A TRAGÉDIA NO ROMANCE AMOR DE PERDIÇÃO DE CAMILO CASTELO BRANCO



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Transcrição:

1 INTRODUÇÃO A TRAGÉDIA NO ROMANCE AMOR DE PERDIÇÃO DE CAMILO CASTELO BRANCO Isis Santos Pinheiro 1 Márcio dos Santos 2 O gênero literário tragédia surgiu na Grécia no século V a. C., de forma dramática (SOARES, 2006, p. 60), e conforme Aristóteles em sua Poética, a tragédia é uma imitação (mímesis) de uma ação de carater sublime, representada por atores, e que suscita terror e piedade e ao mesmo tempo busca a purificação dessas emoções, apontando para o caráter libertador (catarse). Assim surge nesse gênero o heroi trágico que vê-se entre duas forças opostas: o ethos, seu próprio caráter, e o dáimon (destino), e se movimenta em um mundo também trágico, no qual se encontram em tensão a organização social e jurídica [...] (SOARES, 2006, p. 61). A partir dessas proposições preliminares sobre o gênero trágico percebemos em Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco, uma aproximação às características do gênero em questão, embora se trate de uma narrativa. A história de amor entre um jovem casal da cidade de Viseu, em Portugal, que pela rivalidade entre suas famílias, não consegue corresponder aquele sentimento, culminando num final trágico, muito se aproxima aos dramas trágicos, criadas ao longo dos tempos. As entrelinhas dessa história remetem a análises críticas diversas, logo, o objetivo desse trabalho é demonstrar o caráter trágico a que está submetido o enredo de Amor de Perdição, aproximando-o ao gênero literário suscitado nas linhas pretéritas. Com isso, apresentaremos adiante as impressões que colhemos, a partir de embasamentos dispostos pela teoria da literatura. Assim, propomos estudar Amor de Perdição numa perspectiva de mistura de gêneros literários explorando, principalmente, o caráter trágico (drama) da obra que foi escrita com na forma de novela (narrativa). 2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE 1 Graduada em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe. 2 Graduado em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe. 1

O desenvolvimento desta proposta corre pela retomada à contextualização daquela novela, abordando, de forma sucinta, os aspectos políticos, sociais, religiosos, bem como os trágicos presentes naquela obra. Entendemos que isto é fundamental à compreensão básica do texto em análise para que possamos atingir o objetivo pretendido. A partir da apresentação do enredo, é importante ressaltar os aspectos que tratam da escola literária a que pertence Amor de Perdição, bem como as abordagens sobre aquela narrativa a partir do momento literário em que foi escrita. Assim, entendemos ser importante aliar a obra às características difundidas pelo ultrarromantismo, estilo de época ao qual pertence o texto referido. Por fim, tem-se uma breve comparação a Romeu e Julieta de William Shakespeare, pois o enredo de Amor de Perdição se desenvolve com uma história semelhante à retratada na peça de Shakespeare: o ódio que envolve as duas famílias tem uma forte presença nas duas obras, bem como o final trágico em ambos. Essa é uma das principais características presentes nessas obras que faz com que os críticos as comparem. 3 ENRENDO Amor de Perdição retrata uma história de amor entre Simão jovem rapaz, rebelde, filho do Juiz Domingos José Correia Botelho e de Rita Teresa Margarida Preciosa, irmão de Manuel, Maria, Ana e Rita e entre Teresa jovem de 15 anos, filha de pai viúvo Tadeu Albuquerque e prima do fidalgo Baltasar Coutinho. Os sentimentos de Simão e Tereza eram correspondidos por carta, visto que ele vivia em Coimbra, onde frequentava curso universitário de humanidades e ela em Viseu, onde viviam as duas famílias. Simão, dominado pelo amor que sentia por Teresa, largou os estudos e voltou para Viseu com o objetivo de ficar mais próximo de sua amada. Simão e Teresa viviam um amor impossível porque eram de famílias inimigas e os pais não admitem o romance. Ela foi prometida pelo pai para se casar com Baltasar Coutinho por uma questão de prestigio familiar, e interesses financeiros. Nesse momento ela recusa o casamento e é ameaçada a ficar presa num convento. Sabendo disso, Simão resolveu se hospedar na casa do ferreiro João da Cruz, que era pai de 2

Mariana moça de vinte e quatro anos, formas bonitas, um rosto belo e triste. O ferreiro sempre esteve prestativo a Simão por ter sido beneficiado pela família do rapaz em questões judiciais. Mariana passou a admirar Simão e a amá-lo intensamente. Com isso, envolve-se num amor platônico, que não pôde ser concretizado porque o rapaz amava outra mulher. Ela apresentava um semblante melancólico por prevê as tristezas que poderiam acontecer com Simão. Surge, portanto, uma trilogia amorosa. Assim, os três personagens principais de Amor de Perdição viveram um amor impossível, sem chances de ser concretizado. O cenário amoroso do casal foi interrompido por Baltazar Coutinho que tentou a todo custo se casar com a prima, porém ela sempre o recusou. Simão, por sua vez, tentou algumas vezes se encontrar com Teresa, mas não obteve êxito. Nesse ínterim, Simão e Baltazar se encontram, após uma grave discussão, o estudante atira contra o fidalgo, matando-o instantaneamente. Com isso, Simão foi preso em Viseu e Teresa transferida para o convento do Porto. O pai de Simão pouco interferiu para livrar o filho da prisão, pois entendia que, embora fosse corregedor da justiça, não podia fazer nada pelo filho. Enquanto isso Simão e Teresa continuavam trocando cartas. Isto era o que amenizava a tristeza e a melancolia da moça internada no convento do Porto. Todos os dias, Teresa chorava desconsoladamente por conta daquele amor impossível. Após muita insistência do tio-avô de Simão, o Sr. Antônio da Veiga, foi que Domingos Botelho interferiu na situação do filho, livrando-o da forca e transformando a pena em exílio na índia. Enquanto isso, Teresa, tomada por um forte sentimento de perda, prenuncia sua morte para as demais internas ao cumprimenta-las com um sentimento de despedida. Assim, ao perceber o embarque de Simão junto com os demais degredados, Teresa não suporta tamanha dor e morre. Simão segue viagem para o exílio tomado pela tristeza e pela dor de ter perdido Teresa. Mariana segue com o rapaz na tentativa de consolá-lo, além disso, ela se encontrava sozinha, pois seu pai fora assinado. Para a moça, importava apenas a satisfação de estar junto a Simão, em face de seu amor pelo rapaz. Simão foi tomado pela dor da perda, principalmente ao ler a carta de despedida enviada por Teresa, na qual a moça descrevia a própria vontade de partir para eternidade. No percurso da viagem ao 3

degredo, sua saúde ficava cada vez mais debilitada, até que uma febre maligna o levou a óbito. Mariana, também não suportou a morte de Simão e atira-se ao mar junto com as cartas de Teresa em busca do cadáver de seu amado. O enredo do romance é unilinear, ou seja, não há retomada. Com a Morte de Teresa, Simão e Mariana, a narrativa chega ao fim, ou seja, ao desfecho, porque nada mais interessa na estrutura novelística que tinha como objetivo relatar a história de amor impossível entre dois jovens que morrem pelo amor. Na obra, Camilo Castelo Branco retrata alguns pontos importantes que marcavam a sociedade daquela época. Primeiro a questão do casamento por encomenda, voltado para os interesses financeiros e para o prestígio social, desprezando, portanto, os sentimentos que conduzem as relações. Segundo trata do poder da burguesia em mudar as leis a seu favor. Isso se dá com a influência do pai de Simão para salvá-lo da morte. E terceiro critica a instituição religiosa convento por retratar aspectos não condizentes com a fé cristã. Meio a essas marcas da sociedade é que se desenvolve uma sucessão de acontecimentos trágicos na história de Amor de Perdição. Isto se dá com morte dos criados de Baltazar durante a tentativa de Simão para encontrar com Teresa, no clímax da obra quando Simão mata o próprio Baltazar e por fim com a morte de Teresa, Simão e Mariana. Esses fatos compõem a história da novela como elemento principal da ação dos personagens, face ao caráter heroico pela realização de um amor proibido. Pela tentativa de concretizar um amor que aos olhos da sociedade da época e dos familiares de Simão e Teresa, era proibido, fazendo com que ambos morressem e não concretizasse o romance. Esse é um dos grandes pontos em que mostra uma forte característica das tragédias a exemplo de Romeu de Julieta no qual os personagens principais também morrem e não concretizam o sonho de ficarem juntos. 4 O GÊNERO LITERÁRIO Amor de Perdição pertence ao movimento literário ultrarromântico 2ª fase do romantismo. Estilo é caracterizado pelo excesso de sentimentos e pelo exagero. Os escritores dessa escola literária purificam de tal modo às características do 4

Romantismo que fatalmente caem no exagero e no esparramamento (MOISÉS, 2008, p. 200). Nessa fase os grupos literários gozam de total liberdade para expressarem suas ideias. Agora a preocupação com conteúdo ganha mais importância em relação aos aspectos formais. Isto os caracteriza em românticos exagerados, tomados pela liberdade criativa, ou seja, se aventuram pelo mundo da imaginação para demonstrar seus anseios quanto às questões sentimentais e sociais vigentes, guiados pelo subjetivismo alimentado pela dúvida, o egocentrismo, a fuga da realidade. Estes aspectos marcam a segunda geração do romantismo, chamada também de ultrarromantismo por ir além dos limites que marcam a estética. É nesse momento que a obra de Castelo Branco surge na sociedade portuguesa, estendendo-se até a escola literária seguinte. Camilo transita do ultrarromantismo, descabelado, histérico e piegas, para um naturalismo coerente [...] Nele se corporifica, portanto, a agonia do ideal romântico e o despontar das novas correntes ideológicas. (MOISÉS, 2008, p. 211). Os ideais românticos impulsionam as discussões sobre os gêneros literários em face da liberdade de criação e consequente derrubada das regras clássicas e do conceito de mímesis reduzido à imitação de modelos, no qual elas se baseavam. (SOARES, 2006, p. 61). Assim é possível perceber uma tendência à mistura de gêneros nas obras dos românticos. Nesta perspectiva, temos que Amor de Perdição é uma narrativa na forma de novela. Ainda a partir de (SOARES, 2006, p. 55) a novela É uma forma narrativa intermediária, em extensão, entre o conto e o romance. Sendo mais reduzida que o romance. Tem todos os elementos estruturadores do romance, em número menor. Isto é, a novela tem enredo, tem personagens, tempo e espaço. Assim, em princípio, se constitui o texto em questão. Porém, vimos o caráter híbrido do texto pela apresentação de aspectos característicos da tragédia originária da literatura antiga: pela forte presença de ações heroicas objetivadas pela busca do amor e pela busca da liberdade, nesse caso, quebra das regras impostas pela sociedade em nome do amor idealizado. Os personagens principais se envolvem em momentos de forte tensão seguidos de mortes ao enfrentar os princípios sociais em nome do sentimento. A força 5

psicológica daqueles personagens permite que se observe a magnitude do herói trágico arquitetado por Camilo Castelo Branco. 5 A TRAGÉDIA EM AMOR DE PERDIÇÃO Na Poética, Aristóteles dar a seguinte definição de tragédia: É pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídos pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções. (ARISTÓTELES, 1449b, in SOUZA, 1966, p. 37. Com isso, as cenas trágicas de Amor de Perdição são características das tragédias a exemplo de Romeu e Julieta. Esta é uma peça teatral do renascimento que conta a história de dois jovens assim como em amor de perdição, pertencentes a famílias que tinham desafetos e por isso impediam eles de se enamorarem. São fortes as semelhanças do texto de Camilo com Romeu e Julieta pela forte presença de características dessa tragédia na obra de Camilo Castelo Branco. Nessas duas obras, escritas em momentos distintos da literatura mundial, está implícita a semelhança dos enredos, desencadeados pela busca por um amor não realizado, impossibilitado pela rivalidade familiar e, consequentemente oprimido pelo sistema social aparente e pela sucessão de atos trágicos, símbolo da resistência e única saída em nome do amor. A dicotomia amor versus morte, presente em Amor de Perdição remete aos acontecimentos trágicos da trama. O Então herói, Simão, na tentativa de se encontrar com Teresa, seu grande amor, foi surpreendido por Baltasar juntamente com seus criados. Nesse momento dois dos criados morrem e Simão se refugia ferido na casa do ferreiro João da Cruz. Os planos de Simão para evitar a transferência de Teresa do convento de Viseu para o de Monchique são interrompidos ao encontrar o rival Baltasar. Isto culmina com a morte deste, atingido por um tiro certeiro disparado por aquele. Eis um momento crucial da obra ao suscitar terror pelo acontecimento trágico, definição do destino das 6

duas personagens um morto e o outro privado da liberdade o piedoso impasse amoroso vivido pelo casal apaixonado, embalado pelo desejo de libertação amorosa. Por fim, impedidos de realizarem o grande amor que sentira um pelo outro, Simão e Teresa adoecem e morrem. Ainda nesse embalo de acontecimentos trágicos, aparece Mariana que ao cuidar de Simão por um bom tempo se apaixona pelo rapaz e, ao vê-lo morrer, se entrega ao suicídio. Tem-se, portanto uma sucessão de acontecimentos trágicos em nome do amor. Os personagens se defrontam com os limites impostos pela sociedade em busca da realização amorosa. A tragédia é exposta no momento em que Teresa e Simão morrem ambos enlouquecidos pela impossibilidade de concretizar o sonho das suas vidas que era ficar juntos, mas com a tragédia da morte do casal isso não irá acontecer. A forma como é conduzida a história, levada a um desenlace, geralmente com a morte; bem como o caráter de libertação defendido pelo herói trágico; apontam a força que aproximam os personagens de Amor de Perdição aos das Tragédias Antigas. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise mostrou que há impressão de aspectos trágicos demonstrados pelos personagens de Amor de Perdição em busca de uma realização, nesse caso, amorosa. Com a retomada da Tragédia Antiga e do Teatro clássico de Shakespeare, é possível perceber os elementos que definem o caráter trágico a que está envolvida a trama. E também, a liberdade formal do autor romântico ao envolver os diferentes gêneros literários em seus textos. Podemos concluir com a análise feita que o romance Amor de Perdição traz para o leitor, iminente relação aos aspectos dramáticos da tragédia, embora seja apresentado em forma de narrativa. Com isso buscamos desenvolver uma análise literária a partir da obra e sua relação entre os diferentes gêneros literários narrativo e dramático apontando os aspectos que suscitam as características trágicas numa novela unilinear. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7

ARISTÓTELES, Poética; tradução de Eudoro de Sousa. - Porto Alegre: Editora Globo. 1966. BRANCO, Camilo Castelo, Amor de Perdição. 3ª Ed. Série Obra prima de Cada Autor, Martin Claret, 1999, São Paulo. MOISÉS, Massaud, A Literatura Portuguesa, 37 ed., 2008. SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta; tradução de Beatriz Viégas-Faria. - Porto Alegre: L&PM, 2009. 160 p.; 18cm - ( Coleção L&PM POCKET) SOARES, Angélica. Gêneros literários. 6 ed. São Paulo: Ática,2006. 85p. STALLONI, Yves. Os Gêneros literários; tradução e notas, Flavia Nascimento. - 3ª ed. - Rio de Janeiro: DIFEL, 2007. 196p. - (Coleção Enfonques. Letras). VIANNA, Alexander Martins. Liminaridade Indesejada: Por uma Leitura Anti- Romântica de Romeu e Julieta. Revista Espaço Acadêmico nº 39. 2004. Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/039/39evianna.htm>. Acesso em 13.12.2014. 8