internos, serem as mulheres e suas crianças (AZAMBUJA; NOGUEIRA, 2008). Diante dessas constatações, em finais da década de 1960 e meados de 1970 se iniciou um processo de conscientização acerca da necessidade da criação de ferramentas institucionais que tivessem como escopo o melhoramento das condições de vida das mulheres. Neste processo, o ano de 1975 foi proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Ano Internacional da Mulher, ano em que também se realizou a I Conferência sobre as Mulheres, na Cidade do México. Nessa, o período compreendido entre os anos 1976 e 1985 foi reconhecido como a Década das Mulheres e aprovou-se, então, o Plano de Ação Mundial (SILVA, 2002). Segundo Monteiro (2005), foi em 1979, após a realização da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, que fora organizada pela ONU, que a violência contra as mulheres passou a ser reconhecida oficialmente como um crime contra a humanidade. Assim, paulatinamente, a questão da violência contra as mulheres passou a ocupar um lugar de destaque nos fóruns e discussões. Inicialmente, se deu em virtude do protagonismo das organizações a favor dos direitos das mulheres. E, segundo Azambuja e Nogueira (2008), a partir dos anos 1980, a nível dos governos e organismos internacionais como a ONU e algumas de suas agências especializadas e também de outras organizações não especificamente de mulheres, como a Anistia Internacional e a Federação Internacional para o Planejamento Familiar (VICENTE, 2000). Esta Convenção é considerada a carta dos direitos humanos das mulheres (LOPES, 2005, p. 162). Mas, apesar de ter quase 30 anos e de seu caráter vinculativo, continua a ser alvo de constantes violações dos direitos nela enunciados.
Após a Década das Mulheres e até o ano de 1995, a ONU realizou mais três conferências mundiais especificamente sobre mulheres: 1980, Copenhagen; 1985, Naioróbi e 1995, Pequim. Em 1993, como resultado da Conferência sobre os Direitos Humanos, realizada em Viena (Áustria), surgiu a Declaração de Viena para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Nesta, encontra-se pela primeira vez uma cristalina classificação das diferentes formas de violência (LOPES, 2005; MONTEIRO, 2005). Apesar de nenhum dos documentos preparatórios dessa conferência fazerem menção a este respeito, a pressão das numerosas organizações internacionais de mulheres fez com que o texto final desse encontro consubstanciasse os direitos das mulheres como direitos humanos (AZAMBUJA; NOGUEIRA, 2008). Assim, na década de 1990 observa-se o surgimento do movimento que se identificou com a máxima os direitos das mulheres são direitos humanos. O enquadramento dos direitos das mulheres como direitos humanos permitiu que se fizessem exigências nos termos que a comunidade internacional já aceitava, por exemplo, para alguns grupos (como as minorias étnicas). Assim, a luta feminista avança, em um período em que a compreensão das agressões praticadas contra as mulheres como violação dos direitos humanos estabeleceu que os Estados são responsáveis por esses abusos, sejam eles cometidos na esfera pública ou privada (FERREIRA, V., 2005). No ano de 1995, foi realizada a Quarta Conferência Mundial da ONU sobre as Mulheres, em Pequim, sendo a violência contra as mulheres assumida também como uma questão de gênero. Assim, para Azambuja e Nogueira (2008) a Plataforma de Pequim constitui-se em um documento de especial importância no campo dos direitos das mulheres, pois constitui uma estratégia mais fundamentada em termos de ações e conceituações a esse respeito, sendo considerada a cartilha fundamental em termos internacionais no domínio da identificação das principais áreas estratégicas de acção no sentido de corrigir as desigualdades de género (ROSEIRA, 2005, p. 95). 5 CONCLUSÕES O surgimento dos direitos humanos é relativamente recente, algo de que não se deve olvidar. Os direitos humanos das mulheres, enquanto construção teórica, ainda mais recentes. Resta ainda carente de uma legislação protetiva mais efetiva, mas avança sistematicamente ao longo dos anos em grande parte dos países, o que se dá principalmente em razão da atuação e pressão de organismos internacionais oficiais e extraoficiais.
Conclui-se, por fim, que há ainda um longo caminho a ser percorrido, porém, para obtermos resultados mais concretos no que concerne à proteção dos direitos humanos das mulheres. É preciso que a comunidade internacional se empenhe e continue com os esforços já em andamento para que tradições sejam limitadas por esses direitos. Há muito que avançar, mas um horizonte cada vez melhor é vislumbrável. O engajamento da comunidade internacional, órgãos internacionais, organizações de ativismo e alterações legislativas somadas a políticas públicas comprometidas parece ser o melhor caminho a ser trilhado. Independente dos obstáculos e avanços, ao se pensar direitos humanos, parece sempre oportuno relembrar as palavras de Galeano (2000, p. 69): os direitos humanos deveriam começar em casa. REFERÊNCIAS AZAMBUJA, Maria Porto Ruwer de; NOGUEIRA, Conceição. Introdução à Violência Contra as Mulheres como um Problema de Direitos Humanos e de Saúde Pública. Disponível em < http://bases.bireme.br/cgibin/wxislind.exe/iah/online/?isisscript=iah/iah.xis&src=google&base=lilacs&lang=p&nex taction=lnk&exprsearch=493330&indexsearch=id> Acesso em 26 out. 2015; FERREIRA, V. Para uma redefinição da cidadania: a sexualização dos direitos humanos. In: RODRIGUES, A. M. et al. (Org.). Direitos humanos das mulheres. Coimbra: Coimbra Ed., 2005. p. 11-25; GALEANO, Eduardo. Mulheres. A cultura do terror 4. Porto Alegre, L&PM, 2000; LOPES, C. B. Direitos humanos das mulheres: dois passos à frente, um passo atrás. In: RODRIGUES, A. M. et al. (Org.). Direitos humanos das mulheres. Coimbra: Coimbra Ed., 2005. p. 157-170; MONTEIRO, F. J. Mulheres agredidas pelos maridos: de vítimas a sobreviventes. Lisboa: Organizações Não Governamentais do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 2005; ROSEIRA, M. B. Plataforma de Pequim. In: RODRIGUES. A. M. et al. (Org.). Direitos humanos das mulheres. Coimbra: Coimbra Ed., 2005. p. 93-110; SILVA, M. R. T. Uma reflexão sobre a CIDM e o seu percurso como mecanismo institucional para a igualdade. Notícias, Lisboa, v. 64, p. 22-30, out./dez. 2002; VICENTE, A. Direito das mulheres/direitos humanos. Lisboa: CIDM, 2000. (Coleção Cadernos de Condição Feminina, 59).