PERFIL DA CONTAGEM DE PLAQUETAS NA DENGUE PLATELET COUNT ON DENGUE. Daniela Paula Marion Santin, Paulo Henrique da Silva, Railson Henneberg



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109 PERFIL DA CONTAGEM DE PLAQUETAS NA DENGUE PLATELET COUNT ON DENGUE 1 2 2 Daniela Paula Marion Santin, Paulo Henrique da Silva, Railson Henneberg 1. Aluna do Curso de Pós-graduação da Faculdade Cathedral 2. Docentes do Departamento de Análises Clinicas Da Universidade Federal do Paraná RESUMO: A dengue clássica e sua forma grave (hemorrágica) são causadas por um dos quatro tipos de sorotipos do vírus da dengue. Os principais marcadores que diferenciam as duas formas da doença são o aumento da permeabilidade vascular, seguida de hipovolemia e choque nos casos severos. As mudanças hematológicas que constantemente ocorrem na forma hemorrágica incluem a supressão da medula óssea, com consequente leucopenia e trombocitopenia. As causas da trombocitopenia são geralmente relacionadas a atuação direta do vírus sobre a medula óssea e pela ativação de mecanismos imunológicos que aumentam a destruição das plaquetas na circulação. Pela alta incidência das endemias de dengue que ocorrem no Brasil, o entendimento do comportamento de alguns parâmetros laboratoriais é essencial para a melhora das formas de diagnóstico além de auxiliar nas medidas terapêuticas na cura da doença. Palavras-chave: Dengue, Febre Hemorrágica da Dengue, trombocitopenia. ABSTRACT: The classic dengue and its severe form (hemorrhagic) are caused by one of four types of dengue virus serotypes. The main markers that differentiate the two forms of the disease are increased vascular permeability, followed by hypovolemia and shock in severe cases. Hematologic changes constantly occur as hemorrhagic include bone marrow suppression, with consequent thrombocytopenia and leukopenia. The causes of thrombocytopenia are usually related to direct action of the virus on the bone marrow and activation of immune mechanisms that increase the destruction of platelets in the circulation. The high incidence of endemic dengue occurring in Brazil, understanding the behavior of some laboratory parameters is essential for the improvement of the forms of diagnostic besides assisting in therapeutic measures to cure the disease. Key-Words: Dengue Fever, Dengue Hemorrhagic Fever, thrombocytopenia.

110 1. INTRODUÇÃO A dengue é uma doença infecciosa febril aguda, benigna na maioria dos casos, causado por qualquer um dos quatro sorotipos de um vírus do gênero Flavivirus, o vírus da dengue (MARTINS; SETÚBAL; CASTIÑEIRAS, 1998). A doença é endêmica e ocorre em todo o mundo, estima-se que cerca de 2,5 bilhões de pessoas vivem em áreas onde há o risco de transmissão, com 500 milhões de casos de infecção pelo vírus ocorrendo anualmente. A forma grave da doença, denominada de dengue hemorrágica atinge cerca de 500.000 mil indivíduos com aproximadamente 22.000 relatos de morte pela doença a cada ano (HOTTZ et al., 2011). A transmissão ocorre pela picada de fêmeas de mosquitos do gênero Aëdes. O principal transmissor é o Aëdes aegypti, um mosquito perfeitamente adaptado ao meio urbano, desenvolvendo-se a sua fase larvária em coleções de água tais como poços, caixas d'água abertas, vasos de jardins, tambores e outros recipientes artificiais (MARTINS; SETÚBAL; CASTIÑEIRAS, 1998). O homem é a principal fonte de infecção e o constante deslocamento das pessoas e o transporte passivo dos mosquitos ou de seus ovos são os principais responsáveis pela expansão geográfica da doença, já que o mosquito tem autonomia de voo muito limitada, é importante salientar que não ocorre infecção de pessoa para pessoa (MARTINS; SETÚBAL; CASTIÑEIRAS, 1998). A dengue apresenta um espectro abrangente de apresentações clínicas, podendo variar de uma febre discreta até a sua forma hemorrágica, severa, que pode levar o indivíduo a morte (HOTTZ et al., 2011). A dengue hemorrágica pode ser reconhecida clinicamente pelo aumento da permeabilidade vascular que raramente ocorre nos casos mais brandos da doença (SRICHAIKUL; NIMMANNITYA, 2000). Esta alteração na permeabilidade vascular pode levar a uma diminuição do fluído intravascular, com consequente hemoconcentração e hipotensão nos indivíduos afetados, além da trombocitopenia que é achado frequente nos casos moderados e severos da doença (HOTTZ et al., 2011). Ocorrendo hemoconcentração e trombocitopenia, com ou sem a presença de manifestações hemorrágicas, o paciente deverá ser considerado como acometido de dengue do tipo hemorrágico, categorizado de acordo com a classificação de gravidade da OMS (Quadro 1)(MARTINS; SETÚBAL; CASTIÑEIRAS,1998; SRICHAIKUL; NIMMANNITYA, 2000 ).

111 QUADRO 1 Classificação da gravidade da dengue por critérios laboratoriais e clínicos. GRAU ACHADOS LABORATORIAIS Grau 1 Trombocitopenia + Hemoconcentração Grau 2 Trombocitopenia + Hemoconcentração Grau 3 Trombocitopenia + Hemoconcentração Grau 4 Trombocitopenia + Hemoconcentração SINAIS CLÍNICOS Ausência de sangramento espontâneo Presença de sangramento espontâneo Insuficiência circulatória:pulso filiforme, queda de 20 ou mais mmhg na pressão arterial, extremidades frias e pegajosas, apreensão. Choque declarado, com pressão arterial zero e pulso impalpável A clínica da febre hemorrágica da dengue (FHD) tem como características principais febre alta (40 a 41ºC), trombocitopenia, manifestações hemorrágicas, permeabilidade capilar excessiva e derrame plasmático, que podem evoluir para síndrome do choque hipovolêmico e até mesmo a morte. Destaca-se ainda a elevação do hematócrito em mais de 20% acima dos valores basais, a perda seletiva do volume plasmático para as cavidades serosas (peritoneal e pleural) que podem causar choque hipovolêmico (OLIVEIRA, 2012; MASERA, 2013 ). A hipótese de dengue é fácil de ser estabelecida em função da exuberância do quadro. Entretanto, é necessário ter em mente que nem todo o paciente com febre e mialgia está com dengue. Portanto, é fundamental excluir outras causas que tem sintomatologia semelhante. Um dos erros mais grosseiros é a confusão entre dengue hemorrágica e meningococcemia e/ou meningite. Algumas doenças (leptospirose e febre amarela) tem apresentação clinica indistinguível, havendo a necessidade, além da história epidemiológica, de exames complementares para a diferenciação (MASERA, 2013) Considerando que a defesa do corpo num sangramento é realizada basicamente pelas plaquetas, após o exame clínico, o hemograma torna-se um aliado na identificação do estágio da doença e dos cuidados mais urgentes. A trombocitopenia pode ocorrer por vários motivos, dentre eles a maior destruição periférica por mecanismos imunes e não imunes do baço e do fígado e pelo grande consumo das mesmas (LICHTMAN et al., 2006) Devido há existência de vários estudos sobre os sintomas da dengue e sua manifestação no território brasileiro, esta revisão bibliográfica se concentra na

112 importância do acompanhamento dos achados do hemograma, analisando o comportamento e a importância que as plaquetas exercem no diagnóstico e na evolução da dengue. 2. O HEMOGRAMA NA DENGUE A dengue é um diagnóstico de exclusão. No contexto epidemiológico apropriado, a exclusão segura dos diagnósticos diferenciais permite um razoável grau de certeza em relação à hipótese de dengue, mesmo quando baseada apenas em exames inespecíficos. O hemograma é essencial para aumentar o grau de certeza em relação ao diagnóstico clínico e diferencial da dengue. A prova do laço consiste na contagem de petéquias que surgem no antebraço após um período de 5 minutos sob pressão constante de 80 mmhg com o esfigmonanômetro. A utilização da prova do laço como critério de triagem ou de diagnóstico para os casos potencialmente graves, além de inútil, é perigosa, uma vez que 20 a 50% dos casos de dengue hemorrágica tem exame negativo. Está positiva em até 80% os casos severos da doença (FHD) e em até 25% dos casos da dengue clássica. Além disto, pode estar positiva em outras doenças confundíveis com a dengue, como a leptospirose, malária, febre amarela, sepse e rubéola. Sua realização, além de induzir ao erro, acarreta demora no atendimento e desconforto para o paciente. Seu uso portanto é desaconselhado.(martins; SETÚBAL; CASTIÑEIRAS, 1998). A leucopenia é achado comum tanto na forma clássica quanto na forma hemorrágica. No início da doença, a contagem pode ser normal ou discretamente elevada, com predomínio dos neutrófilos. No período febril ocorre uma diminuição na contagem global de leucócitos, e uma linfocitose começa a ser obervada com presença de linfócitos atípicos. A leucopenia nos casos clássicos, persiste por até 3 dias, retornando aos níveis basais após o período febril. O número de linfócitos atípicos na forma hemorrágica varia de 15 a 20% (SRICHAIKUL; NIMMANNITYA, 2000). O vírus da dengue tem sido isolado de leucócitos polimorfonucleares, de monócitos, de macrófagos, de células dentríticas, de megacariócitos e de plaquetas circulantes. Estes achados sugerem que o vírus da dengue pode induzir a leucopenia e a trombocitopenia por uma interação direta sobre os leucócitos, megacariócitos e plaquetas.(hottz et al., 2011). A determinação do hematócrito permite detectar a perda de líquidos para o espaço extravascular, é fundamental para o diagnóstico da dengue hemorrágica, além de ser importante no acompanhamento da resposta à hidratação. Por definição, na dengue hemorrágica os valores são superiores a 20% em relação aos valores de referência. Nos três primeiros dias da doença espera-se encontrar os valores habituais

113 do paciente, a não ser que ocorra desidratação. Quando a determinação do hematócrito é feita após o terceiro dia da doença, e não se conhecem os valores habituais para o paciente, os resultados devem ser analisados com cautela. Um paciente com hematócrito de 35% poderá ter, caso apresente dengue hemorrágica, valores de 42% (20% superior ao inicial), o que o colocaria dentro dos valores de referência. Quando não se conhecem os valores iniciais do hematócrito, considera-se, por cautela, como significativamente elevados resultados superiores a 45% (MARTINS; SETÚBAL; CASTIÑEIRAS, 1998). A contagem de plaquetas abaixo de 100.000/µL é um achado ocasional na forma clássica da doença, porém é comum na forma hemorrágica. A média da contagem de plaquetas para pacientes com a forma hemorrágica da doença, apresenta correlação com os graus estratificados para a gravidade da dengue, de acordo com a OMS (Quadro 1). No grau III, a média da contagem de plaquetas fica em torno de 20.000/µL (SRICHAIKUL; NIMMANNITYA, 2000). A Figura 1 ilustra o comportamento da contagem de plaquetas nos diversos estágios da dengue hemorrágica (Grau I,II,III, IV e casos fatais da doença). Figura 1 Comportamento da contagem de plaquetas na dengue hemorrágica, estratificada pelo grau de gravidade da doença de acordo com critérios da OMS (Adaptado SRICHAIKUL, 2000).

114 Os mecanismos que provavelmente estão envolvidos com a trombocitopenia é a ação direta do vírus sobre a trombocitopoiese e o aumento da destruição periférica das plaquetas. NAKAO et al.,(1989) demonstrou que o vírus da dengue se propaga nos progenitores hematopoiéticos que estão na medula óssea, o que altera a diferenciação e consequentemente a capacidade proliferativa. O vírus da dengue do tipo 2, parece ainda inibir a diferenciação de células CD34 positivas induzindo a apoptose os progenitores hematopoiéticos (NAKAO; LAI; YOUNG, 1989) (Figura 2). Figura 2 Mecanismos que levam a trombocitopenia. Supressão da medula óssea e aumento da destruição das plaquetas no sangue periférico (Adaptado, HOTTZ, 2011). A leucopenia e a trombocitopenia que geralmente são encontradas em indivíduos infectados pelo vírus da dengue corroboram para a tese que o referido vírus atue de maneira supressora sobre a hematopoiese (LA RUSSA; INNIS, 2008). Mais recentemente, evidências indicam que o vírus age também de maneira extramedular sobre as plaquetas circulantes.(hottz, 2011). Vários pesquisadores tem postulado a ativação de anticorpos contra as plaquetas circulantes pela ação direta do vírus da dengue, o que facilitaria sua retirada da circulação. Pacientes com dengue hemorrágica apresentam níveis maiores de anticorpos anti-plaquetas da classe IgM quando comparados com indivíduos com dengue clássica. Ensaios clínicos, demonstram altos níveis de anticorpos antiplaquetas da classe IgG e IgM além de uma maior atividade dos macrófagos que levam os indivíduos infectados a trombocitopenia durante a infecção primária ou secundária pelo vírus (SUN et al., 2007). MITRAKUL et al., (1977) demonstrou que durante a fase aguda do estado hemorrágico, a sobrevida das plaquetas diminuiu principalmente por destruição hepática. Esta destruição estaria relacionada a presença da fração C3 do complemento

115 na superfície das plaquetas, o que facilita sua identificação e consequente destruição. BOONPUCKNAVIG et al.(1979), demonstrou a elevação da fração C3 em 48% dos pacientes com dengue hemorrágica. Oliveira (2012), salientou que a trombocitopenia não é o único fator responsável pelo sangramento. Outros fatores que podem levar ao sangramento são o comprometimento vascular, a disfunção plaquetária e os distúrbios da coagulação sanguínea. Além disto, a FHD pode estar relacionada ao maior consumo das plaquetas em decorrência de coagulação intravascular disseminada, maior ocorrência de anticorpos antiplaquetários ou de destruição plaquetária por complemento. Outra questão importante relacionada as plaquetas na dengue, seriam suas anormalidades funcionais. Uma evidência deste quadro, poderia ser explicado pela presença de petéquias durante a fase febril da dengue hemorrágica em indivíduos infectados que apresentavam contagens normais de plaquetas. Uma das alterações funcionais que provavelmente estão correlacionadas a este quadro, é a diminuição da liberação de ADP pelas plaquetas, o que prejudica a agregação plaquetária (SRICHAIKUL; NIMMANNITYA, 2000). Os produtos de degradação da fibrina (PDF e D- dímero), o complexo trombina/antitrombina e o fator de von Willebrand estão aumentados na doença, o que leva a uma maior ativação plaquetária com predisposição a trombose. Outros marcadores importantes que podem predispor a trombose, e que se elevam na dengue, são o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a interleucina-1β (MURPHY; WHITEHEAD, 2011). Embora a trombocitopenia seja um achado frequente, o sangramento raramente é observado. É altamente controversa a relação da intensidade da trombocitopenia com o risco de sangramento. Atualmente é claro o envolvimento de outros fatores como a coagulação intravascular disseminada, danos hepáticos e disfunções endoteliais que junto com a trombocitopenia levam ao sangramento (HOTTZ et al., 2011). 3. CONCLUSÃO Pela rapidez e acessibilidade os parâmetros do hemograma são de suma importância para o entendimento da gravidade da dengue, principalmente a do tipo hemorrágico. Pelo risco de sangramentos, que são comuns nos casos graves, o acompanhamento da contagem de plaquetas é fundamental para o clínico, o que comprova a importância da contagem de plaquetas durante o tratamento da dengue. As causas da trombocitopenia podem ser devidas a uma ação direta do vírus sobre a medula óssea ou da ativação, pelo agente etiológico, de mecanismos imunes que aumentam a destruição das plaquetas no sangue periférico. É importante salientar, que

116 outros fatores, como os hemostáticos, devem ser correlacionados para o correto acompanhamento do risco de hemorragias nestes pacientes. Por fim, considerando o risco das epidemias, e a gravidade da evolução da doença, o aprofundamento nos estudos científicos a respeito desta temática são de extrema importância, principalmente para os profissionais de saúde e comunidades que vivem em regiões que favoreçam o desenvolvimento do vetor. 6. REFERÊNCIAS BOONPUCKNAVIG, S. et al. Demonstration of dengue antibody complexes on the surface of platelets from patients with dengue hemorrhagic fever. Am J Trop Med Hyg. v. 28, n.5, p. 881-4. 1979 HOTTZ, E. et al. Platelets in dengue infection. Haematology. v. 8, n.1-2, p. 33-38. 2011. LA RUSSA, V. F.; INNIS, B. L. Mechanisms of dengue-virus induced bone marrow suppression. Baillieres Best Pract Res Clin Haematol. v. 8, p. 249-270. 2008. LICHTMAN, M. A. et al. Williams Hematology. New York: McGraw-Hill Medical, 2006. MARTINS, F. S. V.; SETÚBAL, S.; CASTIÑEIRAS, T. M. P. P. Dengue. In: SCHECHTER, M.; MARANGONI, D. V. Doenças Infecciosas: Conduta diagnóstica e terapêutica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998 MASERA, D. C. Febre hemorrágica da dengue: aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais de uma arbovirose. Revista do Conhecimento. v. 2, n.ano 3, p. 2013. MITRAKUL, C. et al. Hemostatic and platelet kinetic studies in dengue hemorrhagic fever. Am J Trop Med Hyg. v. 26, n.5 Pt 1, p. 975-84. 1977. MURPHY, B. R.; WHITEHEAD, S. S. Immune response to dengue virus and prospects for a vaccine. Annu Rev Immunol. v. 29, p. 587-619. 2011. NAKAO, S.; LAI, C. J.; YOUNG, N. S. Dengue virus, a flavivirus, propagates in human bone marrow progenitors and hematopoietic cell lines. Blood. v. 74, n.4, p. 1235-40. 1989. OLIVEIRA, A. C. S. Alterações do hemograma no diagnóstico de dengue: um estudo de 1.269 casos na cidade de Uberaba, Minas Gerais. Revista de Patologia Tropical. v.

117 v. 41, n.ano 4, p. 2012. SRICHAIKUL, T.; NIMMANNITYA, S. Haematology in dengue and dengue haemorrhagic fever. Baillieres Best Pract Res Clin Haematol. v. 13, n.2, p. 261-76. 2000. SUN, D. S. et al. Antiplatelet autoantibodies elicited by dengue virus non-structural protein 1 cause thrombocytopenia and mortality in mice. Journal of Thrombosis and Haemostasis. v. 5, n.11, p. 2291-9. 2007.