Perspectivas de Formação Avançada em Enfermagem: um olhar para o panorama internacional



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Transcrição:

Perspectivas de Formação Avançada em Enfermagem: um olhar para o panorama internacional Dulce Gaspar Cabete Para citar este artigo (APA 6th): Cabete, D. (2008). Perspectivas de formação avançada em enfermagem: um olhar para o panorama internacional. Pensar enfermagem, 12(1), 48-52. Resumo: A formação em enfermagem atravessa novas transformações a nível nacional e europeu, para fazer face aos desafios de Bolonha, tanto ao nível do 1º Ciclo como dos 2º e 3º Ciclos. Existindo já considerável experiência nacional na formação inicial, considera-se importante fazer uma análise sobre experiências de formação avançada que permita constituir-se como um subsídio à reflexão individual e colectiva. Assim, realizou-se uma revisão sistemática de literatura na base de dados Science Direct usando as palavras-chave advanced nurse education ou post-graduate nursing education entre 2003 e 2007. Foram encontrados oito publicações reportando-se às experências de Austrália, Estados Unidos da América, Reino Unido, Suécia e Turquia, descrevendo-se os modelos de formação respectivos. Abstract: Nursing Education is changing in Portugal and in Europe to answer Bologna challenges both in under and postgraduate levels. In under-graduate education there is a relevant national experience. However regarding post-graduate nurse education it is important to analyse worldwide experiences in order to underpin individual and collective critical thinking. Thus a systematic literature review was performed on Science Direct Database with the keywords advanced nurse education or postgraduate nursing education between 2003 and 2007. Only eight papers were found mirroring Australian, North American, British, Swedish and Turkey experiences. Each post-graduate education model is described. Palavras Chave: formação avançada em enfermagem; doutoramento em enfermagem. Keywords: Advanced nurse education; Nursing PhD; Doctorate in Nursing Introdução A formação em enfermagem tem enfrentado, desde sempre desafios que a levam mais longe, tanto sob o ponto de vista clínico mais generalista ou mais especializado, como sob o ponto de vista científico, com o reconhecimento como profissão e como disciplina de conhecimento. O mais recente, a nível nacional, relembra-nos a integração no sistema nacional de ensino superior e a formação inicial com a aquisição do grau de licenciatura (Nunes, 2003). A nível internacional enfrentamos uma União Europeia onde a diluição das fronteiras ou a tendência para a moeda única não são os únicos desafios que se nos colocam: a mobilidade de pessoas e profissionais exigem que a formação pré e pós-graduada se adapte a novas realidades, implicando a reestruturação do ensino superior e a adequação dos cursos a uma plataforma comum de entendimento (UE, 1999). Assim, tanto ao nível da formação pré-graduada (1º Ciclo) como da formação pós-graduada (2º e 3º Ciclos) há um trabalho importante de reflexão e de mudança a fazer, sobretudo se pensarmos na diferença das práticas instaladas relativamente à formação em enfermagem nos diferentes países da Europa (Zabalegui et al., 2006). O objectivo não será a uniformização de programas, mas encontrar pontos de referência, elementos estruturantes e entendimento comum (Tuning, 2005). No que diz respeito ao 1º Ciclo, vivemos neste momento o processo de adequação dos cursos aos requisitos decorrentes do Processo de Bolonha. Discutimos ainda se o 1º Ciclo é o mais adequado para o acesso à profissão. No entanto, independentemente do grau académico com que um graduado sai para o mercado de trabalho habilitado a desempenhar a sua profissão, a formação inicial tem um considerável historial em Portugal. Quanto à formação pós-graduada conferidora de grau em enfermagem podemos dizer que, no nosso país, ainda estamos a dar os primeiros passos e já enfrentamos o desafio de acompanhar mudanças estruturantes. Por isso, é de todo pertinente fazer alguma pesquisa e análise sobre o panorama internacional relativamente à formação de 2º e 3º Ciclos, à procura de experiências ou estudos que nos possam dar subsídios para a reflexão nacional. Através de uma revisão sistemática de literatura na base de dados Science Direct, podemos constatar que as experiências publicadas não abundam, sendo bastante diversificadas mas com pontos de convergência importantes. Se as variações na formação pré-graduada no contexto europeu são ainda muitas, no que diz respeito à 1

formação pós-graduada há variações importantes, ainda que, para efeitos de Mestrado e Doutoramento, estejamos apenas a analisar ensino Universitário. Apesar da curta história da existência de Doutoramento em Enfermagem (em comparação com outras disciplinas), cerca de 30 países oferecem este tipo de formação (Masterson, 2006). Relativamente ao que se espera com 2º Ciclo (ou Mestrado) poder-se-á dizer que o estudante deverá adquirir competências de desenvolver conhecimento e de aplicar de forma independente a metodologia científica; com o 3º Ciclo (Doutoramento) atinge-se a maturidade de desenvolvimento autónomo e de supervisão de projectos de investigação, gerando contributos originais para a disciplina (Zabalegui et al., 2006). As mesmas autoras chamam a atenção para o exercício clínico especializado, designadamente através do 2º Ciclo e do exercício científico qualificado (3º Ciclo). O debate sobre a estrutura e os resultados esperados de um doutoramento não é novo (Edwardson, 2004), tal como a controvérsia sobre as diferentes formas de o fazer, seja na Austrália (Yam, 2005), na Turquia (Yavuz, 2004), na Suécia (Kjellgren, Welin, & Danielson, 2005), no Reino Unido (Ellis, 2006; Ellis & Lee, 2005; Evans, 2007) ou nos EUA (Edwardson, 2004). Pesquisando numa base de dados de referência (Science Direct) foi possível constatar que, nos últimos 5 anos, apenas foram publicados 8 artigos reportando a análise da estrutura ou do processo de programas de Doutoramento, nos cinco países atrás mencionados. Todos são estudos exploratórios, predominantemente documentais, ainda que com recurso a análise de entrevistas de stakeholders. O exemplo dos EUA A realidade americana, retratada por Edwardson (2004), debate-se com a questão da proliferação de cursos, mas com a exiguidade de doutorados, salientando que a idade média dos novos graduados é de 46 anos, enquanto que, nas outras profissões, é de 33,8. Este facto condiciona, quase sempre, o período de vida útil do doutorado no contexto académico. A discussão envolve, também, a falta de preparação do doutorado para o exercício da actividade pedagógica, uma vez que o mesmo detém conhecimento especializado numa área muito específica (enfermagem) e não recebe, no decurso do seu doutoramento, preparação adequada para o exercício da docência. Contudo, a opinião contrária é defendida pela autora, argumentando que a profissão de um doutorado é ser um académico e um professor. Como profissional, o doutorado tem uma dupla obrigação: ser conhecedor da sua área de especialidade, não apenas para aumentar o conhecimento da disciplina, mas também para o divulgar a outros. Por outras palavras, os papéis académico e pedagógico são inseparáveis. No que diz respeito à duração dos programas, a dispersão é grande, sendo a média de 7,2 anos. Apesar de não se referir uma data exacta para o início dos doutoramentos em enfermagem nos EUA, a autora afirma que a oferta formativa se tem mantido constante desde os anos 80, tendo o número de graduados, por ano, triplicado entre 1980 e 1997. Uma preocupação demonstrada por Edwardson (2004) relaciona-se com o facto da maioria dos programas de doutoramento centrarem a sua investigação na área educacional, negligenciando as outras áreas do exercício. Esta prática é compreensível, dado que a maior parte dos estudantes do doutoramento são professores ou se dedicam à docência, mas deixa a descoberto a investigação fundamental e a investigação clínica. Uma outra crítica colocada por esta autora é que, ao treinar de forma aprofundada as competências de investigação num modelo ou numa área muito específica, tanto o estudante como o professor ficam com lacunas na capacidade de aplicar estas competências fora da área extremamente restrita da sua investigação. Esta discussão desenha os dois grandes tipos de programas doutorais existentes em enfermagem: um com o eixo mais centrado na investigação ou, por outras palavras, na geração de novo conhecimento, outro com o eixo nas questões clínicas, preparando, essencialmente, utilizadores de investigação, em vez de investigadores. Encontramos, assim, aquilo a que Peplau já se referia como sendo necessário: por um lado, o doctor of education (o investigador) e, por outro, o doctor of nursing science (o detentor de conhecimento, o consultor). A mesma afirmação é feita pelo Council of Graduate Schools (1977), citado por Edwardson (2004): The professional doctor s degree should be the highest university award, given in a particular field in recognition of completion of academic preparation for professional practice, whereas the Doctor of Philosophy should be given in recognition of preparation for research whether the particular field of learning is pure or applied. Esta discussão mantém-se, defendendo a mesma autora, actualmente, a existência de dois tipos de programas de doutoramento, designadamente o Professional Doctorate, centrado no conhecimento clínico, e o PhD, centrado no conhecimento em investigação. A Austrália A realidade australiana, relatada por Yam (2005), reflecte a recente passagem do ensino de enfermagem para o ensino superior (decretada em 1984, e concluída em 1993). Esta mudança trouxe uma intensa proliferação 2

de formação pós-graduada, incluindo o primeiro PhD (1987). O ensino australiano desenvolveu, de forma quase simultânea, tanto os PhD, como os Professional Doctorates, salientando-se uma taxa de sucesso mais elevada nestes últimos, que são programas mais escolarizados e estruturados, por comparação com o PhD, cujos estudantes têm de vencer um caminho mais solitário, de pesquisa e de reflexão. Da leitura do artigo de Yam (2005), concluímos que, na realidade australiana, ambas as modalidades são importantes e valorizadas, sublinhando-se, contudo, que o Professional Doctorate ajuda a minimizar a distância entre a teoria e a prática, uma vez que desenvolve profissionais críticos e pensantes. O exemplo da Turquia O ensino de enfermagem na Turquia (Yavuz, 2004) retrata uma evolução histórica de um século, com início em 1912, com a abertura do primeiro curso de formação para enfermeiros (com a duração de seis meses), até um curso de três anos, em 1946, passando a 4 anos de formação em 1958. A primeira escola universitária de enfermagem abriu em 1985, datando os primeiros doutorados em enfermagem de 1973. Em 1986, a Turquia era um dos únicos cinco países europeus que ofereciam uma formação superior única para enfermeiros. Em 1992, o país contava com 292 mestres e 120 doutorados em enfermagem, sublinhando a autora que existe, ainda, um deficit de qualificação dos professores de enfermagem. Na Turquia, as escolas universitárias de enfermagem trabalham em conjunto com outras instituições universitárias de Ciências da Saúde na oferta do grau de doutoramento: o PhD e o Professional Doctorate são trabalhados em conjunto e os tópicos de investigação mais encontrados nas dissertações referem-se à aplicação clínica dos cuidados de enfermagem. Tendo-se iniciado, na Turquia, a formação avançada em enfermagem em 1980, com um único programa de doutoramento, existem actualmente oito programas diferentes, centrados em áreas específicas da prática: Fundamentos de enfermagem; Enfermagem médica; Enfermagem cirúrgica; Saúde da mulher e obstetrícia; Saúde e doença na criança; Saúde mental e psiquiátrica; Saúde pública; Educação em enfermagem. Neste sistema, o programa de doutoramento consiste na obtenção de créditos obrigatórios e opcionais em número não inferior a 21. A cada crédito correspondem 14 horas de formação teórica e 28 horas de prática clínica, sendo que o sucesso em cada crédito depende de uma avaliação superior a 75%. A realidade sueca O modelo sueco, relatado por Kjellgren (2005), reflecte também uma evolução recente no ensino de enfermagem, datando os primeiros doutoramentos em enfermagem dos anos 80. O programa doutoral é desenvolvido, habitualmente, ao longo de quatro anos, correspondendo à aquisição de 160 créditos (um crédito corresponde a uma semana de trabalho). As regras do programa doutoral não são rígidas e pressupõem a aquisição de 30 créditos em seminários nas áreas de investigação e de teorias e conceitos de enfermagem. O programa sueco segue o modelo PhD, tendo os candidatos que publicar, pelo menos, dois ou três artigos em publicações científicas com peer review antes de submeterem a tese. A maior parte do trabalho de doutoramento é centrada numa investigação individual para produção de conhecimento original. O Reino Unido A realidade britânica, retratada por Ellis (2004, 2006; Ellis & Lee, 2005), é composta por uma larga variabilidade de programas, desde o Professional Doctorate, extremamente escolarizado, ao PhD, de estrutura mais flexível. Esta autora descreve, também, as atitudes relativas ao Professional Doctorate, que vão desde o entusiasmo, ao maior cepticismo. Neste país, os dois modelos coabitam, retratando uma evolução que ocorreu ao longo de todo o século XX. A posição relativa ao Professional Doctorate é, ainda, cautelosa, afirmando-se que lhe falta suporte teórico e empírico, havendo falta de clareza quanto aos seus objectivos e benefícios, apesar dos seus quase 50 anos de existência nos EUA. É evidente que o Reino Unido não quer replicar a situação confusa que se verifica nos EUA, abrindo-se contudo ao campo do Professional Doctorate, embora com alguma prudência. A vantagem reconhecida no Professional Doctorate emerge da necessidade de melhorar a qualidade dos cuidados de enfermagem através de profissionais que, mantendo-se na prática clínica, desenvolvam competências de pesquisa de conhecimento e de incrementação da prática no seu contexto. Esta posição é sedimentada por políticas governamentais que defendem a necessidade emergente da qualificação dos profissionais como único meio para atingir a melhoria dos cuidados. O primeiro Professional Doctorate em Enfermagem surgiu em 1995, sendo que, em 2004, 23 universidades no Reino Unido ofereciam este tipo de formação. Para além disso, dez outras universidades planeavam introduzir este programa nos dois anos subsequentes. 3

É exigido aos estudantes dos dois tipos de formação que demonstrem evidência de um juízo crítico independente e que produzam um contributo original para o conhecimento em enfermagem. Contudo, aos estudantes de Professional Doctorate é solicitado que essa demonstração de conhecimento seja feita no seu contexto profissional, o que implica a mobilização de competências de liderança. É no âmbito dos Professional Doctorates que se encontra o espectro mais variado de estruturas curriculares, das mais prescritivas, às mais flexíveis. Quanto à diferença entre o nível de Mestrado e o de Doutoramento, não é muito clara em nenhum dos documentos consultados, parecendo que o nível de Mestrado é obtido pela frequência de seminários e pela submissão de uma dissertação de menor abrangência ou profundidade do que a exigida para o nível de doutoramento. Por outras palavras, os factores tempo, abrangência e profundidade são o que faz a diferença entre um Mestrado e um Doutoramento sendo que, no primeiro, é solicitada sistematização ou validação de conhecimento enquanto que, para o Doutoramento, a expressão an original contribution to knowledge é obrigatória e sublinhada. Ellis (2005) refere ainda que os últimos quinze anos de experiência na formação de professional doctorates permitem o claro benefício de ter orientadores de ensino clínico qualificados, não só para acompanhar estudantes de nível pré-graduado, mas também para supervisionar estágios no âmbito da especialização em enfermagem. Em síntese No panorama analisado podemos encontrar dois perfis diferentes, cada um dos quais retratando variabilidades importantes: o PhD, ou Doutoramento Científico, que privilegia a investigação fundamental, sem descartar a investigação aplicada; este formato visa essencialmente desenvolver investigadores na Disciplina de Enfermagem, aptos a fazer percursos de forma independente, individual, e a produzirem contributos originais para a ciência, bem como a transmitirem/divulgarem esse mesmo conhecimento; preferencialmente, o PhD estimula a publicação e o ensino, na sua vertente mais académica. o Professional Doctorate, ou doutoramento profissionalizante, privilegia a aquisição de conhecimento, a pesquisa de informação, o desenvolvimento de pensamento crítico em enfermeiros que também fazem investigação em contexto clínico, mas que se mantêm nesse contexto tendo em vista ser agentes de mudança nos serviços. Quanto às diferentes realidades encontradas nos diferentes países, reflectem a evolução histórica da profissão e do ensino da enfermagem. Por exemplo, nos EUA, país de maior dimensão e onde há mais tempo o ensino da enfermagem é universitário, encontramos uma enorme variabilidade de formatos e designações. Não é claro, por vezes, qual o perfil de competências que corresponde a cada designação criada. Nos países de menor dimensão e de evolução mais recente no que diz respeito ao ensino de enfermagem, encontramos a opção por apenas um modelo de formação, designadamente na Suécia (opção por PhD) e na Turquia (opção predominantemente profissionalizante). Na Austrália coexistem os dois modelos e em Inglaterra começa a apostar-se de forma mais cautelosa na versão profissionalizante. É também na literatura inglesa que mais se sublinha a necessidade de fazer investigação nesta área para avaliar riscos e benefícios da versão profissionalizante. Quanto à duração encontrada, varia entre os 3 a 5 anos para doutoramento e entre 1 a 2 anos para mestrado, sendo as grandes diferenças entre os dois graus mais assentes na extensão da investigação realizada. No caso britânico, o estudante que se inscreve para PhD só sabe se é aceite para o Grau de Doutor depois de submeter o relatório preliminar da investigação realizada e de um Júri decidir se a mesma tem ou não condições para aquisição desse grau ou apenas do grau de Mestre. Finalmente, importa referir que, embora os artigos consultados sejam posteriores a 2002, ainda espelham uma realidade pré-bolonha. A variabilidade dos créditos é exemplo disso. Vale a pena, portanto, considerar a experiência em diferentes países no momento actual do desenvolvimento da formação pós-graduada em Portugal. Referências EDWARDSON, S. R. - Matching standards and needs in doctoral education in nursing. Journal of Professional Nursing. 20:1 (2004), 40-46. ELLIS, L. 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