ANÁLISE DOCUMENTAL DE FOTOGRAFIAS: a relação entre denotação e conotação na construção de sentidos



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Transcrição:

ANÁLISE DOCUMENTAL DE FOTOGRAFIAS: a relação entre denotação e conotação na construção de sentidos GT 1: Organização e Representação da Informação Gabriela Aparecida da Cunha 1 Raquel Juliana Prado Leite de Sousa 2 RESUMO: Explora a análise documental de fotografias jornalísticas com o objetivo de refletir sobre o aprimoramento de métodos de leitura de imagens para a descrição do sentido conotativo. Utiliza para modelo de leitura o intercruzamento das categorias PMEST de Ranganathan e dos elementos de conotação em fotografias jornalísticas de Barthes (1990). Relaciona os conceitos denotativos e conotativos levantados na análise de uma fotografia selecionada, a fim de refletir sobre as relações desses elementos para a formação do sentido conotado e sua consequente representação. Palavras-chave: Análise documental de fotografia; Processo de conotação; Fotojornalismo. 1 INTRODUÇÃO A fotografia, em seu casamento com o jornalismo, desempenha um caráter simbólico frente à comunicação e à memória da sociedade, tendo influenciado nosso olhar sobre o mundo e também nosso olhar fotográfico. Para Torregrosa Carmona (2010), o fotojornalismo modificou a própria concepção de fotografia e influenciou sua história e evolução mais do que outros tipos de fotografia. Além disso, como afirma Vasquez (2012), ao folhear o jornal, o leitor não imagina que está diante de um resumo de toda a evolução da fotografia. De acordo com Sousa (1998), o fotojornalismo surgiu da ideia de testemunhar acontecimentos perante o público. A fotografia de imprensa data, provavelmente, de 1842, época em que as fotos eram redesenhadas como gravuras para serem reproduzidas nos jornais e revistas. Somente no final do século XIX, pela melhoria das técnicas de impressão (zincogravura), a imagem fotográfica pôde ser mimeticamente estampada (SOUSA, 1998). São três os marcos iniciais do fotojornalismo: as coberturas da guerra da Crimeia (1855), da guerra da Secessão (1862-1865) e do julgamento e execução de conspiradores a favor do assassinato de Abraham Lincoln (1865) (VASQUEZ, 2012). As evoluções técnicas modificaram a forma de expressão da imagem, pois permitiam que os fotojornalistas chegassem cada vez mais rapidamente a lugares novos e mais distantes podiam fotografar o prédio ainda desabando, a vítima ainda antes do socorro, fazendo maior quantidade de exposições e cópias e podendo publicar com mais velocidade e qualidade, reforçando o imediatismo, a imparcialidade e a objetividade do jornalismo. 1 Graduação em andamento em Biblioteconomia e Ciência da Informação (4 ano) pela UFSCar. 2 Bibliotecária na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e Doutoranda em Educação pela UFSCar. 15

As coberturas fotográficas ao longo de quase dois séculos de fotojornalismo chocaram o mundo com as imagens de guerra e também venderam o sonho hedônico contemporâneo com as fotografias da vida de celebridades. A popularização das câmeras fotográficas abriu aos leitores a possibilidade de publicar suas fotos nos jornais. A fotografia digital, apesar de discussões quanto a sua real classificação como fotografia e quanto sua facilidade de manipulação (BUITONI, 2011; VASQUEZ, 2012), acrescentou mais imediatismo ao fotojornalismo, possibilitando publicar a foto segundos após a exposição. Evoluções técnicas à parte, a dicotomia denotação/conotação na imagem fotográfica é um desafio para os bibliotecários que trabalham com descrição de assunto de imagens. Para Barthes (1990), a imagem fotográfica não é o real, mas é seu analogon perfeito: uma mensagem sem código que expõe uma mensagem denotativa (pela exibição do conteúdo fotografado) e uma mensagem conotativa (pela exibição de um conteúdo suplementar, culturalmente definido pela sociedade em que está inserida) ao mesmo tempo. Descrever o conteúdo imagético não é somente listar objetos e pessoas retratadas na foto; carece, também, da representação de sua dimensão figurada. Cremos que essa separação, no momento da análise, precisa de um aporte teórico-metodológico que torne essa atividade mais objetiva e embasada em procedimentos padronizados. Este trabalho partiu da análise exploratória de fotografias jornalísticas em jornais de grande circulação com o objetivo de explorar a leitura documental de fotografias como meio de refletir sobre a necessidade e a possibilidade de estabelecer maior rigor metodológico para a análise e descrição do processo de conotação. 2 REFERENCIAL TEÓRICO A análise documental feita com o texto verbal já se provou ineficiente para o trabalho com documentos imagéticos. De acordo com Cóscia (2012), há uma dificuldade no processo da análise e descrição ao se tentar separar o que é denotativo e o que é conotativo. Isso se deve porque o sentido conotativo está justamente expresso pelos elementos denotativos, conforme explica Barthes (1990), ou seja, essa separação na verdade não existe. Além disso, há o desafio de diferenciar a forma e o conteúdo nos documentos fotográficos (SMIT, 1996), pois a forma também constitui o conteúdo informacional recursos de iluminação, profundidade de campo, focagem, etc., são criadores do conteúdo. 16

Barthes (1990) se debruçou sobre o estudo do processo de construção da mensagem conotativa na fotografia de imprensa. Cremos que tais processos de formação também podem servir como base para procedimentos de desconstrução, ou seja, de análise. São eles: Trucagem a sobreposição ou supressão de determinados planos ou objetos na fotografia cria um sentido diferente do real através da associação artificial de duas imagens em uma, durante ou após a exposição, com uso de técnicas de revelação ou utilização de softwares de tratamento de imagens. A partir dessa associação é dado outro sentido à imagem, às vezes até oposto. Pose dá-se pela captura do gestual e expressões, ou seja, o fotografado se encontra posicionado ou fazendo gestos que inferem um sentido não literal. Objetos o modo como os objetos estão organizados na fotografia remetem a um sentido conotado, ressaltando-se sua presença (ou ausência), forma, textura, etc., de maneira a valorizá-los e associá-los [...] a significantes claros, conhecidos; são, pois, elementos de um verdadeiro léxico, estáveis a ponto de se poder facilmente estabelecer sua sintaxe (BARTHES, 1990, p. 17). Fotogenia o uso de recursos como enquadramento, composição, iluminação, velocidade do obturador, etc., capazes de embelezar a imagem, favorece os elementos da fotografia, tornando belo algo que na realidade pode não ser (ou o contrário). Estetismo baseia-se no abuso da estética a ponto de a fotografia se assemelhar a uma obra artística pelo modo como ela foi composta, cuja composição remete a obras de arte. Sintaxe - a disposição orientada de imagens cria o sentido conotativo através do encadeamento das fotografias em sequências, de maneira que se fossem analisadas separadamente, provavelmente não teriam o mesmo sentido. Para o jornalismo, os elementos Quem, O que, Como, Onde e Quando são a base da tarefa de noticiar acontecimentos, configurando-se como as questões que devem ser respondidas já no primeiro parágrafo das notícias (lide). Também formam a base utilizada por alguns teóricos para a análise documental de textos verbais e imagens (SMIT, 1996). Comparando-se tais elementos às cinco categorias fundamentais de Ranganathan Personalidade, Matéria, Energia, Espaço e Tempo (PMEST), as quais auxiliam na leitura e análise de documentos, encontra-se relação direta entre: Quem/Personalidade; O que/ Matéria; Como/ Energia; Onde/ Espaço; e Quando/ Tempo (COSTA, 2008), o que permite a análise 17

conceitual da fotografia e também do texto jornalístico, a fim de identificar os conceitos inerentes à imagem. Para Ranganathan, as categorias fundamentais PMEST se caracterizam por serem as mais genéricas possíveis, capazes de hospedar todos os conceitos existentes e de permitir sua classificação (GOMES; MOTTA; CAMPOS, 2006). A categoria Personalidade é [...] de grande dificuldade de identificação (GOMES; MOTTA; CAMPOS, 2006, p. 21), sendo que Ranganathan chega a propor o método residual para sua identificação: se não for Matéria, Energia, Espaço ou Tempo, então será Personalidade (exemplo: o lápis). Conforme Costa (2008, p. 101), personalidade pode ser também entendida como coisas e tipos de coisas, além de seres e tipos de seres. Matéria se refere a materiais e propriedades, ou seja, os elementos constituintes dos objetos e fenômenos e também suas características (exemplo: o lápis é constituído dos materiais madeira e grafite e tem como característica o traço delével). Energia se refere a ações que podem ocorrer de forma ativa ou passiva, ou seja, são promovidas ou sofridas pelo objeto (exemplo: o lápis foi quebrado ao meio). Espaço concerne ao local de existências dos objetos e fenômenos (exemplo: o lápis está na biblioteca). Tempo faz alusão a intervalos mensuráveis (horas, minutos, dias, etc.), estações do ano, épocas, condições atmosféricas, etc. (exemplo: o lápis foi produzido em 2015). 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa partiu das considerações levantadas em trabalho anterior de análise exploratória da conotação em fotografias jornalísticas sobre a exumação dos corpos da família real portuguesa para pesquisa de arqueologia forense, através da comparação entre a cobertura jornalística feita pelos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Para o presente trabalho foi escolhida uma foto publicada apenas na Folha de São Paulo em 20 de fevereiro de 2013, em matéria intitulada Corpos da família imperial são exumados (2013) 3. A cobertura fotográfica trazia fotos da pesquisadora Valdirene Ambiel, que exumou os corpos de D. Pedro, Dona Leopoldina, Dona Amélia, incluindo as fotos de alguns procedimentos de pesquisa. Em conjunto com a análise da fotografia, foi feita a análise documental da referida notícia, incluindo, texto, legenda e diagramação, pois parte-se do pressuposto que a fotografia não é isolada da estrutura textual que a acompanha nos jornais (BARTHES, 1990). 3 Para a análise foram utilizados os jornais impressos. Entretanto, a matéria pode ser conferida no acervo digital do jornal Folha de São Paulo: http://acervo.folha.com.br/fsp/ 18

Por fim, foi feito um resumo da fotografia escolhida, tendo como base os conceitos levantados através da análise das fotografias e dos textos do jornal. Ressalta-se que, durante a pesquisa, percebeu-se que a fotografia escolhida não havia sido feita por repórter fotográfico, mas para documentar a pesquisa arqueológica realizada por Ambiel (2013). Entretanto, como foi veiculada em matéria jornalística, acabou por adquirir o status de fotografia de imprensa, pela junção com os demais elementos que formam o discurso jornalístico. Dentre os quadros de análise para descrição de imagens na Biblioteconomia e na Ciência da Informação, selecionou-se o utilizado por Costa (2008) para a análise de cartazes publicitários, usado posteriormente por Cóscia (2012) para a análise de fotografias, com algumas alterações que dessem conta do trabalho com a análise da mensagem conotativa. Assim, substituímos a coluna conotação por seis colunas correspondentes a cada um dos processos conotativos descritos por Barthes (1990), o que resultou no intercruzamento das categorias PMEST de Ranganathan e dos processos conotativos de Barthes (1990). A expressão descritores foi substituída por conceitos, uma vez que não foi utilizada nenhuma linguagem documentária, pois o objetivo era somente levantar os conceitos temáticos. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO A foto selecionada fazia parte do abre de página 4 da seção Saúde+Ciência, sendo a segunda de uma sequência de 4 imagens que criava uma pequena linha cronológica para explicar as etapas da exumação; essa sequência foi colocada em local de destaque na página do jornal no momento da diagramação: a parte superior, tomando o espaço a partir do centro para a direita. O resumo da fotografia aparece no Quadro 1 e análise no Quadro 2. Quadro 2 Resumo da fotografia publicada no jornal Folha de São Paulo RESUMO Fotografia colorida, de caráter não espontâneo, captada por Valter D. Muniz e reproduzida na página 133 da dissertação intitulada Estudos de arqueologia forense aplicados aos remanescentes humanos dos primeiros imperadores do Brasil depositados no Monumento à Independência, do Programa de Pós-graduação em Arqueologia do museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, de autoria da pesquisadora Valdirene do Carmo Ambiel. A imagem foi reproduzida no jornal A Folha de São Paulo ano 93, n. 30.639, caderno Ciência+Saúde, p. c9 em 20 de Fevereiro de 2013. A imagem foi feita em frente ao sarcófago em que estava depositada a urna funerária de D. Pedro I, no centro da capela Imperial do Monumento à Independência no museu do Ipiranga da cidade de São Paulo. Valdirene do Carmo Ambiel segura com as duas mãos o crânio de D. Pedro I com o auxílio de luvas e máscara de pó, após a exumação sigilosa do corpo em 29 de março de 2012 para sua pesquisa de mestrado. [Continua...] Fonte: elaborado pelas autoras. 4 Abertura da cada uma das páginas do jornal impresso, situada no topo da folha, local considerado de destaque na diagramação. 19

[Continuação...] A urna funerária de madeira com restos mortais deteriorados espalhados apresenta-se envolta por dois cintos de segurança na parte inferior, o sarcófago de granito aparece no segundo plano da fotografia. Valdirene está disposta com os dois braços sobre a urna funerária do lado esquerdo da fotografia, de perfil, ao lado do caixão. A pesquisadora usa jaleco branco, luvas, máscara de pó descartável e relógio de pulso com pulseira marrom. Apresenta cabelos curtos, escuros e aparentemente lisos. Valdirene apresenta um olhar direto ao crânio. Ao fundo, em frente à pesquisadora e a urna funerária, há uma parede de granito e alguns objetos dispostos em formatos retangulares desfocados, que aparecem também refletidos no granito. Quadro 2 Fotografia selecionada e análise Jornal: Folha de São Paulo Fotógrafo: Valter D. Muniz Data: 29/03/2012 Categorias de análise Fonte: Ambiel (2013, p. 133). Denotativo Fotografia n.º 2 CONCEITOS Conotativo Fotogenia Pose Objetos Estetismo Sintaxe Trucagem Personalidade (Quem?) Matéria (O quê?) Pesquisadora Historiadora Arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel D. Pedro I restos mortais Urna funerária em madeira com cintos de proteção Restos mortais espalhados Crânio humano Luva Jaleco Máscara de pó Plano de detalhe: perfil da pesquisadora e crânio ocupam a maior parte da imagem Recorte do cenário Observação Atenção Seriedade Reflexão Postura de pesquisadora Relação pesquisadora/ objeto de estudo Hamlet? Crânio de Yorick? Energia (Como?) Retirada do crânio Segurando o crânio com as duas mãos Análise Pesquisa científica Cuidado Trabalho intelectual Reflexão Indignação sobre o sentido da vida? Descoberta 20

Espaço (Onde?) Tempo (Quando?) Sarcófago Ambiente de guarda dos restos mortais Interior do Monumento à Independência 178 anos após a morte 29/03/2012 Fase inicial da exumação de D. Pedro I para pesquisa Indagação sobre passado/ presente Ambiente fechado e escuro Inacessível Sigilo Relicário Deterioração Implacabilidade do tempo Fonte: elaborado pelas autoras. Análise inicial in loco O tempo/quando na análise de imagens de jornais pode gerar dúvidas, pois é possível confundir a data de produção da imagem com a data de publicação. É importante ressaltar que o tempo/quando se refere a quando a imagem foi registrada (testemunho do fato); a data de publicação é um dado importante para o controle da divulgação de imagens em centros de documentação de imprensa, mas esse é um dado extrínseco à foto, não dizendo respeito ao seu conteúdo temático. O elemento Pose tem uma relação muito estreita com energia na construção da conotação, uma vez que os gestos da pessoa e até o posicionamento do objeto fotografado justamente se dão através da energia: uma ação que, mesmo congelada, está explícita na imagem. Percebeu-se que, durante a análise, é preciso manter o foco no intercruzamento das categorias PMEST e os elementos conotativos. Para isso, uma alternativa é sempre indagar se o elemento conotativo contribui para formação de sentido conotativo naquela categoria. Por exemplo: O que a Pose agrega de conotação na Personalidade? O que a Pose agrega de conotação na Matéria? Neste caso, nota-se que o gestual da pesquisadora de empunhar o crânio, olhando fixamente para ele agrega os sentidos de observação, atenção, seriedade, reflexão, postura de pesquisadora, juntamente com o enquadramento utilizado (plano de detalhe), que chama toda a atenção para a relação pesquisadora-crânio, pois não há como reparar em outros elementos, já que não aparecem na foto. Esses sentidos não são denotativos, não há a imagem da atenção retratada na foto: esse sentido se expressa através dos elementos denotativos pesquisadora, crânio, jaleco, luvas e máscara de pó, mas é um sentido conotativo. A imagem de uma pessoa empunhando e observando um crânio humano remete à imagem clássica da tragédia Hamlet: príncipe da Dinamarca de William Shakespeare, a qual 21

pode ser analisada dentro da coluna Estetismo, por remeter a inúmeras gravuras, fotos e imagens em movimento da cena clássica em que Hamlet discorre sobre a vida ao segurar o crânio de Yorick 5. Assim, inserimos os conceitos Hamlet? Crânio de Yorick? Reflexão, indignação sobre o sentido da vida? com pontos de interrogação (sublinhados no quadro), mas concluímos que esse sentido conotado é neutralizado ao menos em parte pela presença dos conceitos denotativos Luva, Jaleco e Máscara de pó (em negrito no quadro). Se a pesquisadora estivesse sem esses aparatos profissionais, tal ideia conotada poderia prevalecer porque o conceito de pesquisa científica não estaria presente. Portanto, decidiu-se retirar os conceitos levantados na coluna Estetismo. Os conceitos levantados em Sintaxe se justificam, pois, como a foto foi colocada no jornal como a segunda imagem de uma sequência de quatro fotos que pretendiam ilustrar o passo a passo da pesquisa, o sentido agregado por esse posicionamento é de fase inicial. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso do quadro de análise permitiu verificar que os elementos denotativos Luva, Jaleco e Máscara de pó agregam os sentidos conotados como análise, reflexão, seriedade e, ao mesmo tempo, impedem ao menos parcialmente uma possível relação conotativa com indagação sobre o sentido da vida tal qual em Hamlet. Entretanto, podemos dizer que a pesquisa arqueológica dos restos mortais dos imperadores brasileiros não deixa de ser uma reflexão sobre o significado da vida daquelas pessoas, uma vez que o achado de indícios e provas científicas permite dar um sentido outro a parte da própria história do Brasil. Por exemplo, de acordo com a pesquisa, a morte de Da. Leopoldina em decorrência de violência cometida por D. Pedro I não foi comprovada pela ausência de fraturas nos ossos e as análises de relatórios médicos da saúde da imperatriz brasileira contrariando boato difundido ao longo de quase duzentos anos (AMBIEL, 2013). Mas o sentido conotado reflexão sobre o sentido da vida deve ficar em segundo plano por causa da relação entre esse conceito conotado e outros conceitos denotados, cedendo espaço para reflexão, análise científica. Se o sentido reflexão sobre o sentido da vida prevalece, fica claro que essa reflexão passa por critérios científicos, ou seja, é feita do ponto de vista da ciência e da cientista. Dessa forma, pode-se perceber que é na relação entre elementos denotativos e elementos conotativos que o sentido da fotografia se configura. 5 Ato V, cena I. Ao contrário do pensamento do senso comum, a cena em que Hamlet empunha a caveira não é a mesma da famosa passagem Ser ou não ser... Eis a questão (SHAKESPEARE, 1997, p. 73), que aparece no Ato III, cena I. 22

Assim, cremos que o estudo da relação entre tais elementos pode ser explorado em pesquisas futuras sobre análise documental de fotografias. REFERÊNCIAS AMBIEL, V. C. Estudos de arqueologia forense aplicados aos remanescentes humanos dos primeiros imperadores do Brasil depositados no Monumento à Independência. 2013. 253 f. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. BARTHES, R. A mensagem fotográfica. In: O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Léa Novaes (Trad.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 11-61. BUITONI, D. S. Fotografia e jornalismo: a informação pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011. CORPOS da família imperial são exumados. Folha de São Paulo, São Paulo, ano 93, n. 30.639, caderno Ciência+Saúde, p. c9, 20 fev. 2013. CÓSCIA. V. L. Análise de fotografias: Florestan Fernandes no tempo da ditadura militar. 2012. 144 f. Dissertação (Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012. COSTA, L. S. F. Uma contribuição da Teoria Literária para a análise de conteúdo de imagens publicitárias do fim do século XIX e primeira metade do século XX, contemplando aspectos da natureza brasileira. 2008. 261 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008. GOMES, H. E.; MOTTA, D. F.; CAMPOS, M. L. A. Revisitando Ranganathan: a classificação na rede. 2006. Disponível em: <http://www.conexaorio.com/biti/revisitando/ revisitando.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. SOUSA, J. P. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Porto: Biblioteca On-Line de Ciências da Comunicação, 1998. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/ _texto.php?html2=sousa-jorge-pedro-historia_fotojorn1.html>. Acesso em: 20 jul. 2013. SMIT, J. W. A representação da imagem. Informare, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 28-36, jul./dez. 1996. TORREGROSA CARMONA, J. F. Modelos para el análisis documental de la fotografia. Documentación de las Ciencias de la Información, vol. 33, p. 329-342, 2010. Disponível em: <http://revistas.ucm.es/index.php/dcin/article/view/dcin1010110329a>. Acesso em: 06 dez. 2014. VASQUEZ. P. A. Fotografia escrita: nove ensaios sobre a produção fotográfica no Brasil. Rio de Janeiro, Senac, 2012. 23