A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: AS CONSTANTES ALTERAÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA DO STF.

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1 A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: AS CONSTANTES ALTERAÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA DO STF. Charles Duanne Casimiro de Oliveira 1 RESUMO O presente trabalho faz uma abordagem sobre a controvérsia jurisprudencial acerca da possibilidade da execução provisória da pena. Para tanto, esse trabalho tem como objetivo analisar as constantes alterações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de execução provisória da pena. O método de abordagem utilizado foi o indutivo e o método de procedimento utilizado foi o exegético-jurídico; a técnica de pesquisa adotada foi a da documentação indireta, através da pesquisa bibliográfica. No desenvolvimento do trabalho foram analisados os aspectos gerais do tema, o princípio da presunção da inocência e as constantes alterações na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da execução da pena após o julgamento em segunda instância. Da análise desse estudo, resta evidente que a falta de estabilidade nos precedentes obrigatórios gera indesejável insegurança jurídica, favorecendo ambiente propício para extremismos ideológicos e descrédito com o Judiciário. Assim, é imperioso que a Corte Constitucional mantenha sua jurisprudência estável e íntegra, promovendo a pacificação social, protegendo os interesses da coletividade e os bens jurídicos penais, pondo fim ao cenário caótico gerado por várias interpretações divergentes dadas ao tema num curto lapso temporal. Palavras-chave: Execução provisória da pena, Segurança jurídica, Precedentes obrigatórios. ABSTRACT This paper deals with the jurisprudential controversy regarding the possibility of provisional execution of the sentence. Thus, this paper aims to analyze the constant changes in the jurisprudence of the Federal Supreme Court about the possibility of provisional execution of the penalty. The method of approach used was inductive and the method of procedure used was exegetical-legal; the research technique adopted was indirect documentation through bibliographic research. In the development of the work were analyzed the general aspects of the theme, the principle of presumption of innocence and constant changes in the jurisprudence of the Supreme Court about the execution of the sentence after the trial in the second instance. From the analysis of this study, it is evident that the lack of stability in the mandatory precedents generates undesirable legal uncertainty, favoring an environment conducive to ideological extremism and discredit with the judiciary. Therefore, it is imperative that the Constitutional Court maintain its stable and complete jurisprudence, promoting social 1 Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-UNIDERP. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande UFCG.

2 pacification, protecting the interests of the community and criminal legal property, finishing the chaotic scenario generated by various divergent interpretations given to the subject in a short time. KEY WORDS: Provisional execution of the sentence, Legal security, Mandatory precedentes. INTRODUÇÃO A execução provisória da pena é tema bastante controverso na doutrina processual penal e na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal. O ponto central da questão é se a execução provisória da pena viola ou não o princípio constitucional da presunção da inocência, o qual assevera que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Importantes seguimentos doutrinários entendem que a prisão de réu, que responde a processo penal, só pode ser realizada após o esgotamento de todas as vias recursais, de forma que antes disso apenas é possível a prisão cautelar, desde que preenchidos os requisitos legais constantes nos artigos 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal e as disposições da prisão temporária constantes na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Outra parte do seguimento doutrinário destaca que é possível a execução provisória da pena após a condenação em segunda instância, haja vista que os recursos extraordinário e especial não possuem efeito suspensivo e não possibilitam o reexame das provas, conforme Súmula nº 07 do Superior Tribunal de Justiça. Segundo essa orientação, o cumprimento da sentença penal condenatória proferida em segunda instância não viola direitos e garantias do cidadão frente ao poder punitivo do Estado, posto que por mais que não seja possível o reexame de provas, em sede dos recursos excepcionais, os Tribunais Superiores podem conceder Habeas Corpus, inclusive de ofício, quando houver evidente violação dos direitos fundamentais do acusado ou que a decisão que decrete a execução provisória da pena seja teratológica ou destituída de fundamentação. Dessa forma, observando-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema, nota-se que até fevereiro de 2009, o Tribunal Constitucional entendia que era possível a execução provisória da pena, mesmo que houvesse a interposição de recurso extraordinário ou especial, tendo em vista que esses recursos eram recebidos

3 apenas no efeito devolutivo, conforme se observa no HC nº 68.726, julgado em 28 de junho de 1991. Em 05 de fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal Federal alterou o cenário jurídico acima mencionado, passando a entender que não era mais possível a execução provisória da pena. Este entendimento perdurou até fevereiro de 2016, quando, em nova alteração jurisprudencial, a Corte Suprema passou a permitir novamente a execução provisória da pena. A partir de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal passou a permitir a execução provisória da pena de condenados em segunda instância, sendo que este entendimento perdurou até 07 de novembro de 2019, quando, mais uma vez, houve alteração da posição do Pretório Excelso acerca do tema, proibindo a execução provisória da pena. Esta constante alteração da jurisprudência da Corte Constitucional é objeto de inúmeras críticas por gerar insegurança jurídica. Observa-se a ausência da estabilidade e coerência nos precedentes da Corte, justamente o contrário do que se espera dos precedentes obrigatórios de um Tribunal Constitucional. Assim, o presente artigo tratará da problemática gerada pela falta de formação de um precedente obrigatório estável e coerente por parte do Supremo Tribunal Federal, quanto à execução provisória da pena, gerando descrédito das decisões do Judiciário e instabilidade social. A elaboração deste trabalho é justificada pela atualidade e relevância do tema, posto que, em 07 de novembro de 2019, a Corte Constitucional alterou novamente seu entendimento, em pouco mais de três anos, sendo essencial o conhecimento dessa problemática e a repercussão jurídica e social dessas constantes alterações na jurisprudência, associado ao entendimento de que o processo é um mecanismo de solução dos conflitos de interesses que se apresentam no mundo concreto e que a pena é necessária para a estabilização das relações sociais. Destaca-se ainda, que a análise que será apresentada a seguir, levará em consideração unicamente as implicações jurídicas acerca do tema, sem ingressar no debate político. Para tanto, esse trabalho tem como objetivo analisar as constantes alterações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de execução provisória da pena.

4 1 MÉTODOS Trata-se de um estudo que utilizará como método de abordagem o indutivo, uma vez que a partir da análise de casos concretos verifica-se a falta de estabilidade das decisões do Supremo Tribunal Federal quanto à execução provisória da pena. Já o método de procedimento utilizado será o método exegético-jurídico, a partir da interpretação do princípio da presunção da inocência conferida pelo Supremo Tribunal Federal e das posições diferenciadas inseridas pela doutrina. A técnica de pesquisa adotada será a documentação indireta, através da pesquisa bibliográfica, com subsídio da doutrina nacional e no posicionamento dos Tribunais, consistindo num trabalho de revisão bibliográfica. 2 RESULTADOS Segundo Bitencourt (2014, p. 131) a concepção do direito penal está intimamente relacionada com os efeitos que ele deve produzir, tanto sobre o indivíduo que é objeto da persecução estatal, como sobre a sociedade na qual atua. Para Conde (1975), não seria possível a vida em sociedade sem a pena. Assim, segundo a Teoria Absoluta, a pena seria um castigo pelo mal causado, de modo a justificar, inclusive, as penas corporais. Tal teoria, não é aceita na atualidade, posto que viola direitos fundamentais dos indivíduos e por não vislumbrar nenhum aspecto ressocializador na pena. Já a Teoria Relativa, entende que a pena não pode ter como finalidade a retribuição do injusto causado pelo agente que delinquiu, mas para buscar a prevenção dos delitos e ressocializar a pessoa que cometeu crimes. Fixadas tais premissas acerca da necessidade de aplicação da pena, cumpre ressaltar que a possibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado é objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais. Beccaria (1997) já destacava que um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada. Tal concepção, advertida pelo autor supramencionado, destaca o que se conhece, atualmente, como o princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade.

5 O artigo 11.1 da Declaração Universal de Direitos Humanos: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa. Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92 - art. 8º, 2º) prescreve: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa". No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da presunção da inocência só existia de forma implícita, sendo positivado, apenas, com a Constituição Federal de 1988, que no artigo 5º, inciso LVII, preceitua: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Dessa forma, o princípio em comento pode ser conceituado como o direito de não ser declarado culpado antes do término do devido processo legal, de modo que este é o momento adequado para que o acusado promova a sua defesa e utilize de todos os meios de prova lícitos permitidos. Segundo Lima (2015, p. 45-46): A privação cautelar da liberdade, sempre qualificada pela nota da excepcionalidade, somente se justifica em hipóteses estritas, ou seja, a regra é responder ao processo penal em liberdade, a exceção é estar preso. São manifestações claras desta regra de tratamento a vedação de prisões processuais automáticas ou obrigatórias e a impossibilidade de execução provisória ou antecipada da sanção penal. Portanto, por força da regra de tratamento oriunda do princípio constitucional da não culpabilidade, o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao acusado, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, enquanto não houver o fim do processo criminal. O princípio da presunção de inocência não proíbe, todavia, a prisão cautelar ditada por razões excepcionais e tendente a garantir a efetividade do processo. Como bem assevera Canotilho, se o princípio for visto de uma forma radical, nenhuma medida cautelar poderá ser aplicada ao acusado, o que, sem dúvida, acabará por inviabilizar o processo penal. Em outras palavras, o inciso LVII do art. 5º da Carta Magna não impede a decretação de medidas cautelares de natureza pessoal durante o processo, cujo permissivo decorre inclusive da própria Constituição (art. 5º, LXI), sendo possível se conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida cautelar não

6 perca seu caráter excepcional, sua qualidade instrumental, e se mostre necessária à luz do caso concreto. Para Capez, o princípio da presunção de inocência deve ser considerado em momentos distintos: na instrução processual, como presunção relativa de não culpabilidade, com a inversão do ônus da prova; na valoração da prova, de modo que quando houver dúvidas sobre a autoria e a materialidade deve o acusado ser absolvido; e, no curso do processo penal, como parâmetro de tratamento do acusado, em especial no que concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória. Pacelli (2019) defende que não é possível a execução provisória da pena, sendo necessário o trânsito em julgado da sentença condenatória. Logo, somente é permitido no curso do processo a prisão cautelar e desde que estejam devidamente comprovados os requisitos desta forma de segregação. Assim, a execução provisória da pena, para o doutrinador supramencionado, configura antecipação da pena e violação do princípio constitucional da presunção da inocência. Tal entendimento encontra amparo, também, no artigo 283 do Código de Processo Penal, o qual estabelece: Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Destarte, diante deste cenário controverso, observa-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem oscilado bastante nos últimos anos, gerando inconveniente insegurança jurídica. No julgamento do Habeas Corpus nº 68.726, em 28 de junho de 1991, o Supremo Tribunal se posicionou que a execução provisória da pena não viola o princípio da presunção da inocência, haja vista os recursos extraordinário e o especial não serem recebidos no efeito suspensivo. Logo, exauridas as instâncias ordinárias, é possível a expedição de mandado de prisão contra o réu, mesmo que pendente o julgamento de recursos perante as instâncias extraordinárias (STF ou STJ).

7 Este entendimento perdurou até 05 de fevereiro de 2009, quando a Corte Constitucional no julgamento do HC nº 84.078, alterou o panorama jurisprudencial anterior, e passou a entender que a execução provisória da pena viola o princípio da presunção da inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Neste leading case, o relator do Habeas Corpus, o Ministro Eros Grau, destacou que a prisão antes do trânsito em julgado só pode ser decretada de forma cautelar, para servir à investigação criminal ou ao processo penal, sendo que a ampla defesa não pode sofrer limitações, incluindo as vias recursais extraordinárias. Assim, a execução da sentença após o julgamento em segunda instância implica em restrição do princípio constitucional da ampla defesa e caracteriza um desequilíbrio entre a pretensão do Estado de aplicar a pena e os direitos e garantias fundamentais do acusado ou do réu no processo penal, de forma que a antecipação do cumprimento da pena viola a Constituição Federal. Segundo Fernandes (2019, p. 523-524), pela presunção de inocência, o recurso interposto pela defesa contra a decisão condenatória era recebido no duplo efeito (devolutivo e suspensivo) e o acórdão de 2º grau que condenava o réu ficava sem produzir efeito. Este entendimento perdurou de fevereiro de 2009 a fevereiro de 2016. No julgamento do HC 126.292, em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal alterou novamente seu posicionamento, no sentido de ser possível a execução provisória da pena após a condenação criminal proferida por juízo de segundo grau. O entendimento supramencionado estava respaldado no artigo 637 do Código de Processo Penal e no artigo 27, 2º, da Lei nº 8.038 90, que preceituam que o recurso especial e o extraordinário não possuem efeito suspensivo, de modo que mesmo o réu tendo interposto algum destes recursos, a decisão da segunda instância continuava produzindo efeitos. Dessa forma, nos termos do HC nº 126.292, a presunção de inocência do réu é afastada com a condenação em segundo grau, até mesmo porque os recursos excepcionais não servem para rediscutir fatos e provas, mas apenas as matérias de direito. Os principais fundamentos deste posicionamento do Supremo Tribunal Federal consistiam na necessidade de equilibrar o princípio da presunção da inocência com a efetividade da tutela jurisdicional penal, a qual deve atender não só os direitos

8 dos acusados, mas também de toda a sociedade, nas instâncias ordinárias é que são devidamente analisados os fatos e as provas e a Lei Complementar nº 135 2010 expressamente dispõe acerca da inelegibilidade de pessoas condenadas criminalmente em segunda instância, devendo ser aplicado este mesmo entendimento para a execução provisória da pena. O relator do Habeas Corpus em comento destacou que em nenhum país do mundo, após o julgamento em segunda instância, a execução da pena fica suspensa até a manifestação da Corte Constitucional, de forma que o princípio da presunção da inocência não pode ser entendido em grau absoluto. Destacou, também, que o esgotamento de todas as vias recursais implica na interposição de vários recursos protelatórios, comprometendo a pretensão punitiva estatal, posto que inúmeros processos prescrevem sem o julgamento destes recursos. Por fim, destaca-se que a ausência dos recursos nos Tribunais Superiores, não implica em violação ao direito de defesa dos réus, posto que existem instrumentos legais para se afastar as decisões ilegais ou teratológicas proferidas pelos juízos de primeiro ou de segundo grau. Neste sentido: Assim sendo, medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial seriam instrumentos adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou excessos em juízos condenatórios recorridos. Por outro lado, a ação constitucional do habeas corpus igualmente comporia o conjunto de vias processuais com inegável aptidão para controlar eventuais atentados aos direitos fundamentais decorrentes da condenação do acusado. Portanto, mesmo que exequível provisoriamente a sentença penal contra si proferida, o acusado não estaria desamparado da tutela jurisdicional em casos de flagrante violação de direitos. (FERNANDES, 2019, p. 599). O entendimento da possibilidade da execução provisória da pena perdurou até o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade números 43, 44 e 53, as quais foram julgadas em 07 de novembro de 2019. Assim, atualmente, não é possível a execução provisória da pena, de modo que a prisão só é possível após o julgamento de todos os recursos, consequentemente, as prisões, antes do trânsito em julgado, só podem ser determinadas quando presentes os

9 requisitos da prisão preventiva ou da temporária, desde que esta medida seja imprescindível e que não haja a possibilidade de substituição por medidas cautelares diversas da prisão. Segundo a Corte Constitucional, o artigo 283 do Código de Processo Penal é plenamente compatível com a Constituição Federal e com o princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII), sendo que este não deixa dúvidas acerca do momento correto para cumprimento da pena, que é após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Consta, ainda, no julgado em comento, os fundamentos do voto do Ministro Celso de Mello: a) a presunção de inocência qualifica-se como direito público subjetivo, de caráter fundamental, expressamente contemplado na CF (art. 5º, LVII); b) o estado de inocência, que sempre se presume, cessa com a superveniência do efetivo e real trânsito em julgado da condenação criminal, não se admitindo, por incompatível com a cláusula constitucional que o prevê, a antecipação ficta do momento formativo da coisa julgada penal; c) a presunção de inocência não se reveste de caráter absoluto, em razão de constituir presunção juris tantum, de índole meramente relativa; d) a presunção de inocência não se esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem os graus de jurisdição, pois só deixa de subsistir quando resultar configurado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; e) o postulado do estado de inocência não impede que o Poder Judiciário utilize, quando presentes os requisitos que os legitimem, os instrumentos de tutela cautelar penal, como as diversas modalidades de prisão cautelar (entre as quais, p. ex., a prisão temporária, a prisão preventiva ou a prisão decorrente de condenação criminal recorrível) ou, então, quaisquer outras providências de índole cautelar diversas da prisão (CPP, art. 319); f) a Assembleia Constituinte brasileira, embora lhe fosse possível adotar critério diverso (como o do duplo grau de jurisdição), optou, conscientemente, de modo soberano, com apoio em escolha política inteiramente legítima, pelo critério técnico do trânsito em julgado; g) a exigência de trânsito em julgado da condenação criminal, que atua como limite inultrapassável à subsistência da presunção de inocência, não traduz singularidade do constitucionalismo brasileiro, pois foi também adotada pelas vigentes Constituições democráticas da República Italiana de 1947 (art. 27) e da República Portuguesa de 1976 (art. 32, n. 2); h) a execução provisória (ou antecipada) da sentença penal condenatória recorrível, por fundamentar-se, artificiosamente, em uma antecipação ficta do

10 trânsito em julgado, culmina por fazer prevalecer, de modo indevido, um prematuro juízo de culpabilidade, frontalmente contrário ao que prescreve o art. 5º, LVII, da CF; i) o reconhecimento da possibilidade de execução provisória da condenação criminal recorrível, além de inconstitucional, também transgride e ofende a legislação ordinária, que somente admite a efetivação executória da pena após o trânsito em julgado da sentença que a impôs (LEP, arts. 105 e 147; CPPM, arts. 592, 594 e 604), ainda que se trate de simples multa criminal (CP, art. 50; LEP, art. 164); j) as convenções e as declarações internacionais de direitos humanos, embora reconheçam a presunção de inocência como direito fundamental de qualquer indivíduo, não estabelecem, quanto a ela, a exigência do trânsito em julgado, o que torna aplicável, configurada situação de antinomia entre referidos atos de direito internacional público e o ordenamento interno brasileiro e em ordem a viabilizar o diálogo harmonioso entre as fontes internacionais e aquelas de origem doméstica, o critério da norma mais favorável (Pacto de São José da Costa Rica, art. 29), pois a CF, ao proclamar o estado de inocência em favor das pessoas em geral, estabeleceu o requisito adicional do trânsito em julgado, circunstância essa que torna consequentemente mais intensa a proteção jurídica dispensada àqueles que sofrem persecução criminal; k) a exigência do trânsito em julgado vincula-se à importância constitucional e político-social da coisa julgada penal, que traduz fator de certeza e de segurança jurídica (res judicata pro veritate habetur); e l) a soberania dos veredictos do júri, que se reveste de caráter meramente relativo, não autoriza nem legitima, por si só, a execução antecipada (ou provisória) de condenação ainda recorrível emanada do Conselho de Sentença. Os Ministros, que proferiram votos desfavoráveis ao cumprimento provisório da pena, destacaram que são infundadas as interpretações de que a defesa do princípio da presunção da inocência dificultam as atividades investigativas e a persecução penal, posto que a repressão aos crimes não podem transgredir a ordem jurídica e os direitos e as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. Também afirmaram que os decretos condenatórios não podem estar embasados no clamor popular de combate à corrupção e nem à Constituição pode se submeter à vontade dos poderes constituídos. Com esse novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, inúmeros condenados em segunda instância já receberam alvarás de solturas e vão responder ao restante do processo em liberdade, haja vista que a decisão foi proferida em sede de julgamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade, que declarou a

11 constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, sendo tal decisão vinculante e com eficácia erga omnes. 3 DISCUSSÃO Nos termos do artigo 102 e seguintes da Constituição Federal, a principal função do Supremo Tribunal Federal é realizar o controle de constitucionalidade concentrado, processando e julgando as ações diretas de inconstitucionalidade, genéricas ou interventivas, as ações declaratórias de constitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e as ações de inconstitucionalidade por omissão, conferindo a necessária força normativa da Constituição no ordenamento jurídico brasileiro e a prevalência das normas constitucionais. Segundo Morais (2018, p. 742-743), a jurisdição das Cortes Constitucionais, de uma forma geral, exercem, nos Estados Democráticos de Direito, quatro funções básicas: [...] o controle da regularidade do regime democrático e do Estado de Direito; o respeito ao equilíbrio entre o Estado e a coletividade, principalmente em proteção à supremacia dos direitos e garantias fundamentais; a garantia do bom funcionamento dos poderes públicos e a preservação da separação dos Poderes; e finalmente, o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos. As decisões da Corte Suprema materializam o princípio da supremacia da Constituição, de modo que este ocupa posição hierárquica superior em relação a toda e qualquer norma ou ato administrativo oriundos dos poderes constituídos. Importante ressaltar que a supremacia da Constituição não se restringe na hierarquia das normas jurídicas, mas também diz respeito à arquitetura institucional, ou seja, à relação entre órgãos constitucionais, pois a supremacia da constituição implica o caráter secundário (dependente e subordinado) da legislação e do legislador (SARLET, 2018). A última decisão, no sistema judiciário brasileiro, é do Supremo Tribunal Federal, tendo os seus precedentes, efeito vinculante e obrigatório, quanto aos demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública, notadamente, no controle concentrado

12 de constitucionalidade e no julgamento dos recursos extraordinários, os quais exigem para o seu processamento o requisito da repercussão geral. Dessa forma, pela importância e pela necessidade de conferir estabilidade nas relações sociais, políticas, econômicas e jurídicas, a Corte Constitucional tem papel extremamente importante num Estado Democrático de Direito, impedindo o abuso do poder estatal e efetivando os direitos e garantias fundamentais este é o entendimento atual acerca do neoconstitucionalismo. Segundo Lenza (2018, p. 97): [...] o neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito. Ele pode ser considerado como um movimento caudatário do pósmodernismo. Dentre suas principais características podem ser mencionadas: a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais; b) onipresença dos princípios e das regras; c) inovações hermenêuticas; d) densificação da força normativa do Estado; e) desenvolvimento da justiça distributiva. Dada a importância dos temas submetidos à apreciação do pelo Supremo Tribunal Federal, as suas decisões são colegiadas e promovem a garantia processual do duplo grau de jurisdição, como forma de conferir maior segurança jurídica e buscar afastar condutas violadoras dos direitos individuais e coletivos. Neste sentido: Por princípio da colegialidade deve ser entendido que a manifestação dos Tribunais brasileiros deve ser colegiada no sentido de não poder ser realizada por um só de seus membros isoladamente ou, como se costuma falar, monocraticamente. É como se dissesse que o juiz natural dos Tribunais é o órgão colegiado, e não um de seus membros individualmente considerados. Decisão colegiada não deve ser entendida, contudo, como a decisão tomada necessariamente e em qualquer caso pela totalidade dos integrantes do Tribunal ao mesmo tempo. É perfeitamente legítimo e até mesmo desejável que os Tribunais, sobretudo os que tenham vários integrantes, organizem-se internamente, buscando maior racionalização de trabalhos. É por isso que todos os Tribunais brasileiros, nos termos dos seus respectivos regimentos internos (art. 96, I, a, da CF), subdividem-se em diversos grupos menores,

13 entre eles, as chamadas urmas (nomenclatura mais comum no STF, no STJ e nos TRFs) ou Câmaras (nomenclatura mais comum nos TJs) para viabilizar esta maior racionalidade na distribuição do trabalho e, consequentemente, no desempenho de sua atividade judicante. O que deve haver, contudo, é a possibilidade de reexame das decisões monocráticas pelo órgão colegiado competente (BUENO, Cassio Sacarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 68). Segundo o artigo 926 do Código de Processo Civil, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Já o artigo 927 do diploma processual supramencionado preceitua que os juízes e Tribunais devem observar as decisões do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade (inciso I); os enunciados de súmula vinculante (inciso II); as decisões proferidas nos recursos repetitivos (inciso III); os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional (inciso IV); e as orientações dos plenários dos Tribunais aos quais os juízes estiverem vinculados (inciso V). Os mencionados dispositivos do Código de Processo Civil ampliam a necessidade de observância dos precedentes obrigatórios, não se restringindo as matérias constantes na Constituição Federal, notadamente, no tocante às súmulas vinculantes. A previsibilidade dos precedentes obrigatórios, a segurança jurídica e a isonomia são valores muito importantes para a consolidação do Estado Democrático de Direito, ante a necessidade de manter a estabilidade nas relações jurídicas. Em que pesem as críticas doutrinárias à expansão dos precedentes vinculantes, não se pode esquecer que a ordem constitucional atual exige um Judiciário mais célere e efetivo, sem negligenciar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Assim, a observância dos procedentes obrigatórios possibilita maior eficiência processual (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), tratamento isonômico, maior previsibilidade e segurança jurídica aos jurisdicionados. Decisões conflitantes sobre aspectos similares desacreditam o Judiciário e enfraquecem o regime democrático, passando-se a impressão de que seguimentos mais

14 favorecidos economicamente podem se beneficiar da morosidade processual e dos infindáveis recursos, notadamente, na seara penal. Com relação à segurança jurídica, esta é entendida como um princípio base de todo o ordenamento jurídico. E este, busca a estabilização do ordenamento jurídico, com o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal), além da proteção da confiança das pessoas em relação às expectativas geradas pela atuação dos poderes constituídos (OLIVEIRA, 2017). Segundo Gajardoni et al (2018, p. 68-69): Segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve reconhecer e oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes. [...] Consequentemente, não pode o Poder Público adotar novas providências em contradição com as que foram por ele próprio emanadas, surpreendendo os que acreditaram nos atos estatais. [...] Tal axioma se aplica ao Poder Judiciário, na exata medida em que o juiz não pode frustrar as expectativas dos jurisdicionados, em determinado processo, com a prática de atos contraditórios. A proteção à confiança se encaixa com a boa-fé e na cooperação (artigo 6.º), em mecanismo processual destinado a servir de proteção ao jurisdicionado frente às mudanças nas situações processuais de forma arbitrária e contraditória. Dessa forma, as constantes alterações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no tocante à execução provisória da pena, gera indesejável insegurança jurídica e minam a credibilidade do Judiciário, dificultam o entendimento do cidadão comum quanto ao tema e prejudicam a pretensão punitiva estatal, gerando um verdadeiro caos jurídico. Em matéria publicada no Estadão, em 24 de outubro de 2019, a ex- Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, afirmou que os poderes instituídos tem sempre que zelar pela percepção que a população geral tem do modo como o sistema de Justiça funciona. Qualquer sistema de Justiça depende muito da confiança e da credibilidade que a população nele deposita. Observa-se que a ausência de estabilidade nas decisões do Supremo Tribunal Federal, tornam os seus precedentes comuns, destituídos de credibilidade,

15 efetividade e utilidade. Ademais, não existem critérios objetivos para a modificação dos precedentes. Os pressupostos materiais básicos para a superação dos precedentes (overruling), nos Estados Democráticos de Direito, exige a cabal demonstração da injustiça do precedente anterior, relevantes alterações no cenário econômico, político e social, que o precedente anterior não reflita a compreensão da sociedade sobre o tema ou a existência de conflito com outras normas ou decisões judiciais. A preservação dos precedentes vinculantes visa a conferir unidade, previsibilidade, estabilidade e continuidade no sistema jurídico constitucional, fatos estes que não estão sendo observados pela Corte Suprema. Para Marinoni et al (2019, E-book): A previsibilidade constitui razão para seguir precedentes. Interessante notar, ainda, que a previsibilidade é relacionada aos atos do Judiciário, isto é, às decisões, mas garante a confiabilidade do cidadão nos seus próprios direitos. Um sistema incapaz de garantir a previsibilidade não permite que o cidadão tome consciência dos seus direitos, impedindo a concretização da cidadania. [...] O sistema jurídico brasileiro, em tal dimensão, afigura-se completamente privado de efetividade, pois indubitavelmente não tem sido capaz de permitir previsões e qualificações jurídicas unívocas. Não obstante as normas constitucionais que preveem as funções do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal respectivamente, de uniformizar a interpretação da lei federal e de afirmar o sentido das normas constitucionais, torna-se estarrecedor perceber que a própria missão de garantir a unidade do direito federal, atribuída e imposta pela Constituição ao Superior Tribunal de Justiça, é completamente desconsiderada na prática jurisprudencial brasileira. Destarte, no cenário social e político atual, não existem razões jurídicas para mais uma alteração da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal referente à execução provisória da pena, tanto que a votação do julgamento foi bastante apertada, com seis votos contrários à prisão em segunda instância e cinco votos favoráveis. A situação atual sobre a execução provisória da pena, para muitos juristas, ainda não é definitiva e pode ser alterada em breve, seja por alteração legislativa ou, até mesmo, por novas decisões judiciais.

16 Portanto, como a Corte Constitucional não promove a pacificação social e não confere estabilidade e continuidade aos seus precedentes obrigatórios, observa-se que está em avançado grau de tramitação uma proposta que permite a prisão em segundo instância, conforme Projeto de Lei do Senado Federal nº 166 de 2018. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os entendimentos conflitantes acerca da possibilidade ou não da execução provisória da pena trazem insegurança jurídica e descrédito ao Poder Judiciário. Não é possível, que um tema tão importante, fique sendo alterado constantemente, sem que haja evidentes alterações no cenário, político, social e econômico. As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, só passou por um período de estabilidade do julgamento do HC nº 68.726, em 28 de junho de 1991, até fevereiro de 2009. Desta data até os dias atuais a jurisprudência oscila constantemente, ora entendo acerca da impossibilidade da execução provisória da pena, ora pela possibilidade, sendo que a partir de 07 de novembro de 2019, houve nova alteração jurisprudencial. Com estas constantes mudanças nas decisões do Supremo Tribunal Federal, não se promove a pacificação social e não se confere respeitabilidade aos precedentes judiciais. Dessa forma, é fundamental um posicionamento estável e coerente do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, a fim de afastar quaisquer questionamentos extrajurídicos, mantendo hígido os seus precedentes obrigatórios. Também é indispensável que a possibilidade de infindáveis recursos, muitas vezes protelatórios, não seja um permissivo para que criminosos não sejam punidos ou que as ações penais prescrevam sem um pronunciamento jurisdicional definitivo. Mantendo-se o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, acerca da impossibilidade do cumprimento provisório da pena, deve-se buscar a necessária tutela jurisdicional penal de forma célere e sem violar os direitos e garantias do indivíduo sujeito ao processo criminal. Observa-se que a discussão do tema do cumprimento provisório da pena é extremamente politizada, prejudicando o debate jurídico. Logo, o principal problema das mudanças de entendimento do Supremo Tribunal Federal é impedir que a sociedade

17 entenda o funcionamento das instituições e o teor das decisões judiciais, favorecendo um ambiente propício para disputas ideológicas e o extremismo político. Portanto, é urgente e imperativo que a Corte Constitucional mantenha a necessária higidez, coerência e estabilidade nos seus precedentes obrigatórios. REFERÊNCIAS BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi de. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 69p. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. 1. BUENO, Cassio Sacarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.. Decreto nº 678. Pacto de São José da Costa Rica. Promulgado em 6 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.. Código de Processo Penal. Promulgado em 3 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.. Lei nº 7.960. Promulgada em 21 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7960.htm>. Acesso em 10 nov. 2019.. Lei nº 8.038. Promulgada em 28 de maio de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8038.htm>. Acesso em 10 nov. 2019.. Código de Processo Civil. Promulgada em 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 10 nov. 2019.. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 166. Disponível em : <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132863. Acesso em 21 nov. 2019. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

18 CONDE, Muňoz. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975, p. 33. ESTADÃO. Matéria jornalística: Dodge critica sucessivas mudanças do STF em relação à prisão em segunda instância. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dodge-critica-sucessivas-mudancas-do-stfem-relacao-a-prisao-em-segunda-instancia,70003062690. Publicada em 24 out. 2019. Acesso em: 19 nov. 2019. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Teoria Geral do Processo comentários ao CPC de 2015. Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Método, 2018. LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. MARINONI, Luiz Guilherme et al. Precedentes obrigatórios. E-book. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2018. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Método, 2017. SARLET. Ingo Wolfgang et al. Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wpcontent/uploads/2018/10/dudh.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2019. PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2019. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula nº 07. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/verbetesstj_asc.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2019. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADC nº 43. Julgado em 07 de novembro de 2019. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 de nov. 2019.. ADC nº 44. Julgado em 07 de novembro de 2019. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 de nov. 2019.. ADC nº 54. Julgado em 07 de novembro de 2019. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 de nov. 2019.

19. HC nº 68.726. Julgado em 28 de junho de 1991. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 de nov. 2019.. HC nº 84.078. Julgado em 05 de fevereiro de 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 de nov. 2019.. HC nº 126.292. Julgado em 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 de nov. 2019.