Rafael Moneo. Centro Cultural e Auditório do Kursaal San Sebastian, Espanha



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Transcrição:

Rafael Moneo Centro Cultural e Auditório do Kursaal San Sebastian, Espanha Universidade Presbiteriana Mackenzie Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Teoria e Metodologia do Projeto Arquitetônico Profs. Drs. Rafael Perrone, Carlos Leite e Roberto Righi Referência bibliográfica. Tectonica nº 12, El Croquis nº 64 Agradecimento à Ruth Verde Zein Monografia Eduardo Martins Ferreira Novembro 2004

Introdução e critérios da análise

A escolha deste trabalho de Rafael Moneo tem o objetivo de embasar a futura dissertação de mestrado, que terá como tema implantação e volumetria. Exemplar, o Kursaal reúne as características fundamentais para o estudo pretendido. Com o objetivo identificar o interesse específico no objeto em estudo é preciso analisar esta obra de Rafael Moneo a partir de uma classificação geral das construções feitas pelo homem. Considerando que toda a construção, consciente ou inconscientemente, tem uma relação intrínseca com o meio em que se insere, e que, ainda, estabelece relações com seus inúmeros aspectos (geografia, topografia, cultura, insolação, sistemas construtivos, intenções plásticas etc), para esta analise poderíamos separar as construções em cinco níveis: Autoconstrução: este grupo reúne as construções que atendem às necessidades de abrigo e de uso, e o homem as realiza sem apoio de profissionais preparados, utilizando apenas sistemas construtivos usuais da região. Construções em geral: estas já seriam as edificações realizadas com suporte de algum tipo de técnico construtor (um mestre de obras, por exemplo) que, com uma formação específica, traz maior qualidade às soluções aplicadas. Edificações: neste caso, as construções já contam com o apoio de engenheiros formados com técnicas construtivas. Há, portanto, um respeito maior às regras estabelecidas, com o uso de materiais adequados e com algum nível de preocupação com a vizinhança. Arquitetura: aqui, os edifícios refletem a concepção elaborada por arquitetos. Além de atender às preocupações básicas com as técnicas construtivas, estes projetos resolvem de modo sistemático as questões de uso e têm a expressão plástica como referência inicial de trabalho. Arte: são as construções que transcendem todos os níveis anteriores, com um resultado plástico que acrescenta um novo conhecimento (sobre a realidade) a quem as observa. Nesta análise, o projeto do Kursaal se encaixa no último nível seria, no mínimo, reducionismo, estudar este trabalho de Moneo apenas do ponto de vista da arquitetura, como explicada no item 4. O próprio Rafael Moneo, ao descrever seu projeto para as revistas El Croquis e Tectônica, mistura a leitura sensível do local com as soluções técnicas da construção, revelando que a essência deste trabalho é, acima de tudo, plástica. Seu projeto é resultado de um concurso público que solicitava a construção de dois teatros em local anteriormente ocupado pelo cassino de Kursaal, construído sobre uma língua de terra conquistada do mar em 1919 (época da construção do muro da costa).

Capão Redondo foto: Maurilo Clareto - 1996

Foto: Eduardo - 2004

Foto: Eduardo - 2004

Pedro Paulo de Melo Saraiva - Edifício Acal, São Paulo, 1974

Lina Bo Bardi Masp, São Paulo,1957-1968

Kursaal de San Sebastian Rafael Moneo Eduardo Martins ferreira Novembro 2004 El Croquis n.64

Tectonica n. 12

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O prédio na paisagem

Assim como um artista se inspira em uma musa ou em uma idéia, Rafael Moneo partiu de uma análise inspirada na baía e na região de San Sebástian. O lugar, belíssimo, já tinha suas características construtivas completamente definidas. A própria baía havia sido trabalhada pelo homem que praticamente redesenhou a natureza com serviços de engenharia de contenções. Esses serviços, feitos para atender às ocupações da cidade (quase dentro do mar e do rio) nunca tiveram intenções plásticas, mas, sob o olhar de Moneo, foram interpretados como acidentes geográficos que compunham a paisagem. A partir desta sacada, Moneo chega a uma solução que dá o caráter de obra de arte ao edifício. Buscando uma comunicação entre as linhas do projeto e a natureza da baía, Moneo encontrou o caminho nas grandes pedras em forma de paralelepípedos usadas como barragem de contenção das águas com a força das águas, muitas dessas gigantescas pedras lapidadas se depositaram na orla da praia. Vieram delas a inspiração das formas dos edifícios, paralelepípedos gigantescos e inclinados, igualmente jogados ( rolados ) na orla marítima da baía. A associação, mais do que simples do tema, transcende o aspecto visual, trazendo aos edifícios uma aura quase mágica: a de que os habitantes de San Sebástian mergulhem dentro das mesmas pedras que dominam a paisagem há quase um século. Com esta interpretação, Moneo inseriu os prédios ma paisagem de forma artística, reinventando e, ao mesmo tempo, respeitando, a topografia da cidade.

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A materialização da idéia

Um mesmo ponto de partida não leva à mesma solução construtiva. Assim, a inspiração de Rafael Moneo foi conduzida com uma segunda idéia, surgida também a partir de uma visão absolutamente pessoal: para o arquiteto, os blocos de granito ressurgiram no projeto como blocos de luz, marcando a paisagem como dois grandes faróis na baía. O volume criado por esses dois imensos blocos de luz transcende a idéia simples da implantação a de que seriam apenas dois paralelepípedos gigantes rolados da praia. Ao qualificar sua idéia inicial, Moneo atinge outros níveis plásticos, paisagísticos e urbanos. Os prédios passam a ser uma referência na baía, como se o espaço já estivesse aguardando desde sempre o nascimento daquelas construções. Rafael Moneo afirma que sua realização como arquiteto é a de ver o prédio pronto inserido no local e na paisagem. Ao atingir este nível no projeto do Kursaal, Moneo demonstra que, depois de prontos, os prédios passaram a pertencer mais ao local do que a idéia de quem os elaborou. Por outro lado, a questão das pedras roladas induziu o arquiteto a inclinar os lados dos paralelepípedos em vez de inclinar os próprios paralelepípedos, como ocorre com as pedras da praia, mostrando, para quem observa, uma interpretação construtiva e distorcida do movimento natural das pedras detalhe que acrescenta ao projeto um lado ainda mais intrigante e provocativo.

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El Croquis n.64 Kursaal de San Sebastian Rafael Moneo Eduardo Martins ferreira Novembro 2004

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A realização da inspiração

Para desenvolver o projeto a partir da concepção de implantação e volumetria definidas, Moneo fez um exercício de adequação das formas dos grandes auditórios aos paralelepípedos. Os auditórios, por sua natureza, têm volumes próprios, pisos inclinados em forma de leque e paredes desenhadas acusticamente, são peças fechadas com ventilação e iluminação obrigatoriamente artificiais. As paredes translúcidas propostas para o volume externo em nada encaixam com suas necessidades. Ao contrário, foram feitas em concreto e simplesmente colocadas dentro das caixas de vidro. Assim, os volumes externos foram entendidos como grandes capas que contêm internamente os edifícios dos auditórios. A construção interna por si só já seria uma obra de arquitetura, com plasticidade e sistemas construtivos definidos. O resultado dessa composição de espaços internos é surpreendente. Dada a curiosa qualidade que obtém dessas formas, ele as utiliza como os foyeurs dos teatros.para evidenciá-las Moneo desenvolve uma arquitetura de interiores despojada de elementos. As paredes translúcidas e iluminadas que concebeu para o exterior foram reproduzidas no interior dos edifícios, criando um vazio (entre as duas paredes de vidro) que exigiu uma estrutura reforçada. O mesmo detalhamento externo foi adotado para os seus interiores. Assim, quem está dentro tem uma percepção nítida da capa de vidro concebida para envolver os edifícios dos auditórios, entendendo perfeitamente que se trata de um edifício dentro do outro. A inclinação quase aleatória de todas as paredes internas cria ambientes inesperadamente novos. A composição da luz vinda das paredes externas com as paredes dos auditórios (revestidas de madeira clara), e a forma das escadas são suficientes para compor a arquitetura de interiores, dispensando qualquer outro detalhe. Assim luminárias, ornamentos, móveis e objetos, elementos que são usados para enriquecer e humanizar os saguões puderam ser eliminados pelo arquiteto, dada a riqueza espacial obtida. As salas de espetáculos têm o mesmo despojamento, dispensando elementos decorativos: Moneo dispôs todos os elementos necessários a esses espaços com uma interpretação quase técnica. Ali o que importa é a cena. Para o usuário, a impressão plástica, do edifício, que fica na memória é a da caixa de vidro iluminada e suas paredes inclinadas e, dos teatros o espetáculo.

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O prédio na cidade

Apesar de suas grandes dimensões, os volumes resultantes da concepção dos auditórios não ultrapassam o gabarito geral de construções da cidade. Suas formas inusitadas atingem no máximo o topo dos edifícios lindeiros, encaixando-se no skyline urbano. Esta visão muda do dia para a noite, pois as caixas iluminadas adquirem uma presença inesquecível na paisagem. Diferente dos outros edifícios, que são iluminados pela cidade, as caixas de vidro de Moneo iluminam a cena urbana noturna. De um lado, as pedras gigantes conversam com a praia. Do outro, encontram-se com as ruas de San Sebástian. Um encontro que, para Moneo, deve ser abrandado diminuindo o contraste das formas arrojadas dos prédios com as dos edifícios existentes. Para isso, o arquiteto criou um edifício de embasamento com uma linguagem plástica moderna, porém mais adequada à realidade existente. Perto do edifício como um todo, esse embasamento não se destaca fortemente, porém, se comparado às construções vizinhas, a base tem um porte similar, principalmente pela ênfase dada em sua horizontalidade. Assim, quem chega ao conjunto pelas ruas de San Sebástian tem a sensação de se aproximar de um edifício conhecido. A surpresa vem num segundo momento, quando o visitante já está no interior das caixas de vidro, com seu espaço inesperadamente inovador, fortemente iluminado e não ortogonal.

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A execução do projeto

É na execução do projeto que a criatividade de Rafael Moneo e sua excelente equipe se destaca. De nada serviriam todas essas idéias sem um detalhamento que não as qualificasse. Para tanto, o desenvolvimento do projeto em nenhum momento se distancia dos conceitos principais. Para quem observa os edifícios, o resultado é uma arquitetura quase minimalista, com economia de detalhes. Mas, ao analisar o projeto tecnicamente, notam-se soluções sofisticadas para todos os itens, criados especialmente para atender às necessidades da concepção. A começar pelo sistema estrutural que suporta as paredes de vidro com duas grades de grande porte formadas por caixas tubulares metálicas. Estas robustas estruturas, que parecem, concebidas para resistir a abalos sísmicos, ao contrário do que se poderia esperar, suportam a leveza dos grandes panos de vidro e tornam-se invisíveis. Já o sistema de caixilharia que segura as paredes de vidro é extremamente sofisticado, com detalhes de encaixe que marcam somente as barras horizontais, desenvolvidos especialmente para essas peças. Como se não bastasse, a escolha dos vidros curvos contribuiu para o resultado da volumetria como um todo, mas exigiu um esforço adicional da tecnologia. A quantidade de juntas e encaixes específicos gerou um projeto extremamente detalhado e cuidadoso de engenharia, sem jamais desconsiderar o resultado plástico. A caixa interna dos auditórios é, em si, um edifício independente. Suas paredes de concreto suportam a cobertura específica do teatro. Sobre elas, há uma segunda estrutura metálica de cobertura, apoiada pelas estruturas das paredes de vidro. Portanto, nem a concepção estrutural se confunde com a idéia original a de que se trata de dois edifícios independentes, um contendo o outro. Um de vidro outro de concreto. Além de tudo isso, Moneo e equipe precisaram encaixar essas duas estruturas independentes sobre o subsolo já existente do antigo cassino. Isso mobilizou esforço e criatividade extras para encontrar soluções adequadas para os novos usos e para a adequação das formas e sistemas construtivos aos antigos espaços.

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Kursaal de San Sebastian Rafael Moneo Eduardo Martins ferreira Novembro 2004 El Croquis n.64

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Princípios arquitetônicos

A análise do projeto do Kursaal é instigante, pois levanta temas que são discutidos durante todo o processo de um projeto. Num primeiro momento a questão de contexto se coloca em destaque: a baía, a praia, a topografia, a beleza natural e a própria cidade são as referências que nortearam a concepção e o desenvolvimento do projeto. Nesse sentido, o encaixe do edifício é impecável. Quando se poderia imaginar que isso o seria suficiente para um bom projeto, o desenho dos dois grandes paralelepípedos, se destaca com uma plasticidade ímpar. Inevitavelmente, essa situação remete à discussão recorrente sobre a oposição entre aqueles que defendem a importância do respeito ao contexto no projeto e outros que acreditam na forma como expressão, independente do local. Esta obra mostra que essa oposição nem sempre é verdadeira. Moneo consegue unir essas duas posturas de projeto, fazendo um edifício que respeita e se encaixa com naturalidade ao local, ao mesmo tempo em que não cede em sua proposta plástica, inusitada e original. O arquiteto mostra que o caminho composto por essas duas tendências é, talvez, a grande possibilidade do futuro, isto é, com a competência atual é possível analisar com sensibilidade o local do futuro projeto, identificar suas questões principais, suas aptidões naturais, encontrar elementos inspiradores e imaginar formas que abriguem todas essas condições. Isso não significa que, tomadas estas decisões, o projeto esteja fechado. Mas é a partir delas que Moneo ensina, por exemplo, que o inusitado pode aparecer. É na forma do prédio que o arquiteto se solta pelo inusitado, chegando ao extremo de conceber uma forma externa independente da forma necessária ao uso do prédio. Provando que a forma não precisa seguir a função. Moneo só consegue realizar essa proeza porque dispõe de competência que se pode enxergar de dois ângulos: o primeiro, na conceituação clara das idéias formais; e o segundo, no conhecimento tecnológico de desenvolvimento de projeto.

A construção de um embasamento, de características convencionais, junto aos edifícios da cidade mostra como, em certos momentos do projeto, o arquiteto valoriza aspectos (como a inserção na cidade) antes da idéia principal (dois paralelepípedos isolados). Revela também que se trata de construção, pois os paralelepípedos poderiam ter recebido um detalhamento que deixasse cristalinas suas idéias originais, como volumes únicos em qualquer ângulo. Mas não, o tratamento dado às coberturas, é finalizado como coberturas de construção, e não como fachadas ou como mais uma das faces do paralelepípedo. Mesmo o embasamento poderia ser entendido como uma esplanada, uma superfície única e lisa para soltar do chão as duas peças de vidro, como foi tratada a catedral de Brasília. Moneo, no Kursaal, nos ensina que arquitetura se faz com competência técnica, sensibilidade e criatividade, porém arte depende de inspiração. São trabalhos dessa qualidade plástica que nos mostram a arquitetura como arte. Moneo ensina também que além da inspiração esta a autoria. Os dois enormes e luminosos blocos de vidro, hoje pertencem à baia de San Sebástian, mas antes deles existirem teve alguém que os imaginou!

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El Croquis n.64 Kursaal de San Sebastian Rafael Moneo Eduardo Martins ferreira Novembro 2004

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Ficha Técnica Obra: Centro Kursaal de San Sebastián. Cliente: Sociedad Kursaal (Ayuntamento de San Sebastán y Diputación Foral de Guipúzcoa) Inauguração: 1999 Volumes exteriores: Auditórios 64x48x28 m e Sala de câmara 42x36x20 m Arquitetos Autor: Rafael Moneo Concurso: Jeff Inaba, Andrew Borges, Barry Price, Ezra Gould, Collete Creppell, Nancy Chen, Albert Ho. Projeto: Ignacio Quemada, Eduardo Belzunce, Fernando Iznaola, Collette Creppell, Jan Kleihues, Luis Diaz, Mauriño, Adolfo Zanetti, Robert Robonowitz. Obra: Ignacio Quemada, Juan Beldarrain, Pedro Elcuaz, Imanol Iturria.