Projecto estrutural da asa da aeronave não tripulada SkyGu@rdian



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Transcrição:

Projecto estrutural da asa da aeronave não tripulada SkyGu@rdian Pedro Gamboa*, Nuno Costa e José Miguel Silva* * Departamento de Ciências Aeroespaciais Universidade da Beira Interior Calçada Fonte do Lameiro Covilhã Telf: +351 275 329 745; fax: +351 275 329 768; e-mail: pgamboa@ubi.pt, jmas@demnet.ubi.pt Resumo O presente artigo apresenta as etapas associadas ao desenvolvimento da estrutura da asa da aeronave SkyGu@rdian, avião não tripulado para aplicação prioritária em missões de vigilância aérea. O estudo incidiu, essencialmente, em três vertentes: definição conceptual da configuração estrutural da asa, análise computacional da estrutura deste componente recorrendo ao código comercial VisualNastran e, finalmente, realização de um conjunto de ensaios de avaliação do seu comportamento mecânico perante a aplicação das cargas limite exigidas pelos requisitos da aeronave. Os resultados alcançados, tanto a nível do modelo computacional implementado como nos ensaios mecânicos de um protótipo em tamanho real da asa, evidenciaram existir uma boa concordância entre os valores estimados e aqueles obtidos experimentalmente. estrutural e a escolha dos materiais, passando pelo dimensionamento estrutural detalhado, até aos ensaios de validação da estrutura para as cargas de projecto previstas. 1. Introdução O projecto da aeronave não tripulada para vigilância aérea SkyGu@rdian tem vindo a ser desenvolvido desde 2002, resultando de uma parceria entre o Departamento de Ciências Aeroespaciais (DCA) da Universidade da Beira Interior (UBI), a Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria e a empresa Plasdan, com o intuito de criar e demonstrar competências nacionais na área do projecto aeronáutico. Uma vez que o projecto de uma aeronave é multidisciplinar, várias áreas de engenharia são necessárias para o seu desenvolvimento completo, tendo estas sido atribuídas às várias instituições envolvidas de acordo com as suas competências e capacidades. Ao DCA coube a concepção da aeronave, o projecto aerodinâmico, o desenvolvimento do algorítmo de navegação e controlo, o projecto estrutural, o projecto do sistema propulsivo, o acompanhamento da fabricação e a pilotagem do protótipo. A Figura 1 mostra as vistas da aeronave, onde se pode observar a grande envergadura das asas que proporciona uma grande eficiência aerodinâmica para a sua missão de baixa velocidade. O DCA procurou envolver os alunos da Licenciatura em Engenharia Aeronáutica nas actividades deste projecto desde o seu início. Os alunos têm, desta forma, contribuído para o desenrolar do projecto, adquirindo conhecimentos estruturantes para a sua formação que serão, certamente, uma mais valia para o seu desempenho futuro a nível profissional. Este artigo descreve de forma sucinta o projecto estrutural da asa do SkyGu@rdian desde a definição da configuração Fig.1. Três vistas do SkyGu@rdian Após a definição geométrica da asa, resultante de requisitos e constrangimentos aerodinâmicos, funcionais, de desempenho, de peso e outros, impostos na fase de concepção, definiu-se a configuração da estrutura [1]. Foram realizados dimensionamentos estruturais simples com base nas cargas de projecto obtidas da análise aerodinâmica em todo o envelope de voo [1]. A asa foi desenhada em CAD reflectindo estes dimensionamentos e contendo todos os componentes constituintes da estrutura [1]. Com base nos desenhos detalhados foram, então, desenvolvidas análises computacionais, usando o método

dos elementos finitos, para validar a estrutura, identificar possíveis zonas sub-dimensionadas ou sobredimensionadas e, assim, implementar as alterações necessárias [2]. Simultaneamente foi construído um par de asas para realizar ensaios experimentais. Os resultados destes ensaios serviram para validar a análise computacional e para formular alterações a implementar nas futuras asas para que permitam um peso de descolagem da aeronave superior ao inicialmente previsto [2]. 2. Definição Estrutual da Asa A definição da estrutura da asa teve em conta a sua geometria, os materiais utilizados, os aspectos funcionais de fixação à fuselagem e de montagem e desmontagem, os custos e a capacidade de fabricação. A configuração da asa sofreu alterações ao longo do processo do projecto de modo a responder melhor aos requisitos estruturais, aos aspectos funcionais (fixação à fuselagem, apoio dos flapes e ailerons, etc.) e aos processos de fabrico. Aqui, descrevese a solução final adoptada [1]. A. Geometria da Asa A asa do SkyGu@rdian é composta por duas partes: uma rectangular sem enflechamento junto à raiz e outra, mais afastada da raiz, positivo e em forma elíptica. O perfil da asa é o Selig SG 6042 com 10% de espessura relativa. A geometria foi desenhada em três dimensões no programa comercial de CAD CATIA V5 onde a compatibilidade e funcionalidade de todos os componentes foi estudada tendo em consideração o contorno aerodinâmico já definido [1]. TABELA I MATERIAIS UTILIZADOS NA ASA DO SKYGU@RDIAN Revestimento Mesas da longarina principal Alma da longarina principal Mesas da longarina auxiliar Alma da longarina auxiliar Nervuras da raiz e nervura média Nervuras Alma da longarina da parte Mesas da longarina da parte Reforço da longarina principal Reforço da longarina auxiliar C. Configuração Estrutural Material Sanduíche de Carbono/Epoxy bidireccional com Carbono/Epoxy unidireccional Sanduíche de Carbono/Epoxy bidireccional com PVC PVC PVC Carbono/Epoxy unidireccional Contraplacado de pinho e alumínio Contraplacado de pinho A estrutura da asa é composta por todos os elementos comuns numa asa convencional. Estes componentes são as longarinas, as nervuras e o revestimento. A asa possui duas longarinas, uma principal e uma secundária: a primeira resiste aos momentos flectores e a grande parte dos esforços de corte e transmite-os para a fuselagem através de dois apoios; a segunda transmite as cargas dos flapes e dos ailerons às nervuras e ao revestimento e ajuda a transferir os momentos de torção da asa para a fuselagem. As nervuras mantêm a forma do perfil e aumentam a estabilidade do revestimento através da redução da distância entre os seus apoios. O papel do revestimento é transmitir a pressão do escoamento aerodinâmico aos outros elementos e conferir resistência à torção e ao corte. A Figura 3 mostra os elementos internos da estrutura da asa onde a cor clara representa a espuma de PVC e a cor escura representa o compósito de carbono/epoxy. Fig.2. Vista em planta da asa B. Materiais Na fase de projecto conceptual definiu-se que a aeronave seria construida em materiais compósitos, com uma predominânica do compósito de fibra de vidro/epoxy. Seriam, também, usados outros materiais como o contraplacado de pinho, a espuma de PVC, o alumínio e o compósito de fibra de carbono/epoxy. Mais tarde, na fase inicial do projecto detalhado da asa, decidiu-se substituir o vidro totalmente pelo carbono por questões de peso. Por questões económicas, o tecido utilizado tem uma gramagem de 200g/m 2, pois tecidos de gramagem inferior são significativamente mais caros. Cada camada de laminado deste compósito apresenta uma espessura aproximada de 0,35mm. Na Tabela I estão indicados os materiais aplicados nos vários componentes da asa. Fig.3. Estrutura interna da asa As longarinas têm uma secção transversal com geometria em C. A longarina auxiliar tem uma espessura constante de 0,7mm com o laminado orientado a 45º. A longarina principal, para além do laminado orientado a 45º com uma espessura constante de 1,05mm, possui duas mesas de 2mm de espessura com o laminado unidireccional orientado a 0º. Ambas as longarinas apresentam um reforço na raiz para a fixação à fuselagem. A fixação é feita através de pinos e parafusos, proporcionando apoios do tipo simples. As nervuras em espuma de PVC da parte

rectangular da asa têm uma espessura de 10mm e as restantes têm uma espessura de 6mm. As nervuras em sanduiche possuem uma camada de compósito de cada lado do PVC totalizando uma espessura de 6,7mm. O revestimento apresenta uma espessura de 0,35mm e o tecido está orientado a 0º. Na continuação das mesas da longarina principal o revestimento possui um reforço de laminado bidireccional com 0,7mm de espessura e 30mm de largura e que se estende até à última nervura. A união de todos os elementos é feita por meio de resina epoxy. A Figura 4 mostra a secção transversal da parte rectangular da asa onde se pode ver o revestimento, a longarina principal e a longarina auxiliar. aerodinâmica de sustentação. Esta situação corresponde a uma massa da aeronave de 16,5kg e um factor de carga de 6. A Figura 6 ilustra a distribuição da sustentação ao longo da semi-envergadura da asa para estas condições, onde a distribuição ao longo da corda foi integrada e o resultado aplicado a um quarto da corda local. W(y), N/m 300 250 200 150 100 50 Fig.4. Secção transversal da asa A Figura 5 mostra a secção transversal das longarinas principal e auxiliar, indicando o tipo de material aplicado. Fig.5. Secção transversal das longarinas 3. Dimensionamento Estrutural da Asa O dimensionamento estático da asa foi realizado em duas partes: a primeira consistiu em calcular as espessuras do material de uma forma analítica simples para a configuração estrutural descrita acima; a segunda fez uso do programa comercial MSC VisualNASTRAN for Windows 2001 para validar computacionalmente este dimensionamento. A estrutura da asa da aeronave foi dimensionada para uma massa de 16,5kg, um factor de carga de 6, um factor de segurança (FS) de 1,25 e um factor de qualidade (FQ) de 1,15 que é utilizado para cobrir a possibilidade de combinações imprevistas de cargas mecânicas, mudanças de temperatura, degradação ambiental, defeitos de fabrico e aquela baixa percentagem de materiais que está abaixo dos requisitos de resistência [3]. 0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 y, m Fig.6. Distribuição da força de sustentação ao longo da semienvergadura da asa. B. Dimensionamento Analítico Este dimensionamento serviu para definir as espessuras iniciais dos vários componentes da asa mencionados anteriormente usando métodos anlíticos simples [4]. Como resultado desta análise, a espessura do revestimento ficou estimada em 0,2mm, a espessura da alma da longarina principal em 0,6mm com um reforço de 0,2mm na raiz e com mesas de 2mm de espessura e 15mm de largura e a espessura da longarina auxiliar em 0,4mm [1]. No entanto, e uma vez que foi adoptado um único tipo de tecido cuja espessura de uma camada após laminação é de 0,35mm, os valores fixaram-se como mostra a Tabela II [2]. As espessuras das nervuras em PVC foram escolhidas de forma a terem a rigidez necessária. As orientações dos tecidos são descritas na Secção 2. TABELA II ESPESSURAS DOS COMPONENTES Espessura, mm Revestimento 0,35 Mesas da longarina principal 0,70+2,00+0,35 Alma da longarina principal 1,05 Mesas da longarina auxiliar 0,70 Alma da longarina auxiliar 0,70 Nervuras da raiz e nervura 0,35+6,00+0,35 média Nervuras 6,00 e 10,00 Alma da longarina da parte 6,00 Mesas da longarina da parte 0,70 Reforço da longarina principal 13,95 Reforço da longarina auxiliar 4,30 A. Cargas A partir da análise aerodinâmica das asas no envelope de voo, foi obtida a distribuição mais crítica da força

C. Validação computacional Como já mencionado, a análise computacional foi realizada no programa comercial MSC VisualNASTRAN. Os materiais e os elementos usados no modelo da asa estão indicados na Tabela III. A escolha dos elementos teve em conta o tipo de esforços suportados pelos elementos disponíveis e a geometria da estrutura: alguns foram definidos como sólidos e outros como superfícies. Outro factor de decisão foi a geometria dos elementos, tendo sido usado o tipo Hexahedral para os sólidos e o tipo CTRIA3 para os plate e laminate, devido à complexidade da estrutura e ao facto de este apresentar menos conflitos que os CQUAD4. TABELA III ELEMENTOS DO MODELO revestimento) as forças foram aplicadas nestas com o valor da carga correspondente à distribuição de sustentação na sua vizinhança. Fig.8. Pormenor dos furos de apoio Revestimento Mesas da longarina principal Alma da longarina principal Mesas da longarina auxiliar Alma da longarina auxiliar Nervuras da raiz e nervura média Nervuras Alma da longarina da parte Mesas da longarina da parte Reforço da longarina principal Reforço da longarina auxiliar Elemento Membrane or plate Laminate Laminate Solid Solid Membrane or plate A Figura 9 mostra as forças aplicadas nas várias nervuras ao longo da semi-envergadura para a distribuição da Figura 6. Como referido, estas cargas correspondem a um factor de carga de 6, o que para uma massa da aeronave de 16,5kg resulta numa carga de 50kgf por asa. Força, kgf 3.0 2.5 2.0 1.5 1.0 2.049 2.793 1.698 1.902 1.897 1.892 1.885 1.877 2.202 2.517 2.494 2.469 2.439 2.405 2.392 2.319 2.087 1.906 1.841 1.762 1.668 1.557 1.420 1.321 1.257 Devido à complexidade da estrutura em análise decidiu-se criar a malha de modo gradual, ou seja um componente de cada vez. Esta decisão permitiu resolver problemas de compatibilidade entre componentes com maior eficácia. As Figuras 7 e 8 mostram a malha obtida na asa. 0.5 0.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 y, m Fig.9. Forças aplicadas ao longo da envergadura Após a análise computacional verificaram-se os deslocamentos, as margens de segurança, os possíveis modos de falha e as possíveis instabilidades nos vários elementos da asa. A Figura 10 ilustra a deformada da asa quando sujeita à carga de projecto. Fig.7. Malha de elementos finitos usados para a asa As condições de fronteira foram definidas nos furos de apoio, onde se fixaram todos os graus de liberdade dos nós que formam os três furos. Para se proceder ao carregamento desta estrutura, recorreu-se à substituição da distribuição de sustentação por forças localizadas. Assim, e para aproveitar as nervuras da asa (tal como foi feito no ensaio experimental de forma a evitar danos no Fig.10. Contornos de deslocamento da asa após aplicação da carga de projecto

Foram retirados valores do deslocamento vertical de três pontos localizados a 32,7%, 59,7% e 100% da semienvergadura para serem, posteriormente, comparados com os valores do ensaio experimental. A Tabela IV mostra estes deslocamentos para vários factores de carga. O deslocamento da ponta para 6g representa 8,6% da semienvergadura, valor que é aceitável para a deformação máxima. TABELA IV DESLOCAMENTOS OBTIDOS POR VIA NUMÉRICA EM TRÊS PONTOS DA ASA Factor de carga, g ponto 1, mm ponto 2, mm 0 0,00 0,00 0,00 1 5,39 14,55 31,00 2 10,78 29,11 62,03 3 15,73 45,26 92,90 4 21,57 58,39 124,44 5 26,96 72,79 155,21 6 32,35 87,35 186,11 ponto 3, mm Em todos os nós da estrutura, a margem de segurança é superior à unidade e o critério de falha de Tsai-Hill é inferior à unidade, demonstrando que a estrutura apresenta a resistência adequada para o carregamento de projecto. As zonas do revestimento e da longarina na direcção da ponta estão sobredimensionadas, pois as margens de segurança são muito superiores à unidade. Este sobredimensionamento deve-se a dois factores: o primeiro é a necessidade do revestimento ser rígido ao toque e resistente ao manuseamento; o segundo é a utilização de um único tipo de tecido como explicado anteriormente. Foi identificada uma instabilidade no revestimento do extradorso junto à raiz da asa, como pode ser observado na Figura 11 na zona mais escura. As tensões normais nesta zona não ultrapassam os 55N/mm 2, valor este que está longe da tensão admissível de 309N/mm 2. A ocorrência da instabilidade é indesejável do ponto de vista aerodinâmico, pois esta deformação do revestimento altera a geometria do perfil aerodinâmico com possíveis repercussões mais ou menos negativas no comportamento do escoamento. Tal situação foi corrigida através do uso de uma sanduíche no extradorso da parte rectangular da asa. Esta solução é explicada mais à frente. 4. Ensaio Estrutural da Asa Foi construído um par de asas, direita e esquerda, segundo as especificações descritas nas secções anteriores. Os ensaios foram realizados fixando a asa a um suporte de uma forma idêntica à fixação daquela à fuselagem. As forças localizadas nas nervuras foram obtidas por sacos de chumbo com o peso adequado. Por uma questão de limitação de espaço, só os resultados da asa esquerda são apresentados. A Figura 12 mostra a asa com o carregamento para 6g, correspondente a uma força de 50kgf. Fig.12. Carregamento da asa para 6g Durante o ensaio faseado para factores de carga desde 0 até 6, foram medidos os deslocamentos nos pontos referidos na Secção 3. A Tabela V mostra os resultados. TABELA V DESLOCAMENTOS OBTIDOS POR VIA EXPERIMENTAL EM TRÊS PONTOS DA ASA Factor de carga ponto 1, mm ponto 2, mm 0 00,0 00,0 00,0 1 04,0 13,5 25,5 2 10,0 26,0 54,5 3 16,0 42,0 85,5 4 20,5 56,0 117,0 5 26,5 69,0 148,0 6 32,5 84,5 177,5 ponto 3, mm Comparando os resultados experimentais da Tabela V com os resultados numéricos da Tabela IV observa-se que ambos são idênticos. Por exemplo, o erro do deslocamento no ponto 3 para um factor de carga de 6 é de 4,9%, demonstrando a fiabilidade da análise numérica. Também neste ensaio foi identificada a instabilidade no extradorso da asa para os carregamentos superiores. Na Figura 13 pode observar-se o efeito ondulado do extradorso para a carga correspondente a 6g. Fig.11. Instabilidade no revestimento do extradorso

B. Dimensionamento para Aumento da Massa Fig.13. Instabilidade no extradorso da asa Estes resultados demonstram que a rigidez da asa é prevista com precisão pelo modelo computacional, dando confiança para implementar alterações sem a necessidade imediata para construir e ensaiar novas asas. 5. Alterações da Asa O procedimento seguido para identificar as zonas a reforçar foi repetir a análise computacional para uma carga de 100kgf, correspondente a uma massa da aeronave de 33kg. A distribuição de carga é idêntica à usada anteriormenta mas multipilcada por um factor de 2. Como esperado, a estrutura apresentou zonas críticas onde ocorreria falha. Estas zonas foram determinadas recorrendo, novamente, ao critério de Tsai-Hill. Por outro lado, através das margens de segurança determinou-se o modo de falha, indicando a forma como se poderia implementar o reforço da estrutura. As zonas críticas, identificadas pelo critério de Tsai-Hill, são, como pode ver-se nas Figuras 15 e 16 (zonas coloridas), as mesas e alma da longarina principal e em menor escala a longarina auxiliar, junto à raiz. Aqui, as camadas exteriores das mesas apresentavam em média um valor de 7 para o critério de Tsai-Hill, a mesa em carbono unidireccional um valor médio de 2 e a alma um valor médio de 2,5. As zonas críticas do revestimento do extradorso foram resolvidas com a utilização da sanduiche. Dois aspectos da asa foram considerados para melhoramentos. O primeiro consistiu em fazer o revestimento do extradorso da parte rectangular da asa em sanduiche para anular a instabilidade. O segundo consistiu em reforçar algumas zonas da estrutura para permitir o aumento da massa de descolagem do SkyGu@rdian. A. Correcção da Instabilidade do Extradorso A primeira zona crítica a ser corrigida é, tal como foi mencionado anteriormente, a zona onde ocorre a instabilidade. Apesar de nesta zona o material não sofrer tensões elevadas é conveniente erradicar a instabilidade do revestimento pois esta tem um efeito indesejado do ponto de vista aerodinâmico. Deste modo, a solução adoptada foi alterar o revestimento desta zona para um compósito em sanduíche, ou seja, o revestimento nesta zona passa a ter 3 camadas onde as exteriores são uma camada de carbono/epoxy bidireccional de 0,35mm de espessura e a interior uma camada de PVC com espessura de 3mm. Esta alteração é feita apenas no extradorso da parte rectangular da asa, zona onde foi observada a instabilidade. Todas as outras partes do revestimento permanecem inalteradas. A massa adicional inerente a esta alteração da asa é de cerca de 0,23kg. A Figura 14 mostra a secção transversal da asa com a alteração. Fig.14. Aplicação de um revestimento em sanduiche para resolução do problema da instabilidade do extradorso. Esta alteração foi implementada no modelo computacional e a análise para o carregamento de projecto foi repetida. Como esperado, a instabilidade não se repetiu. Fig.15. Zona crítica do extradorso para um carregamento de 100Kgf. Fig.16. Zona crítica do intradorso para um carregamento de 100Kgf. Para resolver esta situação crítica, substituiu-se no modelo computacional a mesa em carbono unidireccional de construção manual por carbono pultrudido com a mesma secção que, pelo facto de ser pré-fabricado, apresenta tensões máximas mais elevadas, na ordem de 200%, e adicionou-se mais uma camada de carbono/epoxy bidireccional no interior da longarina principal nos primeiros 700mm da semi-envergadura. Na longarina auxiliar adicionou-se mais uma camada nos primeiros 150mm.

Após estas alterações, os valores do critério de Tsai-Hill para a camada exterior da mesa inferior da longarina baixou para um valor médio de 3 e para as mesas em carbono/epoxy unidireccional e para a camada exterior do extradorso não houve nenhum elemento que atingisse a ruptura. A análise foi repetida com o laminado bidireccional das mesas e alma orientado a 0º, resultando, desta vez, um critério de Tsai-Hill inferior em todos os elementos. Assim, o laminado de carbono/epoxy da longarina deve estar orientado a 0º para optimizar a resistência às tensões normais. A Tabela VI resume as alterações das espessuras dos elementos da asa em relação à Tabela II. Revestimento do extradorso (parte rectangular) Mesas da longarina principal (primeiros 700mm) Alma da longarina principal (primeiros 700mm) Mesas da longarina auxiliar (primeiros 150mm) Alma da longarina auxiliar (primeiros 150mm) TABELA VI ALTERAÇÕES NOS COMPONENTES Espessura, mm 0,35+3,00+0,35 0,70+2,00+0,70 1,40 1,05 1,05 Todas estas alterações implicam uma massa adicional na estrutura de 0,27kg por cada asa. Porém, pela análise das margens de segurança observou-se que a longarina principal na zona final apresenta valores demasiado elevados, ou seja está sobredimensionada. Assim, e de forma a baixar a massa da asa é recomendável que os últimos 700mm das mesas sejam afiladas. Deste modo, a massa retirada em cada longarina é de 0,04kg. Aplicadas todas estas recomendações a massa total adicional é de 0,46kg, que representa 1,39% da massa máxima da aeronave. Por último a deflexão da ponta que esta nova asa apresenta é de 207mm o que corresponde a 9,6% da semienvergadura. 6. Conclusões O objectivo deste trabalho consistiu em projectar a estrutura da asa do SkyGu@rdian e ensaiá-la para avaliar se a sua resistência e rigidez eram adequadas para a operação prevista. Tal objectivo foi realizado com sucesso, tendo em conta as ferramentas disponíveis, visto que a deformação da asa toma um valor de 177,5mm no ensaio estrutural e de 186,1mm na simulação numérica resultando num erro relativo de 4,9%. Confirmada a validade da asa projectada, foi possível abrir um novo rumo ao desenvolvimento deste projecto, uma vez que os resultados do estudo computacional e do ensaio da asa serviram de base para recomendações para correcção de deficiências e/ou melhoramentos da estrutura da asa, permitindo aumentar a massa da aeronave de 16,5kg para 33kg, como desejável. O critério de Tsai-Hill e as margens de segurança foram os meios utilizados na análise numérica para a verificação da integridade estrutural, o que permitiu determinar as zonas subdimensionadas junto à raiz e as zonas sobredimensionadas junto à ponta. Com estes dados foi possível estudar hipóteses e chegar a recomendações que, embora resultem num aumento da massa estrutural de cada asa de cerca de 0,23kg, o que representa globalmente 1,39% da massa máxima da aeronave, permitirão o aumento do peso máximo da aeronave para 33kgf e cumprir os requisitos de projecto na sua totalidade. Neste momento já estão a ser fabricadas asas com estas alterações e que serão ensaiadas oportunamente. Este trabalho abordou apenas o projecto estático da asa, por isso recomenda-se que se proceda à análise dinâmica do modelo da asa de modo a poder estimar-se a velocidade de flutter. Referências [1] C. Gírio, Configuração Estrutural e Técnicas de Construção do UAV SkyGu@rdian, Projecto Final de Curso, UBI, 2004. [2] N. Costa, Estudo Estrutural da Asa do UAV SkyGu@rdian, Projecto Final de Curso, UBI, 2005. [3] B. Donaldson, Analysis of Aircraft Structures, McGraw-Hill International Editions, 1993, pp. 133-134. [4] G. Megson, Aircraft Structures for Engineering Students, Edward Arnold Editions, Second Edition, 1990, pp. 249-354.