As relações internacionais para além dos princípios westfalianos



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Transcrição:

As relações internacionais para além dos princípios westfalianos Diogo Bueno de Lima Durante boa parte do século XX as relações internacionais foram meramente pautadas por princípios westfalianos de relações interestatais. Os Estados continuam a ser o principal ator nas relações internacionais, contudo, há outros atores que no mundo contemporâneo abrem cada vez mais espaço dentro dessa seara, dentre eles podemos citar os municípios, as Organizações Internacionais, as Organizações nãogovernamentais e também os Partidos Políticos. É a partir dessa perceptiva que será abordada a criação e as primeiras atuações da Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (SRI-PT), por sua relevância como um desses atores, atuando nas relações internacionais por via partidária com outros partidos, movimentos e governos, mostrando os principais temas de sua agenda, como a solidariedade internacional, a luta pelos direitos humanos e a importância da integração regional. Destaque para o Movimento pela Anistia, que traria ao PT questões internacionais desde a sua formação. Parte do Movimento pela Anistia que integrou o partido deu origem à Secretaria de Relações Internacionais do PT, que nos primeiros anos de funcionamento pautava sua atuação na solidariedade aos povos latino-americanos e na denúncia contra violações aos Direitos Humanos na América Latina e Caribe. A princípio, a luta pela Anistia não parece atingir o movimento dos trabalhadores. Lula não se entusiasmou com o movimento pela Anistia por lhe parecer algo muito restrito e específico das classes médias, como fica claro na entrevista concedida por Lula em março de 1978 ao Pasquim quando declara que mesmo sendo contra qualquer cidadão ser preso por manifestar suas ideologias, era mais a favor da anistia da classe trabalhadora, que para ele era uma eterna prisioneira (KECK, 1991). Anos mais tarde, Lula declara que aos poucos sua consciência política foi avançando e o movimento pela anistia passou a formar um importante papel na luta pelos direitos humanos e a ser pauta de todo encontro sindical (LULA, 2007). Ana Maria Stuart, em entrevista concedida ao autor relata que O início do trabalho da SRI 14 tinha sido muito na linha da solidariedade internacional, com as revoluções na América Central, com os perseguidos pelas ditaduras a SRI-PT servia principalmente como um instrumento para essas tarefas. Assim, em seu início, a secretaria pautava sua atuação pela solidariedade e denúncia contra violações aos Direitos Humanos nos países latinoamericanos. Mesmo antes da institucionalização, inúmeros documentos mostram a existência de contatos internacionais - mais sistematizados ou menos sistematizados - enviados oficialmente pelo PT ou individualmente pelos seus membros, mas sempre mostrando o apoio à luta dos grupos e partidos de esquerda de fora do país. Mesmo sem existir em estatuto uma Secretaria, o PT já mantinha relações internacionais um pouco mais estruturadas com países e movimentos, e 14 Somente em 1984 conta com uma Secretaria de Relações Internacionais institucionalizando seu trabalho. 11

a análise desses documentos anteriores a 1984 mostram que já se delineava e se reconhecia uma Secretaria de Relações Internacionais, inclusive com um secretário, responsável por sua articulação. Uma das principais lideranças da luta pela Anistia foi o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que já fazia parte do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), Comitê Brasileiro de Solidariedade aos Povos da América Latina (CBS), do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul (CLAMOR), exercendo papel de auxílio aos exilados e presos políticos. Foi Greenhalgh, inclusive, quem tirou Lula da cadeia após ser preso em 1980. Greenhalgh foi o primeiro secretário da SRI-PT, atuando até 1988. Apesar de Greenhalgh ter sido apontado como o primeiro Secretário de Relações Internacionais, Ana Maria Stuart, em entrevista, relata: Creio que o primeiro secretário foi José Álvaro Moisés, que logo sai, assumindo Luiz Eduardo Greenhalgh. De todos os documentos encontrados durante a pesquisa, o mais antigo é uma carta datada de dezembro de 1981, na qual Guillermo Capobianco R., deputado Nacional da Bolívia, solicita a colaboração e solidariedade para impulsionar a campanha mundial pela Anistia Geral e Irrestrita como parte de um processo para a redemocratização do governo e da sociedade boliviana. Tal carta é endereçada a José Álvaro Moisés. No entanto, há uma marcação feita à mão sobre seu nome apontando o encaminhamento da mesma a Luiz Eduardo Greenhalgh, o que é coerente com a lembrança de Stuart. Em maio de 1982, é enviada por Greenhalgh uma carta ao então Presidente do Uruguai manifestando repúdio à condenação de um sindicalista uruguaio e assinada como Secretaria de Relações Exteriores do Partido dos Trabalhadores. Ainda no mesmo ano uma carta enviada pela Frente Mundial de Solidariedade com o Povo Salvadorenho, desde o México, é endereçada à Secretaria de Relações Internacionais do PT, reconhecendo a experiência unitária e combativa do partido e convidando a que participem do movimento de solidariedade ao povo salvadorenho. A Secretaria já começava a tomar corpo. Assim, em 1984 15 se dá a institucionalização da Secretaria de Relações Internacionais do PT (SRI-PT) que é por estatuto órgão de assessoria da Direção Nacional do PT. O foco principal de suas primeiras atuações é a sistematização permanente dos contatos e atuações do partido em sua luta internacional. As principais questões eram relativas à solidariedade entre os povos, estabelecimento de novas relações, contatos com as Direções ou Secretarias Internacionais de outros partidos e movimentos amigos, articulação de viagens e encontros internacionais e, inclusive, na própria definição das ações do partido em assuntos internacionais. Essa atuação era realizada a partir de reuniões internas, de sistematização dos assuntos internacionais, centrando na SRI-PT todos os assuntos relacionados a viagens, contatos, encontros internacionais, representação internacional do partido, envio de cartas a presidentes, instauração de abaixoassinados, contatos com militantes do PT que residiam em outros países, criação de grupos de trabalho para os casos mais relevantes, declarações de solidariedade às forças revolucionárias de outros países, apoio à 15 De acordo com documento do III Encontro Nacional, realizado nos dias 06, 07 e 08 de abril de 1984. 12

manutenção da autodeterminação dos povos e não intervenção, repúdio ao imperialismo norte-americano, entre outros. Em 1988, Greenhalgh deixa a SRI-PT para assumir como vice-prefeito de São Paulo. Assume o cargo de secretário de relações internacionais do partido Francisco Weffort, intelectual uspiano ligado ao Departamento de Ciência Política, que entrega o cargo após dez dias, deixando Ana Maria Stuart (juntamente com Osvaldo Vargas, secretário de relações internacionais da CUT), encarregada da campanha presidencial de Lula em seus contatos pela América Latina, principal atividade atribuída à Secretaria nesse momento. A quase eleição de Lula em 1989 foi um divisor de águas para o trabalho da SRI- PT, mudando definitivamente a atuação da mesma devido à visibilidade internacional adquirida pelo partido. Com a projeção que o PT ganha no cenário nacional e internacional há uma mudança nas demandas para a SRI- PT. Ela passa a ter relações políticas não só com movimentos e partidos, mas com governos e partidos de esquerda de várias vertentes que queriam conhecer melhor o partido que levou à quase eleição de Lula. Depois da quase eleição de Lula, que projetou o PT internacionalmente, nós passamos a ter uma demanda impressionante (STUART, 2006, entrevista concedida ao autor). Uma das mudanças da Secretaria foi chamar, em junho de 1990, Marco Aurélio Garcia para assumir o cargo de secretário de relações internacionais do PT, até então secretário de cultura na prefeitura de Campinas. Todo esse contexto de mudanças pós 1989, somados ao ingresso de Marco Aurélio Garcia como secretário, dá um sentido mais pragmático ao trabalho da SRI- PT. Diferente de outros partidos brasileiros, o PT deu ênfase na questão da integração regional desde o princípio da década de 90, e por meio de sua Secretaria de Relações Internacionais, propôs mudanças nos rumos do MERCOSUL, buscou desarticular a ALCA e atuou como indutor de políticas públicas ligadas a temas internacionais, como na criação da Rede Mercocidades. Assim, a partir das prefeituras petistas, inseria o partido como importante ator nas relações internacionais. A própria esquerda Europeia buscava compreender as políticas públicas petistas, como o caso do Orçamento Participativo (OP) e a SRI-PT atuando como indutora de relações políticas internacionais através das prefeituras conquistadas pelo PT. Foi nos governos de prefeituras petistas, como Porto Alegre e Belo Horizonte e das municipalidades governadas por partidos da esquerda latino-americana, como Buenos Aires, Montevidéu, Rosário, que em 1995 nasce a rede Mercocidades, que tem como objetivo promover a inserção das cidades no processo de integração regional, atuando como contra ponto das políticas neoliberais vivenciadas em toda a América Latina (no Brasil de Collor a Fernando Henrique Cardoso, e em outros países com Menem, Fujimori). A partir de 2002, com a eleição de Lula (e também com as eleições de diversos presidentes de esquerda na América Latina), as demandas voltaram a mudar partidos e movimentos que sempre foram oposição, se vêem do outro lado. Para a SRI-PT e para o PT, uma dificuldade, ou um objetivo buscado, é articular as políticas internacionais do partido com a política externa do governo. 13

Neste contexto, a SRI-PT é responsável pela política internacional do partido, muitas vezes confundida com a política externa do governo Lula. Durante esse governo essa articulação pôde ser percebida, por exemplo, com relação ao estreitamento das relações Sul-Sul, onde a SRI-PT tem buscado estreitar contatos com os partidos e movimentos progressistas latinoamericanos, africanos e asiáticos, enquanto a política externa do governo Lula também demonstra uma maior atenção com os governos desses mesmos países. A atuação internacional futura do PT se delineará a partir de um balanço sobre os anos que o PT assumiu a presidência da República. Assumir o governo trouxe a experiência de relações internacionais entre Estados, diferente daquela atuação que antes só se dava entre partidos e movimentos. Assim, o grande desafio do presente artigo foi enxergar e contemplar as relações internacionais de um partido, por meio de uma Secretaria de Relações Internacionais, para além da clássica relação Estado-Estado. Pode-se observar que é imprescindível somar as forças entre os diferentes atores internacionais, articulando positivamente movimentos, partidos e governos para a conquista de melhores situações no meio internacional, tendo em vista objetivos políticos comuns destes atores. Diogo Bueno de Lima é internacionalista, Assessor para Rede de Cidades da Coordenadoria de Relações Internacionais do Município de Guarulhos, Assistente do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, Coordenador do Laboratório de Análise Internacional (LAI- FASM) e Coordenador do GT II do Grupo de Análise e Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon). Referência Bibliográficas: ABRAMO, Zilah Wendel. A continuidade da luta. In: MAUÉS, Flamarion; ABRAMO, Zilah Wendel (Orgs.). Pela democracia contra o arbítrio: a oposição democrática do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. (p.209 212) CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. 5ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. DIRETÓRIO Nacional do PT. Resoluções de Encontros e Congressos 1979-1998. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998. ESTATUTO Mercocidades. Novembro, 2002. Disponível em: <http://www.mercocidades. org/index.php?module=htmlpages&func=disp lay&pid=27>. Acesso em: 29 mai. 2008. GADOTTI, Moacir; PEREIRA, Otaviano. Pra Que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1989. GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. KECK, Margaret. A lógica da diferença: O Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira. São Paulo: Ática, 1991. LEIA relato biográfico de Celina Lagrutta, filha de Nani Stuart. 2008 Disponível em: <http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?ptio 14

n=com_content&task=view&id= 10982&Itemid=238> acesso em: 20 Mar. 2008 ROLLEMBERG, Denise. Memórias no exílio, memórias do exílio. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). Revolução e democracia (1964 -...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (p.199 220).. Nômades, sedentários e metamorfose: trajetórias de vida no exílio. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964 2004). Bauru, SP: Edusc, 2004. (p.277 296). SECRETARIA de Relações Internacionais. A política internacional do PT. São Paulo, 2007. (Revista integrando as resoluções aprovadas pelo 3 Congresso do PT). SILVA, Luiz Inácio Lula. Processo incompleto. In: MAUÉS, Flamarion; ABRAMO, Zilah Wendel (Orgs.). Pela democracia contra o arbítrio: a oposição democrática do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. (p.258 259) STUART, Ana Maria. Entrevista concedida ao Autor, 2006. 15