Aspectos Sobre a Colisão do Direito ao Meio Ambiente Frente ao Direito Econômico nos Tribunais Judiciais Brasileiros.



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Transcrição:

Aspectos Sobre a Colisão do Direito ao Meio Ambiente Frente ao Direito Econômico nos Tribunais Judiciais Brasileiros. Luísa Zuardi Niencheski 1 Resumo Não só o padrão consumista da sociedade, mas também o fomento da atividade econômica de forma insustentável contribuem para a gradativa escassez dos recursos naturais em função do descaso com a tutela ambiental. A incolumidade do meio ambiente não pode ficar exposta às motivações de índole meramente econômicas, uma vez que a norma constitucional que positiva a ordem econômica está subordinada à norma fundamental que garante a proteção dos recursos naturais (art. 170, inc. VI da CF/88). Cabe ao Poder Judiciário, através dos magistrados que exercem a função de intérpretes do bem comum, em cada caso concreto, realizar um sobpesamento destes valores assegurados constitucionalmente, a fim de efetivar a proteção da qualidade ambiental, imprescindível à manutenção e à existência da vida humana em condições digna. Palavras-chave Direito ao meio ambiente desenvolvimento econômico sustentabilidade Estado Socioambiental Poder Judiciário efetivação dos direitos fundamentais 1 Graduanda do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação Científica pelo órgão fomentador BPA/PUC, sob coordenação do Professor Doutor Carlos Alberto Molinaro. Membro do NEADF Núcleo de Estudos Avançados em Direitos Fundamentais.

O trabalho a seguir apresentado é um recorte do projeto desenvolvido sob coordenação do Prof. Dr. Carlos Alberto Molinaro e vinculado ao Núcleo de Estudos Avançados em Direitos Fundamentais NEADF, bem como ao Programa de Pós Graduação em Direito da PUCRS. Trata-se de uma pesquisa que visa analisar algumas das principais controvérsias a respeito da efetivação do direito fundamental à proteção e preservação do meio ambiente quando confrontado com o direito ao desenvolvimento econômico a partir da análise jurisprudencial dos principais Tribunais Judiciais Brasileiros. A consciência da tutela jurídica ambiental reconhecida, pioneiramente em 1972, através da Declaração do Meio Ambiente, sediada em Estocolmo, propiciou o surgimento de valores que enquadrassem o meio ambiente como direito fundamental entre os direitos sociais do homem. A partir do apontamento da nossa dependência com a biosfera e do alarmante quadro de desigualdade social, maior número de reuniões em escala nacional e regional tomaram lugar, como a ocorrida em 1992, no Rio de Janeiro e em 2002 em Johanesburgo. Desde então, a preocupação com a capacidade de resposta da sociedade frente à escassez dos recursos vem tomando significativa posição nos tribunais judiciais brasileiro, mais especificamente, quando confrontado com o direito ao desenvolvimento econômico, assegurado na Constituição Federal, artigo 3, II. A atual Carta Política Brasileira tem o meio ambiente em elevadíssima conta. Primeiramente, dele trata ao elencar a legitimidade do cidadão à propositura da ação popular que busque anular lesão a natureza, conforme art. 5, inciso LXXIII. Em um segundo momento, o faz menção ao estabelecer a competência dos entes federados na sua proteção e no combate a poluição (art. 23, inciso VI). No artigo 129, III, vincula a titularidade do Ministério Público a propor ação civil pública quando presente ameaça a tutela ambiental. Tanto foi o desvelo com o meio ambiente que a Constituição Federal o deu tratamento autônomo no capítulo VI do Titulo VIII. O artigo 225 da magna lei federal dispõe que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, erigindo-o, ainda à condição de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Sendo o direito ambiental um produto cultural, deve ser observado no contexto da nossa Carta Maior, ou seja, é direito que obedece não só os princípios fundamentais indicados nos artigos 1 ao 4 como se organiza enquanto direito e garantia fundamental destinada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País no âmbito direcionado pelos artigos 5 e 6 de nossa Constituição Federal. 2 Apesar dos direitos da terceira dimensão, entre eles especificamente, o direito ao meio ambiente, não estarem arrolados no artigo 5 do catálogo dos direitos fundamentais, podem ser compreendidos como tais em virtude da abertura material do artigo 5, 2, bem como pelo suporte dos tratados internacionais sobre direitos humanos nos quais há o reconhecimento do direito ao meio ambiente e à qualidade de vida 3. Da mesma forma, a este direito lhe é assegurado a aplicabilidade direta, que atrela às entidades públicas e às privadas, atribuída pela Constituição no artigo 5, 1. O Supremo Tribunal Federal em diversos julgados 4 reconheceu que: o direito à integridade do meio ambiente típico direito de terceira geração constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. José Afonso da Silva declara que a Constituição Brasileira, no tocante ao capítulo do meio ambiente que integra o título da ordem social, ultrapassa outras constituições modernas. Posiciona a qualidade do meio ambiente como um 2 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Disponível em: <http://www.observatorioeco.com.br/wp-content/uploads/up/2009/10/fundamentos-constitucionais-do-direitoambiental-brasileiro.pdf> 3 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.171. 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 22.164. Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10- 1995, Plenário, DJ de17-11-1995.

bem, patrimônio, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo do Poder Público, para assegurar as condições de desenvolvimento social. 5 Além disso, a carta federal impôs ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, eis que não há como negar a exigência de uma cidadania participativa. Ainda, a defesa do meio ambiente deve ser pensada como diretriz da ordem econômica brasileira (art. 170, inciso VI). O Estado tem a especial obrigação de defender e preservar esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual. O adimplemento deste encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Não bastando as agressões ao meio ambiente, resultante da produção industrial dos países ricos suportada pelos países pobres, temos, também, a degradação ambiental provocada pela especulação do capital, onde é gerada uma espécie de divisão social do ambiente. A população, por diversas vezes, é desconsiderada pela a política econômica, baseada na atração do capital internacional 6. Se, por um lado, sabe-se que os mecanismos de mercado trabalham no sentido da produção da desigualdade ambiental, o discurso dos movimentos não deixa de considerar, por outro lado, o papel da omissão do dever estatal, favorecendo a ação perversa do mercado. Diante disto, o modelo de Estado até então vigente não conseguiu administrar e enfrentar a problemática da degradação ambiental imposta à sociedade contemporânea. Por isso, o Estado Socioambiental apresenta a salvaguarda cada vez maior dos direitos fundamentais em todas suas dimensões 7. A concretização de um Estado Socioambiental, assim, converge obrigatoriamente para mudanças radicais nas estruturas existentes da sociedade organizada, em face da deficiência do funcionamento dos mecanismos de resposta do direito do ambiente, perante as difíceis questões emergentes dos estados de risco dos problemas ambientais específicos da atualidade. 8 Desta forma, percebe-se a necessidade de introdução de um Estado Socioambiental o qual unifica, no horizonte jurídico-constitucional contemporâneo, as agendas social, ambiental e econômica num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano 9. Canotilho utiliza a expressão Estado Constitucional Ecológico para, de semelhante maneira, designar uma nova ordem jurídica e social que trabalhe, a partir do diálogo social e ativo, com a convergência dos valores, já assegurados constitucionalmente, com aqueles que efetivem a proteção do meio ambiente 10. Na abordagem desta pesquisa, no entanto, se utilizará a expressão Estado Socioambiental para demonstrar que, o que a sociedade busca atualmente, exige uma cidadania participativa, que compreende a ação conjunta do Estado e da coletividade na proteção ambiental 11. Nem tampouco se poderia utilizar o termo Estado pós-social, uma vez que a concretização dos direitos fundamentais sociais ainda está em fase de implementação, de especial forma nos países em desenvolvimento desprovidos do acesso aos direitos básicos 12. 5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008, p. 849. 6 ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental ação coletiva e estratégias argumentativas. In, ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA. José Augusto (orgs). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. 7 SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago. Estado Socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p.17. 8 LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na Sociedade de Risco. 2 Ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 127 9 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. A dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2008 10 HARTMANN, Ivar Alberto Martins. E-codemocracia. A proteção do meio ambiente no ciberespaço. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2010. 11 LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na Sociedade de Risco. 2 Ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. 12 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. A dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2008. p. 27

O Estado Socioambiental, como criação da sociabilidade das relações cidadãs, deve buscar respaldo na lógica da exigibilidade dos direitos fundamentais, a fim de promover à superação da crise ambiental pela efetivação dos chamados direitos sociais. Desta forma, o Socioambientalismo destina-se à consecução dos fins sociais, econômicos e ambientais. O Sociambientalismo também se constrói a partir do diálogo permanente entre o crescimento econômico, a distribuição equitativa de bens e suas conseqüentes exigência aos recursos naturais. Nesta linha, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland), criada em 1983, trabalhou durante quatro anos para produzir o documento Nosso Futuro Comum, onde pela primeira vez foi pronunciada a expressão Desenvolvimento Sustentável. Posteriormente, em resultado dos debates ocorridos na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (RIO-92), o termo desenvolvimento sustentável foi concretizado como um dos princípios norteadores para a equitativa cooperação entre os Estados a fim de garantir o direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza 13. Com efeito, a democratização do controle sobre o meio ambiente, impulsiona a cidadania participativa com o intuito de conciliar uma ação conjunta do Estado e da coletividade na proteção ao ambiente saudável 14. O aprimoramento do desenvolvimento sustentável, dentro da ordem jurídica, tornar-se-á possível através da democracia ambiental. Isto é, a tridimensionalidade principiológica da democracia ambiental compreende o direito à informação, educação e participação ambiental no qual figuram como sujeitos o Estado e os indivíduos. O princípio n. 10 15, exarado na Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), considera o acesso à informação como pressuposto fundamental para que a participação popular tome parte do contexto ambiental. No tocante ao elemento educação ambiental este é referido como instrumento de garantia do direito fundamental a fim de formar a conscientização ambiental 16. Observamos que estes princípios estão intrinsecamente relacionados, tendo em conta que o Estado Socioambiental atinge o máximo de efetivação dentro da ótica democrática ao concretizar o direito da participação popular 17. Somente através da atuação dos cidadãos é que o Estado será compelido a reverter a lógica capitalista de forma que, este sistema promova a realização de uma economia voltada, não para o crescimento, mas para a sustentabilidade, e desta forma produza resultados positivos no âmbito da justiça ambiental 18. Nesta esteira, a cidadania ambiental, acentuada por Molinaro 19 e defendida por Canotilho 20, também é pressuposto essencial do Estado Sociambiental. A fim de garantir à incolumidade da natureza, a cidadania torna-se relevante pela abordagem integrativa do ambiente e do exercício de participação dos interessados. Na sociedade moderna, o direito ambiental deve ser compreendido não só sob o aspecto jurídico, como também, essencialmente, através da abordagem ecológica. Esta nova leitura, como preceituou o Superior Tribunal de Justiça, parte do princípio de que o Direito, sozinho, é incapaz de resolver os problemas advindos da complexidade ambiental. 13 Princípio 1 da Declaração da ECO-92 sobre Ambiente e Desenvolvimento. Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza. Disponível em http://www.lead.org.br/article/view/1824/1/247 14 FARIAS, Paulo José Leite. A Dimensão Econômica do Meio Ambiente. A riqueza dos recursos naturais como direito do homem presente e futuro. Revista de Informação Legislativa. Brasília ano 45, n. 180, out./dez. 2008. p.115-138 15 Princípio 10 da Declaração da ECO-92 sobre Ambiente e Desenvolvimento: a melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. Disponível em http://www.lead.org.br/article/view/1824/1/247 16 BARBOSA, Gabriela Gonçalves e FARIAS, Talden. O princípio da participação popular no Direito Ambiental Brasileiro e a sua contribuição para a proteção do meio ambiente. Fórum de dir. urbano e ambiental FDUA, Belo Horizonte, ano 7, n. 37, p. 21-33, jan;fev.2008. 17 ARAÚJO, Thiago Cássio d Ávila. Tridimensionalidade principiológica da democracia ambiental. Fórum de dir. urbano e ambiental FDUA, Belo Horizonte, ano 7, n. 37, p. 84-90, jan;fev.2008. 18 ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental ação coletiva e estratégias argumentativas. In, ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA. José Augusto (orgs). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004 19 MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade Ecológica e Estado Socioambiental e Democrático de Direito. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2006,p. 107. In: HARTMANN, Ivar Alberto Martins. E-codemocracia. A proteção do meio ambiente no ciberespaço. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2010 20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada. In: FERREIA, Heline Sivini e LEITE, José Rubens Morato (Org.). Estado de Direito Ambiental: Tendências. Rio de Janeiro: ed. Forense Universitária. 2004

É preciso dar um tratamento interdisciplinar à interpretação das normas que tutelam o meio ambiente cuja preservação, muitas vezes, transcende a capacidade dos estudos e práticas existentes. 21 Por isso, o Judiciário, como representante do poder estatal, assume relevante importância na concretização do direito ao meio ambiente, devendo pautar a sua atuação conforme o seu dever constitucional de guardião deste direito fundamental. Assim, a fim de analisar a atuação do Judiciário frente a demandas relacionadas às atividades que possam afetar diretamente o ambiente, a pesquisa adotou como método de procedimento o levantamento qualitativo de julgados dos Tribunais Judiciais Brasileiros. Com a análise qualitativa das decisões coletadas, buscou-se traçar um perfil acerca da efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no contexto das atividades econômicas. Foram selecionados os acórdãos mais relevantes proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, tendo por critério a análise dos aspectos controvertidos identificados como objetivos específicos da pesquisa. O Judiciário deve atuar quando há a morosidade das prestações básicas que deveriam ser garantidas a todos cidadãos, deixando de honrar com os compromissos solenemente assumidos pelo Estado na Constituição. Como bem explicitado em jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4 Região, a importante missão de completar e reconhecer direitos ampliando os espaços de cidadania caracteriza o fenômeno da judicialização da vida social, pelo qual o Poder Judiciário como poder político desempenha um papel proeminente como salvaguarda de direitos e garantias fundamentais e de socorro aos mais fragilizados. 22 O Poder Judiciário tem o direito de fazer valer a sua valoração e ponderação dos bens quando há a lesão ou ameaça de lesão a direito constitucionalemnte assegurado. Sarlet e Fensterseifer 23 oportunamente averbam que o Poder Judiciário deve contribuir de modo relevante para a efetividade da rede normativa que regulas as questões ambientais, ainda que o seu papel tenda a ser mais tópico e de cunho prevalentemente corretivo. Restou demonstrado que os Tribunais, ao se depararem com casos em que a continuidade de atividade poluidora extrapola os parâmetros da legalidade, consideram uma grave afronta à cláusula de proteção ao meio ambiente, não obstante a mera aparência de ingerência no direto de desenvolvimento de atividade mercantil. Saliente-se que o meio ambiente não é incompatível com projetos de desenvolvimento econômico e social que cuidem de preservá-lo como patrimônio da humanidade. Com isso, pode-se afirmar que o meio ambiente pode ser palco para a promoção do homem todo e de todos os homens. 24 Notadamente, é possível verificar que as análises econômicas vêm conquistando uma atenção cada vez maior. Isto porque, em teoria, os problemas ambientais mais críticos podem ser avaliados comparando-se os custos que impõem à sociedade. A comparação dos custos sociais dos problemas ambientais pode indicar as prioridades tanto dentro do mesmo setor quanto em relação aos problemas de outros setores. 25 21 Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97533 22 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação Cível nº 2004.72.00.017675-8/SC. Relator: Des. Marga Inge Barth Tessler. Julgado em 26 agos. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 09 set. 2009. Disponível em: <http://gedpro.trf4.gov.br/visualizardocumentosinternet.asp?codigodocumento=2959171&termospesquisados=%c3 %A2%E2%82%AC%C5%93meio ambiente%c3%a2%e2%82%ac%c2%9d%7c%c3%a2%e2%82%ac%c5%9 3rede de esgotos%c3%a2%e2%82%ac%c2%9d >. Acesso em 4 de março de 2011. 23 SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago. O papel do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito Ambiental. Brasília ano 13, n. 52, out./dez. 2008. p.94. 24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. ACO 876-MC-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 19-12-2007, Plenário, DJE de 1º-8-2008 25 MARGULIS, Sergio. A regulamentação ambiental: instrumentos e implementação. Texto para Discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 1996.p.1. Disponível em:< http://www.ipea.gov.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=3626&itemid=2>

Embora essas análises econômicas sejam um método razoável de fixar prioridades, raramente são aplicadas. Isto porque os governos ainda se encontram atrelados à idéia de que o avanço na sustentabilidade seria prejudicial para a economia e que as despesas na proteção ambiental só será possível em data posterior 26. Ocorre que estas decisões não poderão ser procastinadas, sob pena de não só as futuras gerações, mas como também a presente, sofrerem consequencias irreparáveis. De qualquer modo, os governos dos países em desenvolvimento não têm como evitar a fixação de uma hierarquia de prioridade para os principais problemas ambientais que afetam suas nações 27. A desconcertante distribuição de renda e riqueza nos países subdesenvolvidos demonstra os baixos níveis sociais e ambientais, quando comparados com os países mais desenvolvidos. Os países que dependem dos recursos ecológicos ficam vulneráveis às vontades dos países fornecedores. Ao mesmo tempo, países que possuem de sobra reservas naturais, equilibrando o seu próprio consumo e até exportando, conseguem estabelecer uma posição de vantagem. Ademais, a partir da análise dos julgados, verificou-se que a atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente, uma vez que a ordem econômica subordina-se ao princípio da preservação ambiental. Isto porque, o bem maior tutelado no ordenamento jurídico é a vida e a qualidade ambiental é imprescindível à manutenção e à existência da vida humana em condições digna. O Poder Judiciário tem, portanto, um poder-dever de intervenção, que não lhe pode ser subtraído e nem pode ser reduzido. Entretanto, salienta-se que esta atuação jurisdicional só poderá ocorrer de maneira excepcional e subsidiária. 28 Assim, os magistrados, encontram a solução para o oposicionismo de valores constitucionais relevantes, na ponderação do caso em concreto, em função dos interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a harmonizá-los e a impedir que se aniquilem reciprocamente, tendo-se como vetor interpretativo, para a obtenção de um mais justo e perfeito equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, o principio do desenvolvimento sustentável. A superação do antagonismo há de resultar de critério que permitam o poder público, ponderar e avaliar, qual deva ser o direito a prevalecer no caso concreto. 29 Canotilho, em sua magnífica obra, afirma que a colisão de direitos fundamentais ocorre quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. 30 Assevera que as regras destes conflitos devem estar pautadas na harmonização de direitos ou na prevalência de um direito ou bem em relação a outro, todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas e depois de um juízo de ponderação se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro. O supracitado autor conclui seu pensamento dizendo que as normas dos direitos fundamentais são entendidas como imperativos de otimização que devem ser realizadas, na melhor medida possível, de acordo com o contexto jurídico e respectiva situação fática. 31 Apesar, de não haver uniformização para a solução de conflitos de direitos, a ponderação no caso concreto é uma necessidade premente. 26 ECOLOGICAL FOOTPRINT ATLAS 2009. Global Footprint network, research and standards department, published in November 2009 by Global Footprint Network, Oakland, California, United States of America. p. 5. Disponível em:< http://www.footprintnetwork.org>. Acesso em 18 de setembro de 2010. 27 MARGULIS, Sergio. A regulamentação ambiental: instrumentos e implementação. Texto para Discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 1996.p.7. Disponível em:< http://www.ipea.gov.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=3626&itemid=2> 28 SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago. O papel do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito Ambiental. Brasília ano 13, n. 52, out./dez. 2008. p.81. 29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3540. Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1-9-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006. 30 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Edições Almedina,2007, p.1274. 31 Ibidem, p. 1274.

Outrossim, exatamente porque a proteção constitucional do meio ambiente situa-se numa posição elevada na hierarquia das normas, os comandos dessa envergadura servem de guia para a leitura do direito positivo nacional, em particular no balanceamento de interesses conflitantes. Verifica-se que a busca pela equidade ambiental não encontra respaldo na lógica do capitalismo. Assim, como a constante erosão do capital enfraquece uma empresa, a superação ecológica corrói o "capital natural" do planeta, último meio de subsistência da humanidade. Tanto como dever de não degradar, como na fórmula de direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a constitucionalização presta-se para contrabalançar as prerrogativas tradicionais do direito de propriedade, com a imposição de limitação tanto implícitas como explícitas (p. ex., a função sócio-ambiental da propriedade). 32 Segundo o Ministro da Suprema Corte Brasileira, Gilmar Mendes, em palestra proferida na Universidade de Princeton, Estados Unidos, a aplicação dos direitos sócio-econômicos declarados na Constituição exige, acima de tudo, realismo e pragmatismo na interpretação do texto constitucional, que se manifesta impecavelmente na própria idéia de "pensar que é possível" 33. Tendo como norte a otimização da tutela ecológica no contexto mais amplo dos direitos fundamentais, o Judiciário deve, ao ponderar os interesses em jogo, fazer preponderar a proteção do ambiente, limitando o exercício do direito de propriedade, no intuito de modelá-lo à luz da sua função ecológica e dos deveres fundamentais de proteção ambiental conferidos constitucionalmente ao seu titular 34 Da mesma forma, o ministro Celso de Mello, no RE 134.297/SP 35, assegura que incumbe ao poder público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública. Neste sentido, Sarlet e Fensterseifer apontam que apesar do número de ações judiciais apontarem para uma forte intervenção judicial em favor da tutela ambiente, o Poder Judiciário ainda tem muito para avançar, até mesmo por não faltarem exemplos de decisões no mínimo polêmicas por parte dos juízes e tribunais, além de uma série de situações que apontam para um evidente descaso com a tutela ambiental, privilegiando outros valores, notadamente o da livre iniciativa, além, de por vezes, injustificados do poder econômico. 36 Diante do abordado, é possível tecer algumas considerações finais no sentido de compreender que o meio ambiente, direito fundamental assegurado na Constituição Federal Brasileira, deve ser pensado e enquadrado como norteador do princípio da atividade econômica. Neste contexto, percebe ser viável a continuidade do desenvolvimento nacional, desde que pautado, primariamente, na preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, conformado no tão aclamado desenvolvimento sustentável. Da mesma forma, uma intervenção no meio ambiente somente se justifica quando os benefícios dela decorrentes estejam traduzidos no bem-estar social. 32 BENJAMIN, Antônio Herman V. Meio Ambiente e Constituição: uma primeira abordagem. In: BENJAMIN, Antônio Herman (Org.). Anais do 6 Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo: IMESP, 2002, p.89-101. 33 Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaartigodiscurso/anexo/discursoprinceton.pdf 34 SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago. O papel do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito Ambiental. Brasília ano 13, n. 52, out./dez. 2008. p.87. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso Extraordinário n. 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6- 1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995. 36 SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago. O papel do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito Ambiental. Brasília ano 13, n. 52, out./dez. 2008. p.94.

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