TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA NO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE



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Transcrição:

TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA NO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE Priscila Sardi Cerutti Acadêmica do VIII nível do Curso de Psicologia e Bolsista Desempenho da Faculdade Meridional IMED priscilacerutti@yahoo.com.br Suelen Oliveira Tomasi Acadêmica do VIII nível do Curso de Psicologia da Faculdade Meridional IMED sutomasi@gmail.com Tatiana Lima Both Professora da Faculdade Meridional IMED. Especialista em Humanização da Atenção e Gestão do SUS (ESP; MS: UFRGS); Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS) tatiboth@imed.edu.br Resumo. O presente artigo tem por objetivo fazer uma discussão a respeito do transtorno da personalidade Borderline (TPB). Este se caracteriza principalmente por instabilidades nos relacionamentos interpessoais, na auto-imagem e no afeto, como veremos de forma mais detalhada no decorrer do texto. É um transtorno que acomete cerca de 2% da população geral e 10% dos indivíduos em clínicas ambulatoriais de saúde mental, independente da cultura, condição socioeconômica ou etnia. O foco desta revisão está relacionado ao tratamento cognitivo comportamental através da terapia comportamental dialética (TCD), na qual enfatiza a interação recíproca de influências biológicas e sociais na etiologia do transtorno a pacientes que sofrem de tal patologia. Além do tratamento psicológico, a intervenção farmacológica se torna indispensável para controle da doença. Para o desenvolvimento da pesquisa, foi realizada uma busca bibliográfica que nos forneceu suporte necessário para que a mesma fosse desenvolvida. Palavras-chave: Transtorno da personalidade Borderline. Terapia cognitivo comportamental. Terapia comportamental dialética. 1. INTRODUÇÃO O termo Borderline foi descrito pela primeira vez por Adolf Stern (1938) que o identificou no exercício da psicoterapia, e posteriormente por Robert Knight que constatou em pacientes hospitalizados. O diagnóstico Borderline foi introduzido pela primeira vez na década de 30 para rotular pacientes com problemas que pareciam se situar entre a neurose e a psicose (Linehan, 2010). No entanto, é imprescindível ressaltar que o termo borderline surgiu de uma abordagem psicanalítica, num contexto histórico específico que o possibilitou. O TPB é um transtorno mental grave e complexo. Acomete cerca de 2% da população geral, e é o mais comum dos transtornos de personalidade no contexto clínico, comprometendo cerca de 10% dos indivíduos internados. Além disso, apresenta alta taxa de mortalidade por suicídio (10%) e comportamentos autodestrutivos (SCHESTATSKY, 2005). Mesmo quando se institui uma farmacoterapia potencialmente eficaz, costuma-se supor que seja necessária alguma

forma de tratamento psicoterápico para pacientes com tal patologia. A terapia comportamental dialética (TCD) é um tratamento cognitivo comportamental amplo, desenvolvida especialmente para o transtorno borderline. Foi a primeira psicoterapia a se mostrar eficaz, sendo ela uma combinação de terapia individual com o treinamento de habilidades (LINEHAN, 2010). A presente pesquisa fará uma revisão teórica a respeito do transtorno da personalidade borderline, focando a terapia cognitiva comportamental através da TCD no tratamento de paciente com tal patologia. Serão abordados também aspectos relacionados a intervenções farmacológicas, nas quais os pacientes são submetidos. 2.CARACTERIZANDO O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE O transtorno de personalidade borderline, assim intitulado no DSM-IV- TR (APA, 2002) é denominado na CID-10 como Transtorno de personalidade emocionalmente instável, tipo borderline (limítrofe). Em ambas as classificações, são caracterizadas por instabilidades nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e no afeto, mantendo uma acentuada impulsividade, começando no início da vida adulta e presente em uma variedade de contextos. Indivíduos diagnosticados com este quadro apresentam muita sensibilidade às circunstancias ambientais às quais são expostos. Bem como, podem sentir empatia e carinho por outras pessoas apenas com a expectativa de que a outra pessoa estará lá também para atender às suas próprias necessidades, quando exigido. Mudam facilmente de opinião acerca dos outros, carreira, identidade, sexo, valores, tipos de amigos, mudando o papel de uma pessoa suplicante e carente de auxílio para um vingador implacável. Bem como, podem jogar em excesso, fazer gastos irresponsáveis, dirigir com imprudência, comer demasiadamente e engajar-se em sexo inseguro (DAL PIZOL et. al, 2003). Tentativas recorrentes de suicídio são muito comuns em pessoas com este diagnóstico, ocorrendo cerca de 8 a 10% dos indivíduos. Também sucedem comportamentos autodestrutivos (p.ex. cortes, queimaduras) em 80% dos casos, geralmente precipitados por ameaças de separação ou rejeição e até mesmo por expectativas de que assumam maiores responsabilidades. Outra característica apresentada são perturbações com períodos de raiva, pânico e desespero, que raramente são aliviadas por períodos de bem estar ou satisfação. Esses indivíduos podem ser incomodados por sentimentos crônicos de vazio, ficam facilmente entediados e estão sempre procurando algo para fazer. Além disso, podem exibir extremo sarcasmo, persistente amargura ou explosão verbal e apresentam um comportamento de boicote consigo mesmos quando uma meta está prestes a ser alcançada. Esses sintomas tendem a ser transitórios, durando minutos ou horas (APA, 2002). Segundo Cordioli e colaboradores (2008), o teste de realidade em pacientes com diagnóstico Borderline é relativamente conservado quando possuem a capacidade de distinguir-se o que é o eu do não-eu, de diferenciar a origem dos estímulos e percepções internas das que são externas e de avaliar, realisticamente, os próprios afetos, comportamentos e conteúdos do pensamento em relação às normas sociais comuns. O teste da realidade se preservado, é expresso pela ausência de delírios e alucinações, de pensamento ou condutas grosseiramente bizarras e pela capacidade de construir explicações aceitáveis em um contexto social adequado. Rangé (2001), destaca que a fase mais instável do transtorno ocorre no início da vida adulta que é repleta de episódios de

perda de controle sobre os impulsos e é a época em que o risco de suicídio é mais elevado. É na faixa dos 30 a 40 anos de idade que os indivíduos atingem maior estabilidade. Para o mesmo autor citado, não se deve confundir as crises apresentadas na adolescência com o transtorno Borderline, pois os adolescentes podem sim apresentar características desse transtorno, mas está relacionado às pressões por eles vividas devido à nova fase da vida e que tendem a remitir com o tempo. Também é muito comum observar uma história de abuso sexual em pacientes com TPB, especialmente entre os 6 e 12 anos de idade, muito frequentemente causado por parentes próximos da vítima (RANGÉ, 2001). Porém, estudos comprovam que o abuso sexual não é único evento traumático associado a esse transtorno. Outras formas como o abuso físico e emocional, negligência, perda ou separação parental e conflito hostil também estão relacionados na história da infância desses indivíduos (APA, 2002). De acordo Beck e colaboradores, (2005) esses pacientes são tão numerosos que a maioria dos profissionais tratará pelo menos um em sua prática. Eles apresentam problemas graves e sofrimento intenso, sendo difíceis de tratar. Bem como, têm má reputação nos locais de atendimento, e muitos terapeutas os temem, devido à falsa crença de que essas pessoas não podem ser ajudadas. Para Linehan, (2010) não admira que muitos terapeutas que trabalham com saúde mental se sintam sobrecarregados e inadequados, e estejam à procura de tratamentos que prometam alívio. Formas especializadas de terapia cognitiva estão entre as opções de tratamento disponíveis mais promissoras. Embora a terapia cognitiva para o TPB não seja nem um pouco simples, o tratamento pode ser uma experiência bem-sucedida e compensadora. 3. CONSIDERAÇÕES DA TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA SOBRE O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE O tratamento descrito neste artigo é um tratamento cognitivo comportamental integrativo proposto por Marsha M. Linehan (2010) através da TCD, na qual enfatiza a interação recíproca de influências biológicas e sociais na etiologia do transtorno. Segundo Nunes-Costa et. al, (2009), a TCD assenta em princípios cognitivo comportamentais multimodais e foi originalmente desenhada para o tratamento do transtorno de personalidade borderline, sendo a sua aplicação terapêutica conduzida sob a alçada de uma epistemologia dialética e as estratégias aplicadas de cariz comportamental. Segundo este modelo, pacientes com TPB são caracterizados por uma disfunção na regulação da emoção que, provavelmente é temperamental. Essa disfunção provoca uma forte reação a eventos estressantes um longo tempo e até que as emoções retornem à sua linha-base. Uma segunda suposição, é que o ambiente do paciente com TPB era, e frequentemente é invalidante (BECK, 2005). A terapia comportamental dialética é, em sua maior parte, a aplicação de uma ampla variedade de estratégias de terapia cognitiva e comportamental aos problemas do TPB, mas também tem diversas características específicas que a definem. Como sugere o seu nome, sua principal característica é a ênfase na dialética, a qual envolve a aceitação dos pacientes nas suas atuais dificuldades por exemplo, pelo recurso a estratégias como o mindfullness, ao mesmo tempo, que faz uso das suas competências para a modificação dos comportamentos desajustados por meio de um componente didático, análise metódica e interativa das cadeias comportamentais, entre outras estratégias comportamentais (NUNES-COSTA; et.al, 2009).

De acordo com Linehan (2010), diversos aspectos da TCD a diferenciam da terapia cognitiva e comportamental comum : (1) o foco na aceitação e validação do comportamento como ocorre no momento; (2) a ênfase em tratar comportamentos que interfiram na terapia; (3) a ênfase na relação terapêutica como essencial ao tratamento; e (4) o foco nos processos dialéticos. De acordo com Beck e colaboradores (2005), reações emocionais inadequadas e o comportamento autoprejudicial e automutilante, são o principal alvo de tratamento da TCD com pacientes que apresentam TPB. Basicamente, o tratamento do TPB com a TCD inclui o uso de técnicas de validação e de resolução de problemas. O foco na validação exige que o terapeuta procure o grão de sabedoria ou verdade inerente em cada uma das respostas do paciente e comunique essa sabedoria a ele, bem como, envolve o reconhecimento frequente e solidário do sentido de desespero emocional do paciente (LINEHAN, 2010). Segundo Ventura (2001), os objetivos da terapia são claramente estabelecidos de acordo com a seguinte ordem de importância: em primeiro lugar, são abordados os comportamentos que ameaçam a vida ou a integridade física do indivíduo. Em segundo lugar, são trabalhados os comportamentos que ameaçam o processo de terapia. Em terceiro lugar, são tratados os problemas que inviabilizam uma qualidade de vida razoável. Em seguida, vem à preocupação com a estabilização das habilidades comportamentais desenvolvidas em resposta às habilidades disfuncionais pré-existentes. Segue-se, então, o trabalho com o estresse pós-traumático, finalizando com o objetivo de fazer o paciente desenvolver ampla autovalidação e auto-respeito. A regulação emocional, a efetividade interpessoal, a tolerância a perturbações, a atenção plena nuclear e as habilidades de autocontrole são ensinadas ativamente. O uso das contingências que atuam dentro do ambiente terapêutico exige que o terapeuta preste muita atenção à influência recíproca que cada participante, terapeuta e paciente, tem sobre o outro. Além disso, no decorrer do tratamento, a ênfase está em construir e manter um relacionamento colaborativo, interpessoal e positivo entre o paciente e o terapeuta (LINEHAN, 2010). Linehan introduz o treino de mindfulness no princípio do treino de habilidades sociais, uma das partes essenciais da TCD. Está prática define-se como uma forma específica de atenção plena concentração no momento atual, intencional, e sem julgamento. Concentrar-se no momento atual significa estar em contato com o presente e não estar envolvido com lembranças ou com pensamentos sobre o futuro. A intenção da prática de mindfulness é trazer a atenção plena para a ação no momento atual. Intencional significa que o praticante de mindfulness faz a escolha de estar plenamente atento e se esforça para alcançar esta meta (VANDENBERGHE; SOUZA, 2006). Por meio do treino de competências de regulação emocional os pacientes aprendem a identificar e compreender as funções das próprias emoções, a diferenciálas, a reduzir a vulnerabilidade para expressar e vivenciar apenas emoções intensas, a aumentar a possibilidade de vivenciar eventos de forma mais positiva e a modificar experiências emocionais se assim acharem necessário. Já o treino de competências de efetividade interpessoal recorre a exercícios em que se ensaia e treina um conjunto de cenários prováveis no âmbito de relacionamentos interpessoais e em que se pretende que os pacientes apresentem soluções de desenvolvimento adequadas (NUNES-COSTA, et. al, 2009). No treino de tolerância às perturbações o paciente treina estratégias que lhe permitam tolerar momentos ou situações

ansiogênicas e que lhe causem perturbação significativa e que, por determinado motivo, não as possa evitar ou alterar (NUNES- COSTA; et.al, 2009). Atualmente, a TCD é uma das poucas intervenções psicossociais para o TPB que tem dados empíricos e controlados a favor da sua eficácia. A American Psychiatric Association (apud Rangé, 2001) assume a TCD como o tratamento de regulação afetiva mais eficaz e empiricamente suportado para esse tipo de transtorno. 4. INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICA Os pacientes com TPB podem experienciar níveis muito elevados de emoções negativas e, simultaneamente, pouca tolerância afetiva. Consequentemente, a prescrição de medicação é comum. De acordo com Dal Pizol et. al (2003), o tratamento farmacológico é variado e seus efeitos são inconstantes e, às vezes, modestos. Em geral a farmacoterapia é considerada um possível adjunto da psicoterapia e não um tratamento do TPB em si. Além disso, existem riscos específicos na prescrição de medicação para essa população: efeitos paradoxais, abuso, dependência e uso para tentativas de suicídio, entre outros. Isso vale principalmente para os benzodiazepínicos, que são prescritos quando os pacientes estão em um estado de medo agudo, bem como, quando utilizado em combinação com o álcool intensifica a crise emocional, levando à automutilação e a tentativas de suicídio (Beck e colaboradores, 2005). Estudos indicam que os antidepressivos podem ser efetivos para reduzir sentimentos depressivos, e os neurolépticos podem ser úteis para reduzir ansiedade, raiva, problemas impulsivos e sintomas psicóticos (BECK, 2005). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a literatura encontrada e as respectivas reflexões desenvolvidas neste artigo, é possível afirmar que os portadores do transtorno de personalidade borderline apresentam problemas graves e sofrimento intenso, afetando seriamente toda a vida da pessoa acometida e causando prejuízos significativos tanto ao indivíduo como às pessoas a sua volta. É um transtorno difícil de tratar, possuindo má reputação nos locais de atendimento, e muitos terapeutas os temem, devido à falsa crença de que essas pessoas não podem ser ajudadas. Dessa forma, esta revisão objetivou proporcionar reflexões teóricas e maior conhecimento a respeito do transtorno, relacionado-o com o tratamento através da terapia comportamental dialética que se tornou uma forma de tratamento do TPB. Essa forma de psicoterapia deriva da terapia cognitivo-comportamental e enfatiza a troca e negociação entre o terapeuta e o cliente, entre o racional e o emocional, e entre a aceitação e a mudança. O aprendizado de novas habilidades é um componente principal, incluindo consciência, eficácia interpessoal, cooperação adaptativa com decepções e crises e na correta identificação e regulação de reações emocionais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, APA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. DSM-IV-TR. (4ª ed.rev.). Porto Alegre: Artmed, 2002. BECK, A.; FREEMAN, A; DAVIS, D. Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade. Porto Alegre: Artmed, 2005. CORDIOLI, Aristides Volpato (Org.) Psicoterapias: abordagens atuais. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. DAL PIZOL, A et. al. Programa de abordagem interdisciplinar no tratamento do

transtorno de personalidade borderline: Relato de experiências no ambulatório Melanie Klein do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Rev. Psiquiatria, vol.25, nº1, pag. 22-51, 2003. um diálogo com a Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001. LINEHAN, Marsha. Fundamentos teórico para treinamento de habilidades psicossocial com clientes borderline. In: Vencendo o Transtorno da Personalidade Borderline com a Terapia Cognitivo Comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2010. NUNES-COSTA, R. A. et.al. Teoria e eficácia da terapia comportamental dialética na bulimia nervosa e no transtorno da compulsão alimentar periódica. Revista Brasileira de Psiquiatria, vol. 58, nº 2, pag. 122-127, 2009. RANGÉ, Bernard. Psicoterapias Cognitivocomportamentais: um diálogo com a Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001. SCHESTATSKY, S. Fatores ambientais e vulnerabilidade ao transtorno de personalidade borderline: um estudo caso- controle de traumas psicológicos precoces e vínculos parentais percebidos em uma amostra brasileira de pacientes mulheres. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, Porto Alegre, 2005. VANDENBERGHE, Luc; SOUSA, Ana Carolina Aquino de. Mindfulness nas terapias cognitivas e comportamentais. Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, vol. 2, nº 1, pag. 35 44, 2006. VENTURA, P. Transtorno de personalidade limítrofe borderline. In: Rangé, B. (Org.). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: