A religião nos primórdios da Psicanálise



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DUNN, James D. G. Jesus em nova perspectiva: o que os estudos sobre o Jesus histórico deixaram para trás. São Paulo: Paulus, 2013.

Transcrição:

RESUMO ESTENDIDO A religião nos primórdios da Psicanálise Marcel Henrique Rodrigues 1 Luís Antonio Groppo 2 Resumo: A presente pesquisa é fruto de uma bolsa de Iniciação Científica, concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq (2011-2012). O trabalho tem como essência o tabu existente entre a Psicanálise e religião o que levou e motivou a investigação científica do tema. Partindo-se dos teóricos clássicos que, dentro do círculo psicanalítico, debateram sobre o tema estão Freud e Jung. Estes dois teóricos foram impulsionados a formularem discussões sobre a exclusão ou a inclusão do tema religiosidade dentro da comunidade psicanalítica. Palavras-chave: Religião. Ciência. Psicanálise. Freud. Jung. 1 Graduando em Psicologia pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Pesquisador, categoria iniciação científica, em simbologia, Psicanálise e religiões. E-mail: <marcel_symbols@hotmail. com>. 2 Orientador. Doutor em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É professor do Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). É pesquisador do CNPq, pelo qual desenvolve pesquisa sobre Sociologia da Educação Sociocomunitária. É autor de diversos livros e artigos sobre os temas sociologia da educação, sociologia da juventude, movimentos estudantis, metodologia de pesquisa, entre outros. E-mail: <luis.groppo@am.unisal.br>. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012 235

1. INTRODUÇÃO A investigação tem como objetivo o estudo científico da histórica inicial do debate do tema religião dentro da Psicanálise, ponderando as teorias dos dois citados estudiosos, Freud e Jung. Sendo importante ressaltar, que a história de vida de cada um destes dois teóricos foi de extrema importância para a pesquisa que cada um abordou em torno da religiosidade. Assim, o existente tabu entre ciência e religião fez com que Freud assumisse uma atitude mais negativa perante o fenômeno religioso, condizente com sua postura atéia, que ele assumiu desde seus primeiros anos de estudo. Já Jung, seu amigo e dissidente, assumiu um caráter mais abrangente com a religiosidade ponderando um futuro diálogo entre ciência e religião. Além da história de vida, de cada um destes psicanalistas, que muito determinou para as suas teorias para com a religião, o ambiente acadêmico muito influenciou principalmente Freud, a tomar sua atitude ateísta e de desvalorização para com o fenômeno religioso. Em suma, as teorias destes estudiosos dividiram o movimento psicanalítico entre aqueles que assumiam uma opinião mais negativa contra a religião, chegando a excluí-la dos estudos dentro da Psicanálise, bem como, por outro lado, havia o grupo de aceitava em trazer o assunto para dentro do círculo para um maior estudo e aprofundamento. O tema desta investigação escolheu os primórdios do movimento psicanalítico pois, é nos primórdios que se formam as bases sólidas para uma futura consecução de estudo de um determinado tema, e é, justamente neste período, que o próprio movimento se divide, entre os antagônicos e os favoráveis a religiosidade. A investigação teve como pretensão buscar um resultado que criasse um balanço parcial entre a problemática que se arrasta por séculos, a questão da ciência e religião, neste caso, dentro do âmbito Psicanalítico. E por fim, pode-se dizer que diversos avanços têm se feito para um maior diálogo entre estes dois ramos de conhecimento. É certo também que, a destruição ou extinção da religião, proposta por Freud, não ocorreu, o 236 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012

que levou cientistas como Capra, a desenvolverem argumentos e teorias sobre a necessidade de um elo que interligue o ramo científico com o ramo religioso, não as colocando como antagônicas entre si, mas como duas abordagens epistemológicas diferentes e não excludentes que exercem forte influência sobre a humanidade. Por resultado final, encontrou-se que o diálogo entre ciência, mesmo a própria Psicanálise, e a religião é necessário para o próprio bem estar humano, visto que toda a humanidade se encontra a mercê das forças científicas e religiosas que, aparentemente irão permear a humanidade por muitos séculos a fora. Outro adendo deve ser feito na conclusão do trabalho, este adendo deve se referir a uma perspectiva histórica sobre o embate entre ciência versus religião. 2. METODOLOGIA A pesquisa consta de um levantamento bibliográfico das obras de Freud e Jung, entre outros autores como Joseph Campbell, Peter Gay e Michael Palmer que tratam da problemática. As principais obras analisadas, em Freud estão Totem e Tabu, o Futuro de uma Ilusão, Moisés e o Monoteísmo, dentre outros. Para Jung, as principais obras foram: O Homem e seus Símbolos, Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Psicologia da Religião Ocidental e Oriental dentre outras. 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA É interessante que apesar da posição negativa de Freud frente às religiões, este teórico não deixou de escrever e estudar sobre a problemática e, apesar de muito crítico, sempre teve a consciência que a religião prestou muitos serviços a humanidade. Em suma, a lógica da opinião do pai da Psicanálise, consiste em apontar que a humanidade já está pronta para superar o pensamento religioso para o pensamento científico, ou seja, a Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012 237

humanidade deve devotar sua confiança não em um Deus paterno, mas confiar nos avanços científicos e na racionalidade, assim, pode-se ver que a opinião de Freud era extremamente pertencente à escola Positivista. Criando-se um adendo, podemos citar que a vida de Sigmund foi altamente norteada por questões de cunho religiosas desde sua infância. Nascido em uma família judaica, Freud sempre se sentiu excluído por pertencer a uma raça altamente discriminada entre a sociedade européia do século XIX. Apesar das insistências de seu pai, Jakob Freud, para que seu filho seguisse o caminho da devoção a Deus, Sigmund sempre se mostrou resistente aos dogmas religiosos e considerava um absurdo a exclusão dos judeus da sociedade na qual estava inserido. Sendo assim, e motivado por suas pesquisas e descobertas científicas, o pai da Psicanálise se assume como ateu e um profundo crítico das religiões, porém, perante o profundo desamparo dos judeus da época, Freud jamais se deixou de se qualificar como judeu, mesmo sendo descrente, pois, segundo ele, era orgulho pertencer a raça judaica frente a toda a discriminação existente. Um fator importante e mesmo curioso na vida de Freud, no que se refere a religião, foi as investidas de seu pai para que seu filho se tornasse um temente a Deus. A mais marcante desta investidas remete ao aniversário de 35 anos de Freud em que este ganha de presente de seu pai a chamada bíblia de Philippson- um livro sagrado judaico altamente ilustrado que pertencia a família dos Freud, tal livro continha uma dedicatória na qual era pedido para que o filho não se esquecesse de Deus, seu Criador. Contase que, apesar de Freud ser um apaixonado por leitura, nunca conseguiu ler a tal Bíblia e, que após a morte de seu pai, Freud inicia uma coleção de antiguidades que enchiam seu escritório, tais antiguidades possuíam um caráter sagrado, visto que quase todas as obras eram simbolicamente de cunho sacro. Alguns autores creditam a essa atitude de Freud, tomada após a morte de seu pai, como uma compensação por nunca tem conseguido ser um temente a Deus, como desejava seu genitor. Por outro lado, as teorias de Jung sobre o assunto não eram as mesmas de Freud, o que levou, entre outros motivos, a ruptura entre estes 238 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012

dois mestres. Jung, por sua vez, não via na religião como uma ameaça a saúde psíquica, como via seu mentor Freud. Não, para Jung a religião era tida como algo de natural, inerente a cultura humana e imprescindível para o bom desenvolvimento da psique. Este teórico via nos símbolos religiosos uma manifestação do inconsciente coletivo o que, segundo ele, comprovava que a religião, como fenômeno, deveria fazer parte dos estudos das ciências naturais e, até mesmos, empíricas, através dos estudos dos mitos, símbolos e religiões comparadas. Assim como Freud, Jung também teve uma vida em que o tema da religião foi muito presente. Filhos de pais protestantes, o jovem Jung era suíço, sendo que seu pai era um pastor de uma pequena igreja na comunidade em que viviam. Jung conta que no início de sua vida, ele não se mostrava muito favorável a religião, pois a via como centro de ignorância comprovada pelos discursos alienantes de seu pai e a crença cega dos fiéis que participavam da igreja, porém, após anos de estudo Jung chegou a conclusão de que a religiosidade, bem compreendida, pode ser muito benéfica a humanidade, bem como uma manifestação comum a própria raça humana comprovada pela antropologia. O encontro com Freud foi essencial tanto para o desenvolvimento da Psicanálise, quanto ao desenvolvimento de sua própria escola conhecida como Psicologia Analítica. Os dois intelectuais permaneceram amigos por vários anos, mas divergências teóricas levaram estes dois mestres para campos opostos, um destes campos versava sobre o estudo das religiões. Por séculos, principalmente após os tempos de Galileu, a religião, sobretudo no mundo ocidental, se contrapôs aos avanços científicos e suas teorias, creditando assim uma leitura literalista de suas Sagradas Escrituras que, segundo os religiosos, forneciam todas as respostas para os enigmas da vida. Porém, com o passar dos séculos e do conseqüente aumento das disputas entre ciência e religião, principalmente após o Iluminismo francês, o meio científico foi ganhando cada vez mais campo e se tornando cada vez mais inegável as suas descobertas científicas baseadas na racionalidade. A própria religião se viu forçada a se pronunciar perante as novas descobertas, sobretudo a descoberta sobre a evolução humana de Charles Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012 239

Darwin, tal pronunciamento combinava aspectos da novidade científica com a milenar teologia religiosa. Tal combinação foi motivo de aplausos e de divergências entre muitos cientistas, mas o que não se é negado, é que a humanidade está passando de um antigo paradigma científico para um novo. O antigo paradigma pregava a super valorização dos meios empíricos e que apostou na grande capacidade intelectual do homem, e na conseqüente construção da verdade suprema que respondesse a todas as indagações sobre a vida humana. Não é negado que, de fato, a cientificidade, longe dos parâmetros teológicos, respondeu a diversas indagações, clareou muitos aspectos, até então obscuros, sobre a real origem do universo e da vida, demonstrou a existência das leis da física, a existência de combinações químicas e celulares nos corpos e a biologia que, de um modo geral, sistematizou a vida em termos de classes de viventes e de evolução. Direta ou indiretamente a ciência demonstrou que os livros sagrados não são para serem lidos literalmente e que questões científicas não foram lá escritas. Atualmente o antigo paradigma tem visto que, apesar de todos os avanços científicos, uma resposta única para o mistério da origem da vida, não foi encontrada e os aspectos da religiosidade, sobretudo da espiritualidade humana, têm se encontrado cada vez mais forte e presentes na sociedade, ou seja, aquela velha teoria de que a religião seria substituída pela ciência não aconteceu, e muito provavelmente não acontecerá. É estudado, portanto, que o ser humano possui uma espiritualidade inata e que tende a acreditar e algo mais transcendental e subjetivo esteja por trás de todos os fenômenos da vida e que, de certa forma, forneça motivos para a sua existência. Assim, este novo paradigma, que versa sobre a inclusão da espiritualidade humana, como um fenômeno, deve ser incluído dentro de todos os ramos científicos, sobretudo a Psicanálise que historicamente sempre reivindicou o status de ciência. 240 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012

REFERÊNCIAS BURKE, Janine. Deuses de Freud: A Coleção de Arte do Pai da Psicanálise. Rio de Janeiro: Record, 2010 CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus: Mitologia Criativa. São Paulo: Palas Athena, 2010. CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus: Mitologia Ocidental. São Paulo: Palas Athena, 2008. DOLTO, Françoise. A Fé à Luz da Psicanálise. Campinas: Versus, 2010. ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 2002. GAY, Peter. Um Judeu Sem Deus. Rio de Janeiro: Imago, 1992. FREUD, Sigmund. Totem e Tabu e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão, O Mal Estar na Civilização e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, Sigmund. Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedade, Análise Leiga e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006. JUNG, Carl. Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. JUNG, Carl. Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2008. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012 241

Title: Religion in the early days of psychoanalysis. Authors: Marcel Henrique Rodrigues; Luís Antonio Groppo. Abstract: This research is the result of a Scientific Initiation scholarship granted by the National Council of Scientific and Technological Development- CNPq (2011-2012). The work is essentially taboo between psychoanalysis and religion which has led and motivated the research theme. Starting from the classical theorists, within the psychoanalytic circle, on the subject are discussed Freud and Jung. These two were driven to formulate theoretical discussions about the exclusion or inclusion of the issue of religion within the psychoanalytic community. Keywords: Religion. Science. Psychoanalysis. Freud. Jung. 242 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012